Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3407/15.5T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: BOA -FÉ
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
CULPA IN CONTRAHENDO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
DANOS PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CESSÃO DE QUOTA
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS /NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / ELABORAÇÃO DO ACÓRDÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2.ª Edição, 1973, Volume I, p. 25;
- Baptista Machado, RLJ, Ano 117º, p. 321;
- Galvão Teles, Direito das Obrigações, 1997, Coimbra, p. 77;
- Mário Júlio Almeida Costa, Responsabilidade Civil por Ruptura das Negociações Pré preparatórias de um Contrato, Coimbra Editora, 1984, p. 49, 53, 73, 74, 80 e 93 ; RLJ Ano 116º, p. 152;
- Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Volume I, p. 583;
- P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 3.ª Edição, Volume I, p. 216.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, N.º 1, 473.º E 497.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2 E 663.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-02-1981, IN RLJ ANO 116º, P. 101;
- DE 31-02-2011, PROCESSO N.º 3682/05.3TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A boa-fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir e tem, no caso do art. 227.º do CC, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.

II - O n.º 1 do artigo 227° do CC refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa-fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisóría) do contrato.

III - A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má-fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

IV - Só existe responsabilidade pré-contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.

V - Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.

VI - Os danos ressarcfveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento).

VII - O regime que melhor se adapta à responsabilidade pré contratual pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato, havendo vários responsáveis pela ruptura ilegítima, é o da responsabilidade solidária previsto no art. 497.º do CC.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO


AA, Ltd intentou a acção declarativa com processo comum contra BB e mulher, CC, DD e EE, Lda, pedindo que os réus sejam condenados:

a) A restituir-lhe a quantia de €110.000,00 por ela prestada durante a fase de negociações com vista à celebração do contrato identificado nos autos;

b) A indemnizá-la pelas despesas incorridas durante a fase de negociações, em valor a apurar em execução de sentença e nunca inferior a €10.000,00, quantias essas acrescidas de juros vencidos e vincendos.


Em síntese, alegou que fez a entrega ao réu BB a quantia de €110.000,00, como princípio de pagamento com vista a adquirir 50% do capital da ré EE, Lda.

O negócio consistia numa cessão de quotas, transmissão da propriedade do armazém para a sociedade e aumento de capital e acabou por não se concretizar, uma vez que os réus exigiram da autora o pagamento de € 465.000,00 em numerário, entregue em mão na data das escrituras, com vista a evitar a declaração de tais rendimentos e o pagamento dos respectivos impostos. A autora recusou-se a tal, exigindo, para celebrar o negócio, que o pagamento fosse feito através de cheque ou transferência bancária, por forma a existir um comprovativo das quantias efectivamente transaccionadas, que os réus não aceitaram.

O negócio acabou por não se concretizar e os réus não restituíram qualquer quantia à autora, pese embora esta tenha pedido a sua restituição, por inúmeras vezes.

A autora suportou várias despesas tendo em vista a preparação do contrato de cessão de quotas, nomeadamente em deslocações e em estadias em Portugal para negociar e acertar as condições contratuais, em montante não inferior a €10.000,00 dos quais pretende ser ressarcida pelos réus.

 

 Os réus contestaram, impugnando parte da factualidade alegada pela autora, e deduziram reconvenção pedindo que:

- Seja a autora condenada a pagar ao réu BB a quantia global de 25.095,41 €;

- Seja a autora condenada a pagar à ré EE, Lda., a quantia global de 93.299,12 €;

- Seja a autora condenada a pagar à ré EE, Lda, a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, pelos prejuízos referidos nos itens 127, 128, 129 e 130 da contestação;

- Seja a autora condenada no pagamento de juros de mora, calculados à taxa legal.

Fundamentam as suas pretensões nos prejuízos alegadamente causados pela conduta da autora que, segundo eles, estando em curso negociações e após criação de grande expectativa quanto à celebração do negócio em causa, desistiu do mesmo, alegando, entre outros motivos, que não queria fazer o pagamento de € 465.000,00 em dinheiro, conforme condições previamente estabelecidas.


A autora replicou, impugnando a matéria de facto que sustenta a reconvenção.

Mais pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e numa indemnização a seu favor em montante a apurar em execução de sentença.

                                                                             

Foi proferida a sentença de 30.07.2016 que julgou a acção e a reconvenção totalmente improcedentes e absolveu os réus do pedido e absolveu a autora/reconvinda do pedido reconvencional.

Mais condenou os réus como litigantes de má-fé em multa que fixou em 5 UC.


Por acórdão da Relação de … de 23.03.2017 foi julgada procedente a excepção de caso julgado e absolvidos os réus da instância.


Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2017 foi revogado aquele acórdão, tendo sido determinado que a Relação de … prossiga a apreciação do recurso de apelação, com o fundamento de que não se verificavam os requisitos do caso julgado.


Em acatamento do acórdão do Supremo, a Relação de … proferiu novo acórdão em 08.03.2018, revogando a sentença recorrida, condenando os réus a restituir à autora a quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros).


Não se conformando com aquele acórdão, dele recorreram os réus, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - O Tribunal da Relação de … que julgou procedente a apelação apresentada pela autora ( e não pelo réus, como por lapso consta desta conclusão) tendo concluído pela condenação dos réus à restituição à autora, ora recorrida da quantia de €110.000,00, na medida em que entendeu o douto acórdão que esta logrou provar os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.

