Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
272/12.8TBALJ.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RISCO
PRÉMIO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EXPLOSIVOS
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS /FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO.
DIREITO DOS SEGUROS – REGIME COMUM / ÂMBITO DE APLICAÇÃO / REGIMES ESPECIAIS / DIREITO SUBSIDIÁRIO.
Doutrina:
-José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra editora, 1999, p. 294 a 297;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral Tomo I, 1999, 478, 479 e 483;
-Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Estudos, Coimbra editora, 2009, p. 115 e ss.;
-Pedro Romano Martinez, Lei do Contrato de Seguro anotada, Almedina, 2011, p. 40 e 41.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1 E 238.º, N.º1.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG), APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 11.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO, APROVADO PELO DL N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL: - ARTIGOS 2.º, N.º1 E 4.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-11-2017, PROCESSO N.º 1150/06.0TBSTR.E1.S1.
Sumário :
I - O contrato de seguro de responsabilidade civil, não renovável, celebrado em 2005, continua a reger-se pela lei vigente à data da respectiva celebração, não só no que toca à formação - como sucede com todos os outros contratos – mas também no que toca ao seu conteúdo (cf. arts. 2º, nº1 e 4º, nº1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril);

II – Nos seguros de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição no património do segurado de uma obrigação de indemnizar terceiros;

III - Realizando-se o risco, e como contrapartida do recebimento do prémio, o segurador fica vinculado à prestação contratualmente definida, qual seja o pagamento da indemnização;

IV – Nos seguros de responsabilidade civil, o momento da verificação do sinistro está dependente do critério de delimitação temporal adotado pelas partes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação contra “BB – Companhia de Seguros, S.A.”, “Comissão de Festas do CC”, também conhecida por “Comissão de Festas em Honra de Santo António”, DD, EE, FF, GG e HH, todos membros integrantes da 2.ª ré “Comissão de Festas” e, ainda, II, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de EUR 50.000,00, acrescida do montante que se vier a liquidar posteriormente, bem como dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que:

Em 13.6.2005, o autor foi atingido pelo rebentamento de um engenho utilizado num dos espetáculos de fogo-de-artifício realizados no decurso das festas em honra de Santo António, organizadas pela 2ª ré e de que os 3º a 7ºréus eram membros.

O lançamento do fogo teve lugar nos dias 1.6.2005, à noite, e 12.6.2005, à tarde, sendo efetuado pelo réu II, tarefa de que foi incumbido pela Comissão de Festas.

Sucede que um dos engenhos foi encontrado pelo autor, no dia 13.6.2005, a cerca de 30 a 50 metros do local de lançamento do fogo.

O autor, então com 11 anos de idade, e outro colega colocaram o engenho num muro e atiçaram-lhe fogo, tendo os estilhaços provocados pelo rebentamento atingido o autor num dos olhos.

Em consequência disso, o autor ficou cego do olho direito e perdeu audição também do lado direito.

Os réus não cuidaram de vistoriar os locais de queda provável dos engenhos, tendo, desta forma, violado elementares deveres de cuidado.

Por conseguinte, devem ser solidariamente condenados a indemnizar o autor em montante que indicou na sua petição, pelos danos sofridos.

2. Todos os réus contestaram.

A ré “BB Companhia de Seguros, S.A.”, com quem a Comissão de Festas celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil, excecionou a sua ilegitimidade, alegando que o sinistro não estava coberto pelo seguro, e invocou a prescrição, defendendo que já decorreu o prazo previsto no art.º483º, do CC; mais alegou que o lançador do foguete não estava habilitado para o exercício daquela atividade, pelo que a responsabilidade da seguradora estaria excluída, nos termos clausulados no contrato; no mais, impugnou a facticidade relativa à dinâmica do acidente.

Os réus “Comissão de Festas do CC”, DD, EE, FF, GG, HH e II, impugnaram a matéria de facto alegada pelo autor e pediram a sua absolvição do pedido.

3. O autor replicou, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.  

4. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade e de prescrição.

5. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação, decidiu: 

I) Absolver os réus “BB Companhia de Seguros, S. A.”; “Comissão de Festas do CC”; DD; EE; FF; GG; e HH, de todos os pedidos formulados pelo Autor.

II) Condenar o réu II a pagar ao autor AA a quantia de EUR 18.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento, bem como a quantia de EUR 14.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da sentença e até e integral pagamento.

