Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1990/07.8TBAGD.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CESSÃO DE QUOTAS
AUTORIZAÇÃO DA SOCIEDADE
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
CONSENTIMENTO TÁCITO
FACTO SUPERVENIENTE
PARTICIPAÇÃO DO CESSIONÁRIO EM DELIBERAÇÃO SOCIAL
VENDA DE BENS ALHEIOS
INVOCAÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 12/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES POR QUOTAS / DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS / TRANSMISSÃO DA QUOTA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, p.624.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 286.º, 892.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 59.º, 230.º, N.ºS 4 E 6.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 588.º, 611.º, 621.º.
Sumário :
1. A sentença, proferida em determinada acção e que decreta a ineficácia (mas não a nulidade) de determinado negócio de cessão de quota social e das posteriores divisão da quota e nova cessão a favor dos filhos do cessionário, anulando ainda a deliberação social, na parte em que poderia entender-se como legitimadora das ditas transmissões, não tem o alcance de inviabilizar de todo, no futuro, a ocorrência superveniente de uma possível e hipotética autorização (expressa ou tácita) quanto ao negócio de cessão, originariamente não consentido pela sociedade: é que a falta de autorização quanto à transmissão da quota não origina um vício ou deficiência congénito no negócio de cessão (que é válido e eficaz no domínio das relações internas entre cedente e cessionário), funcionando antes – e apenas – como condição de eficácia relativa ou oponibilidade à sociedade, nada obstando a que tal condição - exterior ao plano da validade intrínseca do  acto - possa vir a verificar-se no futuro e a ser reconhecida em novas acções, objectivamente diversas da inicialmente julgada.

2. Na verdade, como decorre do preceituado no art. 621º do CPC acerca do alcance do caso julgado, a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição ou por não ter sido praticado determinado facto juridicamente relevante, nada obsta a que o pedido se renove precisamente com fundamento na superveniente verificação da condição ou na prática do facto.

3. Por outro lado- e como resulta do estatuído no art. 611º do CPC , com relevo para a  definição dos limites temporais do caso julgado, a situação de facto subjacente ao litígio tem-se por cristalizada no momento do encerramento da discussão em 1ª instância – não podendo, consequentemente, ser invocados em novas e futuras acções quaisquer factos essenciais, ainda que supervenientes à propositura da acção, que a parte interessada tinha o ónus de carrear para o processo através da dedução de articulado superveniente: ou seja, tais factos, se não foram processualmente adquiridos através da figura do articulado superveniente, estão irremediavelmente precludidos, não podendo a sua futura invocação pôr em crise a estabilidade do caso julgado formado nessa anterior acção – nada obstando, porém, a que, em nova acção, objectivamente diversa, sejam invocados factos essenciais, substantivamente relevantes para a definição da causa de pedir ou das excepções peremptórias, que se mostrem supervenientes em relação àquele momento processual.

4. A norma constante do nº4 do art.º 230º do CSC presume um consentimento tácito do negócio de cessão quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles impugne a deliberação com esse fundamento, considerando suficiente para prova desse consentimento tácito a junção da acta da deliberação – tendo plena aplicabilidade tal consentimento tácito (ou ficto) quando se demonstre que o cessionário participou em deliberações sociais posteriores ao trânsito em julgado da sentença proferida na acção em que se decretou a ineficácia da cessão não expressamente consentida pelo ente social e não haja sido proposta, no prazo legal, pelo sócio dissidente, acção impugnatória com esse específico fundamento.

5. A circunstância de o titular de um direito, alienado por negócio a non domino, se poder prevalecer do regime de ineficácia, no seu confronto, do acto de alienação, sem necessidade de invocar a respectiva nulidade por ilegitimidade do alienante, não obsta a que, com base no interesse sério em obter a declaração judicial do vício e ver operadas as respectivas consequências (nomeadamente ao nível do cancelamento de registo), possa formular um pedido de declaração de nulidade do negócio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou acção declarativa, na forma ordinária, contra os RR. BB, Equipamentos de Banho, Lda., CC e mulher, DD, EE e mulher, FF, GG, HH e mulher, II, JJ e KK, pedindo que, na procedência da acção:

a) fosse declarada nula e ineficaz em relação à ré sociedade e ainda em relação ao sócio autor, a cessão da quota de valor nominal de €134 665,43 com que o sócio EE participa no capital social da mesma sociedade, cessão feita pelo referido sócio e mulher, FF, ao sócio CC, aqui demandado em segundo lugar, e que se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. …/2007-03-29, ordenando-se o cancelamento deste registo;

b) fosse declarado nulo e ineficaz em relação à sociedade ré, e também pelo menos em relação ao sócio aqui autor, qualquer acto posterior de cessão da quota referida em a) e/ou da sua divisão e subsequente transmissão das quotas daí resultantes feitas pelo mesmo sócio CC e mulher a favor de seus filhos, os também RR HH e JJ, actos a que se reportam as menções Dep. …/2007-03-29 e Dep. …/2007-03-29, ordenando-se o cancelamento destes registos;

c) fossem os RR condenados a reconhecerem a validade e eficácia absoluta, em relação a todos eles, aos restantes sócios e a terceiros, da cessão da aludida quota, pertencente a EE, a favor de LL, cessão na qual interveio o autor na qualidade de mandatário do cedente e da sua mulher, os ora 3.ºs RR, fazendo uso de procuração irrevogável por estes outorgada, acto registado na mesma Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. …/2007-05-15, registo cuja validade e eficácia deve ser declarada;

d) sejam todos os RR solidariamente condenados a pagar ao autor a indemnização compensatória de todos os danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência dos actos por eles praticados, em montante a apurar e liquidar em execução de sentença.

   Como fundamento de tais pretensões, alegou, em síntese, que a ora 1.ª ré sociedade BB, Equipamentos de Banho, Lda, foi constituída por escritura pública outorgada em 7 de Julho de 1995, com o capital social de trinta milhões de escudos. Fruto do aumento de capital e sua redenominação para euros, bem como da admissão de novos sócios, o capital social, actualmente fixado em € 1 077 403,46, até início de 2004, data em que os sócios MM e NN cederam as suas quotas, encontrava-se dividido do seguinte modo:

- seis quotas no valor de €134 665,43 cada, tituladas pelos sócios AA, aqui autor; EE, 3.º réu; GG, demandado em 4.º lugar; OO; PP; e QQ;

- três quotas no valor de € 67 377,72 cada, tituladas pelos sócios CC, ora 2.º réu, MM e NN;

- duas quotas no valor de € 33 668.87 cada, pertencendo uma ao sócio HH e a outra ao sócio JJ, os aqui 5.º e 6.º réus.

    Mais alegou resultar evidente da aludida repartição do capital social a preocupação de equilibrar as participações de cada sócio ou grupo de sócios - equilíbrio que a cláusula 5.ª do pacto social visou salvaguardar, fazendo depender a cessão de quotas entre sócios da autorização da sociedade.

   Sucede, porém, que por escritura celebrada em 4/4/2002, o sócio EE e mulher, FF, cederam a quota de que o primeiro era titular na sociedade BB, Lda. ao também sócio CC. Este, por seu turno, procedeu à divisão em partes iguais da quota que adquirira ao referido casal, cedendo posteriormente cada uma das quotas assim obtidas aos RR, seus filhos, HH e JJ. Tais actos, não autorizados pela ré sociedade, só posteriormente chegaram ao conhecimento do aqui autor e dos então sócios MM e NN.


   Dada a ilegalidade da referida cessão, o autor, acompanhado dos identificados sócios, intentou uma acção, que correu termos no Tribunal Judicial de Águeda, pedindo que a aludida transmissão e qualquer acto posterior a ela fossem declarados nulos e ineficazes em relação à sociedade e aos ali demandantes, com o cancelamento dos correspondentes registos.

   Por sentença proferida em 9/12/2003, posteriormente confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado em 20/7/2006, foi declarada ineficaz em relação ao autor e à sociedade ora ré a referida cessão de quotas, bem como qualquer acto de transmissão e/ou divisão das mesmas, tendo sido ordenado o cancelamento dos registos efectuados na competente conservatória, mantendo-se deste modo, e por força da aludida decisão, na titularidade do sócio EE a participação social no valor de € 134 664,43.

   Ora, por procuração outorgada em 7 de Julho de 1995, os RR EE e mulher haviam constituído o A. e sua mulher em seus procuradores bastantes, concedendo-lhes poderes para, em conjunto ou separadamente, cederem, pelo preço e condições que entendessem, a quota de que o réu marido era titular na sociedade.

   Tendo surgido, após o trânsito em julgado da referida decisão, uma oportunidade de cedência da quota, deu o autor cumprimento ao estatuído no contrato social, solicitando a convocação de uma assembleia-geral tendo em vista obter da sociedade ré a necessária autorização para a cedência a terceiros, caso nem aquela nem os demais sócios estivessem interessados em exercer o direito de preferência que no mesmo contrato lhes é atribuído. À carta enviada com a referida solicitação respondeu a ré sociedade decorridos 41 dias, tendo comunicado, em missiva datada de 23 de Abril de 2007, que a participação pretendida ceder já não se encontrava na titularidade do sócio EE.

   Decorridos 60 dias sem que a sociedade procedesse à pedida convocatória, o autor, na qualidade de procurador do sócio EE e mulher, cedeu a LL a quota de que o cedente marido era titular na sociedade ré, acto formalizado por escritura pública outorgada no dia 15 de Maio de 2007. E só na sequência do pedido de registo do acto em causa é que veio a tomar conhecimento da existência da menção correspondente ao Dep. …/2007-03-29, referente à “transmissão de quota de EE para CC” e de duas outras menções -resultantes dos Dep. …/2007-03-29 e …/2007-03-29- atinentes à divisão da quota adquirida em duas, no valor de € 67 337,72 cada, e sua subsequente cessão aos sócios CC e JJ.

   A cedência da quota original, bem como as suas subsequentes divisão e cedência aos filhos do cessionário, os aqui RR HH e JJ, desconhecendo embora o demandante os termos dos negócios em causa, posto que a inscrição registral se efectua por mero depósito, continuam a ser nulas e ineficazes em relação à sociedade e também ao sócio aqui autor, porque não consentidos, sendo certo que não foi dada aos sócios não cedentes a faculdade de participarem da cessão, direito estatutariamente consagrado. Daí que deva ser declarada a sua nulidade e ineficácia em relação à ré sociedade e ao aqui autor, conforme peticiona.

   Subsidiariamente, invocando ter sofridos danos em razão das descritas condutas culposas dos RR - decorrentes dos encargos que diz ter suportado para “solidificar a cessão” entretanto realizada, e também danos de natureza não patrimonial, estes devido “às agruras e afronta à sua honra que o registo requerido na Conservatória lhe causou”- reclamou o seu ressarcimento em montante a liquidar, aqui justificando a demanda do 7.º réu,. KK, pela circunstância de ter sido o causídico responsável pela realização do registo, bem sabendo que o mesmo era incorrecto, uma vez que havia tido intervenção na precedente acção.

   Citados, contestaram os réus CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ em peça única na qual, defendendo-se por excepção, arguiram a excepção de caso julgado, invocando ser a presente acção mera repetição da que correu termos sob o n.º 17/03.3TBAGD.

   Em sede de impugnação, alegaram que os actos transmissivos da quota titulada pelo sócio EE, tendo embora sido declarados ineficazes, não sofriam de qualquer vício que os invalidasse, razão pela qual, apesar de peticionada pelo autor, não foi naquela acção declarada a respectiva nulidade. Sendo válidas as transmissões e conhecidas da sociedade ré, a quem haviam sido comunicadas, e também dos sócios, nada tendo aquela deliberado após o trânsito em julgado do acórdão do STJ, ocorrido em 20/7/2006, sobre o pedido antes apresentado, a eficácia da cessão deixou de estar na dependência do consentimento da sociedade como estatuído no n.º 4 do art.º 230.º do CSC. Mais alegaram que, mesmo a não ter existido tal comunicação, uma vez que a sociedade tomou conhecimento das referidas transmissões, as quais foram objecto de discussão e deliberação em sede de assembleia-geral, tal equivale ao seu reconhecimento.

   Por outro lado, a ser entendido que a sociedade ré recusou o seu consentimento, uma vez que a recusa não se fez acompanhar da proposta de amortização ou aquisição imposta por lei, a cessão tornou-se livre: e, tornada livre a cessão por uma ou outra das referidas vias, podiam os transmissários levar a registo os actos de transmissão, conforme fizeram.

