Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
212/15.2T8BRG-A.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DIREITO DE VISITA
RESIDÊNCIA HABITUAL
LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / EFEITOS DA FILIAÇÃO / RESPONSABILIDADES PARENTAIS / EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
Doutrina:
-J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, 127 e ss.;
-Rui de Alarcão, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, 29.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A), B) E C) E 988.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1906.º, N.ºS 5 E 7.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º, N.º 2.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA E PRINCÍPIO VI DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA, RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS Nº 1386, DE 20 DE NOVEMBRO DE 1959: - ARTIGOS 7.º E 9.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 39/88, IN DR, I SÉRIE, DE 3 DE MARÇO DE 1988;
- ACÓRDÃO N.º 68/97, IN ATC, 36.º VOLUME, 1997, 259 E SS.;
- ACÓRDÃO N.º 77/01, IN ATC, 49.º VOLUME, 2001, 277 E SS.;
- ACÓRDÃO N.º 96/2005, IN DR N.º 63/2005, SÉRIE II, DE 31/03/2005;
- ACÓRDÃO N.º 177/99, IN ATC, 43.º VOLUME, 1999, 109 E SS.;
-ACÓRDÃO N.º 202/02, IN ATC, 53.º VOLUME, 2002, 223 E SS.;
- ACÓRDÃO N.º 402/01, IN ATC, 51.º VOLUME, 2001, 165 E SS..
Sumário :
I - Na linha da jurisprudência seguida pelo STJ, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.

II - Tendo o recorrente suscitado questões que se reportam a critérios normativos, devem as mesmas ser conhecidas pelo STJ. Só assim não será se, em concreto, o recorrente se limitar a invocar preceitos pretensamente violados sem substanciar em que consiste essa violação ou sempre que a decisão da Relação tiver sido tomada com base em juízos de oportunidade ou de conveniência, caso em que o STJ se encontra impedido de sindicar tais juízos (cfr. art. 988.º, n.º 2, do CPC)

III - Se a propósito da fixação do regime de visitas do menor ao seu progenitor, ora recorrente, o acórdão recorrido respeitou os critérios de conveniência e oportunidade consagrados nos n.os 5 e 7 do art. 1906.º do CC, não podem tais medidas concretas fixadas pela Relação ser sindicadas pelo STJ.

IV - Não ocorre a violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP – conforme densificado pelo TC em termos que são válidos tanto para os actos normativos como para as decisões judiciais – quando se verifica que o acórdão regulou o sistema de visitas do menor ao recorrente procurando proceder à possível conciliação prática dos interesses em confronto perante a circunstância específica de requerente e requerido terem residência habitual em países geograficamente situados em pontos opostos do globo terrestre, tendo sempre em vista assegurar o superior interesse do menor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, casada, residente em …, propôs, em 28/05/2014, a presente acção de regulação do poder paternal de BB, nascido em 05/02/2009, filho da Requerente e de CC, residente em …, …, melhor identificado a fls. 14, pedindo a final que se fixem os termos do exercício das responsabilidades parentais em relação ao menor, determinando que a sua guarda fique a cargo da mãe, estabelecendo a quantia a liquidar pelo progenitor a título de alimentos ao menor e estabelecendo um plano de visitas para que o requerido progenitor possa visitar o menor e participar no seu crescimento.

       Para tanto alegou, em síntese, que a criança é filha de ambos, que embora casados estão em processo de separação uma vez que o pai tenciona regressar ao seu país de origem, a …, e a requerente deseja permanecer em Portugal com o BB.

      Foi designada conferência de pais, à qual faltou o progenitor, que não se encontrava citado por se ter ausentado para a …. Foi então – em 01/10/2014 – fixado regime parental provisório nos termos exarados a fls. 38.

      Entretanto, veio a ser junta aos autos informação atinente à pendência de um processo intentado no mesmo Tribunal, em 09/10/2014, pelo Ministério Público, ao abrigo da Convenção de Haia, para o regresso imediato do BB à … a pedido do pai (fls. 45 e ss.). Em 03/11/2014 foi proferida decisão nesse mesmo processo que indeferiu tal pedido, com os fundamentos expressos a fls. 100 e ss.

       Veio a ser proferido despacho em que se entendeu prosseguir com os autos na medida em que o admitia a Convenção de Haia, maxime visando potenciar o consenso privilegiado por esse tratado internacional (fls. 69).

       Agendada nova conferência de pais para 10/12/2014, o progenitor faltou, anunciando a data em que estaria em Portugal para poder participar pessoalmente na mesma.

       Impugnada em sede de recurso, a decisão de 03/11/2014 veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de … por acórdão de 12/03/2015 (fls. 129).

     Realizada derradeira conferência de pais em 15/06/2015, os progenitores inviabilizaram qualquer consenso, tendo o processo prosseguido ao abrigo da então vigente O.T.M.

      Os pais produziram alegações a fls. 154 e ss./224 e ss., em que expressaram a radicalização das suas posições quanto ao regime parental a estabelecer, maxime no que concerne à residência da criança.

         Nas suas alegações a mãe pede:

   a) Que lhe seja atribuído o exercício das responsabilidades parentais, deferindo-lhe a guarda e cuidados do menor;

   b) Que, antes de estabelecido qualquer regime de visitas ao pai e atendendo ao seu comportamento recente, seja feita avaliação ao estado psicológico do requerido, assim se aquilatando se este detém condições para poder ter o menor à sua guarda durante o período de tempo fixado pelo Tribunal;

   c) Atendendo ao real perigo de o requerido pai não deixar o menor voltar ao contacto e convívio da mãe (o que seria catastrófico para o menor), e antes de se permitir a saída do menor de Portugal, impõe-se que seja previamente estabelecido o exercício das Responsabilidades Parentais;

    d) Considerando todos os inconvenientes de submeter o menor às longas e extenuantes viagens entre o Porto e a …, deve o pai, pelo menos nos próximos dois anos, visitar o menor em Portugal e aqui permanecer com ele durante os períodos de férias de ambos;

   e) Seja atribuída pensão de alimentos a favor do menor a liquidar pelo requerido pai.

