Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
205/07.3GTLRA.C1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
MORTE
DIREITO À VIDA
DIREITO A ALIMENTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I - No que diz respeito à indemnização pelo dano morte, a Portaria 377/2008, de 26-05, tem um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não derroga Lei ou DL, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido no CC.
II - À míngua de outro critério legal, na determinação do concernente quantum compensatório importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro lado, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica.
III - Tendo em conta que:
- o acidente de viação ocorreu em 1-05-07;
- o falecido encontrava-se a trabalhar como engenheiro informático, a exercer funções de desenvolvimento de “software”; concluiu com sucesso um curso na Oracle University;
- à data do seu falecimento a vítima auferia mensalmente a quantia de € 1450, a título de vencimento base, acrescida da importância diária de € 6,05 a título de subsídio de refeição;
- faleceu com 33 anos de idade;
- era um amigo muito dedicado a todos os seus amigos, que o estimavam e admiravam;
- era doador de sangue e encontrava-se inscrito para doar medula óssea;
- possuía uma cultura geral acima da média e interessava-se sobre uma variedade enorme de assuntos;
- praticava frequentemente natação e corrida;
- tinha uma relação muito próxima com o demandante, seu filho único, existindo entre ambos um entendimento profundo e muito afectivo;
- era o melhor amigo do demandante;
- apoiava e orientava em tudo o demandante, acompanhando-o na evolução do ensino, dedicando-lhe todos os tempos livres e aproveitando por inteiro todo o tempo que o regime de visitas estipulado na regulação do poder paternal lhe permitia aproveitar;
- dava assistência ao demandante em relação aos seus estudos e actividades escolares,
entende-se adequada a indemnização pelo dano morte de € 60 000.
IV - O âmbito da prestação de alimentos devida a filho menor da vítima abrange as despesas com a saúde e com a educação, que seriam a suportar pelo progenitor se não tivesse falecido, e traduzem um dano advindo da sua privação pelo falecimento do progenitor, e deve atender ao momento da sua maioridade ou emancipação, sem prejuízo da prestação alimentar e referidas despesas continuarem a ser suportadas pela demandada Companhia de Seguros após a maioridade ou emancipação do demandante, nos termos do art. 1880.º do CC, caso o interessado o requeira demonstrando os respectivos pressupostos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Nos autos de processo comum supra referenciado oriundo do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, o arguido AA, solteiro, industrial, nascido a … de … de 19… em cabo Verde, residente em …., Loures. foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, na sequência de acusação formulada pelo Ministério Público, que lhe imputava a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1, de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200º, nºs 1 e 2, todos do C. Penal, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, de uma contra-ordenação por violação do art. 24º, nº 1, do C. da Estrada, de uma contra-ordenação por violação do art. 38º, nºs 1 e 2, b), do C. da estrada e de uma contra-ordenação por violação do art. 11º, nº 1, do Dec. Regulamentar nº 7/98, de 6 de Maio,
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O assistente e demandante civil BB deduziu pedido de indemnização civil contra a G… – Companhia de Seguros, SPA., dela reclamando o pagamento da quantia de € 441.691,11, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
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Contra a mesma Seguradora, o Instituto de Segurança Social formulou, pedido de reembolso do subsídio por morte e pensões de sobrevivência que pagou a BB, pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 11.162,47, e no pagamento das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência do processo, bem como nos juros legais desde a citação e até integral pagamento.
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Proferida sentença em 28 de Julho de 2008, o arguido foi absolvido da prática do crime de omissão de auxílio e da contra-ordenação por violação do art. 38º, do C. da Estrada, e foi condenado, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1, do C. Penal, na pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de entrega da quantia de € 800, no prazo de dez meses, aos Bombeiros Voluntários de ….. Foi ainda o arguido condenado pela prática da contra-ordenação por violação ao art. 24º, nºs 1 e 3 do C. da Estrada, na coima de € 350 e pela prática da contra-ordenação por violação ao art. 6º, nº 1, do Dec. Regulamentar nº 7/98, de 6 de Maio, na coima de € 175.
Relativamente ao pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, contra a … – Companhia de Seguros, SPA, foi esta condenada no pagamento da quantia de € 1.437, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação do pedido
E quanto ao pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente BB foi a … – Companhia de Seguros, SPA condenada nos seguintes termos:
- No pagamento do valor venal do veículo de matrícula …, a liquidar no incidente próprio, com o limite de € 4.500, acrescidos de juros de mora, desde a data da liquidação, à taxa legal de 4% e até integral pagamento;
- No pagamento da quantia de € 5.119,24, correspondente às prestações de alimentos vencidas entre Maio de 2007 e Julho de 2008, acrescida de juros desde a data da decisão, à taxa legal de 4% e integral pagamento;
- No pagamento das prestações da pensão de alimentos que se vencerem a partir de Agosto de 2008 inclusive, e até 16 de Abril de 2022, que se encontra fixada para 2008 em € 370,53, e que será actualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE para o ano imediatamente anterior e com efeitos a partir de Janeiro de cada ano, devendo o pagamento de cada prestação ser efectuado no primeiro dia de cada mês e ficando a demandada obrigada ao pagamento de juros de mora à taxa legal dos juros civis que vigorar, em caso de atraso na prestação;
- No pagamento da quantia de € 25.000 por danos não patrimoniais próprios do demandante, no pagamento da quantia de € 55.000 pelo dano morte, e no pagamento de juros de mora sobre estas quantias, à taxa legal de 4%, desde o trânsito da decisão e até integral pagamento.
Tendo a demandada sido absolvida do demais peticionado.
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Inconformado com a sentença, dela recorreu o assistente e demandante BB, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por seu acórdão de 25 de Março de 2009, decidiu:
“A) 1. Condenar a demandada … – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, da quantia de € 60.000 (sessenta mil euros), a título de indemnização devida pelo dano morte.
2. Condenar a demandada ... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, da quantia de € 5.485,50 (cinco mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), referente às prestações de alimentos vencidas desde Maio de 2007 a Julho de 2008. 3. Condenar a demandada ... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, das prestações de alimentos que se vencerem a partir de Agosto de 2008, inclusive, até este perfazer 25 anos ou seja, até 16 de Abril de 2024, prestação que foi de € 370,90 (trezentos e setenta euros e noventa cêntimos) para o ano de 2008.
4. Condenar a demandada ... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, de metade das despesas com saúde e educação – com excepção das despesas relativas a actividades extracurriculares – por este feitas e devidamente comprovadas, a partir de 15 de Maio de 2008 e até este perfazer 25 anos ou seja, até 16 de Abril de 2024.
5. Condenar a demandada ... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, da quantia de € 3.631,43 (três mil seiscentos e trinta e um euros e quarenta e três cêntimos), referente a metade das despesas de saúde e educação por este feitas até 15 de Maio de 2008.
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B) Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida.
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Custas na proporção de vencido, por demandante e demandada.”
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Inconformada com o acórdão, dele recorre a demandada ...
– Companhia de Seguros, SPA apresentando as seguintes conclusões:
1º. Com a publicação da Portaria 377/2008 de 26 de Maio, tentou o legislador fixar os critérios orientadores que permitam, por forma a evitar diferenças indemnizatórias significativas para situações similares, o apuramento do valor monetário em que se deverá traduzir os danos físicos e psíquicos sofridos por vitimas de acidentes de viação.
2º. Ora, para o caso da morte da vitima, fixa a referida Portaria, como compensação devida pela perda do direito à vida, quando esta se compreenda entre os 25 e os 49 anos, um montante máximo de € 50.000,00.