  Alegaram finalmente que, sendo válidas e eficazes as referidas transmissões, a posterior cedência da quota, nos termos do negócio celebrado entre o autor, como procurador do sócio EE, e o cessionário LL, configura uma venda de coisa alheia, devendo por isso ser declarada nula, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo, pretensões que formularam em via reconvencional.

   Contestação em tudo idêntica ofereceu a ré sociedade, pedindo a final, em via reconvencional, que:

a) fosse reconhecida como válida e eficaz a cessão de quota de EE a CC e a posterior divisão e cessão de quotas deste último a HH e JJ;

b) fosse reconhecida a nulidade da cessão de quota de EE a LL, por se tratar da venda de coisa alheia, e ainda a ineficácia do mesmo acto perante os verdadeiros titulares da quota, sendo ordenado o cancelamento do respectivo registo.


O autor replicou, pronunciou-se no sentido da improcedência das excepções e pedidos reconvencionais deduzidos pelos réus, concluindo como na petição inicial.

   Na sequência da dedução do pedido reconvencional, foi admitido o chamamento de LL e mulher, RR, como associados do reconvindo, tendo os mesmos declarado fazer seus os articulados por este apresentados.

   No despacho saneador, foi julgada improcedente a arguida excepção de caso julgado, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória. Teve lugar audiência de julgamento, em cujo termo foi proferida sentença que, na improcedência da acção e procedência da reconvenção, deidiu:

a) Absolver os réus da totalidade do pedido formulado pelo autor AA.

b) Reconhecer como válida e eficaz a cessão de quota de EE a CC e a posterior divisão e cessão de quotas deste último a HH e JJ.

c) Declarar nulo o negócio de cessão de quota celebrado entre EE e o reconvindo/cessionário LL, a que se reporta a escritura lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007, e, consequentemente, ineficaz perante os titulares da quota.

d) Ordenar o cancelamento do registo, lavrado na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, referente à cessão de 15 de Maio de 2007 (Menção – Dep. …/2007-05-15).


2. Inconformado, apelou o autor, começando a Relação por abordar a questão da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, decorrente de ter por processualmente adquiridos factos não oportunamente alegados pelas partes, considerando nomeadamente:

A demandada sociedade, tendo impugnado diversa factualidade alegada pelo autor, reconheceu -art. 5.º- que a cessão da quota titulada pelo sócio EE foi efectivamente realizada sem o seu consentimento prévio.

Mais alegou, nos art.ºs 33 e seguintes, que “As cessões de quotas em causa foram reconhecidas pela sociedade”; “A sociedade ré reconheceu as transmissões de quotas aqui em causa, tanto mais que houve uma deliberação da assembleia-geral que incidiu sobre as mesmas”, “Pelo que tais cessões foram reconhecidas pela sociedade ré”.

Os demais RR contestantes, por seu turno, no que respeita à matéria da aludida excepção, alegaram que “Para além de comunicadas, as transmissões em causa foram reconhecidas pela sociedade ré” (art.º 60.º); que “delas teve conhecimento, tanto mais que se realizou uma assembleia-geral no dia 21/11/2002, onde se discutiu e deliberou sobre o consentimento da sociedade sobre essas mesmas cessões” (art.º 62.º); “a partir de então, quer a sociedade, quer os demais sócios, passaram a ter conhecimento dos negócios validamente realizados sobre aquela participação social (art.º 64.º); “tendo tomado conhecimento das referidas transmissões, que foram objecto de discussão e deliberação em assembleia-geral, tal equivale ao reconhecimento das referidas transmissões” (art.º 68.º).

O Mm.º Juiz a quo deu por assente, no fulcral ponto 21. da sentença, que “O autor e os RR HH e JJ estiveram presentes em assembleias-gerais da sociedade ré realizadas em 5/2/2003, 11/2/2003, 19/2/2003, 24/4/2003, 11/11/2003, 23/4/2004, 7/12/2004, 2/3/2005, 14/4/2005, 4/5/2006, 25/5/2007, 28/5/2008, 27/5/2009, 26/5/2010 e 6/11/2011, tendo todos tomado parte nas deliberações aí votadas, deliberações essas que não foram impugnadas judicialmente (documentos de fls. 806 a 810, 813, 814, 815 a 817, 818 a 821, 825 a 828, 829 a 833, 836, 837, 842 a 844, 854 e 859 a 862)”. Tais documentos são as actas das referidas assembleias-gerais, tendo sido também considerado o teor da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial junta pela ré tendo em vista demonstrar nos autos o registo da reconvenção, constante de fls. 685 a 699.

Os documentos em causa -e, com eles, o facto assim especificado- ingressaram no processo por iniciativa conjunta do Mm.º juiz e da Il. mandatária da ré sociedade, encontrando-se consignado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 28 de Janeiro de 2014 que “De seguida, pela ilustre mandatária dos RR  foi exibido um documento constituído por 69 folhas que o Mm.º juiz determinou que fosse junto aos autos, por poder relevar para a decisão da causa”.

Junto o documento e ordenada a notificação das partes para sobre o mesmo se pronunciarem, fizeram notar os demais RR que dele resultava “terem estado presentes ou representados nas aludidas assembleias-gerais os RR CC, HH e JJ também na qualidade de titulares da quota transmitida em 4/4/2002 pelo referido EE; nessa mesma qualidade participaram na discussão e aprovação dos diversos pontos da ordem de trabalhos, usaram o seu direito de voto e as actas em causa, sendo que o cedente nunca mais compareceu ou participou nas assembleias da sociedade ré; nalguns casos o quórum deliberativo e a maioria dos votos para que as deliberações fossem tomadas só foram alcançados com os votos correspondentes à quota em litígio; e nenhuma das aludidas deliberações foi judicialmente impugnada”, donde dever-se concluir que “a sociedade, com os referidos actos e comportamentos por todos assumidos nas referidas assembleias, reconheceu tacitamente as transmissões das quotas em litígio” (cf. 916 a 918).

Face aos termos da pronúncia efectuada e de que se deu conta, afigura-se inequívoco que os RR contestantes pretenderam prevalecer-se dos factos assim trazidos ao processo na fase de julgamento, tal como de resto foi claramente entendido pelo autor que, no exercício do contraditório, refutou que dos documentos em causa pudesse extrair-se o invocado reconhecimento (cf. fls. 922-923). Incontornável é também a circunstância do Mm.º Juiz “a quo” ter relevado o facto -mais rigorosamente o complexo de factos incluídos naquele ponto 21.-, que se revelou decisivo para o sentido da decisão (cf. fls. 42-43 da sentença apelada).

Pois bem, aqui chegados, cumpre indagar se, neste caso concreto, a decisão assim proferida padece do vício da nulidade assacada pelo recorrente ou a consideração dos factos em causa, ainda que integrativos de excepção peremptória, é lícita à luz do invocado art.º 5.º do NCPC.

Parece não oferecer dúvida que a matéria da excepção invocada pelos RR se apresenta deficientemente concretizada em ambas as contestações. Todavia, não deixaram os contestantes de, em essência, assentarem o invocado reconhecimento numa conduta omissiva da ré sociedade, com destaque para o período posterior ao trânsito em julgado do acórdão do STJ. E assim sendo, cremos que os factos considerados pelo Mmº juiz, a despeito de não terem sido alegados na devida oportunidade, não implicam uma alteração do objecto do processo.

Não se afigura questionável que o NCPC, na esteira, aliás, do espírito que presidiu à Reforma de 95/96, tem como grande princípio informador a prevalência da decisão de mérito sobre a decisão de forma . Nesta senda, constava da exposição de motivos da proposta de Lei enviada pelo Governo à AR a referência “à possibilidade de, ao longo de toda a tramitação (…) vir a entrar nos autos um acervo factual merecedor de consideração pelo Tribunal com vista à justa composição do litígio”. É certo que, mau grado tal intenção, o regime consagrado é aquele que se analisou, continuando a exigir-se a aludida conexão objectiva entre os factos complementares ou concretizadores que poderão ser considerados a final nos termos permitidos pela al. b) do n.º 2 do art.º 5.º e os inicialmente alegados. Todavia, na interpretação do preceito deverá decerto intervir aquele que se sabe ter sido o pensamento legislativo, animado de um ímpeto flexibilizador, bem como a unidade do sistema, no qual pontificam soluções que reflectem tal filosofia, elementos interpretativos que afastam uma sua leitura restritiva (cf. art.º 9.º do Código Civil).

Cremos assim que, verificando-se, no caso em apreço, a exigida identidade, ainda que parcial, entre os termos da alegação e os factos que vieram a ser considerados nos termos antecedentemente expostos, são estes de qualificar como complementares e concretizadores dos antes -e, repete-se, deficientemente- alegados em suporte da aludida matéria exceptiva. Com efeito, movemo-nos ainda no círculo da conduta omissiva imputada à sociedade ao longo dos tempos, desde que por ela foi recepcionada a carta do sócio réu CC dando conta da cessão a seu favor, então já consumada, e intenção de proceder à sua divisão e subsequente cessão a outros sócios, sendo idêntico o efeito pretendido extrair: paralisador da sanção legal decorrente da ausência de consentimento.

Atento o exposto, tratando-se de factos documentalmente demonstrados, tendo sido pelas partes exercido o contraditório e tendo os RR assumido posição processual expressa no sentido de deles se quererem valer, afigura-se lícita a sua aquisição para o processo e consideração na sentença final, à luz dos citados art.º 5.º, n.º 2, al. b) e 607.º, n.º 4 do NCPC. Daí que a decisão proferida não padeça do imputado vício do excesso de pronúncia.


   Tal decisão determinou a estabilização do seguinte quadro factual para o litígio:

1. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vagos em 7 de Julho de 1995, foi constituída a sociedade comercial BB – Equipamentos de Banho, Limitada, tendo por objecto social o exercício da indústria, comércio, importação e exportação de acessórios e equipamentos de banho e mobiliário (cláusulas 1.ª e 2.ª).

A sociedade foi constituída com o capital social de trinta milhões de escudos, correspondente à soma das quotas dos sócios constituintes, nos seguintes termos: cinco com o valor nominal de cinco milhões de escudos pertencentes a cada um dos sócios CC, AA, EE, OO e PP, e duas no valor nominal de dois milhões e quinhentos mil escudos cada, pertencentes aos sócios MM e NN (cláusula 3.ª).

Nos termos da cláusula 4.ª foram nomeados gerentes todos os sócios e ainda SS, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes, sendo que os gerentes SS, NN e MM só podiam assinar em conjunto com um dos restantes gerentes.

Acordaram ainda os outorgantes, nos termos da cláusula 5.ª, que:

“Número um: Se qualquer um dos sócios NN e MM, ou ambos, quiserem ceder as suas quotas, não o podem fazer a favor da sociedade ou outros sócios, ou a estranhos, se o gerente SS quiser adquiri-las pelo valor que resultar do último balanço aprovado.

Número dois: Na cessão a estranhos de quaisquer outras quotas e das anteriormente referidas, estas se não forem adquiridas pelo SS aludido no número anterior, tem direito de preferência a sociedade em primeiro lugar e os sócios não cedentes em segundo lugar.

Número três: A cessão de quotas entre sócios só é permitida com autorização da sociedade e se mais do que um sócio pretender adquirir a quota ou quotas cedidas, a aquisição será feita por rateio”, tudo conforme consta da escritura pública cuja certidão consta de fls. os autos aqui se dando, quanto ao mais, por reproduzido o respectivo teor (al. A dos factos assentes).

2. A sociedade ré, constituída com o capital social de trinta milhões de escudos, tem actualmente, após aumento de capital realizado pelos sócios que a constituíram e com a admissão de novos sócios e a sua redenominação para euros, o capital social de €1 077 403,46, o qual se encontrava dividido nas seguintes quotas, consoante Ap. 03/19950928:

a) Seis no valor de €134 665,43, pertencentes cada uma delas aos sócios AA, EE, GG, OO, PP e QQ, respectivamente.

b) Três no valor de €67 377,72, pertencentes, respectivamente, a cada um dos sócios CC, MM e NN;

c) Duas no valor de €33 668,86 €, pertencendo cada uma aos sócios HH e JJ, respectivamente, conforme certificado de fls. 43 a 54 dos autos (alínea B) dos factos assentes).

3. Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 4 de Abril de 2002, o sócio EE cedeu ao sócio CC a quota que detinha na referida sociedade, tendo a transmissão sido inscrita na competente Conservatória do Registo Comercial (Águeda), pela Ap. 10/20020417 (alínea C) dos factos assentes).

