Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | ARGUIÇÃO DE NULIDADES NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO AMBIGUIDADE OBSCURIDADE | ||
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Data do Acordão: | 07/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
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Sumário : | Quando o Acórdão apreciou de todas as questão que podia e devia conhecer não padece de nulidade por omissão de pronúncia. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Notificada do Acórdão proferido em 25.05.2023, vem a recorrente AA apresentar reclamação para a conferência, “nos termos dos arts. 685º, 666º e 615º, c) e d), e nº4, do CPC”. Alega, no essencial, o seguinte: “5- A questão essencial a submeter á Conferência é a violação de direito material probatório, com efeitos substantivos na decisão da causa e que implicam a anulação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos sindicados nas Alegações de recurso. 6 - Com efeito, tendo o Tribunal da Relação eliminado dos meios de prova e das provas declaração junta aos autos proveniente de um processo administrativo nos Serviços do Ministério Público, ficou a decisão despida dessa prova que foi considerada essencial na decisão da 1ªinstância e contagiou toda a apreciação da prova. 7 - Mas sobretudo, não é tido em conta, o documento junto aos autos em 09.09.2020, por ofício do MP Procuradoria d Juízo Local Cível de ..., no qual se refere quanto ao Sr. BB “Foram solicitadas informações clínicas-fls.31- resultando das mesmas que «foi diagnosticado demência em 2015, neste momento ainda preserva as suas capacidades mentais e físicas, mas no futuro irá agravar-se». Sublinhado nosso. 8 - Assim, do teor de documento referido o falecido era pessoa enferma já em 2015, com demência diagnosticada e que apesar de nesse ano de 2015 se referir ainda ter capacidade mental, tal estado de saúde se iria agravar. 9 - Ora, não é considerado pelo Tribunal tal documento essencial que revela a demência do falecido já em2015 nem é posto em cotejo com os demais documentos juntos pela recorrente. 10 - E a prova do estado de saúde do falecido, revelado por tal documento cuja autenticidade não foi impugnada ou impugnado de falso o seu teor, não pode ser infirmada por prova testemunhal, representando isso uma violação do disposto nos arts.392 e 393 do CC, pois a prova por testemunhas contra o que consta do documento relativo á saúde do falecido em 2015, é proibida e como tal nula. 11 - Ora, na douta decisão prolatada no Acordão na Revista ordinária, s.d.r., não é apreciado e objeto de pronúncia o objecto do recurso plasmado nas Conclusões supra inumeradas e mormente padece de erro de julgamento a questão da violação de direito material probatório ex vi art.674º, nº1 e 3 conjugado com os arts. 392 e 393 ambos do CC, consubstanciando uma NULIDADE por omissão de pronúncia que deve ser conhecida e decidida em Conferência, cfr. art.666º, nº2 do CPC ex vi art.685º CPC. 12 - A omissão sobre o valor deste documento representa nulidade, art.615º, nº1, d) e nº4 ex vi art.674, nº1, c), com revelo especial para os efeitos do art.682, nº2 2ªparte do CPC, o que se invoca. 13 - E pugna-se que tal implica que se dê como não provada vontade do A. em se divorciar, atento o seu estado de demência diagnosticado, cotejado com os documentos referidos nas Alegações de recurso pelo recorrente e o circunstancialismo adquirido processualmente. 14 - Pois, o divórcio foi intentado tendo por base procuração com poderes especiais a favor de M... Advogados para inúmeros fins, sem especificar o caso de intentar ação de divórcio, e na qual não consta a morada do Autor, cfr. documento junto com a P.I. 15 - O Sr. BB faltou na primeira data designada para a tentativa de conciliação e faleceu antes da nova data designada para tentativa de conciliação. 16 - Ora, pelas razões supra, considerando a eliminação dos meios de prova feita pelo Venerando Tribunal da Relação e a alteração do Ponto 5 dos factos provados, o ponto 4 mantido, s.d.r. que é muito, enferma de erro de julgamento dos factos carreados para os autos, atentos os documentos carreados pela recorrente e referidos supra. Termos em que se requer se digne submeter à CONFERÊNCIA a decisão que confirmou a decisão da matéria de facto prolatada pelo Tribunal da Relação, devendo ser proferida decisão que revogando tal decisão altere a matéria de facto ao abrigo do art.682º nº2,2ªparte com recurso aos documentos juntos e mormente o documento sobre o estado de saúde do Sr. BB, cujo teor de ciência médica não pode ser contrariado por testemunhas como é feito pelo Tribunal, constituindo uma proibição de prova que implica a NULIDADE da decisão. Ergo, deve anular-se o ponto 4 dos factos provados e por força disso ser proferida decisão que julgue procedente o recurso de revista, anulando a decisão de decretar o divórcio”.
2. Os recorridos responderam à reclamação.
* Dispõe-se no artigo 613.º do CPC: “1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (…)”. Apreciando a presente reclamação, verifica-se que a recorrente invoca, logo de início, a nulidade do Acórdão com os fundamento das als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Como é sabido, a al. c) respeita à oposição entre os fundamentos e a decisão / à ambiguidade ou obscuridade e ininteligibilidade da decisão e a al. d) à omissão de pronúncia / excesso de pronúncia. A verdade é que não se vislumbra qualquer razão ou argumento destinado a sustentar a nulidade da al. c), pelo que impossível se torna sequer considerar a alegada questão. Diga-se, seja como for, que não se vê qualquer sinal que permita sustentar oposição entre os fundamentos e a decisão ou ambiguidade ou obscuridade e ininteligibilidade da decisão. Relativamente à al. d), tudo indica que a reclamante pretende referir-se à 1.ª parte da norma, ou seja, pretende alegar uma omissão de pronúncia e uma omissão de pronúncia sobre o valor de certo documento (cfr. alegação 12). Ora, o objecto do recurso (e, consequentemente, a razão pela qual nem todas as questões suscitadas pela recorrente / ora reclamante podiam ser apreciadas por via da revista normal) é matéria claramente abordada e explicitada no Acórdão ora impugnado. Diz-se aí, designadamente, o seguinte: “Deveria (…) concluir-se que o presente recurso é inadmissível por qualquer via, nesta parte, já que, havendo outros obstáculos à sua admissibilidade além da dupla conforme, nem sequer poderia ser admitido, por via excepcional. Apesar disso, num esforço de interpretação das conclusões do recurso para lá da sua forma, parece que aquilo que a recorrente questiona ainda que de modo deficiente, é a conformidade à lei da conduta do Tribunal recorrido perante a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Essencialmente, o que a recorrida parece querer alegar é que o Tribunal desconsiderou determinados factos e documentos por ela alegados e produzidos e que, se tivesse tido em devida conta esses factos e documentos (em especial, o documento com informações clínicas quanto ao estado de saúde de BB em 2015), o Tribunal da Relação teria ou deveria ter decidido de outra forma a matéria de facto. Ora, como se aponta no despacho do Exmo. Desembargador que mandou subir os autos, isto é parece relacionar-se com erro de aplicação da lei na decisão sobre a matéria de facto, o que pode, em observância do dever de gestão processual, reconduzir-se à questão da violação do artigo 662.º do CPC. E parece relacionar-se ainda com erro de aplicação de normas do Direito probatório material (cfr. conclusões 20.ª e 60.ª), referindo-se a recorrente, repetidamente, às normas dos artigos 414.º do CPC e dos artigos 341.º, 342.º e 393.º do CC (cfr. conclusões 13.ª, 53.ª, 80.ª, 81.ª e 86.ª). Sendo a violação da lei um dos fundamentos legalmente previstos do recurso de revista, tornar-se-ia admissível o recurso. Sendo a violação da lei imputada ao Tribunal recorrido uma questão nova, que não está, evidentemente, abrangida pela dupla conforme, tornar-se-ia admissível o recurso por via normal. Há que dizer, não obstante respeitar à decisão sobre a matéria de facto, a questão está dentro das competências do Supremo Tribunal de Justiça. É verdade que a intervenção deste Tribunal é meramente residual no que respeita à apreciação e à fixação da matéria de facto realizada pelas instâncias. No entanto, é consensualmente entendido que o Supremo Tribunal pode apreciar o uso que a Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”[1] (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC[2]. Pode ainda apreciar a violação de normas de Direito probatório material, dispondo-se, claramente, no n.º 3 do artigo 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Deve advertir-se que isto não significa sindicar os resultados a que chegou o Tribunal recorrido ou controlar a sua decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, o que já implicaria interferir na valoração da prova que este Tribunal fez segundo o critério da livre e prudente convicção – tudo coisas que estão interditas ao Supremo Tribunal[3]. Fica, assim, esclarecida a razão pela qual, num esforço de interpretação das conclusões do recurso, e ao abrigo do dever de gestão processual, se admite o presente recurso, nesta parte, como revista normal, encontrando-se a questão a apreciar delimitada nos termos acima descritos”. Significa isto, em suma, que o recurso foi admitido em resultado do esforço que impõe o dever de gestão processual e que foi admitido por via normal, não como a recorrente quereria, mas como a lei impõe, ou seja, delimitado ao objecto que era legalmente admissível conhecer por via normal e tendo sido, na parte restante, enviado à Formação para apreciação dos pressupostos da revista excepcional. Assim sendo, o Acórdão apreciou de todas as questões que podia e devia conhecer, pelo não padece da alegada nulidade.
* DECISÃO
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
* Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
* Lisboa, 6 de Junho de 2023
Catarina Serra (relatora)
Cura Mariano
Fernando Baptista _____ [1] Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1). |