3º. O valor correspondente ao bem VIDA fixado pelo Tribunal da Relação mostra-se desajustado da realidade, por excessivamente valorado, devendo ser de manter o valor fixado na Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
4º. Nos termos da lei, o falecido CC encontrava-se obrigado a prestar alimentos ao seu filho BB, enquanto o mesmo fosse menor, isto é, até o mesmo perfazer 18 anos, cfr. artº 1877º do Cód. Civil.
5º. Quer isto dizer que, com a maioridade cessa o poder paternal, pelo que extingue-se igualmente a obrigação de prestar alimentos aos filhos menores
6º. Após a maioridade apenas nas situações específicas previstas no art. 1880º do Cód Civil é que se mantém a obrigação de prestação de alimentos,
7º. Sem prejuízo, caso se entenda que a obrigação de alimentos se manteria após a maioridade do Recorrente, por ser previsível que este frequente um curso universitário, sempre se dirá que a referida obrigação apenas se manteria pelo tempo normalmente requerido para a formação profissional se completar.
8º. Ou seja, até aos 23 anos e não, conforme consta do douto Acórdão recorrido, até aos 25 anos.
9º. Isto é, com 23 anos sempre terminaria a sua formação académica e a obrigação de alimentos.
10º. Conforme consta da douta Sentença proferida em Primeira Instância, não logrou o BB, provar que os montantes correspondentes às despesas mencionadas nos pontos 51 a 87 da matéria de facto provada foram por si liquidadas
11º. Nada dos Autos permite concluir quem liquidou as despesas em causa, seja o BB, seja a sua legal representante, seja um terceiro.
12º. Por hipótese de raciocínio imagine-se que as despesas em causa foram liquidadas por um terceiro que, sem qualquer outro intuito que não o da solidariedade humana, resolveu ajudar o Demandante, liquidando aquelas despesas e nada pretendendo obter em troca.
13º. Isto é, ao fazê-lo, jamais teve qualquer intuito de vir a ser reembolsado por este ou por quem quer que seja.
14º. Nesta hipótese (e relembre-se que face ao que resulta dos Autos, apenas laboramos no campo das hipóteses) se o Demandante receber a quantia em causa está, de forma clara, a ser beneficiado, porque recebe uma quantia a que não teria direito, por lhe ter sido já liquidada ou paga.
15º. Não se afigura que a questão se resolva simplesmente pela inclusão de tais despesas na conteúdo do poder paternal, tal como se menciona no Acórdão recorrido.
16º. A questão passa, tão só, pela prova ou ausência dela, quanto a quem liquidou tais quantias.
17º. A qual, no presente caso, pura e simplesmente, não foi feita.
18º. A obrigação da Recorrente nos presentes Autos deriva, dir-se-ia, da substituição do primitivo devedor, o falecido CC.
19º. E, tal obrigação não pode ser, nem maior nem menor do que a obrigação que a este competiria.
20º. O valor das pensões de alimentos tem que sempre ter em conta as capacidades de quem as presta ou liquida.
21º. No presente caso, imagine-se (hipótese essa perfeitamente plausível) que o falecido CC constituiria nova família, casando ou juntando-se, tendo mais filhos.
22º. Porventura, teria que requerer a alteração do poder paternal, para poder fazer face à nova realidade familiar.
23º. Ora, essa hipótese parece, à partida, estar vedada à ora Recorrente, já que não poderá, seguramente, requerer a alteração do poder paternal fixado.
24º. Por outro lado, no presente caso, a ora Recorrente não poderá obviamente, substituir-se ao falecido CC na educação do BB.
25º. Isto é, não poderá escolher o Colégio que o mesmo frequenta, nem os médicos em que o mesmo é seguido, nem os livros que o mesmo comprará.
26º. Ou seja, a posição para a qual a Recorrente foi remetida é a posição de quem estará, durante 15 anos, sujeita ao livre arbítrio de outrem, tudo tendo que pagar à razão de metade.
27º. Ora, certeza que deve presidir a estas matérias, impede a condenação nos moldes efectuados no Acórdão, o qual, por esse motivo, urge revogar, substituindo-se por uma decisão que, cabalmente acautele estas questões.
28º. Por outro lado, ao não provar a necessidade de promover à liquidação de despesas referentes à saúde e educação, não pode o Demandante pretender que lhe seja atribuída, a este título, uma indemnização.
29º. Violou pois, o douto Acórdão recorrido, quanto dispõem os artºs 483º, 496º, 562º e seguintes, todos do Cód. Civil.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser revogado o douto Acórdão proferido, em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA
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Respondeu á motivação de recurso a demandante DD, apresentando as seguintes conclusões:
1, A Portaria 377/2008 não é nem pretende ser um molde ou forma para habilitar ao fabrico como que de peças de plástico em série se pudesse tratar a fixação da indemnização do "dano morte",
2. Por tal e ainda por outros motivos de consideração necessária dos demais factores valoráveis a apreciar em cada caso, o STJ tem vindo a atribuir pela perda do direito à vida compensações entre os € 50.000,00 e os € 70.000,00.
3. Acresce que o invulgar enquadramento factual descrito nos autos quanto à vida, personalidade e expectativas da vida futura da vítima justifica que a indemnização de € 60.000,00 fixada pela Relação de Coimbra deva assim manter-se.
4. Por outro lado, sendo certo que existe uma regulação do poder paternal com fixação de uma pensão de alimentos que serve de necessária referência à fixação do montante indemnizatório devido ao recorrido, é de considerar que resulta do disposto nos arts. 1880°. e e 2003°., n°. 2 do C. Civ. que deve haver um prolongamento para além da maioridade do alimentando (aqui indemnizado).
5. Acontece que a instrução e a educação a nível superior de um jovem hoje não pode considerar-se ainda completada ao atingir os 23 anos de idade, já que os tempos evoluíram no sentido de se exigir um complemento de mestrado, de formação ou de estágio, em quase todas as profissões, não inferior a dois ou mesmo a três anos.
6. Na verdade, qualquer instrução e formação média para o exercício de uma profissão de um jovem habilitado com um curso superior só se completa ao atingir os 25 anos, aliás, tal como realisticamente se tem reconhecido neste STJ - Ac. de 19/03/2002 - ITIJ, Processo 01A4183 e Ac. de 08/05/2008 - ITIJ, Processo n°. 08B726.
7. Finalmente, assinale-se que existem despesas comprovadas nos autos e que atestam que foram dispendidos € 2.921,50 com a saúde do recorrido (pontos de facto 51 a 63 e 80 a 87) e € 4.34135 com a educação (pontos de facto 66 e 68 a 79), o que, totalizando € 7.262,85, representa uma metade a ser reembolsada de € 3.631,43.
8. E é manifesto nos autos que tais despesas foram feitas em benefício do recorrido e são reais, pois encontram-se as respectivas facturas/recibos emitidas em seu nome (fls. 896 a 906,910 a 913,926,930,931,933, 934, para além de outros), sem descartar em qualquer caso que ele é menor.
9. Acresce que o recorrido tem esse indiscutível direito a ver-se indemnizado através do reembolso da metade das "despesas com a saúde, incluindo consultas de rotina e com a educação", tal como resulta do disposto no art. 2003°., n°. 2 do C. Civ.
10. Trata-se um direito que deverá necessariamente projectar-se até aos 25 anos de idade, tal como já se demonstrou, não se aceitando que a coberto de um qualquer receio de "livre arbítrio" por parte de recorrente seguradora se vá diminuir ou prejudicar a protecção a que o recorrido tinha direito se a vida do seu pai não tivesse sido arrancada da forma precoce e brusca como aconteceu.
11. Não vai haver "livre arbítrio" nenhum pela simples razão de que existiria sempre uma proporcionalidade necessária entre as despesas e o montante de alimentos devido, tal como vai existir, necessariamente, uma proporcionalidade entre as despesas apresentadas à recorrente seguradora e o montante de indemnização a liquidar em substituição da pensão alimentícia.