4. A transmissão a que se alude em 3. foi levada a registo – inscrição 2, Ap. 10/20020417 da mesma Conservatória do Registo Predial de Águeda, cf. certidão de fls. 43 a 54 dos autos, maxime fls. 46.

5. Foi convocada para 21 de Novembro de 2002 uma assembleia-geral da sociedade ré, incluindo-se na respectiva ordem de trabalhos, dela constituindo o ponto 2., “discutir e deliberar” sobre o teor da carta recebida do sócio CC, datada de 22/10/2002, na qual dava conhecimento da aquisição da quota titulada por EE e mulher, manifestando ainda a vontade de proceder à respectiva divisão em duas novas quotas de igual valor para posterior cessão a seus filhos JJ e HH – documento de fls. 281, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o respectivo teor - e acta certificada de fls. 283 e seguintes, cujo teor se considera igualmente reproduzido.

6. Na ordem de trabalhos para a referida assembleia-geral foi também incluída uma proposta, formulada pelo ora autor, no sentido de não ser reconhecida a cessão feita por EE a CC e considerá-la nula e ineficaz em relação à sociedade e aos sócios por violação do estipulado no n.º 3 do art.º 5.º do contrato social e, como consequência, não admitir o sócio CC a representar essa quota (ponto n.º 3 da ordem dos trabalhos); deliberar sobre a propositura de uma acção judicial pela sociedade, acompanhada ou não dos demais sócios ou daqueles que a pretendam acompanhar, contra o sócio cedente e o sócio cessionário para declaração da ineficácia e nulidade da cessão de quotas entre ambos (ponto n.º 4); conceder a dois ou mais gerentes da sociedade os poderes necessários para representar a sociedade nessa acção judicial e constituir advogado que represente a sociedade (ponto n.º 5), conforme consta da mesma acta.

7. Na aludida Assembleia-Geral, postos os referidos pontos da ordem de trabalhos a votação, foi o ponto n.º 2 aprovado com os votos contra dos sócios AA, MM, NN e PP e os votos favoráveis dos demais, enquanto que os pontos 3., 4. e 5. foram rejeitados com os votos a favor daqueles identificados sócios e votos contra dos restantes (cf. acta de fls. 283 a 287).

8. Em 6 de Janeiro de 2003, o ora autor AA e os sócios MM e NN intentaram uma acção contra a sociedade BB e os sócios CC (e cônjuge, DD), EE (e cônjuge, FF), OO, GG, QQ, JJ e HH, acção essa que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda sob o nº 17/03.3TBAGD, e na qual era pedida a declaração de nulidade e de ineficácia, em relação aos autores, da cessão de quotas referida em 3), bem como a declaração de nulidade e de ineficácia em relação à sociedade BB de qualquer acto posterior à cessão de quotas, ordenando-se o cancelamento dos respectivos registos, e a declaração de inexistência ou anulação de deliberações tomada em assembleia geral realizada no dia 21 de Novembro de 2002 referentes aos pontos 2, 3, 4 e 5 da respectiva ordem de trabalhos (documento de fls. 64 a 125 cujo teor se considera integralmente reproduzido) (alínea D) dos factos assentes).

9. Por sentença proferida em 23 de Fevereiro de 2004, confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2006, foi a acção julgada procedente e, em consequência, ficou decidido:

“a) declarar ineficaz em relação à ré sociedade e aos sócios autores a cessão da quota do valor nominal de €134 665,43 com que o sócio EE participa no capital social da ré sociedade, feita pelo dito sócio EE e mulher, FF, ao sócio CC por preço igual ao valor nominal, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 04-04-2002 (lavrada de fls. 3 a 6 do l.º n.º 181-B) e registada sob a inscrição n.º 5 (Ap. 10/20020417) na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, ordenando-se o cancelamento deste registo;

b) declarar ineficaz em relação à ré sociedade e aos ora autores qualquer outro acto posterior a essa cessão de quotas de transmissão e/ou divisão da mesma quota e transmissão das quotas resultantes dessa divisão feitas pelo sócio CC a seus filhos (os RR JJ e HH) ou a qualquer outro sócio ou a terceiros, ordenando-se o cancelamento dos registos a estes actos relativos;

c) declarar anuladas as deliberações tomadas na reunião da Assembleia-geral da ré sociedade realizada no dia 21-11-2002 sobre os pontos 2, 3, 4 e 5 da ordem de trabalhos (acta de fls. 116 a 121);

d) condenar os 2.º a 8.º RR a reconhecerem que os votos por eles emitidos naquela reunião de assembleia-geral da ré sociedade foram ilegalmente emitidos, por terem incidido sobre matéria em que alguns deles estavam impedidos de votar, por contrariarem frontalmente uma disposição do contrato social que condiciona a cessão de quotas entre sócios à prévia autorização da sociedade e são abusivos por visarem, não a satisfação de interesses da sociedade ou de interesses comuns dos sócios, mas tão só lograr obter vantagens especiais para o grupo de sócios formado pelos 2.º, 7.º e 8.º RR para que em conjunto eles passem a deter o dobro de cada um dos outros no capital social;

e) condenar os RR a reconhecerem que, declarada ineficaz em relação à ré sociedade e aos AA a cessão de quotas referida, bem como qualquer outro acto de transmissão ou divisão e transmissão das quotas resultantes da divisão a ela posteriores, poderão os AA, após autorização a ela prestada pela sociedade, nela participarem, se assim o entenderem, procedendo-se nesse caso a rateio da quota entre os sócios que pretendam adquiri-la” (alínea E) dos factos assentes).

10. Em princípios de 2004 foi alterada a divisão de quotas que integravam o capital social da ré sociedade em razão da decisão dos sócios MM e NN de cederem as suas quotas ao aqui autor AA, tendo-se procedido, depois de obtido o consentimento da sociedade, ao rateio da quota do sócio MM, que foi dividida em três, nos valores de €42 647,22, €21 323,61 e €3 366,89, tendo a primeira sido adquirida pelo sócio AA, a segunda pelo ora réu CC, e a terceira por SS (alínea F) dos factos assentes).

11. Por sua vez, a quota da sócia NN, com autorização da sociedade ré, foi divida em duas outras, uma no valor de €63 970,83 e outra no valor de €3 366,89, tendo a primeira sido adquirida pelo sócio AA e a segunda por SS (alínea G) dos factos assentes).

12. As aquisições referidas em 10. e 11. foram registadas na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, nos termos do documento de fls. 56 a 63 cujo teor se dá por integralmente reproduzido) (alínea H) dos factos assentes).

13. EE e esposa, FF, outorgaram procuração no dia 7 de Julho de 1995, na vila e cartório notarial de Vagos, na qual declararam que “(…) com a faculdade de substabelecer constituem bastante procurador o senhor AA, casado, natural da freguesia de …, concelho de Gondomar, e TT, natural da freguesia de …, concelho de Águeda, a quem concedem poderes para em conjunto ou separadamente ceder pelo preço e condições que entender convenientes a quota de que o marido é titular no capital da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada sob a firma BB – Equipamentos de Banho Limitada, com sede no lugar e freguesia da …, concelho de Águeda, podendo ceder a quota a eles mandatários ou a terceiros pelo preço e condições que entender.

Mais declararam que a aludida procuração era “outorgada no interesse dos mandatários, que já não têm quaisquer contas a prestar aos mandantes, considerando-se irrevogável nos termos dos artigos duzentos e sessenta e cinco número três e mil cento e setenta número dois ambos do Código Civil.”, conforme consta da certidão junta a fls. 127-128 dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

14. O Autor, na qualidade de procurador de EE e mulher, FF, enviou à gerência da sociedade ora ré uma carta registada com a/r, datada de 12 de Março de 2007, subordinada ao assunto “Cessão da quota”, com o seguinte teor:

“Ex.mos Senhores, Os meus cumprimentos.

Na qualidade de procurador do Senhor EE e sua mulher FF, detentores de uma quota correspondente a 12,5% no Capital Social dessa Sociedade BB – EQUIPAMENTOS DE BANHO, LDA., venho pela presente comunicar que decidi ceder a quota que o meu referido mandante possui nessa Sociedade Comercial.

A presente comunicação é feita nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 5.º, n.º 3 da Escritura de Constituição da Sociedade BB; Lda.

Para tal efeito, solicito a V. Exªs a convocação da assembleia geral da Sociedade BB, L.da dentro do prazo estabelecido no artigo 6º da Escritura de Constituição, não podendo a realização de tal assembleia Geral ultrapassar o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da recepção desta carta.

Solicito, ainda, que a convocatória da referida assembleia Geral, seja redigida com clareza, de modo a ser entendida por todos os Sócios, sendo necessariamente dela constante como ponto de ordem de trabalhos, a referida Cessão de Quota e o demais consignado no artigo 5º, nºs 2 e 4, dos Estatutos da Sociedade,

Nos termos legais, indico a V. Exªs a identidade do interessado na compra da referida quota, Senhor Dr. LL. Preço da Cessão: 249.579,26 (duzentos e quarenta e nove mil quinhentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos), que será pago, integralmente, no acto da Outorga da competente Escritura Pública.

Mais informo que o não cumprimento por parte de V. Exªs do estatutariamente previsto, dentro do prazo acima fixado, implicará o reconhecimento do desinteresse da Sociedade BB na aquisição da quota cuja cessão se pretende realizar, assim como, de todos os restantes Sócios, a título individual e pessoal, aos quais foi dirigida cópia desta comunicação.

Finalmente, esclareço V. Exªs que a Procuração que me foi conferida, da qual junto, em anexo, fotocópia devidamente autenticada, concede-me plenos e específicos poderes para a realização desta operação.

De V. Exª, Atenciosamente”, seguindo-se a assinatura do Autor AA (al. J) dos factos assentes.

15. A A carta transcrita em 14., com a procuração referida em 13. em anexo foi igualmente enviada a todos os sócios da sociedade ré e por eles recepcionada em 13 de Março de 2007 (alínea L) dos factos assentes).

16. O autor recebeu da sociedade ré uma carta, datada de 18 de Abril de 2007, com o seguinte teor:

“Ex.mo Senhor

Na sequência da recepção da carta enviada por V. Ex.ª com data de 12-03-2007, e pela qual V. Ex.ª nos solicita a promoção de uma Assembleia Geral para efeito de deliberação sobre a cessão de uma quota da qual seria titular EE, vimos informar V. Exª de que, realizada pesquisa na Conservatória do Registo Comercial viemos a constatar que a referida participação já não está averbada na titularidade da pessoa em causa.

Pelo exposto, resulta prejudicada a pretensão formulada por V. Ex.ª, pelo que não podemos corresponder ao seu pedido.

Sempre disponíveis para prestar os esclarecimentos que V. Ex.ª entender necessários, subscrevemo-nos.

A Gerência”

(al. M) dos factos assentes.

17. Não foi convocada uma assembleia-geral da sociedade ré para se pronunciar sobre a aquisição da quota referida em 14. (alínea N) dos factos assentes).

18. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007, o ora autor AA, na qualidade de procurador de EE e esposa FF, declarou ceder a LL, a quota no valor nominal de 134.665,43€ da qual o representado marido era titular na sociedade BB, Lda., pelo preço de € 249 579,26, a ser pago através dos cheques que identificou, cessão que o segundo outorgante declarou aceitar, tudo conforme consta dos termos da escritura certificada a fls. 133 e v.º e 134 dos autos, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o respectivo teor.

19. Na Conservatória do Registo Comercial de Águeda foram lavradas as seguintes menções de Depósito –Anotações:

Menção Dep. …/2007-03-29 11:50:50 

Transmissão de quota no valor de €134 675,43, sendo sujeito activo o aqui réu CC e sujeito passivo o também réu EE, ali surgindo como responsável pela realização do registo o réu Kk;

Menção Dep. …/2007-03-29 11:53:20

Transmissão da quota no valor de €67 377,72, resultante da divisão da quota de €134 675,53, sendo sujeito activo HH e sujeito passivo CC, sendo igualmente responsável pelo registo o réu KK;

Menção Dep. …/2007-03-29 11:55:30

Transmissão de quota no valor de € 67 337,71, resultante da divisão da quota de €134 675,53, sendo sujeito activo JJ e sujeito passivo CC, sendo igualmente responsável pelo registo o réu KK, conforme resulta do doc. de fls. 288 a 300 dos autos.