6. Inconformados com a sentença, dela apelaram o autor e o réu II, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão, a julgar:

I) - Improcedente o recurso interposto pelo réu II;

II) - Procedente o recurso interposto pelo autor e, assim, condenando:

- Os réus “Comissão de Festas de CC” e II a pagar, solidariamente, ao autor a quantia de EUR 50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, a contar da data da citação até integral pagamento, e, solidariamente com a ré “Comissão de Festas de CC”, os réus que a compunham, DD, EE, FF, GG e HH.

- Solidariamente com a mesma ré, também a ré Companhia de Seguros “BB Insurance Polc Sucursal em Portugal”, até ao montante do capital seguro, no valor de € 50.000,00.

7. Inconformada com o decidido pelo Tribunal da Relação, veio, então, a ré seguradora interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas suas alegações, em conclusão, disse:

1 - Tendo por base os factos doutamente julgados provados, na 1ª Instância o Tribunal absolveu a aqui recorrente com o fundamento de que o contrato de seguro se encontrava caducado à data da ocorrência do sinistro, ou seja que o evento lesivo ocorreu fora do período de validade/vigência do contrato de seguro.

2 - O contrato de seguro celebrado refere no n° l do capítulo 016 das condições especiais que "por esta condição especial e de harmonia com o disposto nas condições gerais, o presente contrato garante as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado na sua qualidade de responsável pelo lançamento de fogo de artificio, foguetes, morteiros e fogo preso", e no n° 3 do mesmo capitulo 016 titulado por "fogo-de-artifício, que "sem prejuízo do disposto no n° l do artigo 9° das condições gerais da apólice, a responsabilidade da seguradora fica limitada ao capital fixado nas condições particulares seja qual for o número de pessoas ou coisas lesadas por um ou mais sinistros ocorridos durante o período de validade da apólice'' (sublinhado a negrito nosso).

3 - Esta disposição contratual refere claramente sinistros ocorridos durante o período de validade da apólice, e o período de validade foi clara e contratualmente estabelecido e balizado nos dias 11 e 12 de Junho de 2005, cessando às 24HOO do dia 12/06/2005.

4 - O exemplo expresso pelo Tribunal recorrido na 2ª Instância Recorrida, de que ninguém entenderia que o seguro não cobrisse os danos decorrentes por exemplo de um "incêndio provocado por um dos foguetes, lançado às 23H45 do dia 12/06/2005 só porque (m) as chamas irromperam (porque uns restos ainda ardentes incandesceram por ação do vento e pegaram fogo à vegetação) quando já passava das 24HOO desse dia ", determina que se pergunte se não seria um absurdo e um abuso, que viesse a entender-se que a aqui recorrente seria igualmente responsável por este mesmo sinistro, se ele ocorresse meio ano, um, ou dois anos depois do lançamento do fogo-de-artifício. Em sede de contratos de seguro vigora o princípio da liberdade contratual das partes contratantes, tendo carater supletivo o DL 72/2008 de 16/04, valendo pelo que neles é exarado e acordado, não sendo permitidas extensões ou encurtamentos do clausulado, sendo que, o contrato de seguro caduca em termos gerais, nomeadamente no termo do período de vigência estipulado nos termos do art.º 109 deste diploma.

5 - Para que o contrato de seguro em causa operasse os seus efeitos após a sua caducidade, teria que conter disposições que tal estatuíssem, ou seja que contivesse a eficácia de deveres contratuais depois do termo do vínculo, e, no caso sub judice, não existia nenhuma disposição que estatuísse que o dever de segurar se prolongaria para lá do termo do contrato.

6 - Nos termos do disposto no art.º 406º, do C. Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo ser modificados por mútuo consentimento dos contraentes.

7 - O contrato vale pelo que dele consta, e não pelo que dele não consta, constituindo uma ilegitimidade concluir-se pela responsabilização da seguradora quando o contrato já não produzia quaisquer efeitos diretos ou indiretos, imediatos ou consequenciais.

8 - Foram violados entre outros, o disposto no art.º 406º do C. Civil, e nos arts 105º, 106º e 109º, do DL 72/2008 de 16/04.

8. Nas contra-alegações, o autor pugnou pela improcedência do recurso.

9. Cumpre apreciar e decidir a única questão suscitada nas conclusões da revista, consistente em saber se, tendo o evento danoso que vitimou o autor ocorrido no dia 13.6.2005, o mesmo se encontra abrangido pela cobertura do seguro.