         Por sua vez o pai conclui pedindo nas suas alegações escritas que, sic:

    A. Requer que seja atribuído ao Reqdo. o exercício das responsabilidades parentais, a ele se entregando a guarda e cuidado do Menor BB, a exercer na …, estando o Reqdo. disponível para permitir o regime de visitas mais alargado possível com a Reqte. nomeadamente passando todas as férias em Portugal e estando com a Reqte. sempre que esta se deslocar à ….

         Em via subsidiária, se assim não se entender,

   B. Requer que seja atribuído ao Reqdo. o exercício das responsabilidades parentais, a ele se entregando a guarda e cuidado do Menor BB, a exercer na Nova …, e seja fixado um regime de visitas mediante o qual o Menor passará os 6 meses (de Julho a Dezembro de cada ano) com a Reqte. em Portugal sendo viável em termos escolares se o Menor frequentar a instituição de ensino CLIP.

         Ainda em via subsidiária aos pedidos efetuados em A) e B),

   C. Caso o Tribunal entenda que o Menor BB não deve ficar à guarda exclusiva do Reqdo. ou que não poderá ficar seis meses do ano com cada um dos progenitores, que por mera hipótese se admite, mais requer o Reqdo. que, face às particularidades dos presentes autos, seja fixado um regime de visitas em que o Menor esteja com o Reqdo. durante, pelo menos, três meses no Verão (de 18. Junho a Agosto) e ainda durante todos os períodos de férias do Menor.

     Mais requer seja fixado que sempre que o pai puder vir a Portugal para estar com o filho (mais concretamente a B…), o menor passe esse período de tempo com o pai, com ele residindo nesses períodos de visita do requerido a Portugal.

     A divergência entre os progenitores subsistiu até às alegações orais, a final, em que se percebeu que, entretanto, o pai do BB aceita que a residência do mesmo permaneça principalmente com a mãe, sem prejuízo, propugnando pelo estabelecimento de um regime de convívios que vise colmatar a distância geográfica dos primeiros, tal como defendeu a Digna Magistrada do Ministério Público e, de alguma forma, declarou pretender a progenitora.

      Em face desse parcial consenso, regista-se que, mais uma vez, os derradeiros esforços do Tribunal e da Digna Magistrada do Ministério Público no sentido de os pais formalizarem o consenso que o final da audiência de julgamento registou, se frustraram.

Registe-se ainda que, foram recolhidas as habituais informações socioeconómicas, através do organismo competente para o efeito

         Foi proferida decisão nos seguintes termos:

    “Nestes termos, ponderando todo o exposto e o preceituado nos artigos 40º, do R.G.P.T.C. (Lei nº 141/2015), 1905º, 1906º, 1909º, 2003º e seguintes do Código Civil, regula-se o poder paternal relativamente BB pela forma seguinte:

   1. A criança fica a residir com a mãe, a quem incumbem as responsabilidades quotidianas da vida do BB;

   2. As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do BB devem ser decididas por ambos os progenitores, em conjunto, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;

   3. O pai pode ver, visitar e conviver com BB (incluindo pernoitar), quando em Portugal, sempre que o desejar, isto sem prejuízo do descanso e atividades escolares deste, avisando a progenitora previamente e com a devida antecedência, dos contatos em questão;

  4. Nas férias de Verão do BB, o pai poderá conviver com este durante 45 dias, em período a conciliar com a progenitora até à altura do ano em que cada um deles tenha que definir a calendarização desse período;

   5. Anualmente, o pai poderá ainda conviver com o BB nas férias escolares deste, do Natal ou Páscoa, de forma alternada com a mãe;

   6. Os pais devem ambos fornecer meios ao BB para que regularmente comunique (sem interferência e respeitando a sua privacidade), com o outro progenitor com quem não estiver a residir/conviver em cada momento, via áudio e imagem, e manterem-se reciprocamente informados de todos os aspetos importantes para a gestão da sua vida quotidiana;

   7. O regime de visitas estabelecido supra, nos itens 4. e 5., deve efetivar-se após um período transitório de adaptação da criança a esta nova realidade nos seguintes termos:

     a. Durante o presente ano, os progenitores devem, em consonância, empreender esforços para, iniciar convívios mais duradouros e autónomos entre o pai e o BB, em Portugal, que gerem a confiança securizante indispensável à efetivação do regime de visitas regular acima previsto nesses itens, e, no próximo Verão, a progenitora deve acompanhar o BB à Nova …, a fim de iniciarem aí convívios com o progenitor, de forma a gradualmente se familiarizar com essa nova realidade familiar e geográfica e a possibilidade de aí passar a conviver com ele autonomamente;

    b. Estas duas formas de aproximação e vinculação devem ser repetidas até a criança estar confortável para conviver autónoma e naturalmente com o pai, sem prejuízo da sua integridade emocional e/ou psíquica (o que deve ser aferido pelos pais, em primeira linha) e devem, em conjunto, anualmente, ter a duração de pelo menos 30 dias;

  8. O pai contribuirá com uma prestação regular, a título de alimentos para o BB, no valor de 400 euros mensais, devendo o seu pagamento ser feito por depósito ou transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês, para IBAN a identificar pela progenitora;

   9. A aludida pensão será atualizada anualmente, a partir de janeiro de 2018, à taxa de 3% ao ano;

  10. Ambos os progenitores devem ainda contribuir para metade de todas as despesas de saúde e educação da criança, bem como das viagens que empreender para deslocação entre Portugal e a Nova … nos períodos mencionados em 4. e 5. Supra, pagando-as, mediante comunicação e comprovação documental da sua efetivação, até ao dia 8 do mês seguinte ao da sua comunicação, por correio eletrónico ou outra forma, por transferência bancária, para a IBAN a indicar reciprocamente.”