Menção Dep. …/2007-05-15 15:55:22


Transmissão de quota no valor de € 134 665,43, sendo sujeito activo LL e sujeito passivo EE (al. P dos factos assentes e aditamento rectificativo feito na sentença em conformidade com a certidão constante de fls. 685 a 699 dos autos).

20. Foi convocada para 29 de Setembro de 2007 uma assembleia-geral extraordinária da sociedade ré, da qual constavam como pontos da ordem de trabalhos a tomada de uma deliberação no sentido de reconhecer como válida a cessão de quota efectuada ao sócio CC, bem com a posterior divisão da mesma quota em duas e respectiva cessão aos sócios JJ e HH, assembleia essa que se reuniu na data apontada mas onde não foi tomada qualquer deliberação sobre os assuntos constantes da ordem do dia, tendo a sessão sido declarada encerrada “sob protestos de vários sócios, muito barulho e insultos impossíveis de serem aqui descritos”, conforme consta do instrumento de acta de reunião de órgão social lavrado pela Sr.ª Notária UU cuja cópia consta de fls. 246 a 258, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o seu teor.

21. À excepção das deliberações referidas em 7., posteriormente anuladas por decisão judicial, a sociedade ré, por intermédio dos seus sócios, nunca mais deliberou sobre o assunto referente à cessão de quota efectuada a CC, não tendo igualmente deliberado sobre a posterior divisão da quota e cessões realizadas a favor dos seus filhos HH e JJ.

22 . O autor e os réus CC, HH e JJ estiveram presentes em assembleias gerais da sociedade ré realizadas em 5/2/2003, 11/2/2003, 19/2/2003, 24/4/2003, 11/11/2003, 22/4/2004, 7/12/2004, 2/3/2005, 12/4/2005, 4/5/2006, 25/5/2007, 28/5/2008, 27/5/2009, 26/5/2010 e 6/11/2001, tendo todos tomado parte nas deliberações aí votadas, deliberações essas que não foram impugnadas judicialmente (documentos de fls. 806 a 810, 813-814, 815 a 817, 818 a 821, 825 a 828, 829 a 833, 836-837, 842 a 844 a 854 e 859 a 862, cujo teor se considera integralmente reproduzido).


3. Passando a abordar as questões jurídicas suscitadas, debruçou-se a Relação sobre a verificação da excepção do consentimento tácito da sociedade, fazendo-o nos seguintes termos:

Tal como correctamente se sintetizou na sentença apelada, resulta dos factos apurados que por escritura pública celebrada em 4 de Abril de 2002, o sócio EE cedeu ao sócio CC, aqui demandado, a participação social que detinha na também ré BB, Lda. no valor nominal de € 134 665,43.

Mais resulta do acervo factual assente que, inconformado com a cedência efectuada, o autor, então acompanhado de dois outros sócios - os quais procederam entretanto à alienação das quotas respectivas - instaurou acção tendendo a impugnar aquela transmissão e as subsequentes, em consequência do que foi proferida sentença, transitada em julgado, que se pronunciou no sentido de tais negócios translativos serem ineficazes em relação, quer à sociedade ré, quer aos sócios autores, determinando o cancelamento dos registos aos mesmos atinentes.

Constata-se, porém, que transitada em julgado a aludida decisão em 20 de Julho de 2006, vieram os RR cessionários a promover, em Março de 2007, novo registo das mesmas transmissões -efectuado por meio de depósito- actos novamente impugnadas pelo autor na presente acção.




Revertendo ao caso dos autos, e vistos os termos da cláusula 5.ª do contrato de sociedade, não há dúvida que a cessão entre sócios ficou sujeita ao consentimento da ré BB, Lda, e isto claramente tendo em vista permitir o exercício do direito de preferência ali consagrado a favor dos sócios e da sociedade, com direito a rateio no caso de serem vários os interessados. Tal cláusula é válida, por ser de admitir que o consentimento fique condicionado a requisitos específicos, incluindo o cumprimento da aludida cláusula de preferência (cf. art.º 229.º, 2.ª parte do n.º 5) , questão esta, aliás, que não suscitou divergências nos autos.

Também está fora de discussão o facto da cessão da quota do réu EE ao sócio CC ter sido efectuada sem precedência da necessária autorização da sociedade. Acresce que, ainda a considerar-se que tal consentimento foi pedido “a posteriori”, mediante a carta por este último enviada à sociedade em 22/10/2002, posta a discussão na assembleia geral que teve lugar no dia 21 de Novembro desse mesmo ano e que aí foi objecto de deliberação favorável, não pode olvidar-se que as deliberações então tomadas foram anuladas por decisão transitada, termos em que, não tendo sido renovadas, delas não pode extrair-se qualquer argumento em favor do invocado reconhecimento da cessão. E isso mesmo entendeu o Mm.º juiz quando fez consignar na sentença apelada, a dado passo, não poder “ter-se como reconhecida uma cessão que foi, em devido tempo, impugnada judicialmente, litígio que veio a merecer o desfecho já referido – declaração de ineficácia da cessão e anulação das deliberações sociais tomadas sobre esta matéria” .

Arredada igualmente -a nosso ver bem- a solução consagrada no n.º 4 do art.º 230.º do CSC, que os RR pretendiam aplicável por não se ter a sociedade pronunciado sobre a comunicação antes efectuada pelo sócio CC após a decisão proferida pelo STJ, veio contudo a considerar-se na sentença apelada que “Com um litígio pendente sobre a validade e eficácia da cessão, foram sendo realizadas, no entanto, ao longo de quase uma década, diversas assembleias-gerais, nas quais participaram, para além do autor, os sócios CC e os sócios (filhos deste) HH e JJ.

Para além da participação de todos os referidos sócios, constata-se ainda que foram tomadas deliberações sobre os assuntos constantes da respectiva ordem de trabalhos, em que intervieram o ora autor e os réus, sendo certo que parte delas ate foram tomadas por unanimidade.

Por outro lado, nenhuma das deliberações em causa -com intervenção de todos os interessados- se mostra impugnada judicialmente.

Parece-nos pois incontornável (…) que a sociedade ré deu o seu consentimento à cessão, quer à inicial, feita pelo EE ao sócio CC, quer a deste último aos seus filhos e também sócios HH e JJ – dada a participação activa que todos tiveram nas deliberações sociais e atento o facto das mesmas não terem sido judicialmente impugnadas (art.º 230.º, n.º 6 do CSC)”.

Insurge-se o apelante contra o entendimento expresso, sustentando que inexistiu consentimento da sociedade, ainda que tácito. Vejamos então:

Nos termos da convocada disposições legal “Considera-se prestado o consentimento da sociedade quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles a impugnar com esse fundamento, provando-se o consentimento tácito, para efeitos de registo da cessão, pela acta da deliberação”.

Conforme é sabido, a declaração negocial não tem forçosamente de ser expressa, podendo, de harmonia com o princípio da liberdade declarativa consagrado no art. 217º do CC, ser tácita (n.º 1). A declaração é tácita “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um auto regulamento sobre outro ponto em via oblíqua, imediata, lateral quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” .

No caso em apreço, é a própria lei que, na ausência de uma deliberação dos sócios autorizando a cessão, conforme previsto no n.º 2 do preceito, atribui o mesmo valor a um comportamento que, de forma inequívoca e concludente - a lei assim o considera-, aponta no sentido da sua aceitação/ratificação.

Sendo pressuposto de aplicação da norma a ausência de deliberação, excluídos da sua previsão ficam os casos, como o dos autos, em que existiu uma deliberação expressa no sentido da ratificação da cessão efectuada, tendo a mesma sido judicialmente impugnada. Neste contexto, não pode, cremos, atribuir-se à ausência de impugnação das deliberações em que participaram os cessionários -os quais, note-se, sendo titulares de outras quotas sempre teriam direito a voto- ainda que também em representação da quota antes titulada pelo sócio EE, o valor de consentimento tácito, não se vendo razão para impor ao autor que impugnasse cada uma delas, cujo conteúdo, aliás, era estranho ao litígio, estando pendente a referida acção judicial. É que a deliberação anulável, deixando de produzir os seus efeitos caso seja anulada por sentença judicial -que tem assim efeitos constitutivos- produz até esse momento, ressalvados os casos de suspensão, os efeitos jurídicos a que tendia . Acresce que nem os RR cessionários interpretaram nesse sentido a inércia do autor em relação a tais deliberações, posto que só em Março de 2007, depois deste ter comunicado à sociedade ré, tendo em vista obter dela o necessário consentimento, a sua intenção de ceder a quota em representação do mandante, é que aqueles se apressaram a proceder a novo registo das transmissões efectuadas em 2002 - por mero depósito como passou a ser permitido (cf. art.º 53.º-A, nºs 3 e 5, al. a) do CRC), sem disso terem dado conhecimento à própria sociedade, que se viu na contingência de ter que averiguar junto da Conservatória do Registo Comercial da identidade do titular inscrito da quota em litígio (cf. facto 16).

 Por outro lado, tendo sido realizada uma assembleia-geral após o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo STJ na qual participaram, em desrespeito pela decisão proferida, os identificados cessionários, não deixou o autor de fazer consignar na acta o seu desacordo em relação à composição do capital social que da mesma ficara a constar, tendo a presente acção dado entrada em 26 de Julho imediato. E se não foi impugnada judicialmente a deliberação, nem por isso poderá considerar-se que se está perante a prestação de consentimento tácito por banda da sociedade, atendendo a que, nos termos da decisão proferida e então já transitada, as referidas transmissões haviam sido declaradas ineficazes em relação àquela.




Em remate, temos que as cessões -originária e subsequente- da quota de que era titular o réu EE não foram autorizadas, conforme o exigia o pacto social, nem expressa nem tacitamente. Deste modo, tendo sido anulada, na sequência de impugnação judicial, a deliberação ratificativa da cessão efectuada e não tendo a mesma sido renovada, subsiste o então decidido, mantendo-se a ineficácia da cessão em relação ao autor e à sociedade ré.

Faz-se contudo notar que o consentimento da sociedade constitui um requisito legal da eficácia da cessão de quotas, e não um requisito de validade, o que vale por dizer que a sua ausência não determina a invalidade da cessão. Daí que, procedendo, nesta parte, o recurso interposto, o juízo de procedência fique circunscrito à pedida ineficácia.


Passando seguidamente a pronunciar-se acerca da questão da validade e eficácia da nova cessão de quota, realizada a favor do interveniente LL, considera o acórdão recorrido:

Transpondo quanto vem de se dizer para o caso que nos ocupa, conclui-se que, a despeito da outorga da aludida procuração, manteve-se na esfera jurídica do cedente e aqui réu EE o poder de dispor da sua participação social. Por assim ser, é válida a cedência ao também réu CC e as subsequentes divisão e transmissão a que este, seu legítimo titular, depois procedeu. É certo que tal actuação do cedente, podendo configurar violação do negócio subjacente à outorga da procuração celebrado com o aqui autor -e aqui não invocado- pode fazê-lo constituir-se na obrigação de indemnizar. Verifica-se, porém, que tendo o apelante formulado, ainda que subsidiariamente - e, diga-se, sem suporte fáctico bastante- pedido de indemnização, o qual foi julgado improcedente, não reagiu contra esta parte da decisão, que se encontra assim excluída do objecto do presente recurso.

Por outro lado, mera decorrência da validade da cedência efectuada ao sócio CC - que, para além do mais, goza da anterioridade registral -, não pode subsistir a cedência posterior efectuada pelo mesmo cedente, então representado pelo autor fazendo uso da procuração vinda de analisar, porquanto, e conforme se considerou na sentença apelada, já não era aquele o titular da participação social, configurando tal posterior negócio translativo cedência de coisa alheia, a desencadear a sanção prevista no art.º 892.º do CC, ex vi do disposto no art.º 939.º do mesmo diploma legal. Todavia, e conforme sem dissêndio vem sendo entendido, em relação ao verdadeiro dono a alienação é ineficaz (art.º 406.º, n.º 2), não lhe conferindo a lei legitimidade para invocar a nulidade. Daí que, quanto a este segmento da decisão, improcedendo embora o essencial da pretensão recursiva do autor, seja este o efeito a decretar.