2ª - Instituto do enriquecimento sem causa na situação em apreço já foi analisado, discutido e decidido, no âmbito do processo judicial n° 1410/13.9TBWD do Tribunal da Comarca de …, Instancia Central - 1Q secção Cível J…,

3ª - Estamos portanto perante uma excepção de caso julgado, a qual obsta à apreciação do mérito da causa e determina como consequência a absolvição dos ora recorrentes do pedido.

4ª - Não podem mais os tribunais, mormente o Tribunal da Relação, debruçar-se sobre se o assunto em apreço nos presentes constitui enriquecimento sem causa ou não, já existiu uma decisão, transitada em julgado sobre isso, decisão que obsta a nova decisão sobre o mérito da causa.

5ª - A autora, recorrente e ora recorrida na sua petição inicial não formulou qualquer pedido de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa, pelo que não poderia o Tribunal da Relação sobrepor-se a tal, como fez e debruçando-se sobre o assunto.

6ª - As sentenças e acórdãos não podem condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, tendo-o o Tribunal da Relação feito.

7ª - A Relação, incorreu numa nulidade por excesso de pronúncia, ao pronunciar-se sobre o que não lhe foi submetido, sendo que deveria ter-se limitado a apreciar o pedido e a causa de pedir e não ter permitido como permitiu que a autora/recorrida de forma ardilosa, corrigisse os defeitos da sua petição inicial.

8ª - A autora/recorrido agiu de manifesta má fé e com abuso de direito, tendo perfeito conhecimento e consciência do impedimento de lançar mão, do instituto do enriquecimento sem causa, à data que o fez, visando tão somente impedir ou entorpecer o acção da justiça, não permitindo aos réus o exercício do seu direito de contraditório, agindo sempre à socapa para comprometer o exercício do direito dos réus/recorrentes.

9ª - Ainda que os ora recorrentes não tivessem sido absolvidos do pedido pelo motivo anteriormente exposto, na opinião dos recorrentes não estamos sequer perante uma situação enquadrável no Instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que a alegada vantagem adquirido pelo réu/recorrente BB tem uma causa, insere-se no âmbito de um determinado acordo tendente à concretização de um certo negócio.

10ª - Ainda o Tribunal da Relação conclui pelo condenação conjunto dos ora recorrentes, outrora réus na restituição à recorrida da quantia de €110.000,00, acabando por se não entender sequer que tipo de condenação é, se conjunta ou solidária, pelo que o acórdão é omisso nesse aspecto e portanto nulo.

11ª - Pelo exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado e manter-se a decisão de primeira instância.

Termina, pedindo que seja ordenada a revogação do acórdão recorrido.


A autora contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - A autora é uma sociedade comercial de direito britânico, com sede em …, …, ..., NG7 2TA England, e registada sob o número 45…0. - Cópia do Certificado de Registo (Certification of Incorporation) - Doc, 1.

2º - O réu BB é sócio fundador da ré EE, Lda, a qual é uma sociedade comercial (de) direito português com o capital social no valor de €187.000,00 (Cento e oitenta e sete mil euros) Certidão do Registo Comercial - Doc, 2.

3º - O capital social da sociedade EE é composto por três quotas, duas pertencentes ao réu BB, no valor de € 93.500,00 (Noventa e três mil e quinhentos euros) e de € 56.100,00 (Cinquenta e seis mil e cem euros), respectivamente, e uma pertencente ao filho deste, o Réu DD, no valor de € 37.400,00 (Trinta e sete mil e quatrocentos euros). - Cfr. Doc, 2.

4º - A EE Lda tem a sua sede no Parque Industrial de …, Rua …, Pavilhão …, 4730-Vila-Verde, dedicando-se à actividade de confecção de peúgas e outros têxteis. - Cfr. Doc, 2.

5º - A autora manteve relações comerciais com a ré EE, Lda durante alguns anos, regularmente, contratando com esta várias encomendas para confecção de peúgas.

6º - Nos primeiros meses de 2013, veiculou-se a possibilidade da autora adquirir uma quota equivalente a 50% do capital da ré EE, Lda.

7º - Os representantes da autora deslocaram-se a Portugal durante a fase de negociações para acertar os termos e condições do negócio.

8º - Em 27 de Abril de 2013, o advogado FF, como representante da EE e de BB, comunicou à autora que, após conversa do dia anterior, vinha apresentar o resumo dos termos do negócio, do seguinte modo:

" Aquisição da vossa parte da parte pertencente ao parceiro BB, da empresa EE, Lda., através de uma escritura pública, pelo valor de 110.000 €.

Após esta aquisição, cada um dos parceiros da empresa terá 50% das acções, sendo o gestor da empresa DD, uma vez que vive em Portugal e pode gerir a empresa diariamente.

Aumento do capital da empresa EE, para o valor de 180.000 €, sendo 90.000 € da vossa parte e 90.000 € do parceiro DD.

Aquisição pela empresa EE do edifício que é sede da empresa, correspondendo ao pavilhão que está actualmente ocupado para o desenvolvimento da actividade da empresa. O valor desta aquisição será de € 180.000, o mesmo valor que o do aumento do capital da empresa.