      Inconformados, requerente e requerido interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de …. Ambos pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

         Por acórdão de fls. 642 foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de … em julgar improcedente a apelação do Requerido e parcialmente procedente o recurso da Requerente, alterando-se o regime de visitas nos seguintes termos:

a) os pais acordarão até final de abril de cada ano as datas relativas às férias do menor de verão (entre 1/7 e 31/8) que pretendem passar com ele;

b) caso não haja acordo, nos anos pares o período de férias será escolhido em primeiro lugar pela mãe e nos anos ímpares pelo pai;

c) em qualquer caso, o menor terá sempre direito a passar 15 dias seguidos das férias de Verão com cada um dos pais;

 d) o regime de visitas estabelecido na sentença recorrida e complementado no presente acórdão terá o seguinte regime transitório:

        - O regime de visitas acima referido ocorrerá em Portugal, pelo menos no presente ano e no próximo e até que o menor se mostre confortável com a ideia de viajar com o pai para a … ou para os Estados Unidos, sendo, se necessário e caso os pais não estejam de acordo, efetuada uma avaliação psicológica ao menor por parte do IML.

        - No presente ano, o menor passará (incluindo as noites) com o pai 10 dias das férias de verão, com a possibilidade de este período se estender a 15 dias se essa for a vontade do menor e sem prejuízo de outros contactos nos termos referidos na sentença recorrida;

        - No próximo ano (2018) o menor passará (pernoitando) com o pai 15 das suas férias de verão, com a possibilidade de estender a 30 dias se essa for a vontade do menor e sem prejuízo de outros contactos nos termos referidos na sentença recorrida.

       - No presente ano o menor passará (pernoitando) uma semana com o pai nas férias de Natal e no próximo (2018) passará uma semana com o pai nas férias da Páscoa.

        - No primeiro ano que o menor se deslocar com o pai à …, o período de férias que aí passará não será superior a 15 dias.”


2. Vem o requerido interpor recurso, que qualificou com revista excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:


DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

[eliminam-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista excepcional]

E. O presente recurso tem por objecto a decisão de uma questão de direito - errada interpretação do art. 640º e violação dos arts. 1906º do CC, 13º da CRP e 6º da Declaração de Direitos da Criança;

F. Se o presente recurso não for aceite está a ser negado ao Menor e ao Recorrente o acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e está a ser negado ao Menor o seu direito a um processo equitativo e violado o art. 20º mas também o disposto nos arts. 69º, 25º e 26º da C.R.P.

DA REJEIÇÃO DO RECURSO POR ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 640º CPC

G. Mal interpretou o acórdão de que se recorre o art. 640º do CPC.

H. A lei exige que o recorrente especifique os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgadas e quais os concretos meios probatórios que impõem decisão factual diversa, mas também exige que o tribunal de recurso, seja meticuloso e consciencioso no momento em que procede à reapreciação pedida.

I. É, função, no regime de recurso da matéria de facto, que o tribunal de recurso aja ou se comporte como um tribunal de instância-que é- exerça o seu múnus de proceder a um reexame cingido e impressivo das provas que foram produzidas no tribunal de 1ª instância - cfr. Acórdãos do STJ de 16-12-2010, de 24-05-2001 e o supra citado acórdão datado de 01.07.2014 proferido no Proc. 1825/09.7TBSTS.P1.S1 (e aqui junto), disponíveis em www.stj.pt.

J. Ora, a simples leitura da alegação do Recorrente permite concluir, com toda a evidência, que foram integralmente cumpridos os ónus referidos no aludido n.º 1, do art. 640º: identificou concretamente os pontos de facto tidos por mal julgados e indicou com toda a clareza os meios de prova constantes do processo (documentos) e da gravação (depoimentos), que, na sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados.

K. Inexiste fundamento para, sem mais, ser rejeitado o recurso do Recorrente na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto.

L. Sem prescindir, por mero dever de patrocínio, caso V. Exas. entendam que, não se verificam os pressupostos da revista excecional, o que não se aceita, mas porque nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, o Recorrente requer, desde já, que a formação prevista no n.º 3 do art. 672º do CPC, determine que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respetivo exame preliminar, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 672º do CPC.

DA INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO

M. O acórdão sub iudice é inconstitucional e ilegal por violar os arts. 1906º do CC, 13º da CRP e 6º da Declaração de Direitos da Criança;

N. O acórdão sub iudice alterou a decisão de Primeira Instância quanto ao regime de visita, estabelendo que este ocorrerá em Portugal, pelo menos no presente ano e no próximo e até que o menor se mostre confortável com a ideia de viajar com o pai para a Nova … ou para os Estados Unidos, sendo, se necessário e caso os pais não estejam de acordo, efetuada uma avaliação psicológica ao menor por parte do IML; que no presente ano, o menor passará (incluindo noites) com o pai 10 dias de férias de verão, com a possibilidade de este período se estender a 15 dias se essa for a vontade do menor e sem prejuízo de outros contactos nos termos referidos na sentença recorrida - regime este com o qual o Recorrente não se conforma!!!

O. Para um Pai que está impedido de estar com o Filho o ano todo, impõe-se um regime de visitas de, pelo menos, três meses para fomentar e garantir a presença do Pai na vido do Menor!!

P. O Acórdão sub iudice implica uma verdadeira IVP - Interrupção Voluntária da Paternidade imposta a um Pai que vive e trabalha na Nova ….

Q. A Recorrida continua a não permitir que o menor contacte com o Pai. Não permitia pernoitas, não permitia contactos, sem a sua presença!!!!

R. O novo regime fixado pelo Tribunal da Relação faz depender da vontade de um menino de 7 anos, o contacto com o Pai. E esquece que nesta idade é fortemente influenciável pela Mãe pois uma criança de 7 anos que está a ser impedida de contactar com o Pai) só ouve o que a Mãe lhe diz, e não sabe se ocorreram ou não terramotos na … e muito menos pode ter consciência do que isso significa. Quem tem filhos com esta idade sabe disso!

S. Quanto mais nova é a criança maior é a facilidade de adaptação. À medida que o tempo vai passando se o menor não regressar á …, mais difícil se torna que exista uma vontade de regressar, tendo-se encontrado a fórmula de evitar o contacto com o Pai! A execução desta decisão da Relação implica que o menor nunca mais regresse à …, que nunca mais regresse ao Pais onde nasceu, obrigando-se o Pai a vir passar férias todos os anos com o filho a Portugal! A presença do Pai será de 15 dias por ano, na vida deste menor! Para haver justiça basta que qualquer um de nós se coloque no papel do Pai e decida se é justo!