***

II – Fundamentação de facto


10. Está provado que:

a) O autor nasceu no dia .... de 1993, [...], conforme certidão de nascimento de fls. 131, cujo teor se dá por fiel e integralmente reproduzido.
b) No ano de 2005 a segunda ré, Comissão de Festas do CC, realizou uma festa em honra de Santo António.
c) Os réus DD, EE, FF, GG e HH, no ano de 2005, faziam parte, dessa Comissão de Festas.
d) Por documento escrito designado de “Termo de Responsabilidade”, “Aos 10 dias do mês de Junho de 2005, nesta vila de .... e Posto da GNR, perante mim, JJ, Ajudante de Infantaria 18/840366, Comandante do Posto, compareceu como outorgante DD, [...] a quem foi deferido Licença para o lançamento de 4kg dúzias de foguetes, no Lugar de CC, nos dias 11 e 12/6/2005 e declarou responsabilizar-se por todas as perdas e danos que o lançamento dos mesmos possa causar.”, conforme documento junto a fls. 10, cujo teor se dá por fiel e integralmente reproduzido.
e) Por documento escrito emitido pela Guarda Nacional Republicana e designado de “Licença para lançamento ou queima de fogo-de-artifício nº 03/2005” foi por aquela entidade declarado que “Nos termos do artigo 38º do Regulamento Sobre o Fabrico, Armazém, Comércio e emprego de Produtos Explosivos aprovado pelo Decreto-Lei nº 376/84 de 30 de Novembro, concedo licença ao Senhor DD, de [...] para, com completa observância das disposições em vigor, lançar ou queimar 4 kg de explosivos no lugar de CC, freguesia de ..., concelho de ..., na festa de ..., nos dias 11 e 12/6/2005. Alijó, 10 de Junho de 2005”, conforme documento junto a fls. 10 verso, cujo teor aqui se da por fiel e integralmente reproduzido.
f) Pelo Ministério da Administração Interna, Polícia de Segurança Pública, Direção Nacional, Departamento de Armas e Explosivos foi emitido um documento escrito designado de “Credencial nº 268”, com validade até “16 de Jul. 2005”, nos termos do qual “A- Fábrica / Oficina de Pirotecnia, nome II, morada [...], A PROCEDER AO LANÇAMENTO DE FOGUETES OU À QUEIMA DE QUAISQUER OUTROS Fogos-de-artifício”, conforme documento junto a fls. 114, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
g) Entre a primeira ré, BB – Companhia de Seguros, SA, e a segunda ré, Comissão de Festas de CC, celebrou-se um acordo, titulado pela apólice nº ..., segundo o qual ficava transferido para a primeira a indemnização por danos decorrentes da responsabilidade civil geral por “fogo-de-artifício”, tendo como “data de início 00:00hrs de 11/6/2005” e “Renovação/Termo em: 00:00 hrs de 12/6/2005” e como “riscos cobertos” e “cobertura base” “valores limite em EURO 50.000,00”, conforme documento junto a fls. 59 cujo teor se dá por fiel e integralmente reproduzido.
h) Encontra-se junto aos autos um documento designado de “responsabilidade civil geral, condições gerais”, nos termos do qual, de entre o mais, dispõe que:
“(...) 016 Fogo de Artifício
1. Objeto do Contrato
Por esta condição especial e de harmonia com o disposto nas Condições Gerais, o presente contrato garante, as indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao Segurado na sua qualidade de responsável pelo lançamento de fogo-de-artifício foguetes, morteiros e fogo preso.
2. Exclusões
Além das exclusões contidas nas Condições Gerais ficam excluídos os danos: (...) c) Resultantes do não cumprimento das disposições em vigor para o exercício da atividade. (...)”, conforme documento junto a fls. 60 a 78, cujo teor se dá por fiel e integralmente reproduzido.
i) Nos dias 11 e 12 de Junho de 2005, no ..., Lugar do CC, vila de ..., o 8º réu, II, lançou fogo-de-artifício no âmbito das festas referidas em b).
j) A pedido da 2ª ré, Comissão de Festas.
l) Através do 3º réu DD.
m) No dia 13 de Junho de 2005, LL encontrou um engenho explosivo na zona de intersecção da ... com a .... na vila de .....
n) A uma distância entre 70 a 80 metros do local mencionado em i).
o) E durante a tarde do dia 13 de Junho de 2005 o autor, o referido LL e MM colocaram o engenho, referido em m), num muro existente nas redondezas.
p) E chegaram-lhe fogo.
r) Rebentando-o.
s) Vindo o autor a ser atingido por um estilhaço no olho direito, na perna direita, e no braço direito.
t) Ficando naquele momento com perda de audição do ouvido direito.
u) E cego da vista direita.
v)) Tendo sido, nessa sequência, transportado para o Centro de Saúde de ... onde deu entrada pelas 17 horas.
w) E daí transferido para o Centro Hospitalar de ....
x) E daí para o Hospital ... onde deu entrada às 21 horas.
y) Sendo, de seguida, transferido para o Hospital ....
z) Aí tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica de sutura de perfuração córnea escleral de 2 centímetros no dia 14/6/2005.
aa) E no dia 16/6/2005 a outra intervenção cirúrgica de vitrectomia.
ab) No dia 4/11/2005 foi submetido novamente a uma intervenção cirúrgica de aplicação de retina.
ac) No dia 10/10/2006 foi submetido a uma nova intervenção cirúrgica para extração do silicone.

ae) Em consequência do referido em s), o autor perdeu capacidade de visão do olho direito.
af) Ficou permanentemente incapaz de distinguir formas, pessoas, distâncias e cores do olho direito
ag) Conseguindo apenas distinguir tons de luz e negro.
ah) Ficou totalmente incapaz de estudar, frequentar aulas, brincar com os amigos até 13/7/2005.
ai) O que até aí fazia normalmente.
aj) Atualmente e ainda em consequência do referido em s) o autor lê com dificuldade.
al) Em virtude do referido em ae), af), ag) e ak), o autor vê prejudicada a sua capacidade de estudo.
am) E, bem assim, de trabalho.
an) No decurso dos tratamentos referidos em v) a ad) o autor sofreu angústias.
ao) E transtornos no seu conforto pessoal, bem-estar, educação e quotidiano.
ap) Em consequência do facto referido em s), ainda hoje o autor continua a padecer de tensões oculares na vista direita.
aq) E infeções constantes.
ar) E, bem assim, lacrimejos, dores e incomodidades.
as) Os factos referidos em ae), e af), perdurarão pela vida do autor.
at) O engenho explosivo referido em m) e s) foi um dos utilizados no fogo-de-artifício referido em i).
au) Que caiu ao chão após o lançamento sem ter rebentado.
av) Logo após o lançamento do fogo-de-artifício referido em i), o espaço destinado ao lançamento do fogo-de-artifício e as imediações, foram vistoriados pelo oitavo réu, II, e por um seu funcionário.
aw) O lançamento referido em i) foi feito dentro de uma área delimitada e vedada com fita sinalizadora, com diâmetro não inferior a 50 metros.
ax) Dentro da qual circulava apenas o 8.º réu, II.
ay) O material utilizado nos lançamentos referidos em i) foi transportado e mantido em veículo adequado pertencente ao 8.º réu, II.
az) Tendo sido lançado em cada um dos dias todo o fogo-de-artifício levado para o local.
ba) Logo após o lançamento do fogo-de-artifício referido em i), o espaço destinado ao lançamento do fogo-de-artifício e as imediações foram vistoriados pelos bombeiros de ....
bb) Que estiveram presentes durante os lançamentos de fogo-de-artifício.
bc) No fogo-de-artifício referido em i) foram lançadas somente balonas.
bd) O documento referido em h) corresponde ao clausulado aplicável ao acordo referido em g) e em vigor em Junho de 2005.





11. As instâncias consideraram não provado que:

1) Por força da explosão da balona o autor perdeu a capacidade de audição do ouvido direito.
2) Os factos referidos em ai) perdurarão pela vida do autor.

4) – eliminado [7]
5) E que visam a recuperação da visão do autor.
6) Mas também evitar contaminação infeciosa da sua vista esquerda.
7) Os dias 11 e 12 de Junho de 2005 foram ventosos.
8) DD, EE, FF, GG e HH certificaram-se do facto descrito em av).
9) Os engenhos descritos em bc) não sofrem influência dos ventos que se fazem sentir.
10) E explodem necessariamente uma vez lançados.
11) E foram lançados na vertical.
12) E cujos invólucros caíram na vertical.
13) A uma distância não superior a 20 metros do ponto de lançamento.
14) No local referido em m) existiam outros restos de rebentamento de outros explosivos.
15) A verificação dos factos descritos em av) e ba) incluem o lugar referido em m).


***

III – Fundamentação de direito

12. Neste recurso apenas se discute se, por força do contrato de seguro de responsabilidade civil (geral) celebrado com a “Comissão de Festas de CC”, a ré BB Insurance PLC é (solidariamente) responsável pela obrigação de indemnizar o autor pelos danos por ele sofridos, em 13.6.2005, em consequência do rebentamento de um engenho explosivo, lançado num dos dias 11 e 12 de Junho de 2005.

A 1ª instância entendeu que o evento lesivo ocorreu após o termo do contrato e absolveu a ré do pedido. O Tribunal da Relação de Guimarães, contudo, entendeu diversamente e condenou a ré seguradora. Daí o presente recurso.

Vejamos, pois.

O contrato de seguro em causa nestes autos foi celebrado em data anterior a 1 de janeiro de 2009. Sendo assim, importa começar por precisar qual o regime jurídico que lhe é aplicável, uma vez que, entretanto, entrou em vigor (precisamente em 1.1.2009) o DL nº 72/2008, de 16 de Abril que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS).

Aquele diploma contém um conjunto de normas de direito transitório formal que regulam a questão da sucessão dos regimes legais que disciplinam o contrato de seguro, nas suas diferentes modalidades.

Para os contratos como o dos autos (seguro de danos, não renovável), o legislador consagrou o princípio de que continuam a reger-se pela lei vigente à data da respectiva celebração, não só no que toca à formação - como sucede com todos os outros contratos – mas também no que toca ao seu conteúdo (cf. arts. 2º, nº1 e 4º, nº1, do diploma preambular).

Reconhecendo que a vigência destes contratos estará razoavelmente limitada no tempo, a solução legal deu primazia à tutela da autonomia da vontade, que é, como se sabe, o princípio nuclear do regime contratual português (cf. art.405º, do CC).

No caso em apreço, é, portanto, aplicável o regime jurídico em vigor à data da conclusão do contrato, constituído no essencial pelas correspondentes disposições do Código Comercial e de legislação avulsa, designadamente o DL nº 94-B/98, de 17 de Abril que aprovou o Regime Geral da Atividade Seguradora.

Ora bem.

O Código Comercial preceituava, no seu art. 427º, que: “o contrato de seguro regular-se-á pelas disposições da respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste código”.

Como decorria do art. 426º, do Cód.Com, o contrato de seguro era um negócio rigorosamente formal: reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice, a qual devia incluir determinadas menções ali enunciadas, bem como as condições especiais e particulares acordadas pelas partes.

O Código Comercial não continha, no entanto, uma disciplina própria do seguro de responsabilidade civil. Esta modalidade de seguro veio, porém, a ser incluída no art. 123º, do DL nº 94-B/98, de 17 de Abril que expressamente previa o ramo «responsabilidade civil geral», como categoria residual de entre uma outra, mais ampla, que abrangia todos os outros seguros de responsabilidade civil.

Nos seguros de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco[8] de constituição no património do segurado de uma obrigação de indemnizar terceiros, o que justifica o entendimento de que se está perante um seguro de danos.

Em termos amplos, realizando-se o risco, e como contrapartida do recebimento do prémio, o segurador fica vinculado à prestação contratualmente definida, qual seja o pagamento da indemnização.

A obrigação típica do segurador é, portanto, a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado ao risco convencionado.

Efetivamente, ao contrário do que sucede com a generalidade dos outros seguros de danos, em que a cobertura é temporalmente delimitada pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante a vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil, em tese geral, admitem-se as seguintes hipóteses:

i) Consideram-se sinistros as reclamações efetuadas durante a vigência do contrato, independentemente do momento em que tenha sido praticado o respectivo facto gerador ou verificado o dano;

ii) Consideram-se sinistros os danos ou reclamações, ainda que verificados após a cessação da vigência do contrato, desde que o respectivo facto gerador tenha ocorrido durante a sua vigência;

No silêncio da lei vigente à data da celebração do contrato, tudo dependerá do que tiver sido clausulado pelas partes.

Contudo, a interpretação do contrato de seguro, designadamente por utilizar terminologia acentuadamente técnica, regulamentação detalhada do seu conteúdo e falta de clareza de muitas das suas cláusulas, suscita muitas vezes problemas interpretativos.

Ou seja:

O sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, suposto como sendo uma pessoa mediamente sagaz e diligente.

In casu, porque estamos perante um negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso – art. 238º, CC.

Aproximemo-nos, então, de novo, do caso sub judice.

Vem provado que entre a ré BB – Companhia de Seguros, SA, e a ré “Comissão de Festas de CC” foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil geral destinado a garantir “as indemnizações que legalmente sejam exigidas ao segurado, na sua qualidade de responsável pelo lançamento de fogo-de-artifício, foguetes, morteiros e fogo preso” (cf. cláusula 016, das condições especiais e particulares).

Nas Condições Gerais da apólice, a definição de «sinistro» é a seguinte: «evento ou série de eventos resultantes de uma mesma causa susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato«.

Por outro lado, no art. 2º, das Condições Gerais estabelece-se que “o presente contrato tem por objeto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da Lei Civil, seja imputável ao segurado enquanto na qualidade ou no exercício da atividade expressamente referida nas respetivas Condições Gerais e Particulares”
A apólice enuncia ainda «o tempo em que começam e acabam os riscos», como exigido pelo § único nº 5, do art. 426º, do Cód. Com., fixando a data de início do contrato às “00:00 de 11/6/2005” e a sua renovação/termo às “00:00 de 12/6/2005”.

Ora bem.

O evento danoso que vitimou o autor ocorreu no dia 13.6.2005, embora na sequência do anterior lançamento de fogo-de-artifício, nos antecedentes dias 11 e 12 de Junho de 2005 (v. factos provados nas alíneas i), m) a u), at) e au)).

No acórdão recorrido defendeu-se que, «estabelecido, que ficou, o nexo de causalidade entre os referidos lançamentos e o evento lesivo”, ter-se-á de concluir que os danos decorreram daqueles lançamentos, já que o processo causal não se interrompeu.

E que, tendo os danos sofridos pelo autor, no dia 13.6.2005, sido causados por factos (e omissões) que tiveram lugar no período de cobertura dos riscos contratados (isto é, nos dias 11 e 12 de Junho de 2005), se impunha concluir que «estão abrangidos os danos (todos os danos) decorrentes “dos lançamentos de fogo-de-artifício, foguetes, morteiros e fogo preso” que iam ocorrer nos dias 11 e 12 de Junho de 2005”».

Cremos que se decidiu acertadamente.
Na verdade, atenta a factualidade provada, o facto gerador da responsabilidade civil reside no lançamento do engenho, a mando da segurada, num dos dias 11 e 12 de Junho de 2005 (logo, durante a durante a vigência do contrato), engenho que veio a cair por terra sem ter deflagrado (por erro técnico ou defeito de fabrico) e sem que tivesse sido imediatamente removido do local em que caiu (por negligência ou imperícia).

Ora, constituindo os danos causados a terceiros o risco típico do seguro de responsabilidade civil, não se vislumbra – nada tendo sido convencionado em contrário – como desonerar a seguradora da obrigação contratualmente assumida de indemnizar o dano sofrido pelo autor (terceiro, cujos interesses são garantidos pelo seguro), no dia 13.6.2005 (ou seja, no dia seguinte ao do lançamento do engenho pirotécnico), o qual teve incontestavelmente lugar no âmbito da esfera do perigo criado pelo aludido lançamento do engenho explosivo.

É este, aliás, o sentido normativo extraído da declaração negocial (cf. arts. 236º, nº1 e 238º, nº1, do CC) se tivermos em conta, como instrumentos interpretativos, a natureza e o objeto do seguro, o teor das suas cláusulas contratuais, o seu contexto, a sua finalidade e o seu efeito útil, bem como o princípio geral consagrado no art. 11º, do DL nº 446/85 (LCCG), segundo o qual, existindo dúvidas quanto ao entendimento do destinatário[14], prevalece o sentido mais favorável ao aderente/segurado, e que se funda na autorresponsabilidade do declarante e na proteção do destinatário, uma e outra assentes na boa-fé, em sentido objetivo.
Improcede, pois, o recurso.

***

13. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar integralmente o acórdão recorrido.


Custas pela recorrente.



Lisboa, 6 de Dezembro de 2017



(Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)

(José Sousa Lameira)

(Hélder Almeida)


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[1] Cf. fls. 563, dos autos.
[2] Facto aditado pela Relação -  cf. fls. 563, dos autos.
[3] Facto aditado pela Relação -  cf. fls. 563, dos autos. 
[4] Facto aditado pela Relação -  cf. fls. 563, dos autos. 
[5] Facto aditado pela Relação -  cf. fls. 563, dos autos. 
[6] Este ponto da matéria de facto com a seguinte redação: “os factos descrito em ap) a ar) obrigam a que o autor se continue a sujeitar a tratamentos médicos frequentes” foi eliminado pela Relação -  cf. fls. 563, dos autos.
[7]   Este ponto da matéria de facto com a seguinte redação “Tratamentos que  perdurarão pelo resto da sua vida” foi eliminado pela Relação -  cf. fls. 563, dos autos.
[8] Definindo-se o risco como evento futuro e incerto, cuja materialização constitui o sinistro.
[9] Pedro Romano Martinez, Lei do Contrato de Seguro anotada, art. 1º, Almedina, 2011, págs. 40 e 41.
[10] A lei vigente à data da conclusão do contrato dos autos era omissa nesta matéria, sendo a matéria normalmente regulada pelas partes no contrato; atualmente, porém, o RJCS aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril dedica ao tema, entre outros, o art. 139º, sob a epígrafe «período de cobertura».
[11] A este respeito, cf. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra editora, 1999, págs. 294 -297.
[12] Cf., entre outros, o recente acórdão proferido em 30.11.2017, no processo 1150/06.0TBSTR.E1.S1, relatado pela Exma Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira.
[13] Sobre esta temática, cf. também Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Estudos, Coimbra editora, 2009, págs. 115 e ss.
[14] Entendido como o tomador normal ou médio, sem conhecimentos jurídicos especiais que lê e aprecia razoavelmente as cláusulas contratuais. A este respeito, importa ainda ter presente o ensinamento de Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral Tomo I, 1999, págs. 478, 479 e 483) quando afirma que “a doutrina atual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente objetivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um comportamento significativo.” Acrescenta ainda o mesmo autor que a autonomia privada “(...) tem de ser temperada com o princípio da tutela da confiança...”, que não se opõe à autonomia privada, antes a delimita, e que a própria interpretação não pode deixar de atender à boa-fé, ou seja, aos valores fundamentais do ordenamento jurídico que aí se jogam.[13]É jurisprudência assente deste Supremo Tribunal de Justiça que a interpretação de declarações negociais só constitui matéria de direito quando o sentido da declaração deva ser determinado segundo o critério do nº1, do art. 236º ou surja a questão de saber se foi respeitado o art. 238º, do CC.[12]iii) Consideram-se sinistros os danos ocorridos durante a vigência do contrato, independentemente do momento da verificação do facto gerador ou da reclamação.[11]No que se refere ao sinistro, o momento da sua verificação é da maior importância para aferir da respectiva cobertura pelo contrato, apresentando-se algo problemática nos seguros de responsabilidade civil, por depender do critério de delimitação temporal adotado.[10]Com isto não se nega realidade ou relevância jurídica à cobertura, que consiste na sujeição do segurador, durante um certo período, ao possível surgimento da sua obrigação. A cobertura é uma atribuição que se realiza por mero efeito do contrato e, nessa medida, não é uma obrigação nem conteúdo de uma obrigação, e muito menos, se confunde com a obrigação típica do segurador.”[9]3) – eliminado [6]bh) As sequelas afetam a imagem do Autor, provocando-lhe um dano estético permanente de grau 3, numa escala até 7.[5]bg) A natureza, localização e gravidade das lesões permitem fixar o quantum doloris no grau 5, numa escala até 7.[4]bf) As sequelas que resultaram das lesões sofridas pelo Autor determinam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 44,14%, correspondentes na atual TNI a 25 pontos. Ainda que sendo compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicam esforços suplementares.[3]be) As tensões oculares, infeções e lacrimejos referidos em ap); aq) e ar) obrigam o Autor a sujeitar-se a tratamentos médicos de oftalmologia regulares, durante toda a vida.[2]ad) As lesões resultantes do facto referido em s) demandaram um período de 3.002 dias de doença, sendo os primeiros 516 com um défice funcional total e os restantes 2.486 com um défice funcional parcial. [1]