12. Não há assim decisão nenhuma a proferir no sentido de acautelar os receios da recorrente seguradora, já que, tal como é do seu conhecimento, poderá ela reagir a qualquer virtual excesso ou desproporção (que nada indica que pode acontecer) quando de cada vez for confrontada perante a obrigação indemnizatória de pagar a metade das despesas de saúde e escolares,
13. Aliás, sem perder esse mesmo conceito da proporcionalidade como regulador de um equilíbrio que tudo indica que irá sempre existir, basta atentar no montante de € 3.631,43 , que representa pouco mais de um ano, para ter futuramente em conta que haverá limites relativos, mesmo apesar de ser impossível tentar prever, antecipar e fixar limites rígidos sem violentar uma das principais componentes da indemnização que é devida ao recorrido.
14. O que é certo é que o recorrido estava protegido pelo apoio que futuramente seria prestado pelo seu pai e que consistia em este pagar a metade das despesas de saúde e de educação.
15. Tal protecção pela via obrigacional do vínculo de alimentos deve necessariamente ser mantida, pelo que a recorrente seguradora deve assumir o seu efectivo cumprimento, sendo sempre violento, absurdo e injustificável qualquer espécie de entendimento que prevaleça no sentido de a eximir de tão importante componente indemnizatório, mesmo considerando a sua natureza variável.
16. Realmente, mostram-se na decisão recorrida inteiramente cumpridos todos os dispositivos legais contidos e previstos nos arts. 483°., 496°. e 562°. do C. Civ..
17. Tudo são termos em que, com os demais douta e superiormente a suprir, deve o Acórdão recorrido ser integralmente confirmado, com as legais consequências, como é de esperada JUSTIÇA
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Neste Supremo, o Ministério Público pronunciou-se nos termos de fls dos autos,
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Cumprida a legalidade dos vistos e não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.
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Consta do acórdão recorrido:
“A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
1- No dia 1 de Maio de 2007, entre as 19 horas e 45 minutos e as 20 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, marca Audi, modelo A8, pela A 1, no sentido Norte – Sul, ao km 94,5, na zona de Zibreira, na área desta comarca de Torres Novas.
2- Fazia-o sem ser titular de carta de condução que o habilitasse à condução de veículos automóveis ligeiros.
3- Nesse local, no sentido Norte – Sul, na berma direita da citada via, encontrava-se imobilizado, devido a avaria, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, marca Citroen, modelo C3, pertencente a EE, e por ele conduzido.
4- O veículo de matrícula … encontrava -se devidamente sinalizado, com triângulo de pré-sinalização de perigo e com cones de sinalização da "Brisa" que o ladeavam.
5- O referido CC encontrava-se no interior do seu veículo e tinha vestido um colete reflector verde.
6- O arguido circulava na faixa mais à esquerda, a uma velocidade concretamente não apurada, mas superior àquela que lhe permitia controlar o veículo, efectuando uma manobra de ultrapassagem a dois veículos que circulavam na faixa mais à direita.
7- Quando o arguido estava a terminar a manobra de ultrapassagem e retomar a via da direita, não conseguiu controlar o veículo e mantê-lo na faixa de rodagem, saiu desta e foi embater com a sua parte frontal direita na parte traseira e lateral esquerda do veiculo com a matrícula …, que se encontrava imobilizado na berma, devidamente sinalizado.
8- Em consequência do embate, o veículo de matrícula … foi projectado para fora da berma, tendo ficado imobilizado a 26.7m de distância do local do embate, na ribanceira que ladeia a berma da A 1.
9- Por sua vez, o referido CC, que se encontra no interior desse veículo de matrícula …, foi projectado para o exterior do mesmo, ficando a 6/7 metros do veículo.
10- Após o embate, o veículo conduzido pelo arguido ficou imobilizado na via esquerda, junto ao separador central, a 52 metros do local do embate.
11- O arguido saiu do seu veículo e dirigiu-se ao local onde o outro veículo acidentado se encontrava, conjuntamente com as testemunhas FF e GG.
12- Na altura, o arguido e as testemunhas FF e GG viram o corpo do referido CC caído no solo, ainda com vida e necessitando de assistência médica de urgência.
13- Após ter perguntado à testemunha GG como estava o referido EE e se era necessário chamara o INEM, e depois daquele lhe ter respondido que a testemunha HH já tinha chamado o INEM, o arguido ausentou-se do local.
14- Em consequência do embate atrás descrito, o referido EE sofreu contusão a nível da região fronto-parietal direita, equimose na região frontal direita, circular com 3 cm de diâmetro, equimose na face lateral esquerda do pescoço, vertical, com 8 cm de comprimento e 3 cm de largura, seis pequenas escoriações, oblíquas, de cima para baixo e para trás, no terço inferior do hemitórax direito, com cerca de 2 cm cada e uma fractura de C 1, com secção medular, amolecimento e hemorragia a esse nível.
15- Estas lesões traumáticas crânio-encefálicas e raquimedulares provocaram ao referido EE directa e necessariamente a morte.
16- O embate ocorreu na berma, junto à faixa direita de rodagem em que seguia o veículo conduzido pelo arguido.
17- No local do embate, a faixa de rodagem tem uma configuração rectilínea, em patamar, com 7,60 metros de largura, existindo duas vias de trânsito no mesmo sentido.
18- A berma onde estava o veículo com a matrícula … tem 3 metros de largura.
19- A via é construída em pavimento betuminoso, em estado razoável de conservação.
20- A via estava na altura ladeada do lado esquerdo por um separador central, de plástico, móvel e, do lado direito, por vegetação rasteira.
21- A via no local encontra-se sinalizada com um sinal de proibição de circulação acima dos 100 Km/hora.
22- Chovia com intensidade e a estrada estava molhada.
23- O veículo conduzido pelo arguido tinha, à data dos factos, o pneumático da frente direito em desconformidade no que diz respeito à altura dos relevos principais da zona de rodagem, sendo que o mesmo apresentava relevo com altura de 1 mm.
24- O arguido sabia que não era titular de carta de condução que lhe permitisse conduzir o aludido veículo em que se fez transportar e que a mesma era imprescindível ao exercício daquela actividade e, não obstante, quis conduzir a viatura nos termos referidos supra.
25- O arguido iniciou esse dia a condução sem, previamente, ter verificado o estado dos pneumáticos do veículo que conduzia, como podia e devia ter verificado.
26- O arguido não adequou a velocidade que imprimia ao veículo, de modo a que, atendendo às características e estado da via, do veículo e do pneu, às condições meteorológicas que se verificavam na altura, pudesse, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade fosse de prever, como a finalização de ultrapassagem e o regresso à via mais à direita.
27- O arguido agiu de forma descuidada, contra o que podia e devia ter feito.
28- O arguido sabia que devia conduzir de forma cuidadosa e que devia ter adequado a velocidade do veículo que conduzia às condições climatéricas que se verificavam na altura. Contudo assim não o fez, tendo com essa actuação dado causa ao embate.
29- Era previsível para o arguido que da sua conduta pudesse resultar o embate noutros veículos, designadamente o verificado entre o veículo por si conduzido e o veículo de matrícula ….
30- Era previsível para o arguido que da sua conduta, e em resultado do embate referido supra, podiam resultar para o referido EE, que se encontrava no interior da viatura, as lesões traumáticas verificadas que lhe provocaram a morte.
31- O arguido sabia que o referido EE se encontrava com vida, sendo seu dever ajudar a vítima do embate que causou e, promover o respectivo socorro.
32- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
33- O referido EE faleceu entre as 21 horas e 15 minutos e as 21 horas e 39 minutos.
34- Com base no falecimento do referido EE em consequência do acidente descrito supra, foram requeridas ao demandante Instituto da Segurança Social as respectivas prestações morte, as quais foram deferidas.
35- Em consequência o demandante ISS pagou a título de subsídio por morte o montante de 9.725,47 euros.
36- A título de pensões de sobrevivência, o demandante ISS pagou o montante global de 1.437 euros, no período de 6-2007 até 3-2008.
37 - O valor actual e mensal da pensão de sobrevivência é de 119,75 euros.
38- O referido EE não fez testamento ou qualquer disposição de última vontade e deixou como único e universal herdeiro o demandante BB, seu filho.
39- Na data referida em 1), através de um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº …, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula …, encontrava-se transferida para a demandada ....
40- O referido EE encontrava-se a trabalhar como engenheiro informático para a firma: "M… – Sociedade de Prestação e Gestão de Serviços, S.A., a exercer funções de desenvolvimento de "software".
41- O referido EE concluiu com sucesso um curso na Oracle University.
42- O referido EE desempenhou na firma EDISOFT, S.A., a função de Programador Júnior, com empenho e diligência, entre 12 de Março de 2001 e 25 de Fevereiro de 2005.
43- O referido EE tinha conseguido resultados a nível profissional de excelente qualidade.
44- À data do seu falecimento, a vítima EE auferia mensalmente a quantia de 1.450 euros, a título de vencimento base, acrescida da importância diária de 6,05 euros a título de subsídio de refeição.
45- Na sequência do embate referido supra, o veículo de matrícula … sofreu estragos na parte traseira esquerda, não sendo viável a sua reparação.
46- Por acordo homologado por sentença proferida no dia 19 de Abril de 2001, devidamente transitada em julgado, nos autos de divórcio por mútuo consentimento nº 135/00, que correram termos na 23 secção, do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, ficou o referido EE obrigado a pagar, a título de pensão de alimentos a favor do demandante BB, a prestação mensal de Esc- 60.000$00, correspondente actualmente a 299,28 euros.
47- Ficou ainda acordado no processo referido em 45) que a prestação mensal da pensão de alimentos seria actualizada anualmente no mês de Janeiro, na proporção do aumento do vencimento do pai ou de acordo com a taxa de inflação anual publicada pelo INE.
48- No acordo que definiu o regime de regulação do poder paternal do demandante referido em 45) ficou ainda estabelecido que o referido EE ficava obrigado a proceder ao pagamento a meias de todas as despesas de saúde, incluindo consultas de rotina e com a educação, abrangendo gastos com o colégios, estabelecimentos de ensino e de formação, bem como com outras actividades extracurriculares (estas desde que aprovadas por ambos progenitores).
49- O demandante BB nasceu no dia 16 de Abril de 1999.
50- O demandante é um aluno estudioso, aplicado, atento e interessado.
51- No dia 26-2-2008 foi despendida a quantia de 70 euros na consulta de nefrologia a que se submeteu o demandante.
52- No dia 7-3-2008 foi despendida a quantia de 70 euros na consulta de oftalmologia que se submeteu o demandante.
53- No dia 14-3-2008 foi despendida a quantia de 35 euros na consulta de nefrologia, a que se submeteu o demandante.
54- No dia 19-3-2008 foi despendida a quantia de 85 euros na consulta de pediatria, a que se submeteu o demandante.
55- No dia 18-6-2007 foi despendida a quantia de 70 euros em 2 sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
56- No dia 27-7-2007 foi despendida a quantia de 350 euros em 7 sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
57- Foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
58- No dia 24-9-2007 foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
59- No dia 17-10-2007 foi despendida a quantia de 250 euros em 5 sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
60- No dia 5-11-2007 foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
61- No dia 14-12-2007 foi despendida a quantia de 60 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
62- No dia 26-12-2007 foi despendida a quantia de 600 euros em duas sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
63- No dia 9-4-2008 foi despendida a quantia de 60 euros na consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
64- No dia 7-3-2007 foi despendida a quantia de 315 euros na matrícula do demandante no Colégio …, que frequenta.
65- No dia 12-2-2007 foi despendida a quantia de 455,40 euros na mensalidade do Colégio …, que o demandante frequenta.
66- No dia 9-5-2007 foi despendida a quantia de 425,20 euros na mensalidade do Colégio …, que o demandante frequenta.
67- No dia 17-4-2007 foi despendida a quantia de 461,60 euros na mensalidade do Colégio …, que o demandante frequenta.
68- No dia 12-6-2007 foi despendida a quantia de 449,20 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
69- No dia 19-9-2007 foi despendida a quantia de 220,50 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
70- No dia 9-10-2007 foi despendida a quantia de 457 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
71- No dia 8-11-2007 foi despendida a quantia de 473,60 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
72- No dia 5-12-2007 foi despendida a quantia de 483,30 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
73- No dia 14-2-2008 foi despendida a quantia de 473 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
74- No dia 10-3-2008 foi despendida a quantia de 469 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
75- No dia 8-4-2008 foi despendida a quantia de 463,30 euros na mensalidade do Colégio ..., que o demandante frequenta.
76- No dia 10-3-2008 foi despendida a quantia de 330 euros na matrícula do demandante no Colégio ..., que frequenta.
77- O custo do cabaz de livros escolares anual, nunca é inferior a cerca de 150 euros/ano.
78- No dia 20-10-2007 foi despendida a quantia de 14,30 euros na papelaria denominada de "A…" para pagamento de material escolar para o demandante.
79- No dia 10-9-2007 foi despendida a quantia de 82,95 euros na papelaria denominada de "A…." para pagamento de material escolar para o demandante.
80- No dia 19 de Abril de 2008, foi despendida a quantia de 275 euros para a aquisição das armações e das lentes dos óculos do demandante.
81- No dia 23-4-2008 foi despendida a quantia de 11,50 euros na consulta de pediatria, a que se submeteu o demandante.
82- No dia 23-4-2008 foi despendida a quantia de 10 euros em RX, a que se submeteu o demandante.
83- No dia 30-4-2008 foi despendida a quantia de 50 euros em uma sessão de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
84- No dia 30-4-2008 foi despendida a quantia de 500 euros em dez sessões de fisioterapia, a que se submeteu o demandante.
85- No dia 21-4-2008 foi despendida a quantia de 60 euros numa consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
86- No dia 15-5-2008 foi despendida a quantia de 85 euros numa consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
87 - No dia 7-5-2008 foi despendida a quantia de 60 euros numa consulta de psicologia, a que se submeteu o demandante.
88- O demandante irá prosseguir com as consultas por um psicólogo por um período mínimo de 4 meses, tendo cada uma delas o custo de 60 euros.
89- No dia 11-9-2007 foi despendida a quantia de 49,80 euros na firma denominada de "M… - Comércio, Importação e Exportação" para pagamento de equipamento escolar.
90- No dia 11-9-2007 foi despendida a quantia de 189,34 euros na firma denominada de "P…" para pagamento de material escolar.
91- O demandante padece de uma malformação no pé.
92- O referido EE faleceu com 33 anos de idade.
93- O referido EE era um amigo muito dedicado a todos os seus amigos, que o estimavam e admiravam.
94- Era doador de sangue e encontrava-se inscrito para doar medula óssea.
95- Possuía uma cultura geral acima da média e interessava-se sobre uma variedade enorme de assuntos.
96- O referido EE praticava frequentemente natação e corrida.
97- O referido EE tinha uma relação muito próxima com o demandante, seu filho único, existindo entre ambos um entendimento profundo e muito afectivo.
98- O referido EE era o melhor amigo do demandante.
99- O referido EE apoiava e orientava em tudo o demandante, acompanhando-o na evolução do ensino, dedicando-lhe todos os tempos livres e aproveitando por inteiro todo o tempo que o regime de visitas estipulado na regulação do poder paternal lhe permitia aproveitar.
100- O referido EE dava assistência ao demandante em relação aos seus estudos e actividades escolares.
101- O referido EE e o demandante conversavam muito sobre a vida de cada um, o demandante sentia-se muito apoiado, e a todos manifestava alegria e felicidade por estar com o pai.
102- Os pais do demandante são licenciados.
103- O arguido declarou que aufere o vencimento mensal de 1.500 euros da actividade de industrial.
104- Declarou que tem 3 filhos com 15 e 16 anos que se encontram a seu cargo.
105- Declarou que tem uma companheira que é doméstica.
106- Declarou que vive em casa arrendada, pagando de renda um valor não determinado.
107- Tem como habilitações literárias a 4ª classe.
108- Do certificado do registo criminal do arguido consta:
a) Uma condenação no Processo Comum Singular nº 22/04.2TAVRL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática de um crime de descaminho, ocorrido em 4-10-2002, na pena de 7 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano. A decisão condenatória foi proferida em 3-2-2005;
b) Uma condenação no Processo Comum Singular nº 2.129/99.7JAPRT, da 2ª secção, do 3º Juízo do Tribunal Judicial do Porto, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, ocorrido 27-4-1999, na pena de 120 dias de multa. A decisão condenatória foi proferida em 29-5-2006.
(…)”.

B) Foram considerados não provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
a) O arguido não providenciou previamente pela prestação de cuidados médicos ao referido EE antes de se ausentar do local.
b) O arguido iniciou a manobra de ultrapassagem sem previamente se certificar de existência de perigo de colisão com outro veículo que transitasse no seu sentido de marcha da via rodoviária em que seguia.
c) O arguido previu como possível embater no veículo de matrícula …, e previu que, com esse embate, poderia provocar a morte do seu ocupante, mas agiu na convicção que tal resultado não iria ocorrer.
d) O arguido não quis promover o socorro do referido EE, antes ausentando-se do local sem previamente providenciar por auxílio médico, bem sabendo que ao actuar desta forma poderia pôr em sério risco a vida do acidentado ou causar-lhe moléstias físicas ou a morte.
e) O falecido EE encontrava-se a desenvolver um determinado "software" para a empresa S…, S.A., na sequência de um contrato de prestação de serviços celebrado entre esta última firma, e a empresa "M….", para quem o referido EE trabalhava.
f) À data do seu falecimento, o referido EE auferia ainda, mensalmente, a quantia de 360 euros, a título de ajudas de custo.
g) À data do acidente descrito supra o veículo de matrícula 02-72-UM tinha o valor venal de 4.500 euros.
h) À data em que faleceu, o referido EE entregava, a título de pensão de alimentos, uma prestação mensal no montante de 372,50 euros.
i) Os avós do demandante são licenciados.
j) Devido a uma malformação congénita, designadamente uma nefropatia do IGA, que o demandante sofre, torna-se necessário consultar o seu urologista 2 vezes por ano.
k) O demandante necessita de ir ao oftalmologista 2 vezes por ano.
l) O demandante gasta 300 euros de cada vez na mudança de lentes e aros dos seus óculos.
m) O demandante vai à consulta de pediatria 4 vezes por ano, despendendo com cada uma a quantia de 85 euros.
n) Devido à malformação congénita no pé que padece, o demandante necessita de efectuar, pelo menos 2 vezes por ano, em cerca de 5 sessões cada, de 15 em 15 dias, tratamentos de fisioterapia que custam 50 euros cada sessão.
o) O demandante necessita de tratamentos aos dentes duas vezes por ano, gastando com cada uma dessas consultas a quantia de 90 euros.
p) O demandante irá passar a ser seguido por um psicólogo, de 15 em 15 dias.
q) A escola frequentada pelo demandante BB, ou seja o Colégio ... tem o custo mensal de 500 euros, durante 10 meses do ano.
r) O demandante gastou com o funeral do referido EE a quantia de 1.000 euros.
s) O referido EE permaneceu consciente após o acidente referido supra, e esteve sofrer, em agonia e com dores extremas, devido às lesões que lhe advieram do sinistro.
t) O referido EE possuía uma excepcional compleição física e um excelente histórico de saúde.
u) Adquiria jornais, livros e revistas todos os dias, estava sempre a par de tudo o que se passava no País e no Mundo, utilizando todos os meios de comunicação e de notícias a que podia aceder.
v) Possuía bastantes livros, documentos e estudos.
w) Possuía uma biblioteca bastante volumosa, toda bem organizada por ele próprio e cuja consulta fazia diariamente, para além de ter dados organizados informaticamente para habilitar estudos e análises dos mais variados problemas.
x) O que conseguia fazer com rapidez e precisão, competências essas de que os seus amigos, colegas e conhecidos se socorriam frequentemente e perante cujos pedidos de ajuda jamais negou ou se mostrou indiferente.
y) Era muito amigo da sua família, e chegou a ir a pé sozinho até Fátima, em cumprimento de promessa pelas melhoras de uma doença da mãe.
z) O referido EE era uma pessoa que irradiava simpatia, pois relacionava-se com habilidade invulgar com toda a gente.
aa) Para além disso, praticava desporto todos os dias, designadamente futebol, surf e ski.
bb) Pelo menos duas vezes por semana o referido EE levava o demandante à escola e sempre esteve presente nas respectivas reuniões de pais.
cc) O demandante era também acompanhado pelo pai nas consultas médicas, bem como nas deslocações à piscina e ao court de ténis, onde praticavam natação e ténis em conjunto.
dd) Na ocasião referida em 1), no fim de uma curva à direita, o arguido avistou uma luz à direita.
ee) Foi devido ao facto de ter visualizado a luz mencionada em dd) e não ter conseguido ver se a mesma estava na berma ou na faixa de rodagem que o veículo …, tripulado pelo arguido entrou em despiste.
(…)”.
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Cumpre apreciar e decidir.
Coloca a recorrente ... – Companhia de Seguros, S.P.A., várias questões, referentes:

1- À indemnização pelo dano morte
2- Ao âmbito da Pensão de alimentos
3- Às despesas mencionadas nos pontos 51 a 87 da matéria de facto provada

Quanto à 1ª questão:
Alega que o valor correspondente ao bem VIDA fixado pelo Tribunal da Relação mostra-se desajustado da realidade, por excessivamente valorado, devendo ser de manter o valor fixado na Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, pois que com a publicação da Portaria 377/2008 de 26 de Maio, tentou o legislador fixar os critérios orientadores que permitam, por forma a evitar diferenças indemnizatórias significativas para situações similares, o apuramento do valor monetário em que se deverá traduzir os danos físicos e psíquicos sofridos por vitimas de acidentes de viação, e, para o caso da morte da vitima, fixa a referida Portaria, como compensação devida pela perda do direito à vida, quando esta se compreenda entre os 25 e os 49 anos, um montante máximo de € 50.000,00.

Analisando:
Relativamente à invocada Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, não pode esquecer-se, como consta do seu preâmbulo, que se trata de “critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal.
Parte significativa das soluções adoptadas nesta portaria baseia -se em estudos sobre a sinistralidade automóvel do mercado segurador e do Fundo de Garantia Automóvel e na experiência partilhada por este e pelas seguradoras representadas pela Associação Portuguesa de Seguradores, no domínio da regularização de processos de sinistros.”
Finalidade esta repetida pelo preâmbulo da Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho que veio alterar aquela, referindo também que “Com a publicação da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, o Governo fixou, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 39.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal.”
Na verdade, o artigo 1º da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio descreve o seu objecto:
1 — Pela presente portaria fixam -se os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
E, o nº 2 do preceito expressamente consagra que: As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos
Como resulta da mesma Portaria, “o regime relativo aos prazos e as regras de proposta razoável, agora também aplicáveis ao dano corporal, exige o apoio de normativos específicos que evidenciem, com objectividade, a transparência e justiça do modelo no seu conjunto e sejam aptos a facilitar a tarefa de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações, aliás significativas, pelo incumprimento de prazos ou quando for declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.”
A Portaria, tem pois um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil.
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De harmonia com o artigo 495º nº 1 do Código Civil: No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
E nos termos do nº 3 do preceito: Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Nos termos do 496º nº 1 do Código Civil, relativamente a danos não patrimoniais: na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;.
O artº 494º alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.
O dano morte tem carácter autónomo, é um dano próprio pela mera privação da vida, que não se confunde com o dano não patrimonial.
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Quanto ao dano morte, como referia o Acórdão deste Supremo de 27-09-2007, in www.dgsi.pt, sabe-se que a vida é o bem mais precioso da pessoa que ele não tem preço, porque é a medida de todos os preços, e que a sua perda arrasta consigo a eliminação de todos os outros bens de personalidade.
À míngua de outro critério legal, na determinação do concernente quantum compensatório importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais.
E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica.
A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros descendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – artº 496º nº 3 do Código Civil, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito familiares da vítima, decorrentes, do sofrimento e desgosto essa morte lhes causou (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 604 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do S.T.J. de 17/03/1971, B.M.J. 205, pág. 150; Leite Campos, A indemnização do dano da morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247 Galvão Telles, Direito das Sucessões, págs. 88 e segs).
Considerou o acórdão recorrido:
“Da exiguidade dos montantes indemnizatórios fixados pelo dano morte (…)
1. Diz o recorrente que a indemnização fixada pelo dano morte de seu pai [€ 55.000] se encontra fixado cerca de € 10.000 abaixo do que a personalidade da vítima e o seu perfil profissional pressuporiam.
Para tanto invoca a idade da vítima [33 anos], a sua excepcional compleição física e saúde, a circunstância de ser uma pessoa dedicada aos amigos e solidária [era dador de sangue e estava inscrito como dador de medula] que irradiava simpatia e facilmente se relacionava, a circunstância de ser pessoa muito informada e com uma cultura geral acima da média, sendo possuidor de uma biblioteca volumosa e bem organizada, muitos livros, documentos e estudos, a circunstância de ser um amante do desporto [que todos os dias praticava] e de ser muito amigo da família e, particularmente, do filho ora recorrente.
De tudo isto, o que resultou provado é que a vítima, pai do recorrente, faleceu com 33 anos de idade, era muito dedicado aos seus amigos que o estimavam e admiravam, era doador de sangue e encontrava-se inscrito para doar medula óssea, possuía uma cultura geral acima da média e era pessoa interessada em vários assuntos, praticava frequentemente natação e corrida, e tinha uma relação muito próxima com o recorrente, seu filho único, existindo entre ambos um entendimento profundo e muito afectivo.
O direito à vida é o primeiro, o mais importante, dos direitos absolutos. É o bem supremo, cuja tutela é assegurada pelo art. 24º, da Constituição da República Portuguesa. E que a sua violação gera um dano susceptível de compensação, não se dúvida.
A questão colocada é a de saber como fixar o quantitativo que compense a produção do dano. A regra é-nos dada pelo art. 496º, nº 3, do C. Civil: o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será fixado equitativamente.
O direito à vida, como direito absoluto inerente à condição humana que é, deve, em abstracto, obter sempre a mesma valoração absoluta isto é, todas as vidas se equivalem. Mas esta afirmação não significa que, em cada caso concreto e, precisamente por isso, por razões de equidade, não devam nem possam ser ponderados determinados factores que estabeleçam diferenças no montante indemnizatório a fixar. Na verdade, a justiça do caso concreto pode impor a consideração de elementos relativos à idade, à saúde, à integração e desempenho social da vítima, entre outros como factores de valoração do dano (Cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 11 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B2935, de 27 de Setembro de 2007, proc. nº 07B2737, ambos in, http://www.dgsi.pt, e de 25 de Março de 2004, CJ, S, XII, I, 140; e em sentido contrário, Ac. do STJ de 8 de Junho de 2006, proc. nº 06A1464, in, http://www.dgsi.pt). Em todo o caso, como nota o Cons. Sousa Dinis, estamos perante parâmetros genéricos que deixam a cada juiz um âmbito de decisão suficientemente elástico para que possam em cada caso, expressar a arte de minorar a supressão do direito à vida (CJ, S, IX, I, 7). Mas, a título meramente indicativo, não deixaremos de referir algumas decisões do nosso mais Alto Tribunal: assim, o acórdão de 4 de Novembro de 2003 (CJ, S, XI, III, 133) fixou o montante devido pelo dano morte em € 40.000, os acórdãos de 8 de Junho de 2006 (já identificado), de 24 de Outubro de 2006 (proc. nº 06A3021, in, http://www.dgsi.pt), 18 de Dezembro de 2007 (proc. nº 07B3715, in, http://www.dgsi.pt), e de 23 de Abril de 2008 (proc. nº 08P303, http://www.dgsi.pt), fixaram aquele montante em € 50.000, e os acórdãos de 30 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2989, in, http://www.dgsi.pt) e de 11 de Dezembro de 2008 (já identificado) fixaram o mesmo montante em € 60.000.
Sendo a vítima um homem jovem, promissor engenheiro informático, saudável, solidário, culto, amante da prática desportiva, e muito próximo do filho, dúvidas não restam de que tinha diante de si um futuro longo e prometedor, sobejando-lhe motivos para encarar de forma alegre e positiva o caminho a percorrer, que foi abruptamente interrompido pelo acidente de que o arguido e segurado da demandada é o único responsável.
Por isso mesmo entendemos que o montante de € 60.000 para compensação do dano morte de mostra mais adequado, atenta a ponderação global daqueles factores, à realização da justiça do caso concreto.
Concluindo, fixa-se em € 60.000 a indemnização devida para compensação do dano morte. “
Ora tendo em conta o exposto, a fundamentação havida e, vindo provado que:
O acidente de viação ocorreu em 1 de Maio de 2007. O referido EE encontrava-se a trabalhar como engenheiro informático para a firma: "M…. – Sociedade de Prestação e Gestão de Serviços, S.A., a exercer funções de desenvolvimento de "software". Concluiu com sucesso um curso na Oracle University. À data do seu falecimento, a vítima EE auferia mensalmente a quantia de 1.450 euros, a título de vencimento base, acrescida da importância diária de 6,05 euros a título de subsídio de refeição. O referido EE faleceu com 33 anos de idade. Era um amigo muito dedicado a todos os seus amigos, que o estimavam e admiravam. Era doador de sangue e encontrava-se inscrito para doar medula óssea. Possuía uma cultura geral acima da média e interessava-se sobre uma variedade enorme de assuntos. Praticava frequentemente natação e corrida. Tinha uma relação muito próxima com o demandante, seu filho único, existindo entre ambos um entendimento profundo e muito afectivo. Era o melhor amigo do demandante. Apoiava e orientava em tudo o demandante, acompanhando-o na evolução do ensino, dedicando-lhe todos os tempos livres e aproveitando por inteiro todo o tempo que o regime de visitas estipulado na regulação do poder paternal lhe permitia aproveitar. Dava assistência ao demandante em relação aos seus estudos e actividades escolares.
Conclui-se que a quantia arbitrada pela Relação não se mostra excessiva, outrossim, se revela adequada e de harmonia com a jurisprudência estabelecida por este Supremo Tribunal.
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Sobre a 2ª questão – relativa ao âmbito da prestação de alimentos.
Disse-se na decisão recorrida, com referência ao recurso então interposto pelo assistente e demandante:
“5. Pretende o recorrente que a prestação de alimentos lhe é devida, não até aos 23 anos, como foi decidido na sentença recorrida, mas até aos 25 anos, idade considerada razoável para um estudante aplicado terminar a formação de base, e estágios e especialidades necessárias ao exercício apto de uma profissão.
Vejamos.
Como é sabido, no âmbito do poder paternal, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens (art. 1878º, nº 1, do C. Civil).
Os pais deixam, no entanto, de estar obrigados a prover ao sustento dos filhos e a assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em eles estejam em condições de suportar tais encargos, seja pelo produto do seu trabalho, seja através de outros rendimentos (art. 1879º, do C. Civil).
Porém, mantém-se a obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos e de suportarem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, mesmo depois de estes atingirem a maioridade, se ainda não tiverem completado a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir aos pais tal obrigação, mas apenas pelo tempo normalmente exigido para que aquela formação se complete (art. 1880º, do C. Civil).
O recorrente nasceu a 16 de Abril de 1999 e tem sido um aluno estudioso, aplicado, atento e interessado, e é filho de pais licenciados.
Tudo isto, aliado ao facto de hoje a maior parte dos jovens almejarem obter uma licenciatura [antes de Bolonha] ou um mestrado [depois de Bolonha] é razoável admitir que também o recorrente pretenderá obter tais graus académicos.
Ainda que seja hoje um aluno com as apontadas características, e fazendo-se votos para que elas se mantenham e apurem no desenrolar da sua vida escolar e académica, tem que aceitar-se como fazendo parte da vida de um estudante normal a possibilidade de insucesso. Por outro lado, a formação profissional não acaba com a obtenção do grau académico. No mundo actual, altamente competitivo, em regra, aquela formação inicia-se precisamente depois de obtido o grau académico e pode ter duração mais ou menos variável.
Assim, se um percurso escolar e académico sem acidentes permitirá ao recorrente obter o grau de licenciado/mestre, conforme o regime universitário em questão, quando atingir os 23 anos de idade, não deixa de ser razoável aceitar a hipótese de um ano de insucesso ou de um estágio superior a um ano.
Neste pressuposto, entendemos que a prestação mensal devida ao recorrente se deve manter até este perfazer 25 anos de idade (cfr. Acs. do STJ de 8 de Maio de 2008, já identificado, e de 19 de Março de 2002, proc. nº 01A4183, in, http://www.dgsi.pt).
Procede pois, nesta parte, o recurso.”
Analisando:
Como se sabe, de harmonia com art. 1874º, n.º 2, do Código Civil, (CC) o dever de assistência entre pais e filhos, compreende a obrigação de prestar alimentos,
Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens. – artº 1878º nº 1 do CC.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário e compreendem também a instrução e educação do alimentando no caso de este ser menor. - artº 2003º do CC
Por outro lado, segundo o artº 2004º do mesmo diploma:
1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Os pais só ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.- artº 1879ºdo CC.
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para aquela formação se complete – artº 1880º do CC.
Ora como referiu o acórdão deste Supremo de 22-04-2008, id, na base de dados do STJ com nº SJ200804220003892 :
»Efectivamente, como defendido no acórdão do STJ, de 07-05-31 (doc. nº SJ200705310026787, disponível in www.dgsi.pt/jstj.) -vide, ainda, em sentido idêntico, acórdão do STJ, de 03-01-23 -doc. nº SJ200301230043797, disponível in www.dgsi.pt/jstj. -:
“(…)
Dir-se-à, assim, ser a regra no sentido de que o direito a alimentos do filho menor no confronto dos respectivos progenitores cessa com a respectiva maioridade. Ele tem, porém, direito à manutenção da referida obrigação alimentar, no mesmo ou em diferente montante, conforme as circunstâncias, para completar a sua formação profissional.
Mas para tanto importa que o peça em juízo, articulando e provando os factos integrantes da causa de pedir concernente ao direito substantivo previsto no artigo 1880º do Código Civil, isto é, demonstrando que o seu direito a alimentos se mantém (artigos 3º, 264º, nº 1 e 467º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil)."
Da letra e do escopo finalístico do nº 2 do art. 1412º do CPC, "não resulta, porém, que enquanto os progenitores não requerem a cessação da obrigação alimentar fixada judicialmente aos filhos ela se mantém.
...A expressão da lei no que concerne à manutenção da pensão alimentar não significa que o interessado não deva provar os respectivos pressupostos e antes deva ser o obrigado a requerer a sua cessação.
O que resulta da lei é que a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores cessa quando eles atinjam a maioridade legal, salvo se eles requererem a sua manutenção.
A circunstância da multiplicação dos casos em que os filhos não completaram a formação profissional aquando da maioridade legal não justifica, como é, natural, presunção dos pressupostos de facto integrantes da causa de pedir relativa ao direito a que se reporta o artigo 1880º do Código Civil (sublinhado nosso).»
Tem razão a recorrente quando alega que dos factos provados apenas resulta que:
“46 – Por acordo homologado por sentença proferida no dia 19 de Abril de 2001, devidamente transitada em julgado, nos autos de divórcio por mútuo consentimento n.º 135/00, que correram termos na 2ª secção, do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, ficou o referido EE obrigado a pagar, a título de pensão de alimentos a favor do demandante BB, a prestação mensal de Esc.: 60.000$00, correspondente actualmente a 299,28 euros; (…)
50 – O demandante é um aluno estudioso, aplicado, atento e interessado” (fls. 8 da douta sentença).”
Sendo certo que os pais devem reconhecer autonomia aos filhos na organização da própria vida – artº 1878º nº 2 do CC, nos dias de hoje é normal qualquer estudante pretender cursar o ensino superior, em que vigora o denominado processo de Bolonha, pelo qual, normalmente se atinge a licenciatura (1º ciclo de estudos superiores) num prazo curricular de três anos e, o curso de mestrado.(2º ciclo) num prazo curricular de dois anos.
Porém, tanto pode acontecer que o demandante no momento em que atinja a maioridade, ou seja emancipado, esteja em condições de suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, a sua formação profissional, caso a não considere terminado, como pode acontecer que no momento em que atinja a maioridade ou seja emancipado, não tenha completado a sua formação profissional, devendo as respectivas despesas ocorrer ainda por conta dos pais.
Se no momento da maioridade ou emancipação do demandante, este não tiver completado a sua formação profissional, manter-se á a obrigação alimentar referida no artigo 1879º do CC – despesas com o sustento, segurança, saúde e educação do assistente demandante se este demonstrar na altura, pelo meio processual adequado, que o seu direito a alimentos se mantém (artigos 3º, 264º, nº 1 e 467º, nº 1, alínea a),1412º, do Código de Processo Civil.)
3ª questão: Sobre os montantes correspondentes às despesas mencionadas nos pontos 51 a 87 da matéria de facto provada.
Alega a recorrente que nada dos Autos permite concluir quem liquidou as despesas em causa, seja o BB, seja a sua legal representante, seja um terceiro.
Não se lhe afigura que a questão se resolva simplesmente pela inclusão de tais despesas na conteúdo do poder paternal, tal como se menciona no Acórdão recorrido, passando a questão, tão só, pela prova ou ausência dela, quanto a quem liquidou tais quantias, a qual, no presente caso, não foi feita.
Vejamos:
A decisão recorrida considerou:
“A circunstância de ter o recorrente nascido em 1999, sendo ainda hoje portanto, uma criança, não permite, sem mais, a conclusão de que o mesmo não tem rendimentos que lhe permitam efectuar os pagamentos das despesas em questão. Basta para tanto atentar na infeliz situação que está na origem dos autos, e que o tornou único herdeiro de seu pai.
Mas, admitindo que o recorrente não tem rendimentos, tal circunstância, em si mesma, não significa sem mais, que as despesas feitas por si são pagas por terceiros no sentido de que estes assumem tal pagamento como obrigação própria. Na verdade, a solidariedade humana ainda hoje dá frequentes exemplos de ajudas traduzidas no adiantamento de verbas destinadas à satisfação de necessidades urgentes, com o compromisso de posterior restituição.
E a verdade é que os documentos nos quais o tribunal recorrido formou a sua convicção relativamente aos factos atrás enunciados, em regra, facturas/recibos, encontram-se emitidos em nome do recorrente (entre outros, fls. 896 a 906, 910 a 913, 926, 930 e 931, 933 e 934), sendo certo que foi precisamente porque os documentos respectivos não se encontravam em nome do recorrente que foi considerado não existir prova de que foi este quem pagou as despesas do funeral da vítima (fls. 1028, v).
De qualquer forma, cremos que a solução da questão colocada não passa por aqui, nem nada tem a ver, por outro lado, com um invocado mas não concretizado, princípio do interesse do menor.
6.2. Já tivemos oportunidade de dizer que o conteúdo do poder paternal compreende a promoção da segurança, da saúde, do sustento, da educação, da representação e da administração dos bens dos filhos, tudo no interesse destes (art. 1878º, nº 1, do C. Civil). Assim, a obrigação alimentícia faz parte integrante do conteúdo do poder paternal.
E também vimos que circunstâncias a obrigação de sustento e de custeio das despesas de segurança, de saúde e de educação, típica do conteúdo do poder paternal, se prolonga pela maioridade do filho (art. 1880º, do C. Civil).
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (nº 1, do art. 2003º, do C. Civil). No caso de o alimentando ser menor, os alimentos também compreendem a sua instrução e educação (nº 2, do mesmo artigo).
Apesar de a obrigação de alimentos ser uma relação creditória de fim determinado, o seu cumprimento é feito, em regra, através de uma prestação pecuniária (art. 2005º, nº 1, do C. Civil). Mas se a lei fixa, como regra, uma prestação pecuniária mensal, já nada impede que essa prestação possa ter, por acordo das partes, uma componente fixa, e uma componente variável, em função da verificação de determinadas situações previamente definidas.
A cláusula 2ª, do acordo de regulação do exercício do poder paternal relativo ao recorrente, referido nos pontos 46 a 48 dos factos provados, tem o seguinte teor (fls. 495):
A) O pai prestará para alimentos do menor, a importância mensal de Esc. 60.000$00 (sessenta mil escudos) que será depositada na conta (…), de que mãe do menor é titular, no primeiro dia de cada mês.
B) Logo que o pai receba o seu primeiro vencimento, todas as despesas com a saúde, incluindo consultas de rotina, e com a educação, incluindo despesas com o infantário e colégios, bem como com actividades extracurriculares do menor, estas desde que aprovadas por ambos os progenitores, serão suportadas a meias por ambos os pais. “.
Não restam pois dúvidas de que esta cláusula 2ª, na perspectiva de quem a aceitou, regulava os alimentos devidos ao menor e ora recorrente. E assim é efectivamente, face à lei, atento o referido art. 2003º, nº 2, do C. Civil.
Não existe, como dissemos, qualquer impedimento legal em que a prestação mensal de alimentos tenha uma componente fixa e uma componente variável, esta estabelecida por razões que facilmente se compreendem. É que a vítima, quando a cláusula foi acordada, ainda não auferia rendimentos do trabalho mas, como pai responsável que era, assumiu desde logo o compromisso de, logo que aumentassem os seus meios para prestar alimentos, aumentaria a prestação mensal fixa, à qual passariam a acrescer as referidas despesas de saúde e educação.
Em suma, quer a prestação mensal fixa, referida na alínea A), quer as despesas de saúde e educação, referidas na alínea B), da cláusula segunda do acordo de regulação do exercício do poder paternal integram o conteúdo da obrigação alimentícia a que voluntariamente se vinculou o pai do recorrente.
O recorrente era então credor de uma obrigação alimentícia com tal conteúdo da qual era devedor o seu falecido pai. E com a morte deste, ficou o privado de auferir as vantagens de tal obrigação, o que inequivocamente, se traduz num dano. Logo, deve a demandada, enquanto seguradora do veículo exclusivamente causador do facto ilícito, proceder à sua reparação.
Assim, é devida ao recorrente o valor correspondente a metade de todas as despesas de saúde, e metade de todas as despesas de educação, efectuadas pelo recorrente. Já não assim, relativamente às despesas extracurriculares na medida em que, por razões óbvias, falta o acordo da vítima.
Estando provadas nos autos despesas de saúde, no montante total de € 2.921,50 [pontos 51 a 63, e 80 a 87 dos factos provados] e despesas com educação [pontos 66 e 68 a 79 dos factos provados], no montante total de € 4.341,35, efectuadas pelo recorrente, e todas após a morte da vítima, deve ser-lhe pago o montante correspondente a metade das mesmas isto é, € 3.631,43.”
Pelas razões aduzidas na decisão recorrida concorda-se com a fundamentação nela exposta.
Na verdade, as despesas ocorreram após a data do acidente, foram feitas em benefício do recorrido, encontram-se comprovadas nos autos (com as respectivas facturas/recibos emitidas em seu nome (fls. 896 a 906,910 a 913,926,930,931,933, 934, para além de outros), e que atestam que foram dispendidos € 2.921,50 com a saúde do recorrido (pontos de facto 51 a 63 e 80 a 87) e € 4.34135 com a educação (pontos de facto 66 e 68 a 79), o que, totalizando € 7.262,85, representa uma metade a ser reembolsada de € 3.631,43.
A indemnização em metade, correspondente a tais despesas, - despesas com a saúde, incluindo consultas de rotina e com a educação integra-se no direito a alimentos, a suportar pelo progenitor se não tivesse falecido, e traduzem um dano advindo da sua privação pelo falecimento do progenitor.
O recorrido tem, pois, direito, por força do art. 2003°., n°. 2 do C. Civil, a ser indemnizado através do reembolso da metade dessas despesas, uma vez que as mesmas correspondem ao dano.
Por outro lado, a intervenção processual do lesado cinge-se á sustentação e à prova do pedido de indemnização civil – artº 74º nº 2 do CPP – sendo que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.- artº 342º nº 1 do CC
A parte contrária podia opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos: se o conseguisse, sendo neste caso a questão decidia contra a parte onerada com a prova. – artº 346º do C:C
A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – nº 2 do artº 342º
Não têm fundamento legal as extrapolações que sobre o pagamento das referidas despesas a recorrente faz na suas conclusões, tanto mais que em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito. – nº 3 do citado artº 342º do CC.
Não tendo a demandada. ora recorrente logrado provar que as referidas quantias reclamadas se encontram pagas, a obrigação pelo seu pagamento na parte que lhe respeita, não se encontra extinta.
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Termos em que, decidindo:
Dão parcial provimento ao recurso e, consequentemente revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou a demandada ... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento ao recorrente, das prestações de alimentos até este perfazer 25 anos ou seja, até 16 de Abril de 2024, constante dos pontos 3 e 4 da decisão e, consequentemente, condenam a demandada ... – Companhia de Seguros, SPA, no pagamento, ao recorrente, das prestações de alimentos que se vencerem a partir de Agosto de 2008, inclusive, bem como no pagamento, ao recorrente, de metade das despesas com saúde e educação – com excepção das despesas relativas a actividades extracurriculares – por este feitas e devidamente comprovadas, a partir de 15 de Maio de 2008, até ao momento da sua maioridade ou emancipação, sem prejuízo da prestação alimentar e referidas despesas continuarem a ser suportadas pela mesma demandada após a maioridade ou emancipação do assistente demandante, nos termos do artº 1880º do Código Civil, caso o interessado o requeira demonstrando os respectivos pressupostos.
Em tudo o demais se mantém o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente na proporção do decaimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Julho de 2009
Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça (relator)
Raul Borges