Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
028225
Nº Convencional: JSTJ00002686
Relator: LENCASTRE DA VEIGA
Descritores: ESTUPRO
SEDUÇÃO
MATERIA DE DIREITO
MATERIA DE FACTO
COMPETENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195307210282253
Data do Acordão: 07/21/1953
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 03-08-1953; BMJ 38, 90
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 5/1953
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS
DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 94 N2 ARTIGO 392 ARTIGO 393.
CPC39 ARTIGO 647 ARTIGO 653 ARTIGO 659 ARTIGO 712 ARTIGO 722 ARTIGO 729 ARTIGO 755 ARTIGO 766 PARUNICO ARTIGO 767 ARTIGO 768 PAR1 ARTIGO 769.
CPP29 ARTIGO 468 ARTIGO 473 ARTIGO 493 ARTIGO 646 N4 ARTIGO 647 PAR1 ARTIGO 665 ARTIGO 666.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1944/02/29 IN BOL OF ANOIV PAG102.
ASSENTO STJ DE 1934/06/29.
Sumário :
No crime de estupro e materia de direito da competencia do Supremo Tribunal de Justiça qualificar como sedução os factos provados pelos tribunais de instancia.
Decisão Texto Integral: Acordam, em reunião plena, no Supremo Tribunal de Justiça:

No 1 Juizo Criminal da Comarca de Lisboa, respondeu pelo crime de estupro, previsto e punido pelo artigo 392 do Codigo Penal, A, sendo condenado em dois anos de prisão maior celular e na indemnização de 5000 escudos, alem do imposto de justiça.
Foi, quanto a infracção, dado por provado que o reu, depois de namorar durante alguns meses B, de 17 anos, passou a prometer-lhe reiteradamente que casaria com ela, logo que fosse decretado o seu divorcio com a mulher com quem, ao tempo, estava casado, tendo, assim, conseguido ter relações sexuais com ela, em
11 de Setembro de 1949, estando B virgem; continuaram a manter copula, chegando a viver maritalmente, a espera que fosse decidido o divorcio do reu.
A Relação confirmou o acordão da primeira instancia e, tendo o reu novamente recorrido, o Supremo Tribunal confirmou a decisão da Relação.
Veio, oportunamente, recorrer para este tribunal pleno, invocando oposição entre o acordão recorrido e o de 29 de Fevereiro de 1944 (Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, ano 4, pagina 102); alegando, manifesta o seu ponto de vista sobre o conflito de jurisprudencia quanto ao conceito de sedução, com o que concorda o Ministerio Publico.
Por acordão da secção criminal foi reconhecida tal oposição, mandando-se que o processo seguisse com respeito a referida materia de sedução.
O recorrente, nos termos da segunda parte do artigo 767 do Codigo de Processo Civil, alega outra vez, concluindo por afirmar que, tendo acordão recorrido considerado a sedução materia de facto, era, contudo, materia de direito; que, sendo da sedução elemento essencial o engano, o dolo, a fraude, não fez ele falsas promessas de casamento a ofendida, pois sempre teve e manteve o sincero proposito de casar com ela; por isso, não a enganou, não se serviu de qualquer proposito ardiloso para conseguir ter com ela relações sexuais; a ofendida e que se recusa a casar sem motivo justificado, não se entregando por sedução, mas por leviandade ou com o ruim proposito de obter uma indemnização pecuniaria; a entender-se que praticou o crime, atentas as atenuantes referidas, como a confissão e o bom comportamento anterior, deve a pena ser substituida por prisão correccional, ao abrigo do n. 2 do artigo 94 do Codigo Penal, ou mesmo suspensa na sua execução.
O douto magistrado do Ministerio Publico alega, tambem, como desenvolvimento, concluindo por emitir parecer no sentido de que deve ser revogado o acordão em recurso na parte em que não conheceu da existencia ou inexistencia da sedução, sendo proferido assento em que se fixe a doutrina de que, no crime de estupro, e materia de direito, da competencia do Supremo Tribunal de Justiça, qualificar como sedução os factos materiais provados pelos tribunais de instancia.
Cumpre decidir:
Os acordãos em causa foram proferidos no dominio da mesma legislação (Codigo Penal e Codigo de Processo Penal); e e de admitir o transito do acordão invocado, pois nada foi dito em contrario (paragrafo unico do artigo 766 do Codigo de Processo Civil).
Existe oposição entre os dois julgados, pois, enquanto o acordão recorrido, depois de considerar indiscutivel que tanto a intenção como a culpa constituiram materia de facto, logo acrescenta que outro tanto se dava com a sedução, que as instancias consideraram provada; assim, a sedução foi dita como questão ou materia de facto; ao passo que o acordão anterior, seja, o invocado, entendeu que a sedução e materia de direito, da competencia do Supremo Tribunal de Justiça, tendo-se debatido nos respectivos autos se os factos dados por provados constituiam sedução, materia de direito.
O conflito entre as duas decisões manifesta-se claro.
Ha, pois, que conhecer do recurso.
Dispõe o artigo 392 do Codigo Penal que: "Aquele que, por meio de sedução, estuprar mulher virgem, maior de doze e menor de dezoito anos, tem a pena de...".
A sedução e, pois, um pressuposto, um dos elementos constitutivos do crime de estupro. Sedução e palavra que se encontra na lei, tomando nesta uma posição magna; ha que definir-lhe o sentido; este, sob o ponto de vista do direito, promana de factos, que tenham de ser dados como representativos de tal categoria ou figura juridica.
Alias, o artigo 393 (violação) e expressivo em que a sedução deriva do reconhecimento de factos: "Aquele que tiver copula ilicita com qualquer mulher, contra sua vontade, por meio de violencia fisica, de veemente intimidação ou de qualquer fraude que não constitua sedução...".
Apurados os factos, segue-se a qualificação juridica, isto e, se existe ou não sedução.
Reportando-se a Puglia (Manuale de Direito Penale), diz Chrysolito de Gusmão que e bem dificil determinar o conceito da sedução, pois esta resulta de elementos diversos, dos quais alguns são subjectivos, outros objectivos, elementos variaveis, segundo as circunstancias (Dos Crimes Sexuais, Rio de Janeiro, 1945, pagina 264).
O reconhecimento dos factos cabe as instancias, na função legal de tribunais de facto, sem embargo da apreciação de direito, quando a lei lhes incumbe tal competencia.
Os tribunais colectivos, ao responderem a materia quesitada, julgam apenas de facto (artigos 468 e 493 do Codigo de Processo Penal).
As Relações podem, tambem, julgar de facto, consoante o artigo 665 do mesmo Codigo e assento de 29 de Junho de 1934. A competencia normal do Supremo Tribunal de Justiça respeita apenas ao conhecimento da materia de direito (dito Codigo, artigos 473, 646, n. 4, 647, paragrafo 1, 666, este em especial).
De relance, dir-se-a que, quanto ao civel, a situação e, de certo modo, equivalente (artigos 647, 653, 659, 712, 729, e 755 do Codigo de Processo Civil).
Na hipotese dos autos, o tribunal devia, pois, tratar de apurar se os factos dados por provados nas respostas ao questionario representavam ou não sedução, para assim serem ou não qualificados.
Nas condições referidas, revoga-se o acordão recorrido, devendo o processo baixar a secção criminal, para novo julgamento.
E estabelece-se o seguinte assento:
No crime de estupro, e materia de direito, da competencia do Supremo Tribunal de Justiça, qualificar como sedução os factos provados pelos tribunais de instancia.
Sem imposto de Justiça.


Lisboa, 21 de Julho de 1953

Lencastre da Veiga (Vencido quanto a baixa do processo, pois este acha-se afecto ao tribunal pleno para julgamento em todo o sentido. Definido o criterio a adoptar quanto ao conflito de jurisprudencia, havia que aplica-lo ao caso dos autos, fazendo-se o julgamento. A baixa pode ate trazer inconvenientes que briguem com a aplicação do proprio assento, porventura com margem a novo recurso para o tribunal pleno. Acresce que da propria secção, antes dessa aplicação, pode surgir a iniciativa da revogação da providencia agora tomada (artigo 769 do Codigo de Processo Civil); alem de que do paragrafo 1 do artigo 768 resulta que ao tribunal pleno pertence tambem resolver o caso concreto) - Jaime de Almeida Ribeiro - Campelo de Andrade-
- Rocha Ferreira - Roberto Martins - A. Bartolo - Jose de Abreu Coutinho - Jorge de Utra Machado - A. Cruz Alvura -
- Julio M. de Lemos (Vencido quanto a oposição, por entender que não existe explicitamente, visto no acordão recorrido não se ter tomado posição definitiva quanto a questão de determinar se a sedução constitui materia de facto ou de direito e ainda porque da maneira como o acordão se acha redigido não se pode concluir com precisão que como materia de facto foi considerada; e ainda vencido quanto a baixa do processo a secção criminal, por entender que, resolvido o conflito de jurisprudencia, competia ao tribunal pleno aplicar desde ja o assento) -
- Jaime Tome (Votei como o excelentissimo Relator) -
- Filipe Sequeira (Vencido quanto a baixa do processo a secção criminal, pelos fundamentos da primeira declaração de voto) - Bordalo e Sa (Vencido quanto a questão previa; pelos fundamentos do meu voto no acordão da secção, a folhas..., votei que não havia oposição entre os dois acordãos em confronto; vencido quanto ao fundo, porque não ha lei que defina ou determine o que seja sedução, alem de que ter sido seduzida uma mulher constitui, em si mesmo, um facto; e vencido quanto a baixa do processo a secção para julgamento, pois este pertencia ao pleno, como, alias, sempre se tem feito em hipoteses semelhantes)
- (Tem voto de vencido, quanto a baixa do processo, do excelentissimo Conselheiro Piedade Rebelo, que não assina por não estar presente) - Lencastre da Veiga.