T. Mais, o regime de visitas ora fixado pela Relação de … prevê ainda um regime transitório onde se pode ler "o regime de visitas acima referido ocorrerá em Portugal, pelo menos no presente ano e no próximo e até que o menor se mostre confortável com a ideia de viajar com o pai para a … ou para os Estados Unidos, sendo, se necessário e caso os pais não estejam de acordo, efetuada uma avaliação psicológica ao menor por parte do IML",

U. O Menor só poderá estar e conviver com o Progenitor e a sua família paterna se estes vierem a Portugal, caso contrário, o Menor manter-se-á "enclausurado" em Portugal com a sua Mãe e respectiva família materna porque, apesar do regime supra mencionado ser "transitório", ninguém sabe quando o Menor poderá visitar o Progenitor no país onde este reside.

V. Se, como refere o acórdão recorrido (pág. 51), não se pode "obrigar" a Progenitora a acompanhar o Menor à … de forma a que este fortaleça os laços com o pai, que iter de raciocínio justifica então a decisão de "obrigar" o Progenitor a viajar a Portugal para estar com o Filho e vice-versa?

W. É injusto, já basta o facto de Pai e Filho terem de estar separados por causa da distância geográfica e ter sido a Mãe que o retirou injustamente ao Pai vindo para Portugal com bilhetes comprados de regresso à …, não tendo regressado nem permitido que o filho regressasse à …. Quanto mais, impor ao Pai que esteja apenas um pequeno período de 10 dias com o filho em Portugal!!!.

X. Se os Pais que convivem como atualmente é regra (com pernoitas semanais e fins de semana quinzenais) têm direito a 15 dias de férias, este Pai está ostracizado pois ainda tem menos Direitos que os Pais residentes em Portugal que mais contactam com os seus filhos. Devemos data vénia, colocarmo-nos na posição deste Pai e deste filho!

Y. A única forma de se fazer Justiça neste caso e de permitir que o BB tenha um Pai, que com ele conviva e de garantir que o tempo que passa com o Pai se aproxime do tempo que passa com a Mãe - como a Lei impõe - é de fixar um período de 3 meses com o Pai -note-se que com a Mãe já passa todo o ano!!!!

DA VIOLAÇÃO DO ART. 1906º DO CÓDIGO CIVIL:

Z. O n.º 7, do art.º 1906.º, do C.Civ. define os critérios que o tribunal deve observar, atribuindo prevalência ao interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores.

AA. Quando um dos Progenitores reside nos antípodas do mundo do outro - Portugal vs. … - a única forma de permitir um relacionamento próximo, é através da atribuição da guarda ou da fixação de um regime de visitas que torne o mais prolongado possível o período de permanência do Menor na … nas férias de Verão,

BB. Só assim será possível à criança manter com os dois - pai e mãe - uma relação de vinculação segura, que é essencial para um adequado crescimento e desenvolvimento, repercutindo-se em múltiplos aspectos da vida da criança e do adulto em que ela se há-de tornar.

CC. O dever dos pais de, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação (cf. art. 1878º, do CC), não estará a ser assegurado se for exercido apenas por um dos progenitores, deixando o outro, quase sempre (para não afirmar sempre), à margem da vida do filho.

DD. A Convenção sobre os Direitos da Criança consagrou também o princípio de que ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança e de que constitui sua responsabilidade prioritária a educação e o bem-estar global da criança (artigos 18.º, n.º 1 e 27.º, n.º 2).

EE. Também a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, celebrada no âmbito do Conselho da Europa em 25 de janeiro de 1963, utiliza a expressão "responsabilidades parentais" a propósito da titularidade e exercício dos poderes-deveres que integram o poder paternal (artigos 1º, n.º 3, 2.º, alínea b), 4.º, n.º 1 e 6.º, alínea a), da Convenção).

FF. A realização do interesse da criança, o seu desenvolvimento harmónico depende necessariamente de ambos os progenitores, não podendo nenhum deles substituir a função que ao outro cabe - in www.cej.mj.pt - Guia Prático do Divórcio e Responsabilidades Parentais (2.ª Edição).

DA VIOLAÇÃO DO ART. 13º DA C.R.P.:

GG. O acórdão recorrido viola o artigo 13º da C.R.P. por beneficiar a Recorrida face ao Progenitor Recorrente, tratamento desigual esse que, prejudica o Menor - um rapaz que vai viver sem a referência do Pai - um Ilustre …, reputado e conceituado … , e que foi considerado um Pai extraordinário!!!! E que vai viver sem as referências da Família Paterna!

HH. Os actuais estudos também comprovam que a partir da segunda metade do primeiro ano de vida, as crianças estão tão ligadas ao pai como à mãe.

DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 6º DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA: 

II. A criança, na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material - Princípio 6 da Declaração Direitos da Criança,,

JJ. O direito de visita é, fundamentalmente, o direito da criança a manter convívio com a pessoa com quem deixa de residir, direito este que decorre do seu direito fundamental à educação e a não ser afastado dos seus progenitores,

KK. O acórdão proferido fixa o afastamente do Recorrente na importante vertente de visita/contacto/ligação ao seu filho, o que viola, por si só, um dos direitos essenciais da criança: o direito a desenvolver-se em harmonia, rodeado por ambos os progenitores, responsáveis pela sua existência,

LL. Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada por outra que fixe um regime de visitas entre o Menor e o Progenitor não inferior a três meses seguidos dado que só assim será fomentada e estará garantida a presença do Pai na vida do Menor.


         A requerente contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

PRIMEIRA

Salvo o devido respeito, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … é irrecorrível.

SEGUNDA

A segunda instância confirmou a sentença quanto ao destino do menor (guarda e direito de visitas) e pensão de alimentos, o que representará uma dupla conforme.

TERCEIRA

Não se encontram observados os pressupostos legais da Revista ou da Revista Excecional.