Entrega pela vossa parte, até à data da assinatura do acordo do valor de € 465.000,00 em dinheiro, sendo € 65.000,00 para suportar as despesas relacionadas com este negócio (impostos, contratos, registos e outros).

Celebração do contrato de trabalho por período indeterminado entre a empresa e o accionista BB, com uma remuneração mensal de € 30.000 (...)”” - (documento de fls. 182, traduzido a fls. 200)

9º - Não houve resposta a este email.

10º - Em 19.06.2013, a autora remeteu ao réu DD uma comunicação a que juntou uma carta datada de 10.06.2013, onde a mesma declarava:

"A todos os interessados, Sujeito a contrato

A AA (H…) Ltd está satisfeita em avançar com a aquisição de 50% da propriedade de EE pelo valor acordado de € 665.000.

Temos conhecimento que este valor inclui metade do edifício actual da fábrica, todas as máquinas, os fios, as encomendas e good will. Compreendemos que a renda é paga à outra metade do edifício.

Necessitamos de ter um plano de pagamento detalhado e gostaríamos de sugerir o seguinte: € 200.000 - Agosto € 200.000 - Outubro € 200.000 -Dezembro € 65.000 – Fevereiro” (cfr. fls. 256 e 257 e tradução de fls. 201).

11º - Após negociações, as partes chegaram a acordo quanto aos seguintes termos do negócio:

. O valor total acordado para o negócio era de € 665.000,00 (Seiscentos e sessenta e cinco mil euros), sendo este o montante total que a autora teria de pagar.

. O negócio envolvia:

a. A transmissão de uma quota do réu BB para a autora, correspondente a 50% do capital social;

b. A transmissão para nome da sociedade EE, Lda do imóvel de propriedade do réu BB (pavilhão) onde funciona a sua sede social e a fábrica de confecção de peúgas;

c. Um aumento do capital social da ré EE, Lda.

12º - Na prática, o negócio traduzia-se na compra de 50% da empresa EE, Lda, pelo preço de € 665.000,00, sob a condição, incluída no preço, do réu BB transmitir para sociedade a propriedade do Pavilhão onde se situa a sede desta e onde funciona a fábrica de confecção, o que demandava a celebração de vários contratos, no conjunto dos quais se exigia a intervenção da autora, do réu BB, da ré EE, Lda, bem como do réu DD.

13º - Tendo chegado a acordo quanto àqueles referidos termos do negócio, a autora entregou a quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), como princípio de pagamento, através de transferência para uma conta bancária indicada pelo réu DD e pertencente ao réu BB.

14 º - Em 3 de Julho de 2013, o réu DD subscreveu uma carta dirigida à autora com o seguinte teor:

"Venho por este meio confirmar o recebimento de um pagamento no montante de 110.000 €, com data-valor de 26-06-2013.

Este diz respeito a:

"Aquisição de 50% das acções/quotas da EE pela AA"

Nos termos do acordo e das condições de pagamento, em resumo, os próximos movimentos são:

"Aumento do capital da sociedade EE, com 90.0000 € vindos da vossa parte" - este montante deverá ser pago directamente à empresa até Agosto de 2013;

"Entrega da vossa parte, até à data da assinatura das escrituras, do montante total de 465.000 €" - este montante deverá ser pago em dinheiro a BB, 200.000 até Outubro, 200.000 € até Dezembro e 65.000 até Fevereiro de 2014” (Documento de fls. 12-verso e traduzido a fls. 239)

15º - Em 29.07.2013, o réu DD enviou um e mail à autora com o seguinte teor:

"Caros intervenientes,

A GG estava a perguntar se poderia efectuar a 2ª transferência após a reunião. O problema é que a "reunião" é a assinatura de uma escritura. Assim sendo, nós temos de ter as transferências realizadas até lá." (Documento de fls. 185)

16º - Em 30.07.2013, a autora remeteu ao réu DD uma mensagem electrónica com o seguinte teor:

"Olá DD,

Quando usamos o termo "cash" em Inglaterra, normalmente queremos significar que alguma coisa é paga a pronto sem recurso a empréstimo.

Também usamos o termo "cash" para outras coisas mas isso é normalmente para algo ilegal, algo que seria feito de uma forma dissimulada, normalmente para evitar pagamento de impostos.

Dado que esta é uma compra legal e infra, na mesma frase, você mencionou pagamento em dinheiro e impostos, nós assumimos que seja uma compra a pronto, paga através de uma transferência em dinheiro.

Espero que esteja a fazer sentido?

Não conseguimos perceber porque querem este pagamento em numerário e não através de uma transferência bancária, e também simplesmente não temos essa quantidade de dinheiro em numerário, mas somente em dinheiro no banco.

Tem tempo para uma chamada através do skype agora? Cumprimentos, GG" (Documento de fls. 13, traduzido a fls. 235)

17º - Em 30.07.2013, em resposta à referida mensagem, o réu DD remeteu à autora uma mensagem electrónica com o seguinte teor:

«Cara GG,

Eu compreendo-a. Se põe as coisas nesses termos, sim, você foi directa ao assunto. Nós não queremos pagar impostos, não achamos que seja justo dar uma parte substancial do valor ao Estado onde, no fim, os políticos metem o dinheiro nos seus bolsos e ninguém quer saber... Não espero que compreenda, isto talvez seja uma questão cultural, mas é bastante habitual em Portugal receber parte do montante em numerário. Os 65 para pagar impostos posso explicar-lhe, nós chegamos a este valor com bom senso e solicitamos ajuda para chegar a estes números: (...) (Doc. de fls. 14, traduzido a fls. 235 e 236)

18º - O negócio - de cessão de quotas, transmissão da propriedade do armazém para a sociedade e aumento de capital - não se concretizou.