4. E, a final, foi proferida a seguinte decisão a julgar parcialmente procedente o recurso, nos seguintes termos:

a) declaram  ineficaz em relação à ré sociedade e ainda em relação ao sócio autor, a cessão da quota de valor nominal de €134 665,43 com que o sócio EE participa no capital social da sociedade ré, cessão feita pelo referido sócio e mulher, FF, ao sócio CC, aqui demandado em segundo lugar, e que se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. …/2007-03-29, ordenando o cancelamento deste registo;

b) declaram ineficaz em relação à sociedade ré, e também em relação ao sócio aqui autor, qualquer acto posterior de cessão da quota referida em a) e/ou da sua divisão e subsequente transmissão das quotas daí resultantes feitas pelo mesmo sócio CC e mulher a favor de seus filhos, os também RR HH e JJ, actos a que se reportam as menções Dep. …/2007-03-29 e Dep. …/2007-03-29, ordenando o cancelamento destes registos;

c) Declaram ineficaz em relação aos apelantes CC, HH e JJ o negócio de cessão de quota celebrado entre EE e o reconvindo/cessionário LL, a que se reporta a escritura lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007, mantendo quanto ao mais a decisão apelada.


5. Após habilitação dos sucessores do R. CC, foram interpostas revistas pelos RR. DD e outros e por BB, encerrando as respectivas alegações, respectivamente, com as seguintes conclusões:

I -

1 - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, revogando a sentença de 1ª Instância que se dá por reproduzida, e julgou improcedente a ampliação do objecto do recurso e o recurso subordinado, em consequência do que:

   a) declaram ineficaz em relação à ré sociedade e ainda em relação ao sócio autor, a cessão de quota de valor nominal de €134.665,43 com que o sócio EE participa no capital social da sociedade ré, cessão feita pelo referido sócio e mulher, FF, ao sócio CC, aqui demandado em segundo lugar, e que se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. …/2007-03-29, ordenando o cancelamento deste registo;

    b) declaram ineficaz em relação à sociedade ré, e também em relação ao sócio aqui autor, qualquer acto posterior de cessão de quota referida em a) e/ou da sua divisão e subsequente transmissão das quotas daí resultantes feitas pelo mesmo sócio CC e mulher a favor de seus filhos, os também RR HH e JJ, actos a que se reportam as menções Dep. …/2007-03-29 e Dep. …/2007-03-29, ordenando o cancelamento destes registos;

   c) declaram ineficaz em relação aos apelantes CC, HH e JJ o negócio de cessão de quota celebrado entre EE e o reconvindo/cessionário LL, a que se reporta a escritura lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007, mantendo quanto ao mais a decisão apelada.

2 - Dá-se por integralmente reproduzida toda a matéria de facto dada como provada e constante do douto acórdão recorrido, que igualmente se dá por integralmente reproduzido, bem como toda a prova documental junta aos autos (a fls. 806 a 810, 813, 814, 815 a 817, 818 a 821, 825 a 828, 829 a 833, 836, 837, 842 a 844 a 854 e 859 a 862) constituída pelas actas das Assembleias Gerais da sociedade realizadas em 05/02/2003, 11/02/2003, 19/02/2013, 24/04/2003, 11/11/2003, 22/04/2004, 07/12/2004, 02/03/2005, 12/04/2005, 04/05/2006, 25/05/2007, 28/05/2008, 27/05/2009, 26/05/2010 e 06/11/2011, referidas na douta sentença e que aqui se dão por reproduzidas.

3 - Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 4 de Abril de 2002, o sócio EE cedeu ao sócio CC a quota que detinha na sociedade Ré, no valor nominal de € 134.665,43, a qual este posteriormente dividiu em duas novas quotas, no valor nominal cada uma de 67.332,72 €, cedendo uma a cada um dos filhos HH e JJ, tudo sem precedência da autorização da sociedade.

4 - O artigo 5º, n° 3 do pacto social da sociedade Ré estabelece:

"A cessão de quotas entre sócios só é permitida com autorização da sociedade e se mais do que um sócio pretender adquirir a quota ou quotas cedidas, a aquisição será feita por rateio".

5 - O n°. 6 do artigo 230° do C.S.C estabelece que:

"Considera-se prestado o consentimento da sociedade quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles a impugnar com esse fundamento, provando-se o consentimento tácito, para efeitos de registo da cessão, pela acta de deliberação."

6 - Esta previsão constitui uma declaração ficta de consentimento para a cessão de quota e, como é característico das declarações fictas - e ao invés do que se verifica nas declarações tácitas -, não assenta na vontade (implícita) dos sócios para consentirem a cessão, mas sim num comportamento desses mesmos sócios - traduzido na admissão do cessionário a participar em determinada deliberação -, comportamento sobre o qual a lei presume, inilivelmente, o consentimento para a cessão.

7 - Resultando do enunciado da norma que haverá consentimento sempre que seja tomada uma deliberação em que participe o cessionário da quota, resultando ainda da referida norma que a esta consequência só poderá obstar-se através de uma única via, que consiste na destruição da deliberação em que o cessionário tenha participado.

8 - A declaração ficta, não se fundando na (interpretação da) declaração de vontade dos sócios, mas na própria lei e no significado (automático) que esta atribui a certo comportamento, confere, só por si, um elevado grau de certeza à prestação do consentimento da sociedade, pois este consentimento decorrerá do simples facto da participação do cessionário numa deliberação -facto cuja prova o próprio art°. 230°, n° 6, facilitou, ao reduzi-la à simples apresentação da acta da deliberação em causa e não da vontade (tácita) dos sócios em consentirem a cessão.

9 - Tal regime do art°. 230°, n° 6, justifica-se com a necessidade de evitar situações de incerteza acerca da eficácia da cessão relativamente à sociedade, quando a sociedade não se tenha pronunciado expressamente sobre a cessão da quota e visa obviar a situações de incerteza derivadas da ausência de uma deliberação expressa de consentimento.

10 - Ora, está provado nos autos que o autor e os réus CC, HH e JJ estiveram presentes em assembleias gerais da sociedade ré realizadas em 5/2/2003, 11/2/2003, 19/2/2003, 24/4/2003, 11/11/2003, 22/4/2004, 7/12/2004, 2/3/2005, 12/4/2005, 4/5/2005, 25/05/2007, 28/5/2008, 27/5/2009, 26/5/2010 e 06/11/2010, tendo todos tomado parte nas deliberações aí votadas, deliberações essas que não foram impugnadas judicialmente (documentos de fls. 806 a 810, 813-814, 815-817, 818 a 821, 825 a 828, 829 a 833, 836-837, 842 a 844 a 854 e 859 a 862, cujo teor se considera integralmente reproduzido).

11- Pela consulta e leitura dessas actas das Assembleias Gerais, que não foram impugnadas, verifica-se que o cedente EE nunca esteve presente e que o Autor e os Réus cessionários CC, HH e JJ nelas estiveram presentes, todos participaram nas Assembleias e usaram o seu direito de voto, tendo participado nas deliberações aí votadas.

12 - As suas presenças sempre foram, como consta das actas, registadas com a menção de também titulares das quotas em discussão nos presentes autos, como tudo consta das actas.

13 - Os votos dos cessionários considerados nas deliberações, foram, não só, os correspondentes às quotas que já antes das cessões em causa nos presentes autos detinham, mas também os votos correspondentes á quota adquirida pelo sócio CC a EE e às quotas que, após a divisão daquela, o cessionário CC transmitiu para os filhos HH e JJ.

14- Ou seja, os antes identificados cessionários participaram em todas as deliberações dos sócios tomadas nessas assembleias.

15- E estas deliberações não foram impugnadas judicialmente.

16- Estes factos provados conduzem inevitavelmente à situação prevista no n°. 6 do artigo 230° da CSC, ou seja, a ter que ser considerado, nos termos aí impostos, como prestado o consentimento da sociedade para as cessões de quotas em discussão nos presentes autos, uma vez que não foram, como o determina aquela mesma norma, impugnadas tais deliberações com esse fundamento.

17- A douta decisão de 1ª Instância, anteriormente proferida em 23/02/2004, confirmada pelo douto acórdão do STJ de 20/04/2006, que aqui se dão por reproduzidas, antes portanto da entrada da presente acção em 26/07/2007, que decidiram declarar ineficaz em relação à ré sociedade e aos sócios autores a cessão da quota referida no anterior n°. 3 das presentes conclusões e qualquer outro acto posterior a essa cessão de quotas de transmissão e/ou divisão da mesma quota, não impedem, nem prejudicam, nem actos ou comportamentos consubstanciadores de qualquer tipo de consentimento, quer seja expresso ou tácito, nem o consentimento ficto previsto no n°. 6 do citado artigo 230° do C.S.C.

18- Nos presentes autos não se trata da declaração de ineficácia das cessões em causa (que, pelas já referidas decisões já havia sido declaradas), mas da necessária e imprescindível impugnação judicial, para obstar ao consentimento, da deliberação de sócios em que os cessionários participaram para afastar o consentimento previsto no n°. 6 do art° 230° do C.S.C.

19- Não tendo sido impugnadas, face aos factos alegados e provados, ter-se-á de considerar prestado o consentimento da sociedade para as cessões referidas no anterior n° 3 das presentes conclusões, com todas as legais consequências.

20- Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007, o ora autor AA, na qualidade de procurador de EE e esposa FF, declarou ceder a LL, a quota no valor nominal de 134.665,43 € da qual o representado marido era titular na sociedade BB, Lda., cessão que o segundo outorgante declarou aceitar, tudo conforme consta dos termos da escritura certificada a fls. 133 e V° e 134 dos autos, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o respectivo teor.

21- Esta quota não pertencia, nessa data, aos cedentes EE e esposa FF, pois, conforme os factos provados, havia sido valida e eficazmente (entre cedentes e cessionários) cedida, conforme conclusão 3, a CC e por este aos recorrentes HH e JJ.

22- Este negócio configura cedência/venda de coisa alheia e, portanto, é nulo.

23- Dá-se como reproduzida a contestação apresentada em 04/10/2007, especialmente o alegado nos artigos 102° a 105° da mesma, em resultado do que veio a ser dado como provado:

- Foi convocada para 29 de Setembro de 2007 uma assembleia geral extraordinária da sociedade ré, da qual constavam como pontos da ordem de trabalhos a tomada de uma deliberação no sentido de reconhecer como válida a cessão de quota efectuada ao sócio CC, bem com a posterior divisão da mesma quota em duas e respectiva cessão aos sócios JJ e HH, assembleia essa que se reuniu na data apontada mas onde não foi tomada qualquer deliberação sobre os assuntos constantes da ordem do dia, tendo a sessão sido declarada encerrada "sob protestos de vários sócios, muito barulho e insultos impossíveis de serem aqui descritos ", conforme consta do instrumento de acta de reunião do órgão social lavrado pela Sr". Notária UU cuja cópia consta de fls. 246 a 258, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o seu teor.

- A excepção das deliberações referidas em 7., posteriormente anuladas por decisão judicial, a sociedade ré, por intermédio dos seus sócios, nunca mais deliberou sobre o assunto referente à cessão de quota efectuada a CC, não tendo igualmente deliberado sobre a posterior divisão da quota e cessões realizadas a favor dos seus filhos HH e JJ.

24- A contestação apresentada constitui defesa por excepção sustentando o reconhecimento e consentimento das cessões de quotas em discussão nos presentes autos e a sua consequente eficácia em relação à sociedade e sócios e foi apresentada em 04/10/2007, quando ainda não tinha decorrido, após a referida assembleia de 29/09/2007, o prazo de 60 dias previsto no n°. 4 do artigo 230° do C.S.C, o qual, no entanto, já havia decorrido aquando da dedução do recurso subordinado.

25- A invocação do disposto no n°. 4 do artigo 230° do C.S.C está englobado nesse pretendido reconhecimento e consentimento, pelo que, atendendo ao alegado nos artigos 102° a 105° da contestação apresentada, que aqui se dão por reproduzidos e ao entretanto decorrido prazo de 60 dias, parece-nos, salvo o devido respeito, de questão a considerar como alegada e sobre a qual a douta decisão recorrida deveria ter-se pronunciado.

26- Por outro lado, quer na data de 13/09/2007 em que foi convocada a assembleia, quer na data em que a assembleia ocorreu, 29/09/2007, já eram conhecidas da sociedade, quer as cessões, quer os cessionários, quer as condições de cessão, como resulta dos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 16, 19 da matéria de facto dada como provada, assim sendo desnecessário e inútil cumprir, sendo de sublinhar que se tratava de uma cessão de quota ocorrida há cerca de cinco anos antes, a indicação da segunda parte do n° 1 daquele já referido art°. 230°.

27- No que respeita ao pedido por escrito este foi substituído pela convocação da assembleia e da sua ordem de trabalhos onde claramente se diz tratar-se de deliberação de reconhecimento, como válidas e eficazes, as cessões de quotas em discussão nos autos.

28- No caso concreto das quotas em questão, atendendo aos seus titulares e a quem foram cedidas, não assiste, nem à sociedade, nem aos sócios, o direito de preferência, pois, tal não está consignado no pacto social e ainda que assim não fosse, sempre aquela e estes poderiam exercê-lo no prazo legal de que disporiam para o seu exercício do direito contado da data do conhecimento.

29- A segunda parte do n° 3 da cláusula 5ª do pacto social da sociedade Ré disciplina, do mesmo modo, aliás, que a Lei (e, portanto, inútil, pois corresponde ao que está na Lei), no caso de recusa de consentimento e no caso de deliberação de aquisição da quota, a atribuição aos sócios que declarem pretendê-la no momento da respectiva deliberação.

30- Estando provados os factos descritos na anterior conclusão 23, deve ser aplicado o disposto no n° 4 do artigo 230° do C.S.C.

31- Com efeito, o pedido de reconhecimento nada mais significa do que, reconhecido que seja o facto, a admissão como bom, legitimo e verdadeiro, no caso dos autos, a admissão como boas, legitimas e verdadeiras, as cessões e divisão de quota.

32- Qualquer deliberação de reconhecimento produz os mesmos efeitos que a prestação de consentimento, deixando a falta deste de implicar a ineficácia da cessão de quota para que deveria ter sido pedido.

33- Aliás, o consentimento tácito nada mais é, nem pode ser, do que o reconhecimento, ainda que também tácito, pela sociedade dos efeitos do consentimento se ele tivesse sido pedido e prestado;

34- Produzindo o reconhecimento posterior, os mesmos efeitos que o consentimento teria produzido se pedido e concedido - a eficácia da cessão - sendo que que o consentimento pela sociedade visa o reconhecimento do cessionário como sócio;

35- Assim, ao pedido de reconhecimento deve, para efeitos do disposto no n°. 4 do artigo 230°, ser dado o mesmo tratamento legal que é dado ao pedido de consentimento.

36- Consequentemente, não tendo a sociedade tomado a deliberação sobre o pedido de reconhecimento nos sessenta dias seguintes à sua recepção, como está provado, a eficácia da cessão deixa de depender do consentimento.

37- Ou seja, considerando apenas a data da assembleia, 29/09/2007 (e deve considerar-se a data do pedido de reconhecimento), a cessão tornou-se eficaz sessenta dias depois, ou seja, em 28/11/2007.

38- O douto acórdão recorrido deveria ter julgado a acção improcedente e na totalidade procedente a reconvenção e, consequentemente, absolver os Réus da totalidade dos pedidos formulados pelo autor AA;

Reconhecer como válida e eficaz a cessão de quota de EE a CC e posterior divisão e cessão de quotas deste último a HH e JJ; Declarar nulo o negócio de cessão de quotas celebrado entre EE e o reconvindo/cessionário LL, a que se reporta a escritura lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007 e, consequentemente, ineficaz perante os titulares da quota; Ordenar o cancelamento do registo, lavrado na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, referente à cessão de 15 de Maio de 2007 (Menção - Dep. .../2007-05-15).

39- Assim não tendo decidido o douto acórdão proferido violou, entre outras, as disposições contidas nos n°s. 4 e 6 do art°. 230°, n°s 1 e 2 do artigo 231°, do C.S.C e artigos 892° e 939° do Cód. Civil.

Termos em que e nos mais de direito e no que doutamente se suprirá, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando o douto acórdão recorrido, tudo com todas as legais consequências e assim se fazendo JUSTIÇA

II -

1 - O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, revogando a sentença de 1a Instância que se dá por reproduzida, e julgou improcedente a ampliação do objecto do recurso e o recurso subordinado, em consequência do que:

a) declaram ineficaz em relação à ré sociedade e ainda em relação ao sócio autor, a cessão de quota de valor nominal de €134.665,43 com que o sócio EE participa no capital social da sociedade ré, cessão feita pelo referido sócio e mulher, FF, ao sócio CC, aqui demandado em segundo lugar, e que se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. …/2007-03-29, ordenando o cancelamento deste registo;

b) declaram ineficaz em relação à sociedade ré, e também em relação ao sócio aqui autor, qualquer acto posterior de cessão de quota referida em a) e/ou da sua divisão e subsequente transmissão das quotas daí resultantes feitas pelo mesmo sócio CC e mulher a favor de seus filhos, os também RR HH e JJ, actos a que se reportam as menções Dep. …/2007-03-29 e Dep. …/2007-03-29, ordenando o cancelamento destes registos;

c) declaram ineficaz em relação aos apelantes CC, HH e JJ o negócio de cessão de quota celebrado entre EE e o reconvindo/cessionário LL, a que se reporta a escritura lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007, mantendo quanto ao mais a decisão apelada.

2 - Está provado nos autos que o autor e os réus CC, HH e JJ estiveram presentes em assembleias gerais da sociedade ré realizadas em 5/2/2003, 11/2/2003, 19/2/2003, 24/4/2003, 11/11/2003, 22/4/2004, 7/12/2004, 2/3/2005, 12/4/2005, 4/5/2005, 25/05/2007, 28/5/2008, 27/5/2009, 26/5/2010 e 06/11/2010, tendo todos tomado parte nas deliberações aí votadas, deliberações essas que não foram impugnadas judicialmente.

3 - Com efeito, as actas das assembleias gerais da sociedade juntas aos presentes autos, e cujo respectivo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, evidenciam que ao longo de cerca de dez anos o cedente da quota (EE) não esteve presente em nenhuma das assembleias gerais, e os cessionários estiveram presentes nas ditas assembleias gerais, participando na discussão dos assuntos que constituíam a ordem de trabalhos, exercendo todos os direitos inerentes à detenção das referidas quotas, nomeadamente o direito de voto, não tendo sido impedidos de participar e votar nas referidas assembleias, nem tendo tais deliberações sido impugnadas;

4 - Para além disso, as suas presenças e os seus votos foram sempre considerados, não só como detentores das quotas que possuíam anteriormente às cessões aqui em causa, mas também como detentores das quotas cujas respectivas cessões estão aqui em causa.

5 - Assim, estes factos reconduzem-se à previsão legal do artigo 230°, número 6 do Código das Sociedades Comerciais, tendo sido prestado o consentimento da sociedade, através dos sócios presentes nessas assembleias gerais, que não impugnaram judicialmente as referidas deliberações com esse fundamento.

6- E tal não constitui qualquer desrespeito à decisão decisão de 1a Instância, anteriormente proferida em 23/02/2004, confirmada pelo douto acórdão do STJ de 20/04/2006, que aqui se dão por reproduzidas, que decidiram declarar ineficaz em relação à ré sociedade e aos sócios autores a cessão da quota de EE para CC e qualquer outro acto posterior a essa cessão de quotas de transmissão e/ou divisão da mesma quota, uma vez que tal declaração de ineficácia não impede que a sociedade posteriormente dê o seu consentimento aos actos de cessões de quotas aqui em causa, nomeadamente através da forma prevista no n°. 6 do citado artigo 230° do C.S.C.

7- Em relação à quota que o sócio AA, na qualidade de procurador de EE e esposa FF, cedeu a LL, a mesma já não pertencia aos cedentes EE e esposa FF, pois foi válida e eficazmente (entre cedente e cessionário) cedida a CC e por este aos recorrentes HH e JJ, tratando-se de uma venda de coisa alheia, e portanto nula.

8 - Assim, o acórdão de que ora se recorre deveria ter julgado a acção improcedente e na totalidade procedente a reconvenção e, consequentemente, absolver os Réus da totalidade do pedido formulado pelo autor AA; Reconhecer como válida e eficaz a cessão de quota de EE a CC e posterior divisão e cessão de quotas deste último a HH e JJ; Declarar nulo o negócio de cessão de quotas celebrado entre EE e o reconvindo/cessionário LL, a que se reporta a escritura lavrada no Cartório Notarial de Águeda em 15 de Maio de 2007 e, consequentemente, ineficaz perante os titulares da quota; Ordenar o cancelamento do registo, lavrado na Conservatória do Registo Comercial de Águeda, referente à cessão de 15 de Maio de 2007 (Menção - Dep. 133/2007-05-15)

9- Assim não tendo decidido o douto acórdão proferido violou, entre outras, as disposições contidas nos n° 6 do art°. 230° e artigos 892° e 939° do Cód. Civil.

Termos em que e nos mais de direito e no que doutamente se suprirá, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando o douto acórdão recorrido, tudo com todas as legais consequências e assim se fazendo JUSTIÇA!


Contra alegou o A. AA, encerrando, por sua vez, a peça processual apresentada  com as seguintes conclusões:

1- A cláusula quinta do contrato social visou a manutenção da proporcionalidade entre as participações de cada sócio ou grupo de sócios no capital social, para tanto atribuindo aos sócios a preferência nas cessões de quotas a estranhos e fazendo depender a cessão de quotas entre sócios do consentimento da sociedade e, sendo dado tal consentimento, atribuindo aos demais sócios (não cedente e cessionário) o direito a participar também na aquisição da quota que um sócio pretendesse ceder a outro, procurando-se, assim, manter sempre a mesma proporcionalidade na participação de cada sócio ou de cada grupo de sócios.

2 - Na prossecução desse objetivo, verifica-se que da redação do n° 3 do artigo 5o do contrato social resulta que a intenção dos sócios fundadores foi, manifestamente, subordinar a cessão de quotas entre sócios a autorização prévia da sociedade para que, de seguida e antes que tal cessão se realizasse os demais sócios pudessem também participar, rateadamente, na projetada cessão, se o pretendessem.

3 - As assembleias gerais referidas na conclusão 10 da douta Alegação dos Recorrentes DD e outros, tiveram lugar na pendência da Ação n° 17/03.3TBAGD, que correu termos pelo 2° Juízo do extinto Tribunal Judicial de Águeda, que deu entrada em tribunal em 06.01.2003 e nela foi proferido o douto acórdão do STJ em 20.04.2006, ou na pendência da presente ação entrada em tribunal em 26.07.2007.

4- Estas ações foram instauradas pelos autores precisamente para impugnarem a validade da transmissão da quota entre os sócios sem o consentimento da sociedade.

5- Os Recorrentes HH e JJ, estiveram presentes em tais assembleias e tomaram parte nas deliberações, porque já eram titulares de quotas no capital da Ré sociedade, antes da cessão que lhes foi feita pelo falecido sócio CC, seu pai, a qual, como se disse, foi declarada ineficaz em ralação à sociedade e aos autores.

6- Tais deliberações nada tiveram a ver com quotas de sócios e com a sua posição no capital social, mas sim com aprovação de contas ou com outros assuntos atinentes ao normal desenvolvimento da atividade da sociedade ré.

7- O comportamento dos recorridos afasta incontornavelmente a possibilidade da existência de qualquer consentimento tácito para a cessão das quotas ou mesmo, como querem os Recorrentes, qualquer "declaração ficta de consentimento", nos termos do Art° 230°, n° 6 do CSC.

8- Nunca o cedente ou os cessionários da quota em causa pediram à sociedade o consentimento para a cessão da mesma ou para a sua divisão e cessão das quotas resultantes de tal divisão.

9- O prazo de 60 dias estabelecido nesta disposição legal é contado da data da receção do pedido de consentimento, pedido que não foi feito nem rececionado na ré sociedade, estando assim afastada a aplicação da disposição do n° 4 do Art° 230° do CSC.

10- Acarta enviada pela Ré sociedade ao Autor AA, datada de 18 de abril de 2007 — n° 12 dos factos assentes na douta sentença de 1a Instância — resulta claramente que não foi pedido nem concedido o consentimento para a cessão de quota, sua divisão e posteriores cessões, pois que, como bem se fez notar no douto acórdão recorrido, os Recorrentes só depois de março de 2007 "é que se apressaram a proceder a novo registo das transmissões efectuadas em 2002 – por mero depósito como passou a ser permitido (cf. art. 53° -A, n°s 3 e 5, al. a) do CRC) - sem disso terem dado conhecimento à própria sociedade, que se viu na contingência de ter que averiguar junto da Conservatória do Registo Comercial da identidade do titular inscrito da quota em litígio".