QUARTA

Não se afigura necessário que este Supremo Tribunal de Justiça venha uniformizar jurisprudência quanto à atribuição da guarda dos filhos (não este é o pedido do Recorrente), como pretenderá o Recorrente invocando a al. a) do art. 672° do NCPC. A comunidade jurídica - doutrina e jurisprudência - têm dado coincidentes contributos para que o critério de superior interesse do menor seja aferido de acordo com a segurança e saúde, desenvolvimento físico, intelectual e moral e opinião da criança, em cumprimento dos artigos 1878° e 1885° n.° 1 do Código Civil.

QUINTA

Outro critério é o da figura primária de referência - a Recorrida, in casu.

SEXTA

A guarda encontra-se, definitivamente, atribuída à Recorrida em função de critérios objectivos e factuais, tais como, a residência com a mãe desde novembro de 2011; o estabelecimento de ensino; a vontade do menor; o círculo familiar e social alargado situa-se em Portugal.

SÉTIMA

É abundante a prova testemunhal, documental e pericial, esta última que se presume subtraída a livre apreciação do julgador (art. 607° n.° 4 do N.C.P.C), designadamente o Relatório de Perícia Médico-legal de 21.6.2016 "O BB mostra-se irredutível quanto à possibilidade de visitar o progenitor na … "diz ao juiz que eu não quero ir" "eu não gosto de ir lá passar férias"."

OITAVA

Também não se mostram observados pressupostos da al. b) do art. 672° do NCPC, dado que a questão tem uma iminente vocação pessoal e diminuta relevância social, dado que a lei aponta para casos limite. Não abrange um número elevado de pessoas, ou instituições ou alarme social. Estamos apenas perante um regime de visitas provisório.

NONA

Neste processo de jurisdição voluntária já as duas instâncias tomaram a sua decisão sobre o regime de visitas dentro de um juízo de oportunidade e conveniência, sobre o qual Relação tem a última palavra, nos termos do n.° 2 do art. 988° do NCFC.

DÉCIMA

Não existirá contradição entre o Acórdão recorrido e o citado pelo recorrente, nem se mostra observado o pressuposto da al. c) do n.° 1 do art. 672° do NCFC.

DÉCIMA PRIMEIRA

Os processos de jurisdição voluntária não estão sujeitos a critérios de estrita legalidade, pois o tribunal deve adoptar a solução que julgue mais conveniente de acordo com todas as circunstâncias relevantes, nos termos do art. 986°, 987 e 988° do NCPC.

DÉCIMA SEGUNDA

A Relação consignou que procedeu ao exame de toda a matéria de facto e ouviu os depoimentos e analisou a prova documental, concluindo por adequadamente fundamentada a decisão da primeira instância.

DÉCIMA TERCEIRA

O que valerá por dizer que, apesar de considerar que o Recorrente não observou o formalismo legal, procedeu oficiosamente ao reexame da matéria de facto.

DÉCIMA QUARTA

No entender da Relação, o Recorrente indicou todos os depoimentos para todos os factos que considerou incorrectamente julgados, não concretizando especificadamente, o que impossibilitou o contraditório e a interpretação do julgador - com o que concordamos.

DÉCIMA QUINTA

Tanto mais que os pontos que o Recorrente considerou incorrectamente julgados encerram questões diversas.

DÉCIMA SEXTA

Salvo o devido respeito, deveria o Recorrente ter indicado qual a decisão sobre a matéria de facto que deveria ter sido proferida.

DÉCIMA SÉTIMA

De todo o modo, o critério da casa de morada de família (que se considerou incorrectamente julgado) não é pertinente em sede de responsabilidades parentais.

DÉCIMA OITAVA

A rejeição do Recurso não viola o disposto no art. 20° da C.R.P., dado que as partes beneficiaram de um processo justo e equitativo. Não será inconstitucional o estabelecimento de limites à recorribilidade atenta a estrutura hierárquica da organização judiciária.

DÉCIMA NONA

Os demais artigos da C.R.P. que o Recorrente faz por remissão não se encontram fundamentados.

VIGÉSIMA

Não se encontram observados os pressupostos da al. d) do n.° 2 do art. NCPC atenda a dupla conforme.

VIGÉSIMA PRIMEIRA

O Acórdão recorrido respeitou o art. 1906° do C.C. ao decidir que as questões de particular importância para a vida do BB devem ser decididas por ambos os progenitores e que este beneficia de um regime de visitas alargado.

VIGÉSIMA SEGUNDA

Alterou-se apenas o regime de visitas provisório, de modo a que se fortaleçam os laços entre pai e filho num ambiente que lhe seja conhecido e securizante: a escola, o país, a cidade, os amigos, os professores.

VIGÉSIMA TERCEIRA

Sendo que as férias de Verão estão limitadas pelo número de dias de férias que o menor dispõe (que não são 3 meses) e o direito que a mãe tem a um período de férias de Verão.

VIGÉSIMA QUARTA

O regime de visitas está regulado para todo o ano.

VIGÉSIMA QUINTA

O pai deverá visitar o menor em Portugal por ser o melhor para este (como sustenta a perícia), e por ser menor o incómodo para o pai que já viveu e trabalhou em Portugal, dispondo a recorrida de condições de acomodação para o pai.

VIGÉSIMA SEXTA

Já o menor tem pavor em se deslocar à … em virtude de eventos traumáticos pretéritos, provados nos autos.  

VIGÉSIMA SÉTIMA

A solução encontrada salvaguarda o superior interesse do menor, em cumprimento, do seu direito de ser ouvido, previsto no art. 21° da Lei 141/2015, de 8 de setembro e art. 12° n.° 1 Convenção dos Direitos da Criança de 1989, e ponto 94 dos factos provados e não impugnados.

VIGÉSIMA OITAVA

Com isto, não se poderá extrair que as decisões foram infundamentadas ou discricionárias.

VIGÉSIMA NONA

O direito-dever de visita não pode perturbar o seu bem-estar físico e psíquico, como determina o art. 3° n.° 1 da CD. Crianças de 1989, art. 4° al. i) LPCJP e art. 1901° do C.C.

TRIGÉSIMA

De resto, não se mostra provado nos autos qual o período de férias do Recorrente que também é trabalhador dependente.

TRIGÉSIMA PRIMEIRA

O Acórdão não põe em crise o art. 13° da CRP dado que trata igual o que é igual e diferente o que é diferente. Assim, as questões de particular importância são decididas em conjunto, por isso há igualdade. Mas é diferente a residência que é fixada com a mãe.

TRIGÉSIMA SEGUNDA

O regime de visitas permite o contacto entre pai e filho de modo a que se fortaleçam os laços de parentalidade.

TRIGÉSIMA TERCEIRA

Mas não pode prevalecer o seu comodismo em recusar-se a realizar a viagem a Portugal alegando que o menor tem de conhecer a ….

TRIGÉSIMA QUARTA

O Acórdão apontou um caminho para melhor tutelar o interesse do menor, e não o interesse do progenitor.


3. Por acórdão da Formação a que alude o nº 3, do art. 672º, do Código de Processo Civil, decidiu-se não ser a questão da admissibilidade do recurso susceptível de ser apreciada enquanto revista excepcional por inexistir dupla conforme, remetendo à distribuição como revista normal.


4. O Ministério Público foi notificado, não se tendo pronunciado.


5. Nas providências a tomar em sede de processos de jurisdição voluntária como o presente (cfr. art. 150º da O.T.M., em vigor à data da propositura da acção, e art. 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aplicável aos processos em curso à data da entrada em vigor do novo Regime, conforme previsto no art. 5º da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro)“o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (art. 987º, do CPC). Por sua vez, o n.º 2 do artigo 988º do CPC prescreve que “Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”

O sentido e alcance desta proibição legal de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça têm vindo a ser esclarecidos em termos uniformes pela jurisprudência do Tribunal (cfr. acórdãos de 27/05/2008 (proc. nº 08B1203), de 20/01/2010 (proc. nº 701/06.0TBETR.P1.S1), de 16/03/2017 (proc. nº 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1), de 25/05/2017 (proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S1) e de 25/05/2017 (proc. nº 945/13.8T2AMD-A.L1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. Socorremo-nos, para o efeito, da explanação do último acórdão indicado:


  “Significa isto que, sendo as providências de jurisdição voluntária tomadas com a predominância de critérios de conveniência ou oportunidade sobre os critérios de estrita legalidade, delas não caberá também, em princípio, recurso de revista.

     Com efeito, na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC.  

    É, pois, tal predomínio de oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, que justifica a supressão de recurso para o tribunal de revista, vocacionado como é, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º e 682.º, n.º 3, do CPC.          

    Foi nesse sentido que, no acórdão do STJ, de 20/01/2010, proferido no processo n.º 701/06.0TBETR.P1.S1[1], se observou o seguinte:

«Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (…) ou adjectiva (…), não possa, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410.º [atual 987.º] do CPC. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (…), a lei restringe a admissibilidade de recurso até à Relação.»

     No entanto, na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

       Assim, quando, no âmbito das próprias decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária, estejam em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita, já a sua impugnação terá cabimento em sede de revista, circunscrita ao invocado erro de direito.  

      Como se ressalva no aresto do STJ de 20/01/2010 acima citado, a propósito da inadmissibilidade de revista nos referidos processos:  

«A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

[…]

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça (…) a apreciação da respectiva verificação.»   

Em conformidade com tal entendimento, quanto ao essencial, na linha da jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal [2] haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.” (negrito nosso]

  

Aplicando o critério enunciado ao caso dos autos, verificamos que, das conclusões do Recorrente/requerido, resulta, em síntese, a enunciação das seguintes questões:   

- Erro do acórdão recorrido na interpretação de norma processual (art. 640º do CPC) ao rejeitar a impugnação da matéria de facto realizada pelo apelante/requerido;

- Ilegalidade do acórdão recorrido (por violação do art. 1906º do Código Civil) ao fixar o regime de visitas do menor ao Recorrente/requerido,

- Inconstitucionalidade do acórdão recorrido (por violação dos arts. 13º, 20º, 25º, 26º, 36º e 69º da Constituição) ao fixar o regime de visitas do menor ao Recorrente/requerido;

- Violação do princípio 6º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 1386, de 20 de Novembro de 1959.


Tal como se encontram enunciadas pelo Recorrente, afigura-se que as questões se reportam a critérios normativos, devendo ser por isso conhecidas por este Supremo Tribunal. Só assim não será se, em concreto, o Recorrente se limitar a invocar preceitos pretensamente violados sem substanciar em que consiste a violação. Além disso, e em conformidade com a orientação já delineada, esse conhecimento será necessariamente circunscrito aos alegados erros de direito. Sempre que a decisão da Relação tenha sido tomada com base em juízos de oportunidade ou de conveniência encontra-se este Supremo Tribunal impedido de sindicar tais juízos.


5. Relativamente à questão do alegado erro do acórdão recorrido na interpretação de norma processual (art. 640º do CPC) ao rejeitar a impugnação da matéria de facto realizada pelo apelante/requerido, importa conhecer os termos em que a Relação fundou a decisão de rejeição:

“O requerido impugna os factos considerados provados sob os pontos 8, 10, 15, 16, 20, 21, 23, 24, 26, 28 e 31 pedindo que os mesmos sejam eliminados.

     Para fundamentar tal eliminação transcreve partes dos depoimentos de três testemunhas e documentos, sem que, quanto estes mencione de que documentos se trata ou em que fls. do processo se encontram, referindo apenas “cfr. documento junto a fls… dos autos”.

     No que concerne aos depoimentos das testemunhas são transcritas algumas frases dos mesmos, no entanto, não se refere que pontos cada uma das transcrições pretendem refutar, ou seja, não se indica qual ou quais dos depoimentos indicados se destinam a impugnar cada um dos pontos acima mencionados e que o Requerido pretende eliminar.

     Assim, é difícil ou quase impossível, não só que a parte contrária possa exercer devidamente o contraditório mas também que o julgador da segunda instância possa analisar em concreto a pretensão daquele.

    Pelo exposto, por falta de observância do formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, se rejeita o recurso do Requerido na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto.”


Vejamos.

Dispõe o nº 1, do art. 640º do CPC:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”


Compulsado o teor da apelação do requerido, aqui Recorrente, verifica-se que, a fls. 535-540, a que correspondem as conclusões A) a E), se indicam os factos 8, 10, 15, 16, 20, 21, 23, 24, 26, 28 e 31, como estando incorrectamente dados como provados pela 1ª instância, pedindo a sua eliminação. Deste modo, encontram-se cumpridas as exigências das alíneas a) e c) do nº 1, do art. 640º do CPC. Quanto à exigência da alínea b), relativa à indicação dos meios de prova, limita-se o apelante a:

- A fls. 535 referir genericamente a “prova documental junta aos autos” e, a fls. 539, indicar repetidamente “cfr. documento junto a fls… dos autos” sem identificar o número das folhas;

- A fls. 536-538v, a transcrever passagens da prova testemunhal, sem indicar precisamente qual o facto a impugnar por cada uma das transcritas passagens da prova testemunhal.

       Assim sendo, não poderia a parte contrária exercer o contraditório de forma adequada, nem poderia o tribunal apreciar de forma rigorosa as pretensões do apelante.

    Confirma-se, assim, o entendimento da Relação de que o apelante/requerido não cumpriu plenamente o ónus de impugnação especificada do nº 1, do art. 640º do CPC.

     Sempre se dirá que, mesmo que a conclusão fosse em sentido contrário, a pretendida alteração da matéria de facto não relevaria para alterar a decisão de direito. Com efeito, todos os factos impugnados pelo requerido em sede de apelação respeitam à definição do local da “casa de morada de família”, conceito que não foi considerado na fundamentação da decisão da Relação.

     Conclui-se pela inexistência de erro do acórdão recorrido na interpretação de norma processual ao rejeitar a impugnação da matéria de facto realizada pelo apelante/requerido.


6. Quanto à questão da alegada ilegalidade do acórdão recorrido ao fixar o regime de visitas do menor ao Recorrente/requerido, transcreve-se o art. 1096º do Código Civil:

1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.


Vejamos os termos em que a Relação fundamentou a decisão na parte relativa ao regime de visitas do menor ao Recorrente/requerido:


“É necessário agora estabelecer o regime de visitas, que tem como finalidade manter o contacto entre a criança e o progenitor a quem não fica entregue.     

      O contacto da criança com os seus pais é do interesse da criança primeiramente que do interesse dos seus pais.

       Estabelece-se nos artigos 7º e 9º da Convenção sobre os direitos da Criança, acima mencionada, o interesse da criança no contacto com ambos os pais.

       Na sentença recorrida estabeleceu-se o seguinte regime de visitas:

«3. O pai pode ver, visitar e conviver com BB (incluindo pernoitar), quando em Portugal, sempre que o desejar, isto sem prejuízo do descanso e atividades escolares deste, avisando a progenitora previamente e com a devida antecedência, dos contatos em questão;

4. Nas férias de Verão do BB, o pai poderá conviver com este durante 45 dias, em período a conciliar com a progenitora até à altura do ano em que cada um deles tenha que definir a calendarização desse período;

5. Anualmente, o pai poderá ainda conviver com o BB nas férias escolares deste, do Natal ou Páscoa, de forma alternada com a mãe;

6. Os pais devem ambos fornecer meios ao BB para que regularmente comunique (sem interferência e respeitando a sua privacidade), com o outro progenitor com quem não estiver a residir/conviver em cada momento, via áudio e imagem, e manterem-se reciprocamente informados de todos os aspetos importantes para a gestão da sua vida quotidiana;

7. O regime de visitas estabelecido supra, nos itens 4. e 5., deve efetivar-se após um período transitório de adaptação da criança a esta nova realidade nos seguintes termos:

- Durante o presente ano, os progenitores devem, em consonância, empreender esforços para, iniciar convívios mais duradouros e autónomos entre o pai e o BB, em Portugal, que gerem a confiança securizante indispensável à efetivação do regime de visitas regular acima previsto nesses itens, e, no próximo Verão, a progenitora deve acompanhar o BB à …, a fim de iniciarem aí convívios com o progenitor, de forma a gradualmente se familiarizar com essa nova realidade familiar e geográfica e a possibilidade de aí passar a conviver com ele autonomamente;

- Estas duas formas de aproximação e vinculação devem ser repetidas até a criança estar confortável para conviver autónoma e naturalmente com o pai, sem prejuízo da sua integridade emocional e/ou psíquica (o que deve ser aferido pelos pais, em primeira linha) e devem, em conjunto, anualmente, ter a duração de pelo menos 30 dias.»

Concordamos com os pontos 3., 4., 5. e 6. acima transcritos. Apenas relativamente ao ponto 4. acrescentamos, para evitar futuros problemas na fixação do período de férias aventados pela mãe do menor, que

- os pais acordarão até final de abril de cada ano as datas relativas às férias do menor (entre 1/7 e 31/8) que pretendem passar com ele.

- caso não haja acordo, nos anos pares o período de férias será escolhido em primeiro lugar pela mãe e nos anos impares pelo pai.

- em qualquer caso, o menor terá sempre direito a passar 15 dias seguidos das férias de verão com cada um dos pais.

Quanto ao regime transitório, não podemos concordar com os termos em que o mesmo foi fixado.

Não se põe em causa que a determinada altura o menor deverá conviver com o seu pai no país onde este reside, no entanto, discordamos da sentença recorrida na parte em que determina um período transitório de apenas um ano e, por outro lado do facto de sujeitar a mãe do menor a acompanhá-lo e ficar nesse país por 45 dias.

Com efeito, como bem refere a Requerente a mesma apenas tem 22 dias úteis de férias (pois é funcionária pública) e mesmo que os gozasse todos juntos, não atingiria os 45 dias referidos na sentença, portanto, para cumprir o ordenado ou pedia licença sem vencimento ou despedia-se, o que em qualquer dos casos poria em causa a sua subsistência e a do menor, por outro lado, não é curial que se sujeite a Requerente a tal esforço financeiro, tanto mais que uma viagem intercontinental como a que esta em causa custa bastante mais de 1.000,00€, fora o que despenderia na estadia, sendo que a Requerente ganha pouco mais de 2.000,00 de vencimento ilíquido Por outro lado, o facto de a Requerente de passar todas as suas férias na …, estando o menor com o pai e não com ela, impediria o menor de passar férias no verão com a sua mãe (pois a mesma já não teria tempo nem dinheiro disponível para o efeito), não sendo pois viável ou equilibrado tal regime.

Ora, não se podendo “obrigar” a Requerente a acompanhar o menor à … de forma a que este fortaleça os laços com o pai e se sinta confortável naquele país e tendo em atenção que o menor a última vez que esteve na … era muito pequeno (3/4 anos), tem tido poucos contactos com o pai, referindo-se no relatório de avaliação psicológica do menor que a permanência do menor na … seria uma circunstância potencialmente traumática e por outro lado, porque, atenta a idade do menor (8 anos) seria altamente penoso fazer várias viagens intercontinentais por ano, com a duração da que está em causa já para não falar no mau estar e distúrbios do sono que a diferença horária pode causar e por outro lado, o pai possui uma situação financeira mais desafogada que a mãe e esta disponibiliza-lhe alojamento em Portugal (que terá que ocorrer com a salvaguarda da privacidade deste), o regime transitório será fixado nos seguintes termos:

     - O regime de visitas acima referido ocorrerá em Portugal, pelo menos nos próximos dois anos e até que o menor se mostre confortável com a ideia de viajar com o pai para a … ou para os Estados Unidos, sendo, se necessário e caso os pais não estejam de acordo, efetuada uma avaliação psicológica ao menor por parte do IML.

     - No presente ano, o menor passará (incluindo as noites) com o pai 10 dias das férias no verão, com a possibilidade de este período se estender a 15 dias se essa for a vontade do menor e sem prejuízo de outros contactos nos termos acima referidos;

     - No próximo ano (2018) o menor passará (pernoitando) com o pai 15 das suas férias de verão, com a possibilidade de estender a 30 dias se essa for a vontade do menor e sem prejuízo de outros contactos nos termos acima referidos.

   - No presente ano o menor passará (pernoitando) uma semana com o pai nas férias de Natal e no próximo (2018) passará uma semana com o pai nas férias da Páscoa.

    - No primeiro ano que o menor se deslocar com o pai à …, o período de férias que aí passará não será superior a 15 dias.

Entende-se que o regime transitório estabelecido é adequado a reestabelecer os laços entre pai e filho e evitar o trauma psíquico que poderia ocorrer com a fixação, desde já, de longos períodos junto do pai com quem tem tido poucos contactos e principalmente noutro país onde o menor vivenciou a experiência traumática relativa à ocorrência de um terramoto que destruiu a casa da família, arriscando-nos a provocar o afastamento do menor do progenitor em vez de o aproximar deste que é o que se pretende com o regime de visitas.”


      Constata-se ter a Relação respeitado os critérios de conveniência e oportunidade consagrados nos nºs 5 e 7 do art. 1906º do Código Civil, optando por medidas concretas insindicáveis por este Supremo Tribunal.


7. Quanto à questão da invocada inconstitucionalidade do acórdão recorrido ao fixar o regime de visitas do menor ao Recorrente/requerido, apesar da indicação de diversos artigos da Constituição, limita-se o Recorrente a substanciar apenas a pretensa violação do princípio da igualdade (art. 13º) “por beneficiar a Recorrida face ao Progenitor Recorrente”, único fundamento que, por isso mesmo, será aqui considerado.

    Recorde-se a concepção do Tribunal Constitucional acerca do princípio da igualdade, que, ainda que expresso a respeito do conteúdo de normas legais, vale igualmente para o conteúdo de decisões judiciais como o acórdão recorrido:

“O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental, tem como fundamento a igual dignidade social de todos os cidadãos. São três as dimensões que o princípio convoca: (a) a proibição do arbítrio, que torna inadmissível a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objectivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; (c) e a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp.127, ss, bem como, entre muitos, o Acórdão n.º 68/97, publicado em ATC, 36º vol., 1997, pp. 259 e ss, o Acórdão n.º 77/01, publicado em ATC, 49º vol., 2001, pp. 277 e ss, o Acórdão n.º 402/01, publicado em ATC, 51º vol., 2001, pp. 165 e ss, e o Acórdão n.º 202/02, publicado em ATC, 53º vol., 2002, pp. 223 e ss).

O Tribunal Constitucional considerou, reiteradamente, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, muito embora não proíba diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundadas (v.g., o Acórdão n.º 39/88, publicado no DR, I Série, de 3 de Março de 1988, os Acórdãos n.º 68/97 e n.º 202/02, já mencionados, ou o Acórdão n.º 177/99, publicado in ATC, 43º vol., 1999, pp. 109, ss).

O Tribunal tem também entendido que a proibição do arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas. Pode, a este propósito, ler-se no Acórdão n.º 39/88:

«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29).

O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.

Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.

O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante».”

(Acórdão nº 96/2005, publicado no Diário da República n.º 63/2005, Série II de 31/03/2005)


     Tendo presente estes parâmetros, que permitem densificar o princípio da igualdade em termos que – reafirme-se – são válidos tanto para actos normativos como para decisões judiciais, voltemos ao caso dos autos. Pelo teor da fundamentação da decisão da Relação, transcrita no ponto 6 do presente acórdão, verifica-se que a regulação do sistema de visitas do menor ao Recorrente/requerido visou assegurar o superior interesse do menor, princípio que norteia todo o regime normativo em matéria de regulação de responsabilidades parentais, ainda que, porventura, fazendo-o prevalecer sobre outros interesses. Perante a circunstância específica de requerente e requerido terem residência habitual em países geograficamente situados em pontos opostos do globo terrestre, procurou a Relação proceder à possível conciliação prática, tendo sempre em vista o superior interesse do menor. Não está, pois, a decisão ferida de inconstitucionalidade.


8. Quanto à alegada violação do princípio 6º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 1386, de 20 de Novembro de 1959, considere-se a formulação desse princípio:


A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência. Para a manutenção dos filhos de famílias numerosas é conveniente a atribuição de subsídios estatais ou outra assistência.”


A fundamentação da decisão da Relação respeita o critério normativo assinalado, segundo o qual a criança, “deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais”, na medida do possível.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 16 de novembro de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho