Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97/20.7T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
CONTRATO-PROMESSA
CONTRATO MISTO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
OBRIGAÇÃO
DEVER ACESSÓRIO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
REGIME APLICÁVEL
DENÚNCIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
BENFEITORIAS
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CAUSA DE PEDIR
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I – O contrato (intitulado “contrato promessa de arrendamento”) em que uma das partes proporciona imediatamente à outra o gozo dos imóveis de que é proprietária para o desenvolvimento neles da actividade comercial daquela, mediante o pagamento de determinada contrapartida monetária, o que aconteceu ininterruptamente durante dezassete anos e meio sem ser alguma vez promovida a celebração do contrato definitivo, deverá qualificar-se, na sua relativa complexidade e especial singularidade, tratando-se de um negócio uno e sem verdadeira autonomia funcional das figuras jurídicas que o integram, como um contrato misto de arrendamento comercial (nulo por falta de forma) e de contrato promessa (o qual visava, no fundo e instrumentalmente, por um lado, legitimar o exercício imediato daquela actividade no local e, por outro, projectar a pretendida regularização formal desse arrendamento).
II – Tal qualificação é a que melhor se coaduna ainda com a simultânea  a assunção de outras obrigações complementares ou acessórias, tais como o compromisso de obtenção pelas RR. da licença de utilização; alargamento, a título gratuito, de um caminho e cedência de espaço para parqueamento; estabelecimento de um quadro sancionatório específico, a que acrescia a estipulação de cláusula penal no caso de recusa das RR. na celebração do contrato prometido, cuja iniciativa de marcação competia à A., utilizadora do espaço, se e quando o entendesse.
III - O seu regime era pois o que resultasse da aplicação das normas próprias nele consignadas e, subsidiariamente, das normas do contrato de locação e ainda do contrato promessa consoante a natureza das questões jurídicas que se viessem a colocar, interpretado sempre num contexto global e unitário, tendo em conta o equilíbrio dos interesses recíprocos dos celebrantes. 
IV – Tendo a utilizadora do imóvel, ao fim de dezassete anos e meio de vigência contratual, comunicado à contraparte a sua intenção de cessar unilateralmente o contrato, respeitando para este efeito o período de pré-aviso para a entrega dos imóveis que considerou adequado, indicando como motivação a circunstância de a contraparte não haver até aquele momento obtido, como se comprometera desde o início, a licença de utilização dos imóveis (havendo ela própria efectuado no local avultadas obras sem qualquer licenciamento), a prática desse acto corresponde ao exercício do seu direito de denúncia, não revestindo a natureza de acto resolutivo.
V – Inexiste fundamento para a aplicação da sanção contratual prevista para a falta de obtenção da licença de utilização dos imóveis, da responsabilidade das RR. (pagamento das despesas com as obras autorizadas nos imóveis) na medida em que a mesma cláusula (II.7.) pressupunha que tal ausência tivesse sido impeditiva do exercício da actividade comercial pela A., o que manifestamente não sucedeu (esta desenvolveu com toda a normalidade no local o seu ramo de negócio durante mais de dezassete anos e meio, consecutivamente, até haver colocado fim ao relacionamento contratual por denúncia).
VI – Soçobra o pedido de reconhecimento do direito a benfeitorias realizadas pela A., na medida em que, por um lado, tal compensação não fora prevista pelas partes no contrato, resultando, ao invés, da interpretação global do seu texto que não seria devida na data da restituição do espaço aos proprietários, no fim do longo prazo contratual previsto, e, por outro, não há prova da verificação de uma situação de empobrecimento da A. e correspondente enriquecimento sem causa das RR., na medida em que todas as significativas edificações que a primeira levou a efeito no local, não obstante ocasionarem a valorização dos imóveis em que se incorporaram, estiveram sempre ao exclusivo serviço da actividade comercial (organização de eventos festivos) que durante quase duas décadas foi conferindo regularmente à A. os compensatórios proventos, que constituíram a amortização e a rentabilização do investimento a que procedeu.
VII – Neste mesmo sentido, verifica-se que a A. não configurou suficientemente, em sede de causa de pedir, o conjunto de factos essenciais dos quais seria viável extrair o seu efectivo empobrecimento à custa do real locupletamento das RR, apenas tendo referido, na sua peça processual e a este respeito, que ao longo dos anos realizou diversas obras e melhoramentos que se traduziram em benfeitorias necessárias e úteis, cujo levantamento não é possível sem detrimento dos imóveis e que aumentaram consideravelmente o respectivo valor, indicando logo de seguida o respectivo custo total (€ 387.791,70) que corresponde apenas e só às despesas por si efectuadas mas que não se subsume ao conceito de benfeitorias úteis, nos termos e para os efeitos do artigo 1273º, nº 2, do Código Civil.
VIII – Acresce que a circunstância do contrato revestir a natureza mista de arrendamento (nulo por falta de forma) e contrato de promessa de arrendamento (que sanaria, através da celebração contrato prometido, a sua irregularidade formal) milita igualmente no sentido do não reconhecimento do direito a compensação por benfeitorias realizadas no imóvel, na medida em que não só tal matéria poderia vir a ser definida aquando da celebração do contrato prometido, como deste ponto de vista a posição da A, enquanto promitente arrendatária, não é juridicamente compatível com a atribuição desse mesmo direito a benfeitorias dada a sua condição de mera detentora ou possuidora precária, nos termos gerais do artigo 1253º do Código Civil.
IX - Não há fundamento para reconhecer a pedida indemnização por lucros cessantes na sequência do acto de denúncia praticado pela denunciante/demandante, uma vez que tal pressuporia a prática de um ilícito por parte das RR. (que não ocorreu) e a natureza de acto resolutivo que não existiu (a A. diferentemente limitou-se a denunciar, voluntária e livremente, esse mesmo contrato).
X – Não há lugar à aplicação da cláusula penal prevista no contrato para a recusa na celebração do contrato prometido, uma vez que não foi, em momento algum, promovida pela A., ora peticionante e a quem incumbia tal iniciativa (quando e se o entendesse), a marcação da escritura prometida, não se verificando, a este propósito, o condicionalismo legal previsto no artigo 808º do Código Civil (não foi fixado às RR. qualquer prazo peremptório e razoável com vista a, no caso de inacção, considerar-se, então, resolvido o contrato, nem está demonstrada a perda de interesse da A. na prestação contratual prometida e a cargo das RR., analisada objectivamente).
XI – Pelo que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido que absolveu as RR. de todos os pedidos formulados pela A.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 97/20T8PVZ.P1.S1.

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
C... Unipessoal, Lda., instaurou acção comum contra AA, BB e CC.
Alegou essencialmente:
Celebrou com a ré AA e o marido (tendo este já falecido e demandando as herdeiras, além da esposa, as duas filhas), um acordo escrito de arrendamento, firmado em documento particular, tendo como objeto os dois prédios rústicos, que identifica.
Tratou-se de um contrato-promessa de arrendamento, com entrega do bem locado.
Como os imóveis não tinham as caraterísticas que permitissem o desenvolvimento da actividade pretendida, foi autorizada a realização das obras necessárias.
As rés emitiram sempre os recibos de renda, desde a data da celebração do contrato-promessa (em Março de 2002) até à sua denúncia.
Os outorgantes iniciais, DD e EE, cederam à autora a sua posição contratual.
O contrato-promessa havia sido celebrado pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos.
A autora tinha a expectativa de que os senhorios tivessem em curso o processo destinado à obtenção da licença de utilização do espaço, destinado à organização de eventos, após o que seria celebrado o acordo definitivo.
 Essa licença nunca foi emitida, inviabilizando a celebração do contrato de arrendamento, tendo a autora, depois de insistir pela sua obtenção, optado por denunciar o contrato celebrado, por carta registada de 21 de Junho de 2019 e com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2019, denúncia que a primeira ré aceitou.
 Foi agendada a entrega das chaves, mas que estas não foram entregues, pois que a A. reclamou o pagamento das benfeitorias, o que os senhorios não reconheceram.
No imóvel, com autorização dos senhorios, aposta no próprio contrato, a A. realizou benfeitorias no valor de € 387.791,70, que aumentaram o valor dos prédios, e que são necessárias e úteis (e não passíveis de serem removidas), referindo um conjunto de despesas realizadas e exigindo o reembolso da correspondente quantia.
A sua expectativa era que o contrato vigorasse por 25 anos e, assim, tendo um resultado líquido médio anual, nos últimos três anos, de € 5.508,00, alega que deixou de auferir, em 8 anos, a quantia de € 44.064,00 euros.
Subsidiariamente, e admitindo que estaria em causa um contrato-promessa, para além do valor das alegadas benfeitorias realizadas, peticiona que as rés sejam condenadas no pagamento da quantia fixada no acordo, a título de cláusula penal, para o caso de a licença de utilização não ser emitida por motivos imputáveis à ré e ao marido, no valor de € 375.000,00, uma vez que a não obtenção da licença implica a recusa de celebração do contrato-prometido.
Conclui pedindo:
a) o reconhecimento à autora o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas com base no enriquecimento das rés, no valor de € 387.791,70, sendo as rés condenadas a pagar este valor;
b) o reconhecimento do direito de retenção da autora sobre o imóvel em causa pelo valor das benfeitorias realizadas, enquanto o mesmo não for pago;
c) a condenação das rés no pagamento de uma indemnização pela perda de lucros decorrentes da cessação da atividade de realização de eventos que estima em € 5.508,00 de valor anual até à integral execução do contrato.
Subsidiariamente, e com base no contrato-promessa, peticionou que lhe fosse reconhecido o direito a ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas, no valor de € 387.791,70, sendo as rés condenadas a pagar tal valor, reconhecendo o seu direito de retenção sobre o imóvel enquanto o mesmo não for pago e ainda a condenação das rés a pagar-lhe a quantia definida como cláusula penal, no valor de € 375.000,00.
 Citadas, as rés excecionaram a ilegitimidade passiva das 2.ª e 3.ª rés (filhas dos contraentes iniciais), impugnaram as despesas que a autora alega ter realizado com as alegadas benfeitorias, alegando que todas as obras foram realizadas pela autora, colaborando apenas as rés quando tal lhes era pedido pela autora.
Referiram que a legalização da construção efetuada exigia que se fizesse uma alteração ao PDM, facto que era do conhecimento da autora desde a data da celebração do acordo escrito.
As rés formularam pedido reconvencional.
Alegaram nesta sede que a A. recusou a entrega as chaves do imóvel e pediram a sua condenação a reconhecê-las como proprietárias do imóvel, exigindo o pagamento do valor correspondente à renda de € 1.442,46 x 9 meses, e das rendas vincendas, considerando o gozo do imóvel que não estão a fruir, inexistindo direito de retenção, e pedindo também a responsabilização da autora pelos prejuízos decorrentes de danos e degradação decorrentes do abandono do locado.
A autora replicou e manteve o que inicialmente alegara, mas, em acrescento, informou ter procedido à entrega do imóvel no dia 3 de Setembro de 2020.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“a) Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver as Rs. AA, BB e CC do pedido que contra si foi formulado pela A. C... Unipessoal, Lda..
b) Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
1 - considerar extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido de entrega dos imoveis pois que esta já se verificou em 3 de Setembro de 2020;
2 - condenar a A. reconvinda a pagar às Rs. reconvintes a quantia de €1.442,46 x 10 meses, num total de € 14.424,60 (catorze mil quatrocentos e vinte e quatro euros e sessenta cêntimos), a título de privação do gozo dos imóveis de 1 de Novembro de 2019 a 3 de Setembro de 2020.
3 - reconhecer as Rs. reconvintes como proprietárias dos imóveis descritos na CRP, freguesia ..., sob o nº ...69 e ...25.
4 - absolver a A. reconvinda quanto ao demais peticionado”.