11- Não pode de modo algum, considerar-se como pedido escrito de consentimento uma convocatória para uma assembleia geral, não sendo de aplicar analogicamente o disposto no n° 4 do Art° 230° do CSC a tal situação, como pretendem os recorrentes.

12- A referida assembleia geral nem sequer foi convocada pelo réu cedente ou pelos réus cessionários, mas antes pelo sócio gerente Sr. QQ, como os próprios recorrentes DD e outros alegam e reconhecem no Art° 102° da sua contestação.

13-A suscitada aplicação analógica do n° 4 do Art°. 230° do CSC à convocatória para a assembleia geral, apesar de não fazer nenhum sentido, nem sequer foi alegada perante o tribunal de 1a Instância, razão por que se encontrava o seu conhecimento subtraído ao Tribunal da Relação que só se pode pronunciar sobre questões que foram objeto de decisão.

14- Consequentemente, também estará tal conhecimento subtraído a este Supremo Tribunal.

15- A solução consagrada no invocado preceito (n°4 do Art° 230°) pressupõe que o consentimento haja sido pedido por escrito, contendo as menções a que alude o n° 1, solicitação que no caso não foi feita, pelo que não se encontravam reunidas as condições para que a assembleia pudesse deliberar.

16- O douto acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal, designadamente as referidas pelos recorrentes - n°s 4 e 6 do Art° 230°, n°s 1 e 2 do artigo 231° do CSC e artigos 892° e 939° do Código Civil, - tendo sido feita a mais correta aplicação das mesmas.

 

Nestes termos e nos mais de direito e com o douto suprimento do Sábio Tribunal, deve negar-se a presente revista, mantendo-se inalterado o douto acórdão recorrido e assim se fará JUSTIÇA


6. O presente recurso tem subjacente um prolongado litígio entre as partes acerca da eficácia de negócio de cessão de quota feita em 2002 pelo R. EE e mulher a favor de CC ( envolvendo ainda a subsequente divisão da quota originária, com a consequente cessão em benefício dos seus filhos) – que já originou a pendência da acção 17/03, a que se seguiu a propositura desta, na sequência da feitura de novo registo da transmissão da quota, ulterior ao trânsito em julgado da sentença que pôs termo à primeira acção.

   A correcta dirimição do litígio obriga a que se tenha na devida conta o alcance da sentença proferida naquele primeiro processo, face à natureza do vício verificado no negócio de cessão (ineficácia, e não invalidade), bem como a temática dos limites temporais do caso julgado, objecto de alguns equívocos , nomeadamente por parte dos recorridos.

  Note-se liminarmente que a matéria de facto a ter em conta para resolver as questões de direito suscitadas é a atrás enunciada – incluindo, portanto a que consta do ponto 21, ao ter por processualmente adquiridos os factos demonstrados através dos documentos/ actas da sociedade R. juntos no decurso da audiência final – já que não se mostra questionada na presente revista o segmento do acórdão recorrido que considerou inexistir o vício de excesso de pronúncia quanto à inclusão de tal factualidade na matéria litigiosa.

   Está, pois, processualmente adquirido que os cessionários da quota - cedida em 2002 sem a necessária autorização da sociedade – estiveram presentes nas assembleias gerais da sociedade R., realizadas ao longo de período compreendido entre 2003 e 2010, tendo todos tomado parte nas deliberações ali votadas, as quais não foram judicialmente impugnadas.

   Ora – pergunta-se – poderá atribuir-se a tal factualidade (participação do cessionário em múltiplas deliberações sociais, tomadas em assembleia, sem que o interessado em se prevalecer da ineficácia da cessão de quota haja impugnado judicialmente tal participação e a deliberação tomada, enquanto violadora da ineficácia da cessão no confronto da sociedade) o efeito de operar o consentimento tácito na cessão não (expressamente) autorizada?

   Como é evidente, neste concreto circunstancialismo, a norma a que tem de atribuir-se relevância fulcral para a correcta solução do pleito é a que consta do nº4 do art.º 230º do CSC, ao presumir um consentimento tácito no negócio de cessão quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles impugne a deliberação com esse preciso fundamento, considerando suficiente para prova desse consentimento tácito a junção da acta da deliberação.


   Note-se, desde já, que a sentença proferida no P. 17/03 – ao decretar a ineficácia (mas não a nulidade) da cessão realizada em 2002 e das posteriores divisão da quota e nova cessão a favor dos filhos do cessionário, anulando ainda a deliberação social tomada na assembleia de 21/11/02, na parte em que poderia entender-se como legitimadora das ditas transmissões – não tem o alcance que os recorridos lhe pretendem atribuir, de inviabilizar de todo, no futuro, a ocorrência superveniente de uma possível e hipotética autorização (expressa ou tácita) quanto ao negócio de cessão, originariamente não consentido pela sociedade: na verdade, como decorre claramente das decisões proferidas naquela acção, o vício decorrente da realização da cessão de quota sem a indispensável autorização é, não a nulidade, mas a ineficácia da transmissão negocial da quota perante aqueles de cuja vontade ela dependia : ou seja, a falta de autorização quanto à transmissão da quota não origina um vício ou deficiência congénito no negócio de cessão (que é válido e eficaz no domínio das relações internas entre cedente e cessionário), funcionando  antes – e apenas – como condição de eficácia relativa ou oponibilidade à sociedade, nada obstando a que tal condição -  exterior ao plano da validade intrínseca do acto - possa vir a verificar-se no futuro e a ser reconhecida em novas acções, objectivamente diversas da inicialmente julgada.

  Como decorre do preceituado no art. 621º do CPC quanto ao alcance do caso julgado material, a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição ou por não ter sido praticado determinado facto juridicamente relevante, nada obsta a que o pedido se renove precisamente com fundamento na superveniente verificação da condição ou na prática do facto.

   Por outro lado- e como resulta do estatuído no art. 611º do CPC , que regula o tema dos chamados limites temporais do caso julgado -  a situação de facto subjacente ao litígio tem-se por definitivamente cristalizada no momento do encerramento da discussão em 1ª instância – não podendo, consequentemente, ser invocados em novas e futuras acções quaisquer factos essenciais, ainda que supervenientes à propositura da acção, que a parte interessada tinha o ónus de carrear para o processo através da dedução de articulado superveniente apresentado até ao termo da audiência final: ou seja, tais factos, se não foram processualmente adquiridos através da figura do articulado superveniente, estão irremediavelmente precludidos, não podendo a sua futura invocação pôr em crise a estabilidade do caso julgado formado nessa anterior acção.

  Ora, no caso dos autos, em consequência das decisões proferidas naquela primeira acção, ficou definitivamente assente que:

- os actos de cessão de quotas em litígio estavam sujeitos, como conditio de eficácia ou de oponibilidade a determinados interessados, ao consentimento ou autorização da sociedade, através da competente assembleia de sócios;

 - até à data do encerramento do julgamento em 1ª instância – momento necessariamente anterior à prolação da sentença, datada de 23/2/04,  que julgou a acção procedente - não tinha sido alegada a ocorrência, ainda que superveniente ao momento da propositura da acção, de qualquer acto juridicamente relevante  de autorização social que permitisse a  a plena consolidação das cessões em litígio.

  Porém, e como é óbvio, não pode extrair-se de tal decisão jurisdicional a impossibilidade de, no futuro, ou seja, a partir do início do referido ano de 2004, vir porventura a ter lugar a prática de um eventual e superveniente acto de autorização, condicionador da eficácia externa da cessão, que a tornasse, a partir daí, plenamente eficaz no confronto da sociedade: na verdade, o juízo de ineficácia ou inoponibilidade a determinados sujeitos jurídicos do negócio de cessão não preclude a possibilidade de esta condição se poder vir a realizar ou consumar supervenientemente, em nada afectando essa possibilidade a estabilidade do caso julgado formado na primeira acção.

  Saliente-se ainda que, face ao direito material, não oferece dúvida a possibilidade de o consentimento da sociedade relativamente ao acto de cessão ser posterior ao negócio que a titula, podendo o respectivo pedido (formulado nos termos do art. 230º do CSC) ser apresentado ulteriormente: como refere Raul Ventura, (Sociedades por Quotas, I, pag.624): Na verdade, substancialmente, nada impede o consentimento posterior à cessão, pois o consentimento é um requisito da eficácia da cessão para com a sociedade; o acto , em si mesmo, é válido , mas a sua eficácia depende desse requisito, de modo que o acto torna-se eficaz quando o requisito for cumprido.

    Importa, deste modo, aferir o possível relevo das várias deliberações tomadas com a participação dos cessionários da quota, constantes do ponto 21 da matéria de facto, à luz das considerações precedentes. Assim:

a)- é manifesta a irrelevância da participação dos cessionários nas assembleias realizadas até ao momento do encerramento da discussão em 1ª instância –ou seja, até ao início de 2004: na verdade, por força dos limites temporais do caso julgado essa factualidade, se fosse superveniente à fase dos articulados, teria de ter sido alegada pela parte interessada em articulado superveniente, enquanto facto (alegadamente  determinante da plena eficácia do negócio de cessão) impeditivo do efeito jurídico pretendido pelo A;

b)- e relativamente às deliberações tomadas entre aquela data e o momento do trânsito em julgado do acórdão do STJ que confirmou a sentença que julgara a acção procedente (20/6/06)?

   No nosso regime adjectivo, os recursos não servem para criar matéria (factual) nova, não podendo, portanto, em princípio, ser carreados, durante a pendência do recurso, para o processo factos supervenientes ao encerramento da audiência em 1ª instância, através da dedução do pertinente articulado superveniente (cfr. os arts.611º e 588º do CPC): o quadro factual relevante para a dirimição do litígio está, pois, estabilizado ou cristalizado no referido momento do encerramento da audiência final, não podendo, por isso, ser tomados em consideração no julgamento da acção factos substantivamente relevantes posteriores a tal data (o que aparentemente implicaria a possibilidade de serem invocadas na presente acção factos ocorridos nas assembleias realizadas entre 22/4/04 e 4/5/06).

   Sucede, porém, que o obstáculo a tal invocabilidade decorre, não da aplicação de regras de natureza processual, referentes nomeadamente à definição dos limites temporais do caso julgado, mas da interpretação da norma substantiva constante do referido art. 230º, nº4, do CSC: é que o ónus que aí se impõe ao sócio dissidente quanto à eficácia da cessão de propor necessariamente acção de impugnação de qualquer deliberação aprovada com a participação e o voto do cessionário não deverá aplicar-se enquanto não houver decisão definitiva na acção de impugnação originariamente intentada, reportada a uma deliberação expressa de autorização da cessão.

   Na verdade, não faria sentido obrigar o sócio dissidente que começou por impugnar a deliberação que consentiu expressamente na cessão a impugnar também, durante a pendência de tal acção, todas as deliberações em que tivesse participado o cessionário, prevenindo a hipótese de vir a proceder a acção anulatória: é que, neste caso, não tendo sido decretada a suspensão de eficácia da deliberação que consentiu expressamente na cessão, o efeito constitutivo pretendido só se consuma no momento em que a causa se mostra definitivamente julgada – constituindo, nesta óptica, solução manifestamente desproporcionada e funcionalmente inadequada a que obrigasse o sócio, na pendência da acção, a impugnar quaisquer deliberações tomadas com participação do cessionário (e que surgiriam como mera decorrência do acto inicial de consentimento expresso na cessão, que subsiste até ser judicialmente anulado por sentença transitada em julgado).


7. Resta, pois, determinar o efeito a atribuir às restantes deliberações sociais, tomadas entre 25/5/2007 e 2010 com a efectiva participação dos cessionários e tendo subjacente, quanto ao voto emitido, a repartição do capital social emergente do negócio de cessão não consentida.

   Saliente-se que aquela primeira deliberação foi tomada num momento em que já estava definitivamente julgada a acção 17/03 e ainda se não mostrava sequer proposta a presente acção, iniciada apenas dois meses depois, em 26/7/07.

  Por outro lado, as restantes deliberações sociais referidas no ponto 21 da matéria de facto ocorreram efectivamente na pendência desta causa – importando, porém, realçar que o seu objecto (ao contrário do que se verificou na citada acção 17/03) não comporta manifestamente a formulação de um pedido de impugnação de quaisquer deliberações sociais, nomeadamente das que pudessem implicar um reconhecimento tácito da eficácia da cessão não autorizada.

   A resposta a dar a esta questão implica uma análise aprofundada do regime constante do citado nº4 do art. 230º do CSC.

   Na sua alegação, os recorrentes – fundando-se em artigo doutrinário da autoria de Pedro Maia – qualificam a situação retratada nesta norma como implicando uma declaração ficta de consentimento na cessão da quota: na verdade, neste caso, e ao contrário do que ocorre nas declarações tácitas propriamente ditas, o efeito legalmente previsto não assenta na vontade implícita dos sócios em consentirem na cessão, mas antes num comportamento objectivado destes – traduzido na admissão do cessionário a participar em determinada deliberação – presumindo a lei inelutavelmente de tal factualidade objectiva o consentimento para a cessão – e apenas admitindo uma via possível para tal presunção legal ser destruída: a propositura pelo sócio dissidente, em devido tempo, de acção impugnatória com esse específico fundamento.

   Ou seja: neste caso – e ao contrário do que normalmente ocorre com as típicas declarações tácitas, em que do conteúdo expresso de certa deliberação ou de circunstâncias peculiares do procedimento deliberativo se infere, por via interpretativa, segundo os padrões do médio participante no tráfico jurídico, um outro sentido ou conteúdo não explicitado – a lei prescinde aqui de qualquer margem de ponderação ou valoração casuística acerca da concludência do comportamento e da probabilidade séria de o mesmo revelar uma determinada vontade dos sócios, não directamente declarada.

  Não cabendo obviamente, no presente recurso, tomar posição cabal acerca da configuração dogmática do referido regime legal, não pode deixar de se reconhecer que ele implica efectivamente uma particular rigidez preclusiva, ao presumir, por um lado, em termos estritamente objectivados, de certo facto (a participação do cessionário em deliberação social, revelado em termos bastantes pela respectiva acta) um consentimento tácito na cessão; e ao criar, por outro lado, para o sócio dissidente uma única via possível para obstar à irremediável sedimentação do efeito presumido ou ficcionado: o desencadear em tempo de acção impugnatória com esse preciso fundamento (não bastando obviamente que o sócio dissidente se limite a lavrar em acta voto de protesto pela participação do cessionário na deliberação, reportada à percentagem do capital correspondente ao negócio de cessão).

   Este regime é explicado por relevantes necessidades de certeza e segurança na vida das sociedades, que poderia efectivamente ser afectada, em termos significativos, pelo arrastamento temporal de litígios acerca da oponibilidade da cessão, não expressamente consentida, à sociedade – evitando, que - como ocorreu, aliás, manifestamente no caso dos autos – se possam perpetuar situações dúbias ou ambivalentes acerca da real identidade dos sócios , arrastando-se indefinidamente os litígios sobre tal questão, sem solução clara a rápida.

  Ora, perante este regime normativo específico e ponderada a funcionalidade que lhe vai subjacente, não se vê como será possível deixar de atribuir o significado legalmente presumido à participação do cessionário em deliberações sociais ulteriores à decisão final proferida na primeira acção, documentadas nas respectivas actas, juntas aos presentes autos.

   Os argumentos esgrimidos pelos recorridos são, a este propósito, claramente insubsistentes.

    Por um lado – e como atrás se realçou – é manifestamente insuficiente  para obstar à produção do efeito legalmente ficcionado, a mera formulação de um voto de protesto quanto à participação do cessionário na deliberação - sendo indispensável a propositura atempada de acção visando precisamente impugnar a deliberação, com fundamento na indevida participação do cessionário com os votos correspondentes à quota do capital resultante da cessão não autorizada expressamente pela sociedade; ou seja, a proposição da acção impugnatória constitui ónus do sócio dissidente, o qual, a não ser cumprido, implica um irremediável efeito preclusivo, traduzido na sedimentação da eficácia da cessão no confronto da sociedade.

  Por outro lado, não pode afirmar-se que – atento o desfecho da primeira acção – os autores teriam ficado sossegados, na certeza do seu direito, não tendo de impugnar assembleias onde o tema da cessão não foi directamente abordado: como atrás se referiu, esta perspectiva assenta em manifesto equívoco acerca do alcance da decisão proferida naquela acção que decretou, não a invalidade, mas apenas a ineficácia relativa da cessão, com fundamento na não verificação, à data do julgamento, de determinado facto ou condição – não podendo obviamente ser-lhe atribuído o alcance de, no futuro, impedir que a condição de que dependia a eficácia da transmissão da quota se pudesse vir a preencher por facto superveniente…

  Ou seja: o desfecho da primeira acção – e a sentença, favorável aos interesses dos AA., aí obtida – não os dispensava do cumprimento do ónus de impugnar tempestivamente em juízo as deliberações em que participou o cessionário, nelas votando de acordo com a percentagem do capital decorrente da cessão não autorizada, posteriores ao respectivo trânsito – o que manifestamente não fizeram.

   Por um lado, a presente acção não pode qualificar-se, atento o seu objecto e os pedidos nela formulados, como de impugnação das referidas deliberações, cuja validade não será minimamente abalada, qualquer que seja o respectivo desfecho.

  Na verdade, não basta, para se poder ter como existente uma impugnação judicial de certa deliberação social, que esteja pendente uma causa em que se controverta a questão da eficácia de certo negócio de cessão de quota – sendo obviamente indispensável que nela se mostre formulado pedido que, a proceder, dite a destruição da deliberação impugnada – o que não ocorre manifestamente no caso dos autos, atentos os pedidos formulados, todas eles sem a menor conexão com a questão da validade das deliberações sociais enumeradas no ponto 21 da matéria de facto: e daqui decorre que não podem considerar-se impugnadas, em consequência da mera pendência da presente acção, para os fins do citado nº6 do art. 230º, as deliberações tomadas nas assembleias realizadas na pendência desta causa, com participação dos cessionários e sendo reportados os seus direitos de voto à titularidade do capital social resultante da cessão da quota.

  Acresce que – como resulta do referido ponto 21 – na assembleia realizada em 25/5/07 ( ou seja, dois meses antes de a presente acção dar entrada em juízo) foram tomadas deliberações com a participação do cessionário, sem que, nos 30 dias subsequentes (art. 59º CSC) o sócio dissidente – que esteve presente e lavrou voto de protesto através do representante que designou (fls. 844) – haja  desencadeado qualquer acção ou procedimento jurisdicional susceptível de conduzir à anulação de tal deliberação – o que só por si ditaria a produção irremediável do efeito preclusivo contemplado no referido art. 230º, nº6.

   Em suma: pelas razões apontadas, a matéria de facto referenciada no ponto 21 da matéria de facto implica que se deva ter por tacitamente autorizada a cessão da quota, nos termos previstos no citado nº6 do art. 230º do CSC, como se havia decidido na sentença apelada.


8. Os recorrentes questionam ainda o decidido no acórdão recorrido em sede de suscitação da nulidade da cessão da quota, alienada pelo A. a favor do interveniente LL quando já não era titular do respectivo direito, objecto do pedido reconvencional oportunamente deduzido.

  Não oferece dúvida que tal negócio de segunda cessão da quota, realizado por quem já a havia anteriormente alienado validamente a outro sujeito jurídico – subsistindo inteiramente entre as partes os efeitos decorrentes de tal negócio de primeira alienação da quota (por um lado, a falta de autorização da sociedade apenas determina a ineficácia relativa, isto é , a inoponibilidade da cessão a terceiro: o ente social; e, por outro, foram dados como não provados os factos em que se alegava uma pretensa resolução ou distrate desse primeiro negócio de cessão – cfr. fls. 977) - traduz uma alienação de bem alheio, sujeito ao regime da venda de coisa alheia, tal como se mostra definido pelas normas do CC.

  Entendeu, porém, a Relação, no acórdão recorrido, que – na venda de bens alheios – o vício da nulidade apenas seria invocável no âmbito da relação estabelecida entre as partes do negócio, prevalecendo, quando estivesse em causa o interesse do verdadeiro titular do direito transmitido a non domino, o vício de ineficácia, não dispondo este, assim, de legitimidade para se prevalecer da nulidade da venda.

  E daí que não houvesse sido julgada inteiramente procedente a pretensão objecto do pedido reconvencional, apenas se declarando ineficaz em relação aos primeiros cessionários da quota o negócio da segunda cessão, realizada em 2007 – não se decretando, consequentemente, o cancelamento da respectiva inscrição registral.


   Será assim?

   Efectivamente, tem sido entendido que o verdadeiro titular do direito, para assegurar o seu interesse, não carece de se prevalecer da invocação do regime da nulidade, estabelecido no art. 892º do CC , o qual operaria  fundamentalmente no plano das relações entre alienante a non domino e adquirente : na verdade, o regime de ineficácia quanto a ele da venda ilegitimamente realizada poderia bastar para a plena satisfação do seu interesse (podendo, por exemplo, reivindicar directamente a coisa vendida, sem necessidade de pedir prévia ou concomitantemente a declaração de nulidade do negócio).

Tal possibilidade de se prevalecer da ineficácia (sem ter necessidade de invocar o vício de nulidade), estabelecida para reforço do interesse do legítimo titular do bem ilegitimamente alienado, não obsta, porém, à aplicabilidade das regras gerais vigentes em matéria de nulidade do negócio jurídico, na medida em que tal vício envolve a lesão de interesses públicos  - possibilitando-se, por isso, não apenas o conhecimento oficioso da invalidade pelo tribunal, mas também a sua invocabilidade por quem nisso tiver interesse, nos termos do art. 286º do CC.

Trata-se, assim, de um tipo de invalidade de negócio que pode ser invocada por qualquer interessado, nos termos do disposto pelo artigo 286º do CC, - desde logo, pelo titular de qualquer relação jurídica cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja susceptível de ser afectada pelos efeitos que o negócio jurídico tenderia a produzir, um dos quais poderá ser naturalmente o verdadeiro titular dos bens alienados que, em determinadas circunstâncias (e para além do âmbito da ineficácia do acto no seu confronto), pode ter interesse efectivo em invocar e prevalecer-se da nulidade do negócio jurídico de alienação.

É o que manifestamente sucede no caso dos autos, atenta, desde logo, a particular fisionomia do direito alienado (não estamos confrontados com direitos reais, incidentes sobre coisas, mas com direitos sociais, envolvendo participação activa na vida societária) e a circunstância de ter sido lavrado registo da segunda alienação, cuja nulidade se pretende ver declarada.

Ora, neste concreto circunstancialismo, é evidente que existe um interesse legítimo, quer do verdadeiro titular da quota, quer da própria sociedade, em - não se limitando a ignorar os efeitos do acto de alienação ilegitimamente realizado – ver judicialmente apreciado e declarado o vício que inquina o negócio de alienação: na verdade, só assim será possível erradicar definitivamente da ordem jurídica as dúvidas que poderiam subsistir acerca da legitimidade para o exercício dos direitos sociais pelo verdadeiro titular da quota, obtendo-se ainda a remoção ou cancelamento do registo lavrado a favor do segundo adquirente (e cuja subsistência constituiria naturalmente factor de incerteza e insegurança quanto à legitimidade para o exercício dos direitos inerentes à verdadeira titularidade da quota social).

Em suma: tendo optado os RR. pela formulação de uma pretensão de declaração de nulidade do negócio de alienação a non domino (o que implica que, na sua óptica, não satisfaz  adequadamente o seu interesse a mera ineficácia do negócio de alienação no seu confronto) e estando claramente demonstrada a existência de um interesse sério em obter tal declaração – destinada a remover definitivamente quaisquer dúvidas acerca da titularidade efectiva dos direitos sociais inerentes à titularidade da quota, possibilitando ainda tal apreciação jurisdicional o cancelamento do registo lavrado a favor do segundo adquirente – considera-se que nada obsta à apreciação jurisdicional do vício de nulidade do negócio jurídico e ao decretamento das respectivas consequências jurídicas.

9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se provimento à revista, revogando, consequentemente, o acórdão recorrido e repondo-se o decidido na sentença apelada, julgando:

- improcedente o pedido formulado pelo autor, dele absolvendo os RR, determinando que se proceda ao registo da decisão;

- reconhecendo como eficaz, no confronto da sociedade e dos sócios, a cessão de quota efectuada por EE em favor de CC e a posterior divisão e cessão de quotas , feita por este último a favor de HH e JJ;

- declarando nulo o ulterior negócio de cessão de quota celebrado  pela escritura de 15/5/2007 entre o procurador de EE e mulher  e o cessionário LL, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo, lavrado na Conservatória do registo Comercial de Águeda (Menção – Dep. …/2007-05-15).

Custas pelos AA / reconvindos e pelos recorridos na presente revista.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2015

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor