Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2123
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ200709130021232
Data do Acordão: 09/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Sumário : 1. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia resulta da infracção do dever consignado no 1º período do nº2 do artº 660º do CPC.
II. A nulidade, com a predita fonte, quando cometida pelo Tribunal da Relação, não pode ser suprida pelo Supremo Tribunal de Justiça (artº 731º nº2 do CPC).
III. A reforma do acórdão recorrido, julgada, pelo STJ, procedente a arguição de nulidade por noticiada omissão, «ex vi» de tal anulada a decisão impugnada, compete ao Tribunal «a quo», a baixa a este dos autos se impondo, consequentemente, ordenar, sem definição pelo Tribunal «ad quem» do direito aplicável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) "Empresa-A, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, contra "Empresa-B", peticionando a condenação da demandada a pagar-lhe Esc. 38.785.742$00 e juros de mora, à taxa legal de 12%, vincendos a partir de 15-02-01, sobre Esc. 37.544.376$00.
Em abono da procedência da acção, em súmula, aduziu:
Ter, no âmbito da actividade a que se dedica, a de exploração, transformação e comercialização de rochas ornamentais e cantarias, vendido à ré os materiais constantes das facturas cujas cópias juntou, no valor global de Esc. 37.544.376$00, destinados a aplicação pela demandada na obra nº 14 do Projecto de Urbanismo da Câmara Municipal de Bragança.
Constar, a esmagadora maioria desses materiais, de duas notas de encomenda, datadas de 26.08.99 e 26.05.00, unilateralmente subscritas pela ré e aceites pela autora.
Estarem já aplicados na mencionada obra de Bragança todos os materiais constantes das facturas em apreço, não tendo a ré apresentado, verbalmente ou por escrito, à autora, qualquer reclamação sobre a qualidade daqueles.
Deverem as facturas ser pagas trinta dias após a data da sua emissão, conforme consta das mesmas e das notas de encomenda subscritas pela ré, a qual ainda as não pagou, apesar de por diversas vezes instada para o efeito, os juros de mora vencidos até 15.02.01 importando em Esc. 1.241.366$00.

b) Contestou a ré, como flui de fls. 40 a 50, por excepção e impugnação, mais tendo deduzido reconvenção, concluindo no sentido da improcedência da acção, com consequente absolvição sua do pedido e no da procedência da reconvenção, devendo, por mor de tal:
1. "Serem os negócios jurídicos consubstanciados pelos docs. 21 e 22 juntos com a p. i, anulados por se tratarem de negócios consigo mesmo, ou quando assim se não considere, serem os mesmos julgados ineficazes em relação à Ré-Reconvinte nos termos do disposto no art. 260º nº 2 do CSC."
2. "Ser o contrato de fornecimento celebrado entre a Ré Reconvinte e a Autora-Reconvinda, nos termos plasmados nos art.s 29º e 109º desta contestação-reconvenção válido e eficaz."
3. "Ser o mesmo contrato declarado validamente resolvido pela Ré Reconvinte a partir de 22/01/2001, por culpa exclusiva da Autora-Reconvinda e, em consequência - ou independentemente disso -, ser esta condenada a pagar à Reconvinte a quantia de Esc. 23.854.700$00, sendo Esc. 23.370.640$00 do principal e Esc. 484.060$00 de juros vencidos, acrescidos dos juros vincendos, a calcular sobre Esc. 23.370.640$00 à mesma calculada e supletiva taxa de 12%, contados desde 22/01/2001 e até efectivo e integral pagamento."

c) Replicou a autora, batendo-se pela improcedência da defesa exceptiva e da reconvenção, mais tendo impetrado a condenação da ré-reconvinte, por sustentada litigância de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

d) Treplicou a ré, como na contestação concluindo e propugnando dever a autora "ser julgada como litigante de má fé, e por via disso condenado o seu legal representante, subscritor da procuração junta, a pagar à Ré, a título de indemnização por todos os prejuízos decorrentes dessa má fé, em quantia não inferior a 1.000.000$00, e bem assim ao pagamento de multa condigna."

e) Admitido o pedido reconvencional, foi elaborado despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto tida como assente, bem como organizada a base instrutória.