Apresentou a A. recurso de apelação que veio a ser julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de Outubro de 2022, sendo as RR. absolvidas do pedido.
Veio a A interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões, devidamente sintetizadas, após convite que lhe foi dirigido nos termos do artigo 639º, nº 3, do Código de Processo Civil:
I. O recurso ordinário (tanto de apelação como de revista) apenas é admissível quando, nos termos do n.º 1 do art. 629.º do Código de Processo Civil22, “(...) a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.
II.  Nestes termos, surge como indiscutível a admissibilidade do presente recurso.
III. Entende a Recorrente que a fundamentação se tem por essencialmente diferente, quando a decisão do Tribunal da Relação, ainda que, na prática, mantenha as mesmas consequências da decisão de 1ª Instância, tenha por base diferentes preceitos legais, ou, ainda que, à luz das mesmas disposições, as interprete em sentido diverso.
IV. No caso sub judice, é  manifesta a disparidade das fundamentações das decisões do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim e do Tribunal da Relação do Porto, desde logo porque este último qualifica de forma diversa as obras existentes nos prédios melhor identificados nos docs 2 e 3 juntos com a Petição Inicial consagrando no dispositivo, que as mesmas dever-se-ão qualificar como acessão imobiliária industrial; bem, como qualifica, de forma diversa o próprio contrato objeto de litigio nos presentes autos, como sendo atípico.
V.    Ora, analisada a fundamentação de    ambas    as decisões, verificamos que por um lado, ao contrário do que foi considerado pelo tribunal de 1ª instância, que entendeu estar-se perante um contrato-promessa de arrendamento, o Tribunal a quo considerou que “não podemos falar em contrato-promessa quando todo o interesse económico e negocial que o contrato prometido pretendia assegurar se mostra satisfeito. E, não havendo que concluir, também, que estamos perante um definitivo contrato de arrendamento, o que as partes celebraram foi um contrato atípico, facultado, desde logo, pelo princípio da autonomia contratual, que o art. 405.º do CC não institui, mas reconhece e a jurisprudência aceita”.
VI.  Salvo     o     devido     respeito     por     mais     abalizada     opinião, tal qualificação contratual acaba por se revelar incongruente, porquanto o Tribunal a quo aplica, o instituto jurídico da denúncia/resolução respeitante à matéria de arrendamento.
VII. Por outro lado, no que diz respeito à qualificação jurídica das obras realizadas, o tribunal de 1ª instância considerou que “[a]tenta a natureza das obras realizadas, não temos dúvidas que estão em causa benfeitorias úteis...”
VIII. A decisão do Tribunal da Relação do Porto deve ser revogada porque ofende o direito potestativo de resolução por justa causa do contrato atípico celebrado entre Recorrente e Recorridas.
IX. O contrato em causa, sido, objetivamente, incumprido, e com efeito, não ter sido respeitado o princípio pacta sunt servanda, deveriam resultar as consequências previstas no mesmo ao abrigo da liberdade contratual, e, uma vez que o contrato em causa é atípico, serão aplicáveis, em primeira linha, as disposições estipuladas pelas partes.
X.  E é neste ponto que entra a questão fulcral e de suma importância para a aqui Recorrente, determinante para a cessação do contrato atípico que ora se discute e que se traduz, precisamente, na questão relativa às licenças administrativas de utilização dos imóveis e de licença de atividade, sendo certo que a obtenção desta última a, estaria dependente da obtenção da primeira.
XI. A obtenção da licença de utilização foi, ab initio, definido entre declarante/Recorridas e declaratário/ Recorrente como um elemento essencial para a celebração do contrato definitivo, consubstanciando-se o mesmo num termo resolutivo ou final, e o grande cerne da questão está na falta de licença de utilização dos imóveis, pois seria o elemento necessário, e supostamente certo, para que o (denominado) contrato promessa de arrendamento se convolasse, definitivamente, em contrato prometido.
XII. Pese embora se verificassem, desde logo os elementos típicos do contrato de arrendamento, a verdade é que, em bom rigor, os mesmos cessaram a partir do momento em que a Recorrente se apercebeu da impossibilidade de obtenção da licença de utilização.
XIII. Note-se que se, por um lado a Recorrida AA e o marido (que, sublinhe-se faleceu em 2004) sabiam que pelo facto de uma parcela do prédio rústico estava abrangida por uma Reserva Agrícola Nacional, a qual impedia, naturalmente a obtenção de licenciamento (facto assente n.º 12), por outro lado, paradoxalmente, os mesmos haviam depositado na Recorrente a expectativa de que o licenciamento seria obtido (facto provado n.º 57).
XIV. Não se concebe nem se compreende a conclusão de que merece censura o facto de a Recorrente apenas em 2019 tenha sido informada da existência de uma Reserva Agrícola Nacional, porquanto, só imperava a sua boa-fé.
XV. E aqui, salvo o devido respeito, por opinião diversa, é do entendimento da Recorrente que a verificação da mora ocorreu desde sempre, isto é, desde a data da outorga do designado contrato atípico (desde 07.03.2002).
XVI. Só a partir do momento em que foi colocado um ponto final na ilusão criada junto da Recorrente, é que a mesma se apercebeu da impossibilidade subjacente ao (in)cumprimento do contrato definitivo.
XVII. Neste sentido, segue a melhor jurisprudência quanto à falta de interpelação para fixação de prazo para obtenção da licença, pautando-se pela sua desnecessidade quando, em face das circunstâncias já tivesse, por exemplo, decorrido tempo razoável para o cumprimento, porquanto de acordo com o Ponto 57 dos factos provados, “[a] Ré AA e o marido criaram na autora a expectativa que o licenciamento seria obtido”.
XVIII.      Tendo em atenção que o contrato atípico objeto de litígio nos presentes autos perdurou durante 17 longos anos, desta sorte, já havia decorrido tempo mais do que razoável para o respetivo cumprimento, tendo, desta forma, logrado o inadimplemento em função da exclusiva inércia das Recorridas, mais uma vez, e reiteradamente, ao longo de dezena e meia de anos, observando, por isso, o direito potestativo de resolução com justa causa do contrato atípico, ao abrigo do disposto nos arts. 798.º, 799.º e 801.º n.º 2 do CC.
XIX. Com a agravante de que, efetivamente, as Recorridas já não mais tinham qualquer possibilidade de cumprir, porquanto a Recorrente, já tinha perdido, objetivamente o interesse na satisfação da obrigação de obtenção de licenciamento.
XX. Enquanto promitentes-senhorias e/ou senhorias, as mesmas só quedaram em vantagem, em virtude do período que mediou entre a data da receção do contrato e a data efetiva da resolução, porquanto dentro desse período, de cerca, de 4 meses, aquelas estavam na total disponibilidade e liberdade em lograr um novo eventual arrendatário para os prédios em causa, sem deixar, contudo, de auferir mensalmente os valores da renda pagos pela recorrente durante o referido espaço-temporal.
XXI. Queremos com isto dizer que, mediante uma interpretação extensiva, se é certo que a resolução no âmbito dos contratos de execução continuada ou periódica não tem, em regra, efeitos retroativos, também é certo que, culminando os efeitos resolutivos somente para o futuro, faz todo o sentido que, no campo do Direito Privado, e ao abrigo da liberdade contratual que sobre o mesmo impende, se considere que cabe extensivamente na letra e espírito da lei, o diferimento de um período razoável desses mesmos efeitos após a receção da comunicação pelo declaratário, no âmbito da outorga de um contrato atípico.
XXII. Ora, uma vez concluindo que o incumprimento contratual definitivo       se            deveu ao rompimento da ilusão praticada pelas recorridas na ora Recorrente durante dezena e meia de anos, quanto à criação de (i)legítimas expectativas na obtenção de licenciamento, importa atentar ao artigo 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 160/2006 de 8 de agosto, que “[s]ó podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou as suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização”, sendo certo que a inobservância da obtenção de licença de utilização por causa imputável ao senhorio faculta ao arrendatário a possibilidade de resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais (cfr. art. 5.º n.º 7 do Decreto-Lei nº 160/2006 de 8 de agosto).
XXIII. Ora, a ser assim, sendo o contrato de arrendamento nulo por vício de forma, sempre haveria lugar, de acordo com o art. 289.º n.º 1 do CC, à restituição de tudo aquilo que tivesse sido prestado.
XXIV. Sendo certo que, não sendo possível a restituição em espécie, no caso sub judice, sempre haveria lugar à restituição do valor correspondente.
XXV. Isto é, ficando as Recorridas com as obras realizadas a expensas da Recorrente, é por demais evidente que, por uma questão de justiça e de justeza, teria esta de ser ressarcida pelo elevado montante económico despendido naquelas.
XXVI. Destarte, o Tribunal a quo violou ou não fez a melhor interpretação dos arts 236.º, 405.   º do CC, 406.º CC, 289.º n.º 1 do CC, 798.º, 799.º, 801.º n.º 2 do CC e 808.º do CC ex vi artigo. 5.o n.º 1 e n.º 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006 de 8 de agosto.
XXVII.    Sendo certo que, no que diz respeito à sua quantificação exata, a Recorrente relega os valores apurados em sede de execução de sentença, ao abrigo do disposto no art. 609.º, n.º 2 do CPC.
XXVIII. Estabelece o art. 1074.º n.º 5 do CC, que “[s]alvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé. (sublinhado e negrito nossos).
XXIX. Nos termos do art. 1273.º n.º 1 do CC, “[t]anto o possuidor de boa como o de têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias uteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”.
XXX. A Recorrente quando realizou e construiu as obras (as benfeitorias), já exercia o poder de facto sobre os prédios rústico e urbano como uma efetiva possuidora (dispondo, portanto, do corpus e do animus possidendi – cfr. art. 1251.º do CC, que não apenas como uma mera detentora.
XXXI. Nos termos do citado artº 1273º, do CC, nºs 1 e 2, recorda-se que, no tocante às benfeitorias úteis realizadas na coisa, apenas se atribui ao benfeitorizante o direito a levantá-las , desde que o possa fazer sem detrimento daquela, e , quando já não o possa fazer , pois que tal implicaria o detrimento da coisa (que não da benfeitoria), tem então o benfeitorizante/possuidor o direito de exigir do titular do direito à coisa o valor delas, calculado então segundo as regras do enriquecimento sem causa.
XXXII. As normas sobre acessão só podem ser aplicadas se o caso não estiver sob o império de outro regime jurídico específico que, nesse caso terá preferência na respectiva regulação; se as incorporações foram feitas em terreno alheio por quem está ligado a ele por razões contratuais ou reais há que respeitar estas e aplicar as respetivas disposições específicas.
XXXIII. In             casu,             a          Recorrente    despendeu um investimento financeiro extremamente elevado, no âmbito do contrato atípico celebrado com as Recorridas, na recuperação e reabilitação do prédio urbano e na construção, de raiz, de um edifício no prédio rústico, criando       uma       apresentação extraordinariamente  deslumbrante contemplada na criação de um salão de festas grandioso composto por um teto de fibra ótica (até então existente apenas no ...), numa piscina e jardins, e desconhecida do público-alvo até então.
XXXIV. De facto, as obras encetadas junto dos prédios em causa, aumentaram o valor dos mesmos, em virtude da introdução de novas utilidades traduzidas na celebração de casamentos e outros eventos festivos de larga dimensão, consubstanciadas na construção de um edifício, uma piscina, uma casa das máquinas e jardins, sendo certo que, como é por demais evidente, tais benfeitorias, pelo menos no que di respeito           ao       prédio          rústico,      pela   sua     própria natureza e características aquelas não são passíveis de serem removidos, sem ocorrer a deterioração do mesmo.
XXXV. Desta sorte, no seguimento da explanação supra aduzida, e salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrente não ser aplicável acessão industrial imobiliária.
XXXVI.     Isto porque, para além de a Recorrente considerar que a melhor doutrina e jurisprudência sufraga na adoção da perspetiva da adoção da conceção subjetiva para a distinção entre os dois institutos jurídicos civilistas, atente-se, ainda, ao facto de a causa de pedir consiste       no contrato denominado “Contrato-Promessa                       de arrendamento”, sendo certo que um dos pedidos, in casu, consistia no reconhecimento à Recorrente do direito a ser indemnizada pelas benfeitorias, com base no enriquecimento das Recorridas, no valor de 387.791,70 Euros (trezentos e oitenta e sete mil setecentos e noventa e um euros e setenta cêntimos) e estas condenadas a pagar àquela, tal valor.
XXXVII. Por outro lado, a Recorrente suscitou, subsidiariamente, ao pedido de indemnização por benfeitorias realizadas e com ele conexo, o princípio do enriquecimento sem causa para obter o pagamento da indemnização a que se julga com direito (constituindo o Capítulo VI do Recurso interposto para o Tribunal a quo), não tendo tal pedido sido objeto de apreciação pelo Tribunal recorrido, constituindo tal uma causa de nulidade da sentença por “falta de pronúncia.”
XXXVIII.           Relativamente à nulidade prevista na supra transcrita alínea d), do aludido artigo 615.º do CPC, concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“, a que alude a primeira parte da dita alínea, diz-nos ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS FILIPE SOUSA20 que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.“
XXXIX.   Destarte, o Tribunal a quo violou ou não fez a melhor interpretação do art. 1074.º n.º 2 do CC, art. 1074.º n.º 5 do CC, art. 1273.º n.º 1 do CC, art. 1251.º do CC e art. 216.º do CC, bem como dos art. 609.º, n.º 2 do CPC e art. 615.º n.º 2 alínea d) do CPC.
Não houve resposta.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provados nos autos que:
1 - FF e AA, como primeiros outorgantes e DD e EE, como segundos  outorgantes, assinaram documento escrito denominado “contrato         promessa      de arrendamento”, datado de 7 de Março de 2002, que consta dos autos a fls. 218 e cujo teor aqui se considera reproduzido, através do qual os primeiros se declararam donos e possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs ...69 (rústico) e ...56 (urbano) e prometeram dar de arrendamento ao segundos outorgantes ou à sociedade que estes viessem a constituir as partes do referido prédio identificadas em anexo, sombreadas a amarelo e que faziam parte integrante do acordo, e os segundos outorgantes prometiam tomar de arrendamento para si ou para a sociedade que viessem a constituir, os bens em causa para neles exercerem a atividade de realização de eventos festivos.
2 - O contrato seria celebrado pelo prazo de 25 anos, renovando-se automaticamente por períodos de 5 anos.
3 - Mais ficou estipulado que o contrato de arrendamento prometido seria marcado pelos segundos outorgantes ou pela sociedade que estes viessem a constituir, quando bem entendessem, devendo avisar os primeiros outorgantes com a antecedência mínima de 10 dias.
4 - Os primeiros outorgantes obrigaram-se ainda a colaborar com os segundos outorgantes ou com a sociedade que estes viessem a constituir no sentido de ser obtida a competente licença de utilização com vista aos segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir pudessem exercer a pretendida atividade de realização de eventos.
5 - Mais se estabeleceu que se a referida licença não fosse emitida por motivos imputáveis aos primeiros outorgantes (a ré AA e o marido) impedindo assim os segundos outorgantes ou a sociedade que estes constituíssem de exercer aquela atividade, os primeiros outorgantes pagariam aos segundos ou à sociedade que constituíssem as quantias que estes tiverem despendido nas obras que iriam levar a cabo nos identificados imóveis e que eram do conhecimento de todos os contraentes.
6 - No acordo ficou ainda estabelecido que os segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir poderiam desde já utilizar os imóveis, antes de ser celebrado o contrato prometido, com vista a serem efetuadas as obras do conhecimento de todos e, realizadas estas, a exercerem as atividades supra mencionadas.
7 - Consta do referido acordo que a título de indemnização/compensação pela ocupação pagariam os segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir a verba mensal determinada nos termos das condições particulares em anexo e cláusula II3.
8 - Consta ainda que se os primeiros outorgantes (a ré AA e o marido) se recusassem a celebrar o contrato de arrendamento prometido pagariam aos segundos outorgantes ou à sociedade que estes constituíssem o montante de €375.000,00, montante fixado a título de cláusula penal.
9 - Refere-se ainda que os primeiros outorgantes obrigaram-se a facultar o gozo de parte do prédio identificado para aparcamento de viaturas, no prazo de dois meses a contar da receção da carta que fosse remetida, sob pena de terem de indemnizar os segundos outorgantes ou a sociedade por si constituída em 50.000,00 euros, quantia essa fixada a título de cláusula penal.
10 - E ainda que os primeiros outorgantes obrigaram-se a alargar, a expensas suas, um caminho, sob pena de terem de indemnizar os segundos outorgantes ou a empresa que estes viessem a constituir no montante de 50.000,00 euros, montante fixado a título de cláusula penal.
11 - O prédio onde foi edificado o salão tinha natureza rústica quando foi outorgado o acordo.
12 - A ré AA e o marido sabiam que a integração de parte daquele prédio em zona de RAN impedia a aprovação de qualquer projeto para o local.
13 - Por carta datada de 21 de Junho de 2019, a autora declarou à ré AA denunciar “o contrato de arrendamento celebrado em 07 de Março de 2002”, nos termos que constam de fls. 83 e cujo teor aqui se considera reproduzido, indicando que o imóvel seria desocupado no final do mês de outubro desse ano.
14 - O imóvel foi entregue às rés em 3 de Setembro de 2020.
15 - A autora foi constituída como sociedade por quotas em 18 de Julho de 2002, tendo então como sócios DD e EE, e sendo então ambos gerentes.
16 - EE transmitiu a sua quota a GG, esposa de DD, ficando GG como gerente.
17 - A sociedade autora alterou a sua natureza para sociedade unipessoal, alterando em conformidade a sua denominação, tendo como sócia apenas a referida GG, a partir de 31 de Julho de 2014.
18 - À data da cessação do acordo, a autora pagava às rés o valor mensal de € 1.442,46.
19 - Está registada a favor das rés, desde 30 de Junho de 2005, a aquisição dos imóveis descritos na CRP freguesia ..., sob os n.ºs ...69 e ...56.
20 - A ré BB constituiu a sociedade unipessoal P... Unipessoal Lda., com sede na rua ..., ..., em 24 de Março de 2021, tendo como objeto social: restaurante com espaço de dança, confeção de refeições prontas a levar para casa, fornecimento de refeições para eventos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares, outras atividades de serviços de apoio prestado às empresas, com a possibilidade de prestar o serviço de aluguer do espaço.
21 - DD e EE constituíram a sociedade autora, passando esta a assumir o deveres e direitos que àqueles assistia no acordo escrito celebrado.
22 - Foi efetuada a participação à Autoridade Tributária do acordo celebrado, identificando a ré AA como promitente locadora e a autora como promitente locatária.
23 - A ré AA e o marido e, depois da morte deste, a ré AA e as demais rés, suas filhas, sempre emitiram recibos relativos ao recebimento da quantia mensal que foi acordada com DD e EE, em nome da sociedade autora, deles constando a menção “recibos de renda”.
24 - Esta quantia mensal que era paga pela autora foi sendo atualizada de acordo com o coeficiente de atualização do arrendamento.
25 - Os imóveis não possuíam licença de utilização.
26 - Nos termos previstos no acordo escrito celebrado, os imóveis foram entregues aos sócios da autora antes da outorga do acordo que prometeram celebrar, tendo a autora efectuado obras no imóvel, suportando os respetivos custos, para de seguida iniciar, como iniciou, a actividade de organização de eventos.
27 - A autora organizou diversos eventos naquele local até à data indicada na carta de 21 de Junho de 2019.
28 - À data da celebração do acordo escrito existia no prédio urbano uma cozinha e uma sala rústica.
29 - A licença de utilização nunca foi obtida.
30 - As obras realizadas pela autora nunca foram objeto de legalização.
31 - A autora facultou à ré e ao marido todas plantas e projetos relativos às obras que realizou.
32 - A ré e o marido assumiram a responsabilidade de obter a licença de utilização dos imóveis.
33 - A autora assumiu a responsabilidade de obter a licença de atividade para utilização dos imóveis para a organização de eventos, a solicitar depois de obtida a licença de utilização dos imóveis.
34 - A autora temia que pudesse verificar-se uma ação fiscalizadora no momento em que estivesse a realizar eventos.
35 - Por email de 23 de Maio de 2005, dirigido à ré BB, o sócio da autora HH relembrava aspetos relativamente aos quais teria de ser dado andamento, constando do ponto 4 “legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás, De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços”. [É do seguinte teor o aludido email, com cópia a fls. 81 v.: “No seguimento da n/ reunião de 17/0372005 e já passados mais de 2 meses, venho relembrar o que ficou de ser dado andamento: 1. Elaboração de proposta de alteração ao contrato-promessa em vigor (a ser feita pela BB); 2. Obtenção de proposta para portão de entrada (a ser feito pela BB); 3. Novo espaço de estacionamento a ser utilizado para jardim. Estamos a aguardar a sua entrega com a limpeza e preparação do mesmo; 4. Legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás. De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços. Porque os pontos 2, 3 e 4 são de extrema importância, dada a dificuldade que começa a surgir pela desvantagem de uma entrada pouco atraente e pelo espaço reduzido do jardim atual, somos a solicitar a V/ melhor atenção para darmos andamento às alterações”].
36 - Por email de 12 de Março de 2019, e respondendo a um pedido de informação da legal representante da autora, a mandatária das rés informou que em relação ao “assunto referente ao pedido de licenciamento, aguardo autorização por parte da autoridade competente - RAN (pois uma pequenina parte da parcela está abrangia por RAN). Nesse sentido, tenho diligenciado no sentido de agilizar o mais rápido possível. A par desta situação, o arquiteto aguarda esta autorização para apresentarmos o processo devidamente instruído na CM da .... Creia que da m/ parte como da D. AA tem havido o maior empenho para concluir todo o processo. Qualquer desenvolvimento, informarei a D. GG de imediato”.
37 - A este email, e em resposta, respondeu aquela legal representante “muito obrigada”.
38 - A autora fez cessar o gozo relativo à utilização dos imóveis com o envio da carta referida de 21 de Junho de 2019, alegando que “o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção do licenciamento do espaço por parte de V. Exas.” [É o seguinte o teor da referida carta da autora, dirigida a AA: “Venho por este meio comunicar-lhe, respeitando a antecedência prevista na lei, que pretendo denunciar o contrato de arrendamento que celebrámos em 7 de março de 2002, relativo aos seguintes imóveis (...) Nesse sentido, desocuparei o locado no final do mês de outubro do corrente ano. Não obstante a desnecessidade de invocação de motivo para a presente denúncia, a verdade é que o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção de licenciamento do espaço por parte de V. Exas. Decorre do disposto no Ponto 7 do contrato, assim como da lei geral, o direito da C... Unipessoal, Lda. a ser ressarcida pelo valor despendido com realização de obras nos imóveis acima identificados, as quais se cifram em montante nunca inferior a 375.000,00€, interpelando desde já V. Exa. ao pagamento deste valor na data da cessação do contrato. Sem outro assunto (...)”].
39 - Na sequência do envio desta carta, foi agendada data para a entrega dos imóveis mas, tendo a autora exigido o pagamento da quantia de € 375.000,00 a título de benfeitorias, por carta de 21 de Outubro de 2019, e recusando-se as rés a efectuar tal pagamento, por carta de 28 de Outubro de 2019, a autora, por carta de 30 de Outubro de 2019, interpelou as rés ao pagamento da quantia de € 295.177,21 a título de benfeitorias, nos termos do documento que então anexou, ressalvando a possibilidade de o valor ser superior pois que estava ainda a reunir a documentação que suportasse as despesas pagas, invocando o direito de retenção de que beneficiaria o inquilino.
40 - Na data de 31 de Outubro de 2019 não foram entregues os imóveis, perante a recusa das rés de efectuar qualquer pagamento e a invocação pela autora do direito de retenção sobre os imóveis.
41 - Conforme autorizado no acordo escrito celebrado, a autora realizou nos imóveis, com autorização da ré e do marido, diversas obras, suportando os custos de construção do edifício instalado no prédio rústico, hall de entrada e casas de banho, aumento da cozinha pré-existente no prédio urbano, de uma piscina e anexos de apoio, casa de máquinas, incluindo obras de pichelaria, carpinteiro e eletricidade, bem como infraestruturas no jardim, como sistema de rega e colocação de relva, planta e árvores e procedendo ainda à realização de passeios exteriores, muros de vedação dos imóveis e colocação de portões.
42 - As obras começaram a ser pensadas e foram debatidas entre os seus outorgantes, ainda antes da assinatura do acordo escrito.
43 - Estas obras realizadas pela autora aumentaram o valor dos imóveis.
44 - A actividade da autora criou nos imóveis em causa um local conhecido no mercado para a realização de eventos conhecido como Quinta ....
45 - Na realização dessas obras despendeu a autora quantia não apurada, mas nunca inferior a € 177.622,36.
46 - As obras que foram realizadas no edifício já existente no prédio urbano não podem ser levantadas sem detrimento daquele.
47 - As obras realizadas no prédio rústico podem ser levantadas sem detrimento do prédio.
48 - A autora aceitou realizar as obras em causa nos imóveis pressupondo que o contrato de arrendamento que iria vigorar entre as partes tinha a duração de 25 anos.
(…)
50 - Antes da celebração do acordo em causa nestes autos, as rés organizavam no prédio urbano existente eventos de pequena dimensão, utilizando a cozinha e sala rústica nele existente.
51 - No ano de 2016, a autora teve um resultado líquido de 7.225,00 euros.
52 - No ano de 2017, a autora teve um resultado líquido de 6.318,77 euros.
53 - No ano de 2018, a autora teve um resultado líquido de 2.979,08 euros.
54 - A autora apenas tinha como actividade a organização de eventos nos imóveis em causa.
55 - As rés BB e CC são filhas da ré AA e do marido.
56 - A ré BB pretende utilizar, no futuro, os referidos imóveis para a organização de eventos, tendo para o efeito constituído a sociedade acima referida.
57 (8) - A ré AA e o marido criaram na autora a expetativa que o licenciamento seria obtido.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Arguição de nulidade do acórdão recorrido com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
2 – Natureza jurídica do contrato celebrado entre as partes.
3 – Declaração de extinção do contrato por iniciativa da ora A. Natureza e efeitos.
4 – Pedidos indemnizatórios deduzidos pela A. Do seu cabimento legal (ou falta dele).
Passemos à sua análise:
1 – Arguição de nulidade do acórdão recorrido com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
 Veio a A./recorrente arguir a nulidade do acórdão recorrido com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos gerais do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com a seguinte argumentação:
“a Recorrente suscitou, subsidiariamente, ao pedido de indemnização por benfeitorias realizadas e com ele conexo, o princípio do      enriquecimento  sem causa para obter o pagamento da indemnização a que se julga com direito (constituindo o Capítulo VI do Recurso interposto para o Tribunal a quo), não tendo tal pedido sido objeto de apreciação pelo Tribunal recorrido, constituindo tal uma causa de nulidade da sentença por “falta de pronúncia.”.
Não assiste, naturalmente, razão à arguente.
Do acórdão recorrido consta expressamente que “ficou manifestamente por demonstrar qualquer enriquecimento das Rés (se não mesmo empobrecimento (tratar-se-á aqui de um lapso devendo considerar-se “enriquecimento” – sem o que a frase nenhum sentido teria) da autora, na medida em que as usou ao longo dos anos em que explorou a sua actividade”.
Ora, se o Tribunal da Relação do Porto entendeu e afirmou expressamente que não se verificava na situação sub judice qualquer tipo de enriquecimento sem causa em favor das RR., à custa do correspectivo empobrecimento da A., encontra-se lógica e necessariamente prejudicado o conhecimento da matéria cuja omissão de pronúncia a A. agora acusa, independentemente da legítima possibilidade de discutir o mérito da decisão proferida nesse tocante.
Tal motivação essencial, por si só determinante da improcedência do pedido formulado pela A., a este título, dispensa a apreciação de outro argumentário que acaba por constituir mero obiter dictum.
Improcede, portanto, e sem necessidade de outras considerações, a nulidade arguida.
2 – Natureza jurídica do contrato celebrado entre as partes.
A factualidade que subjaz ao contrato livremente firmado entre as partes pode resumir-se, fundamentalmente, nos seguintes termos:
1º - A Ré mulher e marido, donos dos imóveis identificados, acordaram com DD e EE, através do escrito particular datado de 7 de Março de 2002, que estes – ou a sociedade que por eles viesse a ser constituída – poderiam de imediato passar a dispor do gozo e fruição desses bens, destinando-os à finalidade comercial que na ocasião desenvolviam (realização de eventos festivos e actividades afins), o que, nos termos acordados, perduraria durante o período de 25 anos, renovável automaticamente por períodos de cinco, mediante o pagamento de uma determinada contrapartida mensal, constituída por uma parte fixa (que diminuiu do primeiro ano até ao quinto, de € 15.000,00 até € 7.500,00) e outra variável (sob a forma de actualização em função do número de serviços levados a efeito, por ano, pela A.), nos termos das “Condições Particulares” de fls. 219/verso.
2º - Obrigaram-se ainda os donos dos imóveis, aquando da celebração do mesmo contrato, a procurar a obtenção, junto das entidades competentes, da licença de utilização dos imóveis, viabilizando assim a regularização e salvaguarda (externa) do normal exercício daquela actividade comercial.
3º - Tendo em vista o especial tipo de negócio prosseguido pela A., com toda a logística empresarial que a mesma comportava, inclusive a relacionada com a afirmação da sua imagem de marca comercial, foi desde logo autorizada pelos donos do imóvel a realização no local das obras adequadas e necessárias à prossecução dessa finalidade.
4º - Intitulando-se o escrito de 7 de Março de 2002 “Contrato Promessa de Arrendamento”, as previram a este propósito que:
“(…) o contrato de arrendamento aqui prometido será marcado pelos segundos outorgantes ou sociedade que estes venham porventura a constituir, quando bem entenderem os quais deverão avisar os promitentes outorgantes com a antecedência mínima de dez dias” (cláusula quinta);
“se os primeiros outorgantes se recusarem a celebrar o contrato de arrendamento ora prometido pagarão a título de indemnização aos segundos outorgantes ou à sociedade que estes porventura venham a constituir em montante de € 375.000,0 (trezentos e setenta e cinco mil), montante este que se fixa a título de cláusula penal”.
5º - Paralelamente, obrigaram-se os donos dos imóveis, gratuitamente, a alargar um identificado caminho e a facultar a utilização de uma determinada área do terreno destinada a parqueamento.
6º - No mencionado acordo de 7 de Março de 2002 foi previsto o seguinte quadro sancionatório:
- no caso de não obtenção da licença de utilização, impeditiva do exercício da actividade comercial, se ficar a dever a motivos imputáveis aos donos dos imóveis, ficariam estes responsáveis pelo pagamento das despesas ocasionadas pelas obras levadas a cabo no imóvel, e antecipadamente identificadas e autorizadas;
- se não for facultado a parte do prédio identificada com vista a aparcamento, os primeiros outorgantes pagarão aos segundos, ou à sociedade que este vierem a constituir, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de cláusula penal;
- se não for alargado o identificado caminho, os primeiro outorgantes pagarão aos segundos, ou à sociedade que estes venham a constituir, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de cláusula penal;
- na hipótese de recusa por parte dos primeiros outorgantes na celebração do contrato de arrendamento prometido, estes ficariam obrigados ao pagamento, a título de cláusula penal, da quantia de € 375.000,00.
Analisemos agora a natureza jurídica do acordo realizado entre as partes:
A 1ª instância qualificou o presente contrato como de contrato promessa de arrendamento, seguindo os termos literais utilizados a este propósito pelos celebrantes e fazendo apelo às regras de interpretação constantes do artigo 236º do Código Civil, tendo especialmente em conta as previsões das suas cláusulas 5ª e 11º, nº 3 (consignando-se nesta última a possibilidade de recusa em celebrar o contrato prometido).
Pode ler-se na fundamentação da sentença a este propósito:
“(…) não temos qualquer dúvida que qualquer declaratário entenderia que o acordo celebrado era um contrato-promessa de arrendamento, pois que assim foi denominado, resultando claro da posição das partes que assim foi celebrado pois que não existia licença de utilização do prédio urbano, nem as obras que seriam realizadas pelos promitentes arrendatários no imóvel rústico nem a actividade que em ambos os prédios se pretendia desenvolver se encontravam, à data, legalizadas.
O acordo escrito estabelece algumas das cláusulas do contrato de arrendamento que seria celebrado, nomeadamente o valor da renda e a forma da sua actualização bem como a duração deste, mas também quem teria o ónus de marcar a data para a realização do contrato prometido, definindo que era o promitente arrendatário que teria essa obrigação.
Note-se que o próprio acordo escrito reconheceu o direito dos promitentes arrendatários puderem de imediato utilizar os imóveis objecto do contrato prometido, precisamente para que nele realizassem as obras que todos sabiam que neles seriam realizadas, podendo dar-lhe de imediato o destino previsto no acordo - realização de eventos festivos e actividades afins.
Definiram ainda que, nesse período, ou seja, até à celebração do acordo prometido, os promitentes arrendatários pagariam “a título de indemnização/compensação pela ocupação” a verba mensal determinada conforme as condições particulares em anexo e cláusula II 3, ou seja, equivalente ao valor da renda que viria a ser devida.
Essa compensação seria de valor decrescente, tendo as partes estabelecido que seria, em valores anuais, de 15.000,00 euros em 2002, 12.500,00 euros em 2003 e a partir de então de 7.500,00 euros, sendo, a partir de 2005, actualizada em função do IPPC e do número de serviços realizados.
Temos, pois, que o próprio acordo escrito prevê em que termos é que se faz a imediata entrega dos imóveis e se permite o seu gozo, ainda que se esteja apenas a prometer arrendar, sendo que tal entrega visava permitir precisamente que fossem realizadas as obras que os promitentes arrendatários pretendem executar nos imóveis em causa”.
Vejamos:
Sendo claro e indiscutível que o contrato em causa prevê a obrigação livremente assumida pelas partes da futura realização de um outro contrato que se assumiria como definitivo (de arrendamento), clausulando-se igualmente a quem competiria a iniciativa da marcação da escritura e a possibilidade de aplicação de uma cláusula penal (que sancionaria exclusivamente o incumprimento do promitente senhorio) para o caso de recusa na sua outorga, afigura-se-nos, não obstante que o conjunto das diversas obrigações nele assumidas e a factualidade que veio a ser apurada nestes autos, leva-nos a concluir que esse mesmo acordo, em toda a sua amplitude jurídica, extravasa nitidamente o âmbito de um simples e vulgar contrato promessa de arrendamento, claramente insuficiente para regular e disciplinar todas as restantes matérias essenciais que o mesmo suscita e necessariamente envolve.
Com efeito, não é possível ignorar que as partes pretenderam logo no imediato (em 7 de Março de 2022) que tivesse lugar a cedência do gozo o imóvel para o fim contratual previsto (a realização de eventos festivos e actividade afins), mediante o pagamento de determinada contrapartida monetária mensal a entregar aos proprietários por tal utilização de natureza comercial.
(Sintomaticamente, a A. afirma nos artigos 1º e 4º da sua petição inicial que “Por escrito público particular datado de 7 de Março de 2002, A Ré AA e o então marido deram de arrendamento a DD e EE (…) Tomou a A. de arrendamento os imóveis para naquele espaço desenvolver a actividade de realização de eventos festivos”, para, no mesmo exacto contexto factual e jurídico, referir no artigo 3º, em relação ao único contrato em causa, “Trata-se de contrato promessa de arrendamento com a entrega do bem locado logo após a assinatura”).
Ou seja, ambos os celebrantes ficaram bem cientes que a partir dessa mesma altura – 7 de Março de 2022 – passaria à execução prática o formalmente prometido arrendamento, actuando o promitente arrendatário  em conformidade com o seu exacto estatuto de locatário (tendo obtido o gozo e fruição do imóvel na perspectiva de um período de duração contratual vinte e cinco anos, automaticamente renovável), e o promitente senhorio na comum e normal posição de locador (auferindo, mês após mês, a renda convencionada e comprometendo-se a não obstar a esse mesmo gozo do imóvel que voluntariamente proporcionou).
Durante todo o largo tempo que mediou entre a elaboração conjunta do escrito – 7 de Março de 2002 – e o momento em que a ora A. entendeu colocar unilateralmente termo ao contrato – com efeitos a 31 de Outubro de 2019 – não houve afinal lugar à celebração do prometido, sendo curial admitir que, não fora o invocado receio da intervenção de uma entidade fiscalizadora que fora alegadamente sentido a partir de determinado momento pela A., tal acordo poderia mesmo ter avançado até ao seu termo, cumprindo, na prática e inteiramente, a sua finalidade essencial, sem nunca acontecer (por desnecessária) a formalização do contrato prometido.
De resto, esse contrato prometido (do arrendamento levado à prática) ficou, em termos algo invulgares, relegado para a exclusiva iniciativa do utilizador do imóvel no que respeita à marcação da escritura pública, o que este o faria quando bem entendesse (e, claro, se bem o entendesse), sem nenhuma outra referência às diversas e usuais previsões normativas presentes neste tipo de contrato (sinal e seus reforços, escalonamento de pagamentos, datas de realização da escritura, ónus de interpelação, etc.).
O que significa que, como se salientou no acórdão recorrido, o único negócio que foi celebrado entre as partes não pode qualificar-se apenas como mero contrato promessa de arrendamento, na medida em que o seu objecto (o dito contrato prometido) ficou, na sua maior parte, desde logo efectivado no plano prático, e nessa medida parcialmente esgotado, subsistindo pacificamente durante quase duas décadas e reclamando, por isso mesmo, um tratamento jurídico diverso do previsto apenas para o (desse ponto de vista insuficiente) regime do contrato promessa, enquanto simples contrato preliminar ou instrumental de outro.
(Versando situações em que o formalmente designado contrato promessa de arrendamento foi convolado juridicamente, em termos interpretativos, para contrato de arrendamento carecido, não obstante, do cumprimento de formalidade legal exigível, vide:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2020 (relator Ricardo Costa) proferido no processo nº 51/18.9T8BGC-A.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2006 (relator João Camilo), número convencional 06A1483, publicado in www.dgsi.pt.
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2003 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 188/2003, publicado in www.dgsi.pt.
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Outubro de 2009 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), proferido no processo nº 4956/07.4TVLSB.L1, publicado in www.dgsi.pt.
- o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31 de Outubro de 2019 (relator Fernando Fernandes Freitas), proferido no processo nº 51/18.9T8BGL.A.G1, publicado in www.dgsi.pt.
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Abril de 2014 (relatora Amélia Ameixoeira), proferido nº 4782/12.9TCRS.L1.
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Maio de 1996 (relator André dos Santos), com a referência 0010831, sumariado in www.dgsi.pt.
Em sentido diferente, vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Novembro de 2011 (relator Vieira e Cunha), proferido no processo nº 3802/10.6YYPRT-A.P1, publicado in www.dgsi.pt).
  Ora, a cláusula onde se prevê a realização do contrato prometido, inserida unitariamente no mesmo negócio em que ambas as partes reconhecem e assumem a relação locatícia que entre elas desde logo estabeleceram e consolidaram por longo período de tempo, visaria basicamente a sua formalização final futura através de escritura pública, logo que obtido o correspondente licenciamento, como meio de salvaguardar desse modo o interesse da A. na regularização da sua actividade comercial no local, colocando-a a coberto de actuação fiscalizadora que a afectasse ou denegrisse, sem nunca excluir, neste quadro global e singular, a imediata assunção recíproca de responsabilidades próprias e definidoras de um normal contrato de arrendamento.
 Temos, por um lado, a obrigação de realização do contrato prometido (que em termos práticos e enquanto previsão contratual visava a especial protecção formal do interesse da A.), logo que obtida a licença de utilização que as RR. se haviam comprometido a conseguir (incutindo na contraparte a expectativa de que o conseguiriam) e, por outro, a concretização imediata das obrigações típicas do contrato de locação que passaram voluntariamente a ser assumidas no terreno pelos celebrantes, de forma efectiva e perfeitamente consolidada.
É claro que se viesse porventura a realizar-se o contrato prometido extinguir-se-ia o anterior contrato de arrendamento e passaria a existir um outro, novo e autónomo, sob a forma de escritura pública, que poderia inclusive perfeitamente incluir novas e diferentes disposições entretanto tidas por convenientes ou necessárias; em contrapartida, se o arrendamento levado à prática atingisse o seu termo pelo decurso do prazo contratualmente previsto, extinguir-se-ia naturalmente o contrato promessa por falta de objecto e utilidade, atenta a sua natureza preliminar e meramente instrumental.
De todo o modo, estamos sempre e em qualquer circunstância perante um único negócio jurídico, assim livremente celebrado em função da autonomia da vontade dos seus celebrantes (artigo 405º, nºs 1 e 2, do Código Civil), que se deveu à circunstância de existir a expectativa da futura obtenção da licença de utilização que viabilizaria a formalização do contrato prometido, dando desse modo segurança e tranquilidade à exploração da actividade comercial, e, por outro lado, à necessidade da existência de um instrumento negocial apto a legitimar desde logo – a partir de 7 de Março de 2002 – as posições jurídicas do locador e do locatária, cujas vestes foram assim inteiramente assumidas no prática.
Quanto à qualificação da natureza jurídica do presente contrato, não obstante as dúvidas que a presente situação naturalmente suscita, entendemos adequada às particularidades do negócio e à interpretação da vontade dos seus intervenientes a qualificação do contrato em apreço, na sua relativa complexidade e especial singularidade, atento o disposto no artigo 405º, nº 1 e 2, do Código Civil, a sua subsunção a um contrato misto de arrendamento comercial (que seria, à partida, nulo por falta de forma) e de contrato promessa (que visava legitimar o exercício imediato daquela actividade e projectar a sua regularização do ponto de vista formal), com a assunção de outras obrigações complementares ou acessórias (compromisso de obtenção da licença de utilização, abertura de um caminho, cedência de espaço para parqueamento, nos dois casos gratuitamente, e a estipulação de cláusula penal para a recusa, pelas RR., de celebração do contrato prometido).
Com efeito, para a sua qualificação nestes termos releva a interpretação da vontade conjugada dos celebrantes, onde ressalta, em particular, o seu comum propósito de dar execução estabilizada aos elementos típicos do contrato de arrendamento (agindo ambos, por longo lapso de tempo, nas posições jurídicas típicas de locador e locatário que satisfazia primordialmente o fim contratual acordado – explorar lucrativamente a utilização do imóvel e receber pela sua ocupação e fruição uma contrapartida enquadrada na figura da renda - ), conjugado com a previsão normativa – que sempre se manteve – de celebração do contrato prometido, o qual sanaria a irregularidade formal relativa à ausência de escritura pública (a que obstou como factor decisivo a inexistência da licença da utilização legalmente exigível).
 Refere Inocêncio Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, Lex, 1965, 3ª edição, a página 386:
“Os contratos mistos têm carácter unitário, e resultam da fusão de dois ou mais contratos, ou de partes de contratos distintos, ou da participação num contrato de aspectos próprios de outro ou outros. Os elementos correspondentes a vários tipos de contratos contratuais agremiam-se em ordem à realização de função social unitária; ou forma-se um acordo pela conjugação de parte de elementos de diversos contratos típicos; ou em certa espécie contratual insinuam-se ou incrustam-se elementos estranhos.
Em qualquer dos casos há fusão, e não simples cúmulo: o contrato misto é um contrato só, não se identifica com a união de contratos…”.
Conforme é salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1998 (relator Armando Torres Paulo), referência 98A679, publicado in www.dgsi.pt:
“Na união ou junção de contratos há uma pluralidade de contratos, mantendo cada negócio a sua autonomia.
Aí não é possível fazer vigorar separadamente contratos internamente unidos, sem desrespeitar a vontade negocial.
Nela há uma finalidade económica comum – os contratos completam-se na obtenção desse objectivo comum – e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutem no outro.
No contrato misto, pelo contrário, há uma unidade contratual: um só negócio jurídico, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais distintos”.
(Sobre esta matéria, vide, entre outros:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2020 (relatora Maria Olinda Gracia), proferido no processo nº 9158/15.3T8VNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2013 (relator Bettencourt de Faria), proferido no processo nº 485/06.1TCGMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2015 (relator Orlando Afonso), proferido no processo nº 6427/09.5TVLSB.L1.S1,  publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2022 (relator Vieira e Cunha), proferido no processo nº 27863/18.0LSB.L1.S1,  publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2020 (relatora Maria João Vaz Tomé), proferido no processo nº 3815/16.4T8AVR.P1.S1, publicados in www.dgsi.pt).
O contrato em apreço reveste assim a natureza de um contrato atípico impuro (vide sobre este ponto Nuno Pinto de Oliveira, in “Princípios de Direitos dos Contratos”, Coimbra Editora, Maio 2011, a páginas 122 a 124)
Isto na medida em que todos os seus elementos essenciais, que se encontram reunidos num único negócio, integram-se, sem esforço interpretativo, na matriz jurídica essencial de contratos típicos e nominados de que os celebrantes se serviram (o contrato promessa e o contrato de arrendamento), formando, contudo, entre si, uma unidade indissociável, que conjuga todos esses elementos (e ainda outros relativos a obrigações acessórias ou suplementares) sem que se possa afirmar o funcionamento autónomo ou independente de qualquer deles.
  (Sobre esta matéria vide Pedro Pais de Vasconcelos, in “Contratos Atípicos”, Colecção Teses, Almedina, Coimbra 1995, a páginas 211 a 218, onde o autor salienta que:
 “Na maior parte dos casos, os contratos atípicos não são puros; são construídos a partir de um ou mais tipos que são combinados ou modificados de modo a satisfazerem os interesses contratuais das partes. Estes são chamados os contratos mistos. Os contratos mistos não são um “tertium genus” em relação aos contratos típicos e aos atípicos, nem uma categoria intermédia; os contratos mistos são contratos atípicos embora estejam mais próximos dos típicos do que dos contratos típicos puros
(…) Os contratos mistos devem distinguir-se da união de contratos. Na união de contratos há uma pluralidade de contratos enquanto que nos contratos mistos há uma unidade contratual.
 (…) Quando a matéria contratada se subsuma a mais de um tipo contratual legal, a doutrina tradicional classifica como união de contratos ou como contrato misto consoante o relacionamento entre ambos. Se o relacionamento entre os tipos for tal que ambos possam subsistir e vigorar como contratos completos, não obstante o vínculo que os liga, a classificação é a de união de contratos. Se o relacionamento entre os tipos não permitir a separação, o contrato é classificado como misto. Tudo está em saber se é possível, no caso, separar, na matéria contratada, um contrato estruturalmente completo por cada tipo”.
O seu regime é determinado pela aplicação das normas próprias nele consignadas e, subsidiariamente, pelas normas do contrato de locação e ainda do contrato promessa consoante a natureza das questões que se viessem a colocar, sempre numa perspectiva conjugada, global e unitária.
3 – Extinção do contrato por iniciativa da ora A e sob a forma de exercício do direito de denúncia.
Encontra-se provado a este propósito que:
Por carta datada de 21 de Junho de 2019, a A. declarou à Ré AA denunciar “o contrato de arrendamento celebrado em 07 de Março de 2002”, comunicando-lhe que o imóvel seria desocupado no final do mês de Outubro desse ano.
Na dita carta de 21 de Junho de 2019 – documento junto a fls. 83 – consta designadamente que:
“Não obstante a desnecessidade de invocação de motivo para a presente denúncia, a verdade é que o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção do licenciamento do espaço por parte de V.Excias.
Decorre do disposto no Ponto 7 do contrato, assim como da lei geral, o direito da C... Unipessoal, Lda. a ser ressarcida pelo valor despendido com a realização de obras nos imóveis acima identificados, as quais se cifram em montante nunca inferior a € 375.000, interpelando já V. Excia ao pagamento deste valor na data da cessação do contrato.”.
Vejamos:
Embora na missiva a A. invoque, enquanto motivação ou explicação para a sua (drástica) atitude, o “incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção do licenciamento do espaço”, não nos parece existirem dúvidas de que o acto jurídico por si praticado reveste incontornavelmente a natureza correspondente ao exercício do seu direito de denúncia do contrato sub judice.
Não só a petição inicial é inequívoca ao assumir que “Nesta sequência, decidiu a Autora denunciar o contrato, o que fez por carta registada de 21 de Junho de 2019, com efeitos a partir de 31 de Outubro” (cfr. respectivo artigo 26º), como a manifestação de vontade da A. não se alicerça, primordial e verdadeiramente, em qualquer acto ilícito praticado no âmbito deste contrato misto (e que tenha designadamente a ver com a execução de qualquer uma das suas prestações essenciais).
Ou seja, a A., declarando haver perdido, a partir de certa altura, o seu interesse em continuar o negócio (que desenvolvia no local há 17 anos e meio) naqueles concretos termos, isto é, não estando devidamente escudada no licenciamento legalmente exigido e correndo por isso os inerentes riscos de eminente intervenção fiscalizadora e sancionatória, entendeu colocar fim unilateralmente ao contrato em causa, que continha uma componente de execução prática equivalente a um vulgar contrato de arrendamento (em normal execução há muito).
 Como é sabido, o acto de denúncia contratual não requer qualquer tipo de motivação ou justificação, por parte do denunciante – tal como a mesma fez questão de salientar -, não se confundindo tecnicamente com o exercício do direito à resolução do negócio, genericamente previsto no artigo 432º, nº 1, do Código Civil.
(Conforme refere José Carlos Brandão Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, 1996, a páginas 42 a 43:
“A denúncia como faculdade estritamente pessoal que é, processa-se em regra através de uma declaração de vontade receptícia sujeita à exigência de pré-aviso extrajudicial, não carecendo, em qualquer circunstância, de aceitação do “sujeitado”.
No plano dos efeitos, a denúncia extingue ex nunc a relação duradoura, embora a cessação completa da relação obrigacional dependa de certas obrigações subsistentes ou de certos deveres”.
Sintomaticamente, a A. encimou a missiva em referência com a expressão “Não obstante a desnecessidade de invocação de motivo para a presente denúncia”, o que bem comprova, com total evidência, a verdadeira natureza do acto extintivo que praticou e que ela própria desligou da necessidade de apresentação de fundamento justificativo.
Acontece ainda que a A. entendeu unilateralmente provocar a extinção do contrato celebrado com as RR., propondo-se, por isso, proceder à entrega no momento oportuno (na data da produção dos efeitos do acto de denúncia) dos imóveis cujo uso e fruição beneficiava, o que na significa o cumprimento pela sua parte do prazo de pré-aviso que considerou pertinente e razoável.
Contudo, aquando dessa anunciada entrega do imóvel, esta não se veio a consumar uma vez que a A. manifestou às RR. o propósito de ser compensada pelas avultadas obras que desenvolveu nesse espaço e que passariam, a partir daí, a beneficiar as RR., dado que estas recuperariam neste contexto os imóveis, valorizados e antes do prazo contratualmente previsto, o que foi recusado pela contraparte.
Conforme consta dos pontos 39 e 40 dos factos dados como provados:
“Foi agendada data para a entrega dos imóveis mas, tendo a autora exigido o pagamento da quantia de € 375.000,00 a título de benfeitorias, por carta de 21 de Outubro de 2019, e recusando-se as rés a efectuar tal pagamento, por carta de 28 de Outubro de 2019, a autora, por carta de 30 de Outubro de 2019, interpelou as rés ao pagamento da quantia de € 295.177,21 a título de benfeitorias, nos termos do documento que então anexou, ressalvando a possibilidade de o valor ser superior pois que estava ainda a reunir a documentação que suportasse as despesas pagas, invocando o direito de retenção de que beneficiaria o inquilino” (39).
“Na data de 31 de Outubro de 2019 não foram entregues os imóveis, perante a recusa das rés de efectuar qualquer pagamento e a invocação pela autora do direito de retenção sobre os imóveis”. (40).
Não se trata pois – e contrariamente ao que consta das alegações/conclusões de revista – da prática pela A. de qualquer acto de natureza resolutiva do contrato em apreço, ao qual, ainda que se admitisse, por hipótese de raciocínio, ser essa a correspondente qualificação jurídica, sempre faltaria o cumprimento das exigências legais previstas no artigo 808º do Código Civil (não fixação qualquer prazo peremptório e razoável com vista a, no caso da sua inacção das RR., considerar-se, então, resolvido o contrato, e ausência de demonstração da perda de interesse da A. na prestação contratual a cargo das RR., analisada objectivamente).
Note-se, inclusive, que tendo a falta de licenciamento da actividade a ver com a não celebração do contrato prometido/definitivo (quando a promitente arrendatária o desejasse), o certo é que a A., com vista à possível resolução por essa via do mesmo contrato, nunca tomou, ela, nenhuma iniciativa no sentido diligenciar pela marcação ou interpelação para a celebração do contrato de arrendamento prometido (no fundo e em rigor pela sua formalização através de escritura pública).
Bastaria, nesses termos, ter a A. fixado um prazo razoável às RR. para, depois de obterem a licença de utilização em falta, comparecem na data por si designada para a realização da escritura prometida, para lograr nessas circunstâncias provocar legitimamente a sua extinção por exercício do seu direito à resolução do contrato, com todas as consequências legais daí advenientes.
Tal nunca foi feito.
Por tudo isto, importará tomar em consideração, no plano das consequências jurídicas a retirar na situação sub judice, a prática de um verdadeiro e próprio acto de denúncia do contrato por parte da A. que, dessa forma e nesses termos, o veio a extinguir da data referenciada pela própria denunciante (cumprindo o pré-aviso inerente).
4 – Pedidos indemnizatórios deduzidos pela A. Do seu cabimento legal (ou falta dele).
Na sequência do exercício do seu direito de denúncia, formulou a A., com fundamento no texto do contrato em causa e no regime legal que considerou concretamente aplicável, as seguintes pretensões indemnizatórias:
-o reconhecimento à autora o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas com base no enriquecimento das rés, no valor de € 387.791,70, sendo as rés condenadas a pagar este valor, com reconhecimento do seu direito real de retenção:
- a condenação das rés no pagamento de uma indemnização pela perda de lucros decorrentes da cessação da atividade de realização de eventos que estima em € 5.508,00 de valor anual até à integral execução do contrato.
- e com base no contrato-promessa e a título subsidiário, o reconhecimento do seu direito a ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas, no valor de € 387.791,70, sendo as rés condenadas a pagar tal valor, reconhecendo o seu direito de retenção sobre o imóvel enquanto o mesmo não for pago e ainda a condenação das rés a pagar-lhe a quantia definida como cláusula penal, no valor de € 375.000,00.
Apreciando:
No enquadramento jurídico inerente ao contrato de natureza mista (de contrato promessa e de arrendamento comercial – nulo por falta de forma) que entre si celebraram ressalta a predominância da aplicação das regras pertinentes ao regime da locação e ao regime do contrato promessa, em consonância com a natureza das questões que se viessem a colocar, consideradas sempre de forma unitária e global, tendo ainda em particular consideração as normas especiais e singulares integradas no seu texto.
Tendo presente tal pano de fundo, passemos à análise do fundamento de cada uma das pretensões em causa.
Quanto ao pedido de compensação pelas benfeitorias úteis deixadas no imóvel e direito de retenção respectivo.
Alega a A. a este propósito (cfr. artigos 32º a 41º, da petição inicial):
As obras foram autorizadas ou consentidas pelos senhorios e aumentaram exponencialmente o valor dos prédios, nos quais se encontram incorporadas, sendo que antes os imóveis estavam completamente abandonados (existia uma pequena casa em ruínas).
Estamos perante benfeitorias úteis, sendo a determinação do valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
O valor do edifício construído e todo o espaço envolvente tem um valor actual nunca inferior a € 700.000,00.
Fixou o seu pedido a título de benfeitorias no montante global de € 387.791,70.
Vejamos:
Conforme se referiu supra, estamos perante um contrato misto que deve ser enquadrado e analisada do seu ponto de vista global, tomando-se em consideração a sua especial singularidade, bem como o necessário equilíbrio entre os interesses recíprocos dos celebrantes, plasmado nas suas diversas cláusulas que o integram.
Neste sentido, cumpre notar, desde logo, que em parte alguma do texto que as partes subscreveram foi antecipadamente prevista a obrigação de pagamento de qualquer tipo de compensação em função das edificações promovidas pelo utilizador do imóvel, a cumprir aquando da devolução dos imóveis ao seu proprietário (no pressuposto de que relação contratual atingisse o projectado termo, em horizonte que se pretendia, sem dúvida alguma, duradouro, mesmo longínquo).
Ou seja, trata-se de algo com que as partes não se preocuparam minimamente, não fixando qualquer regime que viesse a contemplar a compensação (ou não) de benfeitorias - úteis - findo o contrato de arrendamento, como é usual na maior parte dos contratos de arrendamento.
O que significa que, não obstante tenha sido consensualmente definido o quadro sancionatório que tutelava em especial e exclusivamente os interesses do dito promitente arrendatário, sem qualquer preocupação com a posição do dito promitente locador – (vide cláusulas II.7. (sanção do pagamento do promitente-locador das despesas com as obras por si autorizadas em caso de não obtenção da licença de utilização impeditiva do exercício da actividade); II.8. (sanção para a não disponibilização da zona de parqueamento, no prazo de dois meses a contar da recepção da carta que lhes seria dirigida para o efeito); II.10. (sanção para a não abertura de determinado caminho); III.3. (sanção – cláusula penal – para a recusa em outorgar o contrato definitivo), nenhum dos celebrantes considerou relevante prever o futuro pagamento das ditas benfeitorias úteis, sendo certo que no dia em que os imóveis regressassem à disponibilidade dos proprietários estariam necessariamente valorizados (no sentido de conterem neles incorporadas edificações que antes inexistiam), como ambos naturalmente bem sabiam.    
Ao invés, as partes preocuparam-se em prever, segundo determinadas condicionantes, a responsabilidade dos donos do imóvel pelo pagamento dos custos das obras, por si autorizadas e conhecidas (desde que lhes fosse imputável a não obtenção de licenciamento impeditiva da actividade comercial), sendo este afinal o mecanismo contratual que garantia verdadeira e privilegiadamente os promitentes arrendatários quanto aos elevados custos que suportariam com as edificações no local, o que pode fazer subentender que se o contrato seguisse sem percalços até ao fim temporalmente previsto, ou se fosse celebrado o contrato prometido e definitivo, a A. não se disporia, em princípio, a exigir qualquer indemnização por benfeitorias, uma vez que o valor das obras por si realizadas, traduzindo o indispensável investimento para o exercício da actividade comercial em causa, seria paulatinamente amortizado e largamente recuperado no fim daquele longo período temporal através da sua inerente rentabilização (sem o que não faria sequer sentido ter-se envolvido neste significativo e perene empreendimento comercial).
Note-se igualmente que, encontrando-se prevista, em termos formais, a celebração do contrato prometido, é razoável admitir que fosse esse o momento próprio e adequado para eventualmente definir o regime aplicável às benfeitorias úteis incorporados nos imóveis e que estavam à vista de ambos os contraentes.
O que significa que, desenrolando-se a execução do contrato de arrendamento, num contexto misto de locação e de contrato promessa, não haveria, por isso mesmo, lugar ao reconhecimento da compensação por benfeitorias incorporadas no imóvel antes do momento – previsto pelas partes – para a concretização do contrato prometido (sendo naturalmente impensável, nessa altura, que qualquer das partes entendesse vir a denunciar esse mesmo contrato, baralhando todos estes naturais pressupostos).
Acresce que a circunstância do contrato revestir a natureza mista de arrendamento (nulo por falta de forma) e contrato de promessa de arrendamento (que sanaria, através da celebração contrato prometido, a sua irregularidade formal) milita igualmente no sentido do não reconhecimento do direito a compensação por benfeitorias realizadas no imóvel, na medida em que não só tal matéria poderia vir a ser definida aquando da celebração do contrato prometido, como deste ponto de vista a posição da A, enquanto promitente arrendatária, não é juridicamente compatível com a atribuição desse mesmo direito a benfeitorias dada a sua condição de mera detentora ou possuidora precária, nos termos gerais do artigo 1253º do Código Civil.
(Vide, a este propósito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2009 (relator Fernando Pereira Rodrigues), proferido no processo nº 1837/08.8TVLSB.L1).
Acresce que, acontecendo o hipotético funcionamento da cláusula que estabelecia a sanção prevista em II.7. do contrato, com a pesada penalização dos primeiros outorgantes aí prevista, ficaria desde logo prejudicado o eventual direito de indemnização respeitante às benfeitorias úteis, o que resulta em termos lógicos do equilíbrio global dos direitos e deveres plasmados no contrato que permitiriam salvaguardar, com equidade, os interesses interligados e recíprocos de ambos os contraentes.
Se os primeiros outorgantes ficavam, nessas previstas circunstâncias, obrigados ao pagamento de todas as despesas suportadas pelos segundos com a valorização dos imóveis que lhe entregariam, constituiria um absurdo lógico que os mesmos tivessem ainda de suportar, nessa hipótese, o valor das melhorias incorporados nos imóveis que fossem qualificáveis como benfeitorias úteis.
Dir-se-á ainda que fazendo uma interpretação equilibrada, com a qual é razoavelmente possível contar, não tem cabimento lógico  admitir que após (pelo menos) 25 anos (para além das possíveis prorrogações automáticas do contrato) de contínua utilização dos melhoramentos que a A. livremente realizou no local (subordinados exclusivamente ao seu interesse comercial específico que dessa forma lucrativamente prosseguia), com a total complacência e mesmo activa cooperação da Ré AA e marido, e depois de haver auferido todos os inerentes proventos, a mesma A. ainda pudesse vir a exigir das RR., no distante momento previsto para a restituição dos imóveis, uma compensação na ordem de vários milhares de euros (vide os expressivos pedidos formulados a este título) resultante do que edificou e incorporou nos imóveis (e que não poderia ser deles separado), sem o que nunca teria lucrado o que (durante tanto tempo) veio, em seu exclusivo benefício, a lucrar.
A admitir-se o reconhecimento do direito a uma compensação pelas benfeitorias, tratar-se-ia então e naturalmente de um fantástico negócio para a A. e claramente ruinoso para as RR., que veriam o valor da cedência do gozo e fruição do local profunda e incompreensivelmente amputado, face aos elevadíssimos valores que a primeira peticiona, a este título, nos presentes autos.
E como se salientou supra, todo este regime respeitante ao pretenso reconhecimento do direito à compensação pelas benfeitorias úteis incorporadas nos imóveis é a nosso ver incompatível, no contexto global do negócio, com a circunstância de se aguardar a interpelação (a cargo exclusivo da A., quando bem entendesse) para a celebração do contrato prometido.
Nessa vertente, nunca tendo as partes deixado formalmente de se encontrar no plano de um contrato de promessa, não é concebível, sem a celebração do contrato definitivo, o autónomo reconhecimento de compensação do direito a benfeitorias que pretensamente vincularia, sem texto nem suporte legal, o promitente senhorio.
De todo o modo, e neste mesmo contexto, ainda que fosse aplicável à situação sub judice, por hipótese de raciocínio, o regime legal previsto no artigo 1273º do Código Civil, não se descortina com a necessária segurança a verificação de qualquer empobrecimento da A. (sem motivo justificado) que determinasse em contrapartida o enriquecimento sem causa das RR.
Vejamos: 
A A. realizou livre e consentidamente todas as obras de grande envergadura que entendeu adequadas e necessárias ao desenvolvimento da sua actividade comercial no local (o que passava pela realização de eventos festivos e afins).
Bem sabia, nessa altura, que o imóvel não dispunha de licença de utilização, o que não a impediu de proceder, ela própria, a avultados investimentos – também sem o devido licenciamento, o que não podia obviamente desconhecer - destinados a embelezar e aprimorar o dito espaço, tornando-o mais atractivo e potenciando a rentabilidade da sua actividade comercial.
E assim se manteve, ano após ano, tirando partido de todas as ditas edificações, durante mais de dezassete anos ininterruptamente, beneficiando das melhorias que estas comportavam e exponenciavam, sempre com a cooperante aquiescência das RR.
O que significa precisamente que foi a possibilidade de efectuar livremente as obras que entendeu introduzir no imóvel alheio que lhe permitiu, por consequência, vir a obter os inerentes proventos económicos de que deu notícia nestes autos.
Estando em causa a sua qualificação como  benfeitorias úteis, nos termos e para os efeitos do artigo 1273º, nº 2, do Código Civil, não se vislumbra fundamento para responsabilizar as RR, proprietárias do imóvel, segundo as regras do enriquecimento sem causa, na medida em que não é possível configurar nesta situação o empobrecimento da A., quando esta realizou todas as edificações que bem entendeu; delas tirou consecutivamente todo o partido, beneficiando-se patrimonialmente em função disso ao longo de quase duas décadas; e foi a mesma A. que livremente entendeu terminar a relação contratual, frustrando a possibilidade de cumprir o prazo de vinte e cinco anos acordado, eventualmente acrescido das renovações automáticas de cinco anos (sendo certo que sem a denúncia da A. nunca se saberia quando poderia vir a findar esta relação comercial, mas poderia facilmente antever-se a sua longa vida).
No mesmo sentido, não é possível, perante os factos dados como provados, afirmar, com segurança, o enriquecimento sem causa por parte das RR., na medida em que as mesmas se limitaram, agindo de boa fé, a proporcionar o gozo dos imóveis por um longo período em favor da A., autorizando todas as edificações que esta bem entendeu, segundo a sua incondicionada vontade, por serem as adequadas à rentabilização máxima da actividade que durante tanto tempo lucrativamente exerceu nesse espaço.
Ou seja, os gastos que foram despendidos foram exactamente aqueles que a A. bem quis, como quis, com a total aquiescência da contraparte do negócio, visando rentabilizar ao máximo a sua actividade comercial, por um longo período, não se compreendendo que depois de obtidos os inerentes proventos e após haver entendido cessar por denúncia, o que fez  unilateral e livremente, aquela venha agora pensar em querer receber das RR. o avultado valor de € 387.791,70, precisamente pela concretização das edificações em seu benefício autorizadas e que exponenciaram – e muito - os proventos da sua exploração comercial daquele espaço.
A atender-se tal pretensão, a este título formulado, mais facilmente se configura uma situação de diminuição patrimonial das RR. que seriam obrigadas a desembolsar um montante elevadíssimo por obras que não escolheram e que não as serviram, num quadro temporal tão significativo, apenas interrompido por exclusiva e discricionária vontade da contraparte.
De resto, e acrescer a tudo o que foi dito, cumpre decisivamente atentar em que na sua petição inicial a A. não configura suficientemente sequer, em sede de causa de pedir, o conjunto de factos dos quais seria viável extrair o seu efectivo empobrecimento à custa do real locupletamento das RR.
Apenas refere na sua peça processual a este respeito que:
- ao longo dos anos realizou diversas obras e melhoramentos que se traduziram em benfeitorias necessárias e úteis, cujo levantamento não é possível sem detrimento dos imóveis e que aumentaram consideravelmente o respectivo valor, indicando logo de seguida o respectivo custo total - € 387.791,70 -, o que corresponde às despesas efectuadas mas ao conceito de benfeitorias (diverso e não equivalente) – vide artigo 29º da petição inicial.
Como é sabido, o conjunto de despesas realizadas num imóvel, ainda que autorizadas pelo respectivo proprietário, não equivale nem corresponde à figura jurídica da benfeitoria, tratando-se de realidades completamente diversas.
Como esclarece Marta Sá Rebelo, in “Comentário ao Código Civil. Parte Geral”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, a página 483:
“Em rigor, trata-se (a benfeitoria) de alterações ou intervenções sobre determinada coisa que originam uma despesa. Podem envolver a realização de obras, a incorporação de outras coisas ou simplesmente trabalho (…) Relevante é que tenham por fim a conservação ou melhoramento (…)”.
 Refere José Alberto Vieira in “Direitos Reais”, Almedina, Abril de 2018, 2ª edição, a páginas188 a 189:
“As benfeitorias não são coisas, tão pouco partes de coisas. Contudo, porque as benfeitorias são levadas a cabo em coisas (corpóreas), o legislador aproveitou este nexo para contemplar a figura no contexto do regime jurídico daquelas.
(…) Não constituindo coisas, as benfeitorias representam intervenções sobre coisas. Para as podermos distinguir das deteriorações, elas têm de implicar alguma forma de melhoramento, ainda que este não traga objectivamente um aumento do valor da coisa”.
Ou seja, nada é verdadeiramente alegado pela A. que permita fundadamente estabelecer a verdadeira, clara e rigorosa diferença entre o valor do imóvel antes e depois dos melhoramentos que terão sido introduzidos, permitindo com objectividade concluir pelo ganho injustificado das RR. à custa do sacrifício da A.
Pelo contrário, é demandante limitou-se a apresentar um rol enorme de despesas realizadas com obras no local.
Porém, na sua peça processual não é especificada de que forma a realização desse conjunto de edificações, independentemente do seu custo que foi suportado pela A., melhorou efectivamente – e em que ordem de grandeza – os imóveis face ao valor que lhes correspondia antes dessa mesma autorizada realização.
A contraposição entre os ganhos reais que contemplariam as RR., aportados pelo incorporado nos seus imóveis, e a diminuição consequentemente provocada para a esfera patrimonial da A., assim injustificadamente empobrecida, é algo que não encontra previsão nem expressão em sede da causa de pedir, em conformidade com os termos em que se encontra estruturada a petição inicial desta acção. 
Improcede, assim, a pretensão indemnizatória relativa às citadas benfeitorias úteis introduzidas no prédio urbano em apreço.
Assim sendo, deixa logicamente de ter sentido e objecto a apreciação do pedido de reconhecimento do direito de retenção relativamente a tal matéria, que improcederá necessariamente.
Relativamente ao pedido indemnizatório pelos lucros cessantes perdidos em função da interrupção da sua actividade comercial.
Inexiste o menor fundamento para o seu acolhimento legal.
Como se viu, o contrato sub judice findou por denúncia e não por resolução contratual operada pela A., conforme se sublinhou supra (cujos pressupostos legais do exercício do direito de resolução não foram aliás seguidos pela peticionante).
O atendimento desta pretensão indemnizatório deveria ter como indispensável pressuposto a prática de um acto ilícito por parte das RR. que, originando a resolução do negócio, fundasse legalmente o pedido indemnizatório referido.
Segundo a forma como a A. estruturou a sua causa de pedir nestes autos, tal facto ilícito residiria na circunstância de ser imputável às RR., proprietárias dos prédios urbano e do rústico, a não obtenção da competente licença de utilização, sem a qual a actividade comercial neles exercida seria formalmente irregular e poderia suscitar a intervenção das entidades fiscalizadoras competentes.
Nenhum outro comportamento das RR. é apontado como violador da lei e dos interesses da A., tendo aliás, segundo o que consta dos autos, a situação de facto subsumível à locação do imóvel (círculo interno do relacionamento entre locador e locatário) decorrido com inteira normalidade e satisfação mútua durante mais de dezassete anos.
Por tudo isto, a única consequência penalizadora para a contraparte e exigível pela denunciante só pode exclusivamente resultar do texto do contratualizado no negócio, aí se não prevendo a cobertura do não prosseguimento da actividade comercial da A., interrompida aliás motu proprio pela mesma locatária.
Falece, por conseguinte, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos, esta mesma pretensão indemnizatória.
 Responsabilização das RR. pelo seu não cumprimento da obrigação de cooperar na obtenção da licença de utilização do imóvel em apreço, cujo sancionamento consta especificamente do contrato livremente celebrado entre as partes.
Com interesse para esta apreciação, resultou demonstrado nos autos que:
No contrato ficou estabelecido que os segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir poderiam desde já utilizar os imóveis, antes de ser celebrado o contrato prometido, com vista a serem efetuadas as obras do conhecimento de todos e, realizadas estas, a exercerem as actividades mencionadas.
Mais se estabeleceu que se a referida licença não fosse emitida por motivos imputáveis aos primeiros outorgantes (a ré AA e o marido), impedindo assim os segundos outorgantes, ou a sociedade que estes constituíssem, de exercer aquela actividade, os primeiros outorgantes pagariam aos segundos ou à sociedade que constituíssem as quantias que estes tiverem despendido nas obras que iriam levar a cabo nos identificados imóveis e que eram do conhecimento de todos os contraentes.
As obras começaram a ser pensadas e foram debatidas entre os seus outorgantes, ainda antes da assinatura do acordo escrito.
A ré e o marido assumiram a responsabilidade de obter a licença de utilização dos imóveis.
A autora assumiu a responsabilidade de obter a licença de atividade para utilização dos imóveis para a organização de eventos, a solicitar depois de obtida a licença de utilização dos imóveis.
A autora facultou à ré e ao marido todas plantas e projetos relativos às obras que realizou.
A ré AA e o marido sabiam que a integração de parte daquele prédio em zona de RAN impedia a aprovação de qualquer projeto para o local.
A licença de utilização nunca foi obtida.
As obras realizadas pela autora nunca foram objeto de legalização.
A autora facultou à ré e ao marido todas plantas e projetos relativos às obras que realizou.
Por email de 23 de Maio de 2005, dirigido à ré BB, o sócio da autora HH relembrava aspetos relativamente aos quais teria de ser dado andamento, constando do ponto 4 “legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás, De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços”. [É do seguinte teor o aludido email, com cópia a fls. 81 v.: “No seguimento da n/ reunião de 17/03/2005 e já passados mais de 2 meses, venho relembrar o que ficou de ser dado andamento: 1. Elaboração de proposta de alteração ao contrato-promessa em vigor (a ser feita pela BB); 2. Obtenção de proposta para portão de entrada (a ser feito pela BB); 3. Novo espaço de estacionamento a ser utilizado para jardim. Estamos a aguardar a sua entrega com a limpeza e preparação do mesmo; 4. Legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás. De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços. Porque os pontos 2, 3 e 4 são de extrema importância, dada a dificuldade que começa a surgir pela desvantagem de uma entrada pouco atraente e pelo espaço reduzido do jardim atual, somos a solicitar a V/ melhor atenção para darmos andamento às alterações”].
 Por email de 12 de Março de 2019, e respondendo a um pedido de informação da legal representante da autora, a mandatária das rés informou que em relação ao “assunto referente ao pedido de licenciamento, aguardo autorização por parte da autoridade competente - RAN (pois uma pequenina parte da parcela está abrangia por RAN). Nesse sentido, tenho diligenciado no sentido de agilizar o mais rápido possível. A par desta situação, o arquiteto aguarda esta autorização para apresentarmos o processo devidamente instruído na CM da .... Creia que da m/ parte como da D. AA tem havido o maior empenho para concluir todo o processo. Qualquer desenvolvimento, informarei a D. GG de imediato”.
A este email, e em resposta, respondeu aquela legal representante “muito obrigada”.
Daqui resulta essencialmente que:
Conforme foi autorizado no acordo escrito celebrado entre as partes, a A. realizou nos imóveis em causa, com plena autorização e total conhecimento da ré e do marido, diversas obras, suportando os custos de construção do edifício instalado no prédio rústico, hall de entrada e casas de banho, aumento da cozinha pré-existente no prédio urbano, de uma piscina e anexos de apoio, casa de máquinas, incluindo obras de pichelaria, carpinteiro e eletricidade, bem como infraestruturas no jardim, como sistema de rega e colocação de relva, planta e árvores e procedendo ainda à realização de passeios exteriores, muros de vedação dos imóveis e colocação de portões, tendo, para o efeito, despendido quantia não exactamente apurada, mas nunca inferior a € 177.622,36 (cento e setenta e sete mil, seiscentos e vinte e dois euros e trinta e seis cêntimos).
 A autora aceitou realizar as obras em causa nos imóveis pressupondo que o contrato de arrendamento que iria vigorar entre as partes tinha a duração de 25 anos e que seria plenamente possível obter a necessária licença de utilização dos imóveis, pela qual a contraparte expressamente se responsabilizou.
 A partir de determinado momento, a A. passou a temer que pudesse verificar-se uma acção fiscalizadora por ausência de licenciamento.
Ora, o funcionamento da cláusula II. 7., e em especial o concreto sancionamento aí previsto, não se basta, enquanto seu pressuposto essencial, com o simples e objectivo facto da não obtenção da licença de utilização pelos proprietários do imóvel, contrariando e frustrando a expectativa gerada pela R. AA e marido na A.
A previsão contratual em causa prevê um outro elemento que é absolutamente indispensável para que as RR. estivessem obrigadas, enquanto destinatárias da sanção consignada neste tocante, ao pagamento das ditas despesas.
Tal elemento consiste precisamente na circunstância, essencial e decisiva, da dita falta de licenciamento da responsabilidade das RR. haver impedido o prosseguimento da actividade comercial por parte da A.
E nesse ponto, a conclusão é insofismável: embora nunca tendo sido obtida a licença de utilização prometida (podendo-se nesse ponto questionar e censurar mesmo a postura da Ré AA e marido por alguma leviandade/irresponsabilidade da sua parte ao prometerem o que não estavam em condições sérias de conseguir cumprir), o certo é que a A. optou livremente, e sob sua exclusiva responsabilidade, por decidir exercer no local a dita actividade comercial (assim não impedida) durante mais de dezassete anos, ininterruptamente (como se, durante todo esse período, a ausência de licenciamento do espaço nada lhe importasse ou, pelo menos, não a demovesse de assumir e correr conscientemente os respectivos riscos – as obras que realizou nesse espaço também não foram precedidas de qualquer licenciamento, o que bem sabia).
O que significa que tal eventual obrigação de pagamento das despesas com as obras nunca se constituiu, na medida em que a própria A., pretensamente lesada pela não obtenção da licença de utilização, não se importou ou demoveu afinal com a dita situação de ilegalidade – com a qual aliás activamente compactuou ao realizar, ela própria, as avultadas obras em causa igualmente sem licenciamento algum – desenvolvendo a actividade comercial durante mais de metade do prazo contratualmente consignado nessas exactas circunstâncias de irregularidade formal.
Logo, não restam dúvidas de que não se pode considerar de modo algum incumprida a estatuição da cláusula II.7. do contrato, não sendo, portanto, de operar a sanção aí consignada.
Não será desta forma de dar acolhimento a tal pretensão (pedido de condenação na quantia de € 177.622,36 (cento e setenta e sete mil centos e sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos) – que se integra no âmbito do pedido total formulado, conforme consta dos artigos 72º e 73º da petição inicial, e que se compreende outrossim dentro de toda a lógica global do peticionado, quando a A. pretende acima de tudo ser indemnizada pelo investimento que teve de realizar, com o conhecimento dos RR., para prosseguir uma actividade comercial que queria desenvolver de forma segura e tranquila, constituindo o referenciado valor um minus relativamente à totalidade do seu pedido.
Neste sentido, a quantia monetária (mínima) exigida pela A. às RR. na carta de denúncia de 2019 - € 375.000 (trezentos e setenta e cinco mil euros com base no funcionamento da já referida cláusula II.7 do contrato (compensação pelas despesas com as outras autorizadas e identificadas, para a hipótese da não obtenção da licença impedir a actividade comercial da A.) aproxima-se muito do valor pedido a título de compensação pelas benfeitorias úteis - € 387.791,70 -, o que significa que estamos a tratar, no fundo a tratar, na óptica da demandante, de realidades relativamente coincidentes segundo a sua alegação (e que falhando – como efectivamente  falhou - o funcionamento da cláusula II.7, nada justifica, perante todas as circunstâncias analisadas, o contraditório reconhecimento da compensação por benfeitorias em conformidade com o desenvolvido supra).
Aplicação da cláusula penal pela não realização do contrato prometido.
 Relativamente ao montante exigido pela A. a título de cláusula penal, no valor de € 375.000,00, não há fundamento legal algum para o seu atendimento, na medida em que a mesma se reporta à recusa pelas RR. da celebração do contrato prometido, cuja marcação a A. nunca chegou a promover (e em que, por isso mesmo, não é possível configurar qualquer recusa por parte dos promitentes locadores), sendo a única sanção para a não obtenção do licenciamento em causa, da responsabilidade das RR, aquela que se deixou expressa na cláusula 7ª do contrato, nos termos desenvolvidos supra (não verificada pela circunstância de não ter sido impeditiva do prosseguimento da actividade comercial por banda da A.).
De resto, constitui uma incongruência lógica pretender a A. recuperar o seu investimento a pretexto do pretenso direito a benfeitorias e simultaneamente admitir (ainda que subsidiariamente) estar em condições de receber um montante indemnizatório equivalente, mas agora assente na sua condição de promitente arrendatária que todavia nunca diligenciou minimamente pela interpelação com vista à celebração da escritura prometida (cuja iniciativa aliás lhe exclusivamente competia em termos contratuais, se e quando lhe aprouvesse).
Ou seja, e em resumo, falharam rotundamente todos os fundamentos de responsabilização que a A. invocara nos presentes autos, na sequência do acto de denúncia do contrato que livremente entendeu assumir (e com cujas consequências práticas terá exclusivamente de arcar).
Nega-se, por conseguinte, a revista.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Maio de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro


                                                

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.