19º - Os réus pretendiam da autora o pagamento de € 465.000,00 em numerário, entregue em mão na data das escrituras, com vista a evitar a declaração de tais rendimentos e o pagamento dos respectivos impostos.

20º - A autora recusou-se a entregar € 465.000 em dinheiro, exigindo, para celebrar o negócio, que o pagamento fosse feito através de cheque ou transferência bancária por forma a existir um comprovativo das quantias efectivamente transaccionadas.

21º - Os réus recusaram-se a celebrar o negócio em tais condições.

22º - O réu BB teve incómodos, assim como despendeu trabalho em prol deste negócio.

23º -O réu BB criou uma grande expectativa de celebração do negócio, tendo vislumbrado o crescimento da sua empresa, quer a nível de instalações, quer de clientela e internacionalização, tendo expectado crescimento e lucro.

24º - O réu BB despendeu com advogado, para acompanhar estas negociações, a quantia global de 3.075 €.

25º - Por causa das referidas negociações, o réu BB antecipou a liquidação do crédito bancário que possuía sobre o pavilhão, tendo tido despesas no montante de 1.184,61 € e uma penalização de 981,81 €.

26º - A ré EE avançou com um projecto de candidatura a Fundos Europeus, com recurso a um empréstimo de 123.982,82 € por parte do réu BB.

27º - A ré teve despesas com tradutor no montante de 208,39 €.

28º - A cadeia de supermercado de nome HH era um cliente da autora que se predispunha a ser cliente da ré EE, Lda, aquando da concretização do negócio que se frustrou, exigindo, para o efeito, que a ré adquirisse os seguintes equipamentos: detector de metais; aparelho Verivide e mesa de ângulo fixo; e, ainda, Mathbirk lateral Sock Stretcher.

29º - A ré adquiriu o referido equipamento pelo valor de, respectivamente, € 2.0664,00, € 1780,79 e € 1.259,00, bem como teve que criar uma caixa de segurança em volta da zona detector, uma chamada zona livre de metais, no valor de € 3.167,25.

 

B) Fundamentação de direito


A questão que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se ao caso é aplicável o instituto da responsabilidade pré-contratual previsto no artigo 227º do Código Civil, ou o do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473º do Código Civil.

  

A disputa judicial entre as partes iniciou-se quando a autora intentou contra os réus uma acção de processo comum (Processo nº 1410/13.9TBVVD) em que aquele pede que o contrato promessa seja declarado nulo por falta de forma e os réus condenados a pagar-lhe a quantia de € 110.000,00, por aquela prestada como princípio de pagamento e tendo em vista a celebração do contrato prometido.

Em 19.12.2014 foi proferida sentença em que a acção foi julgada improcedente e os réus absolvidos do pedido, com o fundamento de que a autora não pode trazer à colação as regras que disciplinam a forma do contrato-promessa, visando a declaração de nulidade do alegado acordo e a restituição, com tal fundamento, do dinheiro entregue.

Mais se considerou que a situação se insere, antes, na problemática da responsabilidade pré-contratual nos termos do artigo 227º nº 1 do Código Civil – Cfr fls 15 vº a 21.


Ora, foi com base na responsabilidade pré-contratual que a autora intentou contra os réus a presente acção – Vide artigos 21 a 29 da petição inicial.


Na audiência prévia de 22.01.2016 (fls 221 a 227, maxime fls 224, foi definido o objecto da acção, como sendo a “responsabilidade pré-contratual por ruptura de negociações”.



E foi assim que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 09.11.2017 (fls 780 a 795), em notável síntese, também delimitou a questão nuclear trazida pela autora na petição inicial nos seguintes termos:

“ no presente processo o facto jurídico gerador desse direito de crédito terá sido o comportamento dos réus durante as negociações frustradas, ao assumirem conduta contrária às regras da boa fé, fazendo-os incorrer em responsabilidade contratual.

Foi para preencher este requisito legal exigido no artigo 227º do Código Civil que a autora, aqui recorrente, alegou na petição inicial da presente acção que os réus bem sabiam, ao procurarem convencê-la a aceder a uma simulação de valor que defraudaria o Estado e demais contribuintes, que o objectivo que tinham em vista era proibido e punido por lei”  - Cfr fls 794.


Discute-se na presente acção, como questão jurídica fundamental, a de saber se a ruptura das negociações por parte dos réus foi idónea para os constituir em responsabilidade perante a autora, como esta defende, ou se, pelo contrário, como se deixou dito no acórdão recorrido, a condenação dos réus a restituir à autora a quantia de € 110.000,00 decorre da aplicação das regras do enriquecimento sem causa.

A condenação dos réus no pagamento à autora daquela quantia tem sempre lugar, seja por uma ou por outra daquelas vias.

Todavia, há que ter em atenção o disposto no artigo 474º do Código Civil (Natureza subsidiária da obrigação), segundo o qual, “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.


Concretizando.