f) Cumprido o demais legal procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sentenciada tendo sido, na parcial procedência da acção e da reconvenção, a condenação da ré a pagar à autora 22.400,14 euros (4.490.824$00) e juros de mora civis sobre tal "quantum", desde a citação até integral pagamento, bem como se declarou anulado o negócio consubstanciado pelos documentos juntos com a petição inicial, representativos das condições de fornecimento de materiais à ré.

g) Com o sentenciado se não tendo conformado, apelaram autora e ré.

h) O TRP, por acórdão de 06.12.21, como decorre de fls. 1341 a 1360:
1. Julgou improcedente a apelação interposta pela autora.
2. Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela ré, assim:
Absolvendo a ré do pedido contra a mesma formulado, por decretada improcedência da acção.
Por força de ditada parcial procedência da reconvenção, declarou anulados "os contratos representados pelos documentos juntos de fls. 18 a 34, por envolverem negócios consigo mesmo (pedido principal), com a consequente condenação da Autora a restituir à Ré o montante de 20.593.203$00 (102.718,46 euros), acrescido de juros de mora civis desde a notificação da contestação até liquidação desse quantitativo."

i) Irresignada, interpôs a autora recurso do predito acórdão, na alegação oferecida, em que defende, por via da concessão da revista, a prolação de acórdão que declare nula, revogue e substitua a decisão impugnada, alterando a "resposta ao quesito 39º nos termos do disposto nos artigos 722º nº 2 e 729º ambos do Código de Processo Civil, por violação do disposto nos artigos 363º nº 2 e 371º nº 1 ambos do Código Civil" e "condene parcialmente a ré no pedido e declare improcedentes os pedidos reconvencionais", tendo tirado as conclusões seguintes:
" 1ª. No recurso de apelação interposto da douta sentença proferida nos autos, a apelante, aqui recorrente, alegou na conclusão 33ª da apelação, a necessidade de modificar a resposta que havia sido dada aos quesitos 15º e 41º, porquanto não havendo dúvidas que cada palete ascendia à quantia de 1.800$00 (IVA excluído), nunca o valor dado como provado relativamente a essa matéria poderia ascender a mais de 1.324.800$00 (736 paletes x 1800$00) já que a ré nunca facturou qualquer das paletes que diz ter devolvido, e que até foi dado como provado, pelo que nunca lhe seria devido o IVA que também nunca entregou ao Estado, como devia se a devolução das paletes fosse verdadeira, pelo que o Tribunal nunca poderia ter considerado o Imposto sobre o Valor Acrescentado no valor daquelas paletes que erradamente considerou terem sido devolvidas pela ré, aqui recorrida.

2ª. Mais se alegou que a recorrida não juntou aos autos sequer uma factura ou outro documento contabilístico relativo à devolução das paletes com a contabilização do respectivo IVA, pugnando, assim, para além do mais, e pelo menos por uma redução do valor considerado como provado no quesito 41º.

3ª. Sobre tal fundamento da apelação o douto acórdão recorrido não se pronunciou, embora se estivesse perante uma questão alegada atempadamente pela apelante e que não se mostrava, nem mostra, prejudicada pela decisão dada a qualquer outra questão.

4ª. Não o tendo feito, o douto Acórdão recorido não cumpriu o comando legal do artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, o que gera a sua nulidade nos termos do 668º nº 1 al. d) aplicável por força do artigo 716º nº 1 do mesmo Código, o que se invoca.

5ª. Vencida e absolutamente indignada quanto à fixação da matéria de facto pelas instâncias, a recorrente não pode deixar de lançar mão do disposto nos artigos 729º nº 2 e 722º nº 2 do Código de Processo Civil quanto à matéria que vem fixada no quesito 39º.

6ª. Encontram-se junto aos autos, a fls. 169 a 350, prova documental que possui força probatória plena quanto aos factos dela constante, consubstanciada nos autos de medição da obra a que se reportam os fornecimentos em causa, elaborados e juntos aos autos pela Câmara Municipal de Bragança, entidade legalmente competente para a sua emissão e que constituem documentos autênticos nos termos do nº 2 do artigo 363º do Código Civil, já que é a Câmara Municipal de Bragança a autoridade pública competente para proceder á medição da obra que a recorrida se encontrava a executar para o Município de Bragança com os materiais fornecidos pela recorrente, no âmbito dos poderes públicos que legalmente lhe são conferidos.

7ª. Para além disso, após a sua junção ao processo, pela Câmara Municipal de Bragança, nenhuma das partes os impugnou, ambas os aceitando plenamente, possuindo tal prova documental força probatória plena em conformidade com o disposto no artigo 371º nº 1 do Código Civil quanto às quantidades de materiais que se encontravam incorporados na obra pela recorrida e contados pela Câmara Municipal de Bragança na data em que foram elaborados por aquela autoridade pública.

8ª. Dos mesmos resulta que a recorrida havia incorporado na obra de Bragança, material dos fornecidos pela recorrente que ascendia à quantia de € 185.412.608$00 (IVA incluído) aos preços acordados entre recorrida e recorrente no período em que vigorou a execução do contrato dos autos, ou seja desde o início dos mesmos até 10-1-2001, conforme considerado assente sob a alínea I) dos factos assentes.

9ª. De tais autos de medição da obra efectuados pela Câmara Municipal de Bragança e juntos aos autos a fls. 168 e seguintes, considerando dos autos nº 2 ao auto nº 14 de 29-12-2000 que corresponde à data mais próxima daquela em que a autora deixou de fornecer material (10-1-2001- cfr. alínea I) da matéria de facto considerada assente) aos preços de fornecimento da recorrente à recorrida dos diversos materiais que constam dos autos (e não ao preço que a recorrida revendeu aquele material), se vê que o material incorporado em tal obra, ascende a quantia muito superior ao relatado pela única testemunha da ré no processo.

10ª. Ora, deste elemento de prova que possui força probatória plena e que as instâncias deveriam ter atendido, não só pela sua força probatória, mas também por configurar prova isenta e credível, por terem sido carreados para os autos por terceiro, a Câmara Municipal de Bragança, e por terem sido elaborados antes do surgimento do litígio entre autora e ré, muito claramente se verifica que o somatório dos totais dos materiais fornecidos pela autora que a ré incorporou na obra de Bragança ascende de 158.472.392$00 + IVA à taxa de 17%, ou seja, corresponde à quantia global de 185.412.608$00, motivos pelos quais a resposta ao quesito 39º deve ser alterada para tal valor, atendendo a que os referidos autos possuem força probatória plena nos termos do artigo 371º nº 1 do Código Civil, e tendo sido objecto de confissão tácita pelas partes, não devia a prova testemunhal referida ser considerada superior aos mesmos, pelo que verificou-se erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por ofensa do disposto nos artigos 363º nº 2 e 371º nº 1 ambos do Código Civil.

11ª. Parecendo pacífico o que daqueles documentos consta acerca de materiais, cuja identidade é total, relativamente aos expressos na aludidas encomendas, já quanto ao preço pelo qual a recorrente os forneceu à recorrida nenhuma dúvida é legítima, porque os respectivos preços resultam amplamente dos autos, não se podendo aceitar, por isso, que o douto Acórdão recorrido diga que não é seguro o que resulta daqueles autos relativamente aos materiais fornecidos pela autora e relativamente aos preços dos mesmos.

12º. De resto, se o douto Acórdão recorrido não percebia o que consta daqueles autos de medição, elemento de prova seguro e credível e com força probatória plena, quanto aos preços ou quanto ao tipo de materiais, sempre teria feito melhor justiça em mandar averiguar de forma a desfazer eventuais dúvidas, em busca da verdade material, do que decidir a insustentável e absolutamente injusta decisão de transformar o credor em devedor e condená-lo a pagar a quantia de 20.593.203$00.

13º. E não nos parecendo esta a melhor Justiça, deverá a resposta ao quesito 39º ser alterada em conformidade, nos termos do disposto nos artigos 722º nº 2 e 729º ambos do Código de Processo Civil, por violação do disposto nos artigos 363º nº 2 e 371º nº 1 ambos do Código Civil, até porque os citados autos de medição, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida.

14ª. Por outro lado, o disposto no artigo 261º do Código Civil não é aplicável ao caso sub judice, e, por isso, a decisão de anular o contrato dos autos, salvo o devido respeito, não traduz a aplicação correcta do Direito aos factos que vêm dados como provados pelas instâncias.

15º. Com efeito, o disposto no artigo 261º do Código Civil, pressupõe, como condição para a sua aplicabilidade, que determinado negócio seja celebrado pela mesma pessoa seja directamente seja em representação de outra pessoa.

16º. Ora, as instâncias nada apuraram acerca da pessoa que representou a autora no contrato dos autos, conforme se constata da matéria de facto considerada provada.

17º. Para além disso resulta dos autos que a Administração da autora é "constituída por um Conselho de Administração composto por três ou cinco membros, os quais podem ser ou não accionistas." - Cfr.- Ap 02/990702 da referida certidão da Conservatória do Registo Comercial, constando da mesma que na data da celebração do negócio o Conselho de Administração era composto por três membros de que efectivamente era presidente o Sr. Eng. AA e que não bastaria apenas a intervenção de uma única pessoa como forma da sociedade se obrigar.

18º. De toda a factualidade considerada como provada, bem como da não provada, verifica-se que não foi considerado relevante apurar quem representou a autora no contrato dos autos, já que toda a matéria de facto provada é totalmente omissa relativamente a essa matéria.

19º. Por isso, não se compreende, nem se pode aceitar que as instâncias tenham concluído que foi o Eng. AA quem celebrou o contrato representando ambas as sociedades, pois não há um único facto dos considerados provados, do qual seja licito retirar tal conclusão, e, por isso, não podiam as instâncias anular o contrato a que os autos se referem, já que não se tendo apurado nada acerca da representação da autora, aqui recorrente, no contrato dos autos, carece de sentido a conclusão da dupla representação de recorrente e recorrida naquele contrato, conforme concluíram as instâncias, razão suficiente para não se poder aplicar o regime do negócio consigo mesmo e, consequentemente, o disposto no citado artigo 261º do Código Civil.

20ª. Mas ainda que assim não viesse a ser entendido, a verdade é que quem representou a ré, nunca teria sido o Eng. AA, mas sim o Eng. BB, limitando-se aquele a dar instruções para a assinatura das notas de encomenda juntas aos autos (cfr. resposta ao quesito 4º), e que não configura qualquer representação da ré, pelo que sempre faltaria por completo o requisito de aplicabilidade do artigo 261º do Código Civil, já que no caso dos autos nunca teria havido a dupla representação que o douto Acórdão recorrido pretende, e que erradamente serviu de fundamento para anular o contrato dos autos, certo como é que a ré não poderia deixar de se encontrar representada pelo Eng. BB e não pelo Eng. AA.

21ª. E ainda que assim não se entendesse, a verdade é que o artigo 261º do Código Civil dispõe que é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, pressupondo que o negócio se repercuta na esfera própria do representante, o que nunca aconteceria no caso dos autos, pois, ainda que se entendesse que teria sido o mesmo representante de autora e ré e que em nome delas celebrou o negócio, tal circunstância nunca permitiria que o negócio dos autos se repercutisse na esfera jurídica do representante, mas apenas na esfera jurídica das representadas.

22ª. É que a autora e a ré, têm personalidades próprias que não se confundem, nem se podem confundir da distinta personalidade do representante-administrador, já que as relações jurídicas em causa nos autos, respeitam sempre a entidades com personalidades jurídicas autónomas e distintas, quer entre si, quer em relação ao administrador comum, não existindo fundamento para a proibição do negócio a que se referem os autos, nos termos do disposto no artigo 261º do Código Civil.

23ª. De resto, tal proibição apenas teria sentido se verificado o prejuízo do negócio para a ré, o que não foi de todo demonstrado, como também não se vislumbra qual o interesse que prevaleceu fosse ele do pseudo representante comum, fosse ele da representada autora.

24ª. Ao decidir aplicar ao caso dos autos o disposto no artigo 261º do Código Civil, a douta sentença e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em crise confundiram as personalidades jurídicas das representadas com a do representante - administrador, que são distintas e a decisão de anular o contrato dos autos, viola o disposto no artigo 261º do Código Civil, pelo que deve ser revogadas e a ré condenada a cumprir o contrato, e consequentemente condenada parcialmente no pedido e a autora absolvida da reconvenção.

25ª. O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, sendo nulo nos termos do artigo 668º nº 1 al. d) aplicável por força do disposto no artigo 716º nº1 todos do mesmo diploma legal, violando ainda, o disposto nos artigos 363º nº 2 e 371º nº 1, e 261º nº 1 do Código Civil."

j) Contra-alegou a ré, a confirmação do julgado sustentando.
K) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Eis como se configura a materialidade fáctica dada como assente no acórdão impugnado, doravante tão só designado por "decisão":
1 - A Autora dedica-se à exploração, transformação e comercialização de rochas ornamentais e cantarias;
2 - A Ré subscreveu os documentos com cópias inclusas de fls. 28 a 34, acordando o fornecimento pela Autora de materiais dos ali descritos, aceite por esta;
3 - Autora e Ré acordaram que a primeira deveria disponibilizar espaço para armazenamento ao ar livre dos materiais vendidos já prontos, independentemente destes vieram a ser transportados de imediato ou não para a obra onde iriam ser aplicados;
4 - E que o transporte das instalações da Autora seria a cargo da Ré, em camião seu;
5 - Bem como que o fornecimento deveria ser feito, no prazo de 12 meses, de forma a não comprometer a normal evolução da empreitada onde iriam ser incorporados os materiais;
6 - No âmbito desse acordo, a Autora entregou à Ré materiais dos referidos no Ponto 1 supra, destinados a aplicação pela última na obra nº 14 do projecto de urbanismo da Câmara Municipal de Bragança;
7 - Autora e Ré acordaram que o pagamento seria efectuado pela segunda trinta dias após a data da emissão da factura correspondente;
8- A Autora solicitou à Ré o pagamento dos materiais entregues;
9 - A constituição e estatutos da Autora estão inscritos na Conservatória do Registo Comercial de Amarante, nos termos que constam da certidão de fls. 70 a 84 e de fls. 675 a 677;
10 - O Eng. AA, legal representante da Autora, foi sócio e gerente da Ré, nos termos que constam da certidão do registo comercial a esta respeitante, inclusa a fls. 63 a 69 e de fls. 651 a 657;
11 - Em 10.1.2001 a Autora proibiu a Ré de proceder a carregamentos de materiais por si fabricados;
12 - A Ré enviou à Autora a carta com cópia inclusa a fls. 61 e 62, onde afirmou, além do mais, 'que caso não nos sejam efectuados mais fornecimentos, teremos que dar o contrato por definitivamente incumprido pela vossa parte';
13 - No dia 22.1.2001 a Autora recusou o acesso do camião que a Ré fez deslocar às suas instalações para carregamento de material destinado à obra de Bragança.

14 - A Autora entregou à Ré os materiais constantes das facturas com cópias inclusas de fls. 8 a 24, 26 e 27, com as correcções que resultarem das respostas a ser dadas aos restantes artigos da base instrutória (resp. ques.1);
15 - As facturas que constam com cópias inclusas de fls. 8 a 24, 26 e 27, importam aritmeticamente na quantia total de 21.819.576$00 (resp. ques. 2);
16 - Os materiais indicados nessas facturas, com excepção daqueles que forem objecto de correcções como referido no Ponto 1 supra, foram levantados e transportados pela Ré das instalações da Autora e depois aplicados na obra identificada no Ponto 6 supra (resp. ques. 3);
17 - Os acordos referidos nos Pontos 2 a 6 foram subscritos, da parte da Ré, pelo Eng. BB, segundo instruções do Eng. AA (resp. ques. 4);
18 - As condições deles constantes não foram aceites pelos demais gerentes da Ré que das mesmas não tinham conhecimento (resp. ques. 5);
19 - O Engenheiro AA sabia que a Ré apenas se obrigava com a assinatura de pelo menos dois gerentes;
20 - E que os demais gerentes da Ré jamais aceitariam qualquer acordo que esta celebrasse com a Autora e em que esta facturasse materiais não levantados pela Ré ( resp. ques. 7);
21 - A partir de Janeiro de 2000, a Autora foi facturando e recebendo da Ré pagamentos referentes a quantidades de materiais ainda não levantados pela Ré;
22 - Em finais de Junho de 2000, o material fornecido pela Autora e levantado pela Ré era de 76.687.498$00 (resp. ques. 9);
23 - E o valor já pago pela Ré, por conta dos fornecimentos de materiais, era de 171.721.855$00, com IVA incluído;
24 - Desses, 59.245.644$00 foram liquidados com cheques datados de 5.5.2000 a 27.6.2000, sendo que o Eng. AA deixou de ser gerente da Ré em 13.7.2000;
25 - Após a saída do Eng. AA da Ré, esta pretendeu, em conversações com a Autora, que esta emitisse uma nota de crédito referente ao valor pago em excesso em relação ao material efectivamente levantado pela Ré até finais de Junho de 2000 (resp. ques. 12);
26 - E que a Autora aceitasse que todos os pagamentos efectuados foram por conta dos materiais que tivessem sido já levantados pela Ré (resp. ques. 13);
27 - E pretendeu ainda a Ré que a Autora aceitasse, que a facturação desta para aquela passasse a fazer-se à medida que o levantamento e carregamento dos materiais fossem feitos pela Ré, cláusulas que a Autora não aceitou (resp. ques. 14);
28 - A factura nº 200029 acusava discrepâncias entre as quantidades facturadas e as efectivamente recebidas pela Ré de granito de 0,03m de espessura e as facturas nº 200029, 200030, 200039, 200045 e 200047 não tinham em consideração, no débito de paletes, as que entretanto foram devolvidas pela Ré até Junho de 2000 (resp. ques. 15);
29 - Excedendo o montante indicado na factura nº 200029 em 272.713$00, sem IVA, o valor de materiais recebidos pela Ré (resp. ques. 16);
30 - Por esses motivos, através da carta de 21.9.2000, com cópia inclusa a fls. 51, recebida pela Autora, a Ré devolveu-lhe as referidas facturas;
31 - A factura nº 200050 apresentava diferença entre o preço dela constante de lajeado de 3 cm e o preço acordado entre Autora e Ré para o mesmo, de 6.400$00 (resp. ques. 18);
32 - Excedendo o montante indicado em tal factura em 30.255$00 o valor dos materiais recebidos pela Ré (resp. ques. 19);
33 - Por esse motivo, através da carta de 11.10.2000, com cópia inclusa a fls. 52, recebida pela Autora, a Ré devolveu-lhe a referida factura;
34 - A Ré devolveu à Autora a factura nº 200048, através da carta de 10.11.2000, com cópia inclusa a fls. 53;
35 - A Ré devolveu à Autora as facturas nº 200023, 200025, 200027, através da carta de 10.11.2000, com cópia inclusa a fls. 54;
36 - A factura nº 200054 divergia da quantidade entregue e transportada de "lancil com comprimentos variados", que era de 12 metros lineares (resp. ques. 29);
37 - E o material fornecido correspondia a lancil de 15x13, diversamente do que consta daquela factura (resp. ques. 30);
38 - Nessa factura foi debitado o valor correspondente a 52 paletes;
39 - Excedendo o montante indicado em tal factura 23.673$00 o valor dos materiais recebidos pela Ré (resp. ques. 32);
40 - Através de carta de 29.11.2000, com cópia inclusa a fls. 55 e 56, recebida pela Autora a referida factura, com os motivos que dela constam;
41 - A factura nº 200062 divergia da quantidade de lancil entregue, que foi de 204,04m, na sequência da guia de remessa nº 216 (resp. ques. 34);
42 - Excedendo o montante indicado em tal factura em 377.645$00 o valor dos materiais recebidos pela Ré (resp. ques. 36);
43 - Através de carta de 24.12.2000, com cópia inclusa a fls. 57, a Ré devolveu à Autora a referida factura, com os motivos que dela constam;
44 - A factura nº 200079 foi emitida pela Autora apenas como concretização de uma revisão unilateral dos preços acordados, que a Ré não aceitou (resp. ques. 38);
45 - Todos os fornecimentos efectuados pela Autora à Ré e por esta efectivamente recebidos, exceptuando as facturas nºs 200072, 200076, 200077, 10001, 10003, importam na quantia de 147.923.693$00 (valor sem IVA), mais a quantia relativa a 946 paletes e bem assim a quantia relativa a todas as paletes facturadas nas facturas juntas com a petição inicial (resp. ques. 39);
46 - E a Ré entregou à Autora, para pagamento dos fornecimentos que esta lhe efectuou, a importância de 169.792.579$00 (valor com IVA), mais a importância de 1.992.276$00 relativo a 946 paletes com IVA à taxa de 17% (resp. ques. 40);
47 - A Ré devolveu à Autora 736 paletes, no valor global de 1.550.016$00 (resp. ques. 41);
48 - Como precisava de mateiral para ser aplicado na obra da Câmara Municipal de Bragança, a Ré teve de contratar com terceiros a respectiva aquisição, na mesma espécie e quantidade em falta;
49 - A Autora nunca se obrigou a emitir qualquer nota de crédito.

III. Delimitando as conclusões da alegação do recorrente o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC, diploma legal a que pertencem os normativos que se vierem a citar sem indicação de outra proveniência), face às, "in casu", formuladas pela autora, como cabido, preliminarmente, se antolha as seguintes considerações tecer:
1. Acessoriamente, pode o recurso de revista fundar-se nas nulidades do acórdão proferido pela Relação (art. 721º nº 2), hipótese em que o STJ, em primeiro lugar, chegada a altura do julgamento, lembra-se Amâncio Ferreira, "apreciará, em primeiro lugar, o fundamento acessório, ou seja, a nulidade imputada ao acórdão recorrido.
Se julgar improcedente a arguição de nulidade, conhecerá de seguida do fundamento específico do recurso de revista; a pretensa violação de norma de direito substantivo.
Se, diversamente, julgar procedente a arguição, anulará o acórdão recorrido, assumido ele próprio a sua reforma ou mandando-o baixar à Relação para que esta a ela proceda" (in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª Edição Revista, Actualizada e Ampliada", pág. 258).
Compete à Relação, em consonância com o exarado no art. 731º nº 2, ocorrida a nulidade de omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) - 1ª parte), não suprível por este Tribunal que nem sequer, em tal caso, tem de definir o direito aplicável, proceder à reforma do acórdão impugnado cfr., entre muitos outros, neste sentido, Ac. do STJ, de 16-01-96, in CJ/Acs. STJ, Ano IV-tomo I, pág. 43).
Retornando à hipótese vertente:

2. Da, nas conclusões 1ª a 4ª da alegação da revista, arguida nulidade da "decisão", por omissão de pronúncia, vício esse fruto de infracção ao dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - (cfr. Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, pág. 142):
Em sede da apelação que instalou, impugnou a autora a decisão proferida sobre a matéria de facto, insurgindo-se, "inter alia", contra as respostas que mereceram os nºs 15º e 41º da base instrutória (cfr. fls. 1128 a 1148 e conclusões 30ª a 33ª da alegação de tal recurso).
Filiou-se tal impugnação, há que dizê-lo, não só no explicitado na "decisão", a fls. 1352, mas, outrossim, em síntese, na não junção, por banda da ré, aos outros, de uma factura, sequer, "ou outro documento contabilístico relativo à devolução das paletes com a contabilização do respectivo IVA" (vide fls. 1382).
Sobre tal "causa petendi" da impugnação já noticiada, de cujo mérito substantivo não cumpre, ora, tratar, nem uma palavra, em substância, encontramos na "decisão", perfilando-se evidente, frise-se, o que se deixa assinalado face ao, v.g., "ex adverso", vazado na contra-alegação, sob os nºs 38 e 42, que quando naquela se alude a "toda a facturação junta aos autos" e "documentação (... facturas)", se está a aludir a documentos emitidos pela autora, que não pela ré!...
Nem, sublinhe-se, se trata, sequer, de "problemática que vem suficientemente explicada na motivação adiantada pelo tribunal "a quo" - cfr. fls. 1352 -.
Muito longe disso, tal inviabilizando a possibilidade de acertado uso da faculdade remissiva.
Enfim:
Mostra-se flagrante que se não conheceu, nos moldes por lei exigidos, de questão (não, assim, de meras razões - cfr. Alberto dos Reis, in obra e vol. citados, pág. 143) suscitada, no momento para tanto processualmente azado, pela autora (questão, acrescente-se, atento o prescrito no art. 660º nº 2, cuja decisão não estava prejudicada pelo em tal artigo de lei plasmado) - impugnação da decisão sobre a matéria de facto, no tocante à resposta que mereceram os já elencados nºs da base instrutória -, razão pela qual colhe a invocada nulidade, em dissecação, aquela, insiste-se, a que se reporta a 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º, preceito legal que joga, sopesado o disposto no art. 721º nº 2.

3. CONCLUSÃO:
Termos em que, por procedência da arguida nulidade da "decisão", repousante no dissecado em III. 2., em obediência ao art. 731º nº 2, se anula aquela e determina a devolução do processo ao TRP para reforma da "decisão", de harmonia com o disposto no último artigo de lei à colação chamado.

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 13 de Setembro de 2007

Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
João Bernardo