A questão fundamental respeita ao apuramento da eventual responsabilidade pré-contratual dos apelantes pela não celebração do negócio que tinha por objecto a compra de 50% da empresa EE, Ldª.

Para que a acção proceda, importa que os réus tenham actuado de má-fé, censuravelmente, com abuso da sua liberdade negocial, frustrando expectativas legítimas da autora, traindo a confiança em si depositada.


Nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil incumbe à autora a prova de que os réus actuaram ilicitamente, ao romper o processo negocial.

A teoria da culpa in contrahendo, esboçada inicialmente para casos de conclusão de contratos inválidos, veio depois a ser ampliada por forma a gerar responsabilidade individual em dois outros grupos de casos: o de não conclusão de contratos após o início de negociações e o da conclusão de um contrato válido e eficaz mas de cujas negociações surgiram danos a indemnizar[1].


O artigo 227º do Código Civil, sob a epígrafe “culpa na formação dos contratos”, preceitua no seu nº 1 que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.


Antunes Varela ensina que este artigo não se contenta com a proclamação, que poderia ser meramente platónica, do princípio da boa-fé na reparação e formação do contrato, consagra ainda a responsabilidade pré-contratual do contraente faltoso[2].


Almeida Costa, a propósito da demarcação das fases fundamentais no caminho percorrido pelos contratantes, ensina que a orientação que predomina define duas, a saber:

a) Uma fase negociatória, integrada pelos actos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva;

b) Uma fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas, quer dizer, a proposta e a aceitação do contrato.


A própria lei traduz esta separação. O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa-fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato[3].


Como escreveu Baptista Machado “com a protecção da confiança não se visa de forma alguma garantir propriamente a confiança ou compromisso (expresso ou implícito), no sentido de efectuar juridicamente esse compromisso, mas apenas resolver um problema de responsabilidade pelos danos que surgem ou surgiram da violação de tal compromisso quando de facto o promissário viesse a sofrer danos com essa violação[4].


A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má-fé de quem rompeu eventuais negociações.


A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

Diferente é a situação quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.


Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente[5].


Também Menezes Cordeiro, depois de salientar que nas negociações se têm, para com a outra parte, deveres de protecção, de informação e de lealdade e de distinguir nesta última categoria os devedores de sigilo, de cuidado e de actuação consequente, atribui a este último o seguinte conteúdo: “ ... não se deve, de modo injustificado e arbitrário, interromper uma negociação em curso, salvo, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natureza precária dos preliminares a decorrer[6].


A obrigação de indemnização por culpa na formação dos contratos, qualquer que seja o facto típico que a justifique e além das suas particularidades, depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil[7].

E o mesmo autor continua, a págs. 68: “É bem de ver que um profissional não pode razoavelmente esperar que todos os contactos iniciados com a sua clientela levem a resultados positivos, dado que a condução das negociações faz parte da actividade económica a que se dedica, envolvendo de certo modo um risco, cujas incidências estão previstas e cobertas por “gastos gerais”... Portanto, a confiança criada aos profissionais pelas negociações mostra-se normalmente mais reduzida; e a existência de um dano ressarcível será frequentes vezes muito difícil de admitir”.


A boa-fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir; e tem, no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir[8].

Importa ainda salientar que se distingue, em matéria de obrigação de indemnização, entre o interesse negativo ou da confiança e o interesse positivo ou do cumprimento.

“ Quando se atende ao interesse negativo, é ressarcível o dano resultante de violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra por ocasião dos preliminares da formação do contrato. Quer dizer, encara-se o prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, o responsável cumpriria os específicos deveres a elas inerentes e derivados do imperativo da boa-fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico tal como esperava, ou que tinha entrado correcta e validamente.

O interesse positivo, pelo contrário, reconduz-se aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso ou tardio. Trata-se da violação das respectivas prestações típicas ou principais, que podem, aliás, ser acompanhadas de deveres secundários ou, inclusive, laterais.

Entendidos nestes moldes o dano da confiança (in contrahendo) e o dano de cumprimento (in contractu), inculca-se que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo, em vez de conexionar-se com o interesse positivo”[9].


“ Exprimindo a solução no quadro do nosso direito, dir-se-á: os danos, cuja indemnização se impõe ao contraente que durante os preliminares ou na formação do contrato viola as regras da boa fé, por força do nº 1 do artigo 227º do Código Civil, não se confundem com aqueles por que, mercê do artigo 798º do mesmo diploma, é responsável o devedor que falta culposamente ao cumprimento de um contrato válido e eficaz. Em qualquer dos casos, há que reparar todos os danos, mas a sua identificação e quantificação apresentam autonomia[10]


Também Galvão Teles ensina que “ a responsabilidade pré-contratual tem por objecto os danos negativos – os danos que o interessado sofreu por ter deixado de ver satisfeito o seu interesse negativo (...). Não são de indemnizar os danos positivos, os decorrentes da violação do contrato, por que este não chegou a nascer ou, pelo menos, a nascer provido de eficácia. Não está em causa a responsabilidade pelo não cumprimento (incluindo o cumprimento defeituoso ou tardio) porque aí viola-se uma obrigação contratual e não pré-contratual”[11].

A razão de ser do artigo 227º no dizer do acórdão do STJ de 31.02.2011[12]“ “ está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé.

Esta obrigação de actuação de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.

Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

Com efeito, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética.

A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio).

Na verdade, a relação – que podemos designar como jurídica – pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade e boa-fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que se negoceia será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a dita ruptura.

Os pressupostos de facto desta obrigação de reparação (responsabilidade) são, portanto:

- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;

- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;

- a produção de um dano no património de uma das partes;

- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada”.


Cabe agora aplicar estas noções aos factos provados.


A partir de agora passaremos à análise da conduta das partes, começando por dizer que a qualificação jurídica da responsabilidade pré-contratual é uma tarefa árdua e melindrosa. Não se resolve apenas no estrito plano dos conceitos. Pesam as exigências de carácter prático.


Antes, porém, importa saber se os factos provados caracterizam a existência de um negócio concreto em adiantado desenvolvimento e já na fase decisória que permita justamente à autora confiar, ou mesmo ter a certeza, na efectiva e definitiva celebração de um contrato de compra de 50% da empresa EE, Ldª, tal como vem descrito nos nºs 11º, 12º e 13º da Fundamentação de facto

E ainda se o comportamento dos réus terá de ser havido como arbitrário ou abusivo, além de claramente ofensivo da consciência ético-jurídica e das normas da boa fé em que devem assentar os contratos.


Com vista a dar resposta àquelas questões, daremos especial destaque aos seguintes elementos que consideramos relevantes:


A duração e o adiantamento das negociações.

Autora e a sociedade ré não eram desconhecidas uma da outra, pois mantiveram relações comerciais, durante alguns anos, regularmente, contratando aquela com esta várias encomendas para confecção de peúgas – (Facto provado nº 5).

As negociações iniciaram-se em princípios do ano de 2013 e os representantes da autora deslocaram-se a Portugal durante a fase de negociações para acertar os termos e condições do negócio - (6º e 7º).

Em 27 de Abril de 2013, o advogado FF, como representante da ré, apresentou à autora o resumo dos termos do negócio – (8º e doc de fls 182, traduzido a fls 200).

Em 19.06.2013, a autora remeteu ao réu DD uma comunicação, a que juntou uma carta datada de 10.06.2013, estando satisfeita em avançar com a aquisição de 50% da propriedade da sociedade ré pelo valor acordado de € 665.000,00, sugerindo um plano de pagamento detalhado, desde Agosto de 2013 a Fevereiro de 2014 – (10º e docs de fls 182 a 184 e 201).


As negociações avançaram e as partes chegaram a acordo quanto ao valor do negócio, que foi de € 665.000,00, sendo este o montante total que a autora teria de pagar (11º), tendo a autora efectuado uma transferência bancária para a conta do réu BB no montante de € 110.000,00 – (13º).

O referido réu recebeu aquela quantia, com data-valor de 26.06.2013, tendo confirmado tal recebimento por carta dirigida à autora em 03.07.2013, – (14º).

Nessa carta, referiu ainda o seguinte:

Nos termos do acordo e das condições de pagamento, em resumo, os próximos movimentos são:

"Aumento do capital da sociedade EE, com 90.0000 € vindos da vossa parte" - este montante deverá ser pago directamente à empresa até Agosto de 2013;

"Entrega da vossa parte, até à data da assinatura das escrituras, do montante total de € 465.000 " - este montante deverá ser pago em dinheiro a BB, 200.000 até Outubro, 200.000 € até Dezembro e 65.000 até Fevereiro de 2014” (Documento de fls. 12-verso e traduzido a fls. 239)


O objecto do negócio e o valor nele envolvido.

O objecto do negócio, como se deixou dito, consistia na aquisição pela autora de 50% da propriedade da sociedade ré pelo valor acordado de € 665.000,00.


A conduta dos contratantes

As negociações entre as partes iniciaram-se em princípios do ano de 2013 e, do nosso ponto de vista, terminaram com a actuação do réu DD na carta que enviou à autora em 03.07.2013 (14º), quando exige o pagamento em dinheiro da quantia de € 465.000,00.

A esta carta respondeu a autora com uma mensagem electrónica de 30.07.2013, manifestando a incompreensão para que a entrega do dinheiro fosse feita em numerário e não através de uma transferência bancária – (16º).

Os réus pretendiam da autora o pagamento de € 465.000,00 em numerário, entregue em mão na data das escrituras, com vista a evitar a declaração de tais rendimentos e o pagamento dos respectivos impostos – (17º e 19º).

A autora recusou-se a entregar € 465.000 em dinheiro, exigindo, para celebrar o negócio, que o pagamento fosse feito através de cheque ou transferência bancária por forma a existir um comprovativo das quantias efectivamente transaccionadas – (20º).

Os réus recusaram-se a celebrar o negócio em tais condições – (21º).


Numa altura em que as negociações estavam bem encaminhas e à beira de atingir o seu objectivo, quem é o responsável pela não realização das escrituras referidas no nº 14 da matéria de facto?

A autora, porque se recusou a entregar € 465.000,00 em dinheiro nas condições exigidas para a celebração do negócio (fuga aos impostos – 17º e 19º), exigindo que o pagamento fosse feito através de cheque ou transferência bancária?

Ou, pelo contrário, a recusa dos réus em aceitar o pagamento daquele montante por cheque ou transferência bancária, como pretendia a autora (como é normal nestas circunstâncias, tendo em conta o elevado o montante em causa), é que foi determinante para a não celebração do negócio?


De uma coisa os factos provados nos asseguram: a existência de um negócio concreto em adiantado desenvolvimento e já na fase decisória que permitiu à autora confiar, ou mesmo ter a certeza, na efectiva e definitiva celebração de um contrato de compra de 50% da empresa EE, Ldª.

Se assim não fosse, não vemos razão para a entrega aos réus de um montante tão elevado de € 110.000,00, que a autora agora pretende que lhe seja restituído.


Diremos ainda que o processo negocial entre as partes, nunca permaneceu num sistema de avanços e recuos, próprios e característicos duma fase preliminar, não vinculativa, em que coisa alguma pode ser dada como absolutamente adquirida e garantida; pelo contrário, passou a uma fase mais avançada, de efectivo compromisso contratual, traduzido na entrega ao réu BB da quantia de € 110.000,00 com vista à aquisição de 50% da propriedade da sociedade ré pelo valor acordado de € 665.000,00.


Tudo isto, mesmo à beira da conclusão do negócio, não fora a conduta dos réus, procurando defraudar o Estado, em seu proveito próprio, eximindo-se do dever fundamental de pagar os impostos legalmente devidos.

A ruptura das negociações nasce quando os réus exigem a entrega no acto da escritura de um montante em dinheiro tão elevado.

Não é normal que isso aconteça e é mesmo um mau exemplo de ética negocial, com violação dos postulados da rectidão e da lisura negociais que resultam da boa fé.

Se a ruptura é livre, não pode ser arbitrária.


Por isso, consideramos, numa equilibrada ponderação dos interesses divergentes das partes e do comércio jurídico, que a ruptura negocial por parte dos réus não foi feita com justa causa, levando a autora (a cautela a tanto a obrigou) a recusar outorgar a escritura em condições ilegais.


Não foi a autora que desistiu do negócio. É que, até então, o comportamento dos réus gerou na autora uma legítima e mesmo razoável confiança de lealdade negocial e, inclusive, a respeito da conclusão do negócio.


No caso dos autos, é indesmentível a justificada confiança da autora na formalização do contrato, criada e fomentada pelos próprios réus face à parceria económica entre as partes com vista à aquisição pela autora de 50% do capital da ré.

Não estamos, por conseguinte, perante a simples confiança subjectiva ou mera conjuntura não protegida, mas perante uma justificada confiança na conclusão do negócio, que está relacionada com a boa fé exigida pelo artigo 227º do Código Civil.

A responsabilidade decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão ou da recusa de celebração do contrato.

Logo, o facto que obriga à reparação é a confiança violada por inobservância das regras da boa-fé e não a ruptura das negociações, a não conclusão ou a recusa de celebração do contrato por inexistência de obrigação legal ou contratual de prosseguir negociações, de concluir ou de celebrar o contrato.


Sendo altura de concluir, diremos que o facto jurídico gerador do direito de crédito peticionado pela autora foi o comportamento dos réus durante as negociações frustradas, ao assumirem conduta contrária às regras da boa fé, fazendo-os incorrer em responsabilidade pré-contratual.

Ora, foi para preencher este requisito legal exigido no artigo 227º do Código Civil que a autora alegou na petição inicial (artigos 25, 26 e 27) que os réus bem sabiam, ao procurarem convencê-la a aceder a uma simulação de valor que defraudaria o Estado e demais contribuintes, que o objectivo que tinham em vista era proibido e punido por lei.


Respondendo agora à segunda questão inicialmente colocada, diremos que a isto há que aditar o facto de o comportamento dos réus ser considerado como arbitrário ou abusivo, claramente ofensivo da consciência ético-jurídica e das normas da boa fé em que devem assentar os contratos.


No que respeita aos danos – artigos 37º a 40º da petição inicial – a autora baseia o seu pedido de indemnização exclusivamente na violação do interesse contratual negativo (dano de confiança) pois, como é sabido, na orientação da melhor doutrina que se deixou exposta, a responsabilidade pré-contratual abrange o interesse contratual negativo.

A culpa in contrahendo só se verifica quando uma das partes, maleficamente, oculta um facto ou provoca uma situação que é anti-jurídica. Aos réus pode-se-lhes imputar a responsabilidade desse malefício e, por isso, são passíveis da cominação imposta pelo artigo 227º do Código Civil.

Assim, a quantia de € 110.000,00 deve ser restituída à autora, pois foi em vão que assumiu e suportou a perda de tal quantia por causa do comportamento dos réus.


***


Aqui chegados, importa agora analisar a posição jurídica que os réus arrumaram nas suas conclusões, onde referem que a autora, na sua petição inicial, não formulou qualquer pedido de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa, pelo que não poderia o Tribunal da Relação sobrepor-se a tal, como fez e debruçando-se sobre o assunto. A Relação incorre numa nulidade por excesso de pronúncia. A autora agiu de má fé e com abuso de direito.

Mais alegam os réus, ora recorrentes, que não estamos sequer perante uma situação enquadrável no instituto do enriquecimento sem causa, acabando mesmo por reconhecer que a solução do caso sub judice se insere no âmbito da responsabilidade pré-contratual prevista no artigo 227º do Código Civil – Cfr conclusão IX.


Importa decidir essa questão, dizendo que, por um lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conforme vem preceituado no nº 3 do artigo 5º do Código de Processo Civil. Por outro lado, há que convocar a disposição do nº 2 do artigo 608º do mesmo código, segundo o qual, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.


Já deixámos decidido que os réus devem restituir à autora o montante de €110.000,00, cujo pedido foi formulado na petição inicial, baseado exclusivamente na violação do interesse contratual negativo (dano de confiança) – artigo 227º do Código Civil.

Por isso, as questões levantadas nas conclusões das alegações de revista 1ª a 9ª ficam prejudicadas pela solução acabada de encontrar para o presente pleito, no âmbito da responsabilidade pré-contratual prevista no citado artigo 227º.



***


A última questão a decidir diz respeito à Conclusão 10ª onde os recorrentes afirmam que o Tribunal da Relação conclui pela condenação conjunta dos ora recorrentes, outrora réus, na restituição à recorrida da quantia de €110.000,00, acabando por se não entender sequer que tipo de condenação é, se conjunta ou solidária, pelo que o acórdão é omisso nesse aspecto e portanto nulo.


Cumpre decidir.

A autora no final da petição inicial pediu que os réus fossem condenados:

“a) A restituir-lhe a quantia de €110.000,00 por ela prestada durante a fase de negociações com vista à celebração do contrato identificado nos autos”.


O acórdão recorrido julgou procedente a apelação e revogou a sentença e condenou os réus a restituir à autora a quantia de € 110.000,00.


São os próprios recorrentes que afirmam na sua alegação que “Efectivamente a regra no direito civil é a das obrigações com pluralidade de sujeitos constituírem obrigações conjuntas, ou seja, aquelas em que é necessária a intervenção de todos credores ou devedores para a execução integral da prestação, sendo que a solidariedade, segundo a qual o credor pode exigir de qualquer dos devedores a totalidade da prestação ou quando um dos credores pode exigir por si só a prestação do devedor, apenas é admitida quando a lei a imponha ou as partes o convencionem” – Cfr artigo 513º do Código Civil.


Ora, em caso de pluralidade passiva, o regime é de solidariedade na responsabilidade extracontratual (artigo 497º e 507º).

Na responsabilidade contratual, havendo pluralidade de devedores, a regra é a conjunção, ou seja, cada um dos obrigados responde por uma parte proporcional da prestação, se o contrário não tiver sido estipulado ou não resultar da lei.

Qual o regime que melhor se adapta à responsabilidade pré contratual pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato?

A resposta é dada por Mário Júlio Almeida Costa[13] nos seguintes termos: “ Também se afigura justo que, havendo vários responsáveis pela ruptura ilegítima, estes respondam solidariamente. Assim dispõe, como observámos, o artigo 497º para a responsabilidade extracontratual. É muito oportuno que o tribunal, se ocorre ruptura apenas culposa, possa graduar equitativamente a indemnização, fixando-a em montante inferior aos danos causados, de acordo com o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias atendíveis. Este preceito do artigo 494º, privativo da responsabilidade extracontratual, encaminha para o critério maleável que, em tese geral, entendemos dever presidir à apreciação da responsabilidade pela ruptura dos preliminares. A mencionada norma reflecte a função sancionatória ou punitiva que a responsabilidade civil pode exercer acessoriamente. Aliás, de novo se pondera a certa contemplação que merece o autor da ruptura, em virtude da restrição que suporta na sua liberdade de contratar”.


Em face do exposto, concluímos que a condenação tem implícita a condenação solidária dos réus.


 CONCLUSÕES

1ª - A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir, e tem no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.

2ª - O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.

3ª - A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

4ª - Só existe responsabilidade pré contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.

5ª - Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.

6ª - Os danos ressarcíveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento).

7º - O regime que melhor se adapta à responsabilidade pré contratual pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato, havendo vários responsáveis pela ruptura ilegítima, é o da responsabilidade solidária previsto no artigo 497º do Código Civil.


III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido, embora com a argumentação jurídica que se deixou exposta.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 06.12.2018


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo Geraldes

__________

[1] Mário Júlio de Almeida Costa, “ Responsabilidade Civil por Ruptura das Negociações Pre preparatórias de um Contrato”, em anotação ao Ac. do STJ de 5.02.1981, in RLJ Ano 116º, pág. 101.
[2] Das Obrigações em Geral, 2ª edição, 1973, vol. I, pág. 25, anot. 1.
[3] Mário Júlio de Almeida Costa, “ Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Pre preparatórias de um Contrato”, Coimbra Editora, 1984, pág. 49.
[4] RLJ, Ano 117º, pág. 321.
[5] Mário Júlio de Almeida Costa, RLJ Ano 116º, pág. 152.
[6] Da Boa Fé no Direito Civil, vol. I, pág. 583.
[7] Mário Júlio de Almeida Costa ob cit na nota de rodapé 3, pág. 53.
[8] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 3ª edição, Vol. I pág. 216.
[9] Mário Júlio de Almeida Costa ob cit na nota de rodapé 3, pág. 73 e 74.
[10] Autor e ob cit, pág. 80.
[11] Direito das Obrigações, 1997, Coimbra, pág. 77.
[12] Proc.º nº 3682/05.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[13] Ob cit na nota de rodapé nº 3, pág. 93.