Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
187/13.2TBVZL-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: PRISÃO ILEGAL
MEDIDA DE SEGURANÇA
INTERNAMENTO
EXECUÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
Data do Acordão: 08/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDA A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / MEDIDAS DE SEGURANÇA / INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEIS – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES DE PERIGO COMUM.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, I, p. 508;
- Maia Costa, Código de Processo Penal, Comentado, de Henriques Gaspar et al., Almedina, 2.ª Edição, p. 853;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª Edição, p. 636.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 222.º, N.º 2, ALÍNEAS A), B) E D).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 92.º, N.º 2 E 272.º, N.º 1, ALÍNEA B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º.
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL), APROVADO PELA LEI N.º 21/2013, DE 21-02: - ARTIGO 126.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-10-2007, PROCESSO N.º 06P4713;
- DE 09-07-2011, PROCESSO N.º 76/11.5YFLSB.S1;
- DE 30-01-2013, PROCESSO N.º 11/13.6YFLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 66/14.6TXCBR-D.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A providência de habeas corpus no respeitante à prisão ilegal, tem o seu tratamento processual no art. 222.º do CPP, cujo elenco taxativo o n.º 2 faz derivar do facto de:“a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.“
II - A providência de habeas corpus constitui um mecanismo expedito que visa pôr termo imediatamente às situações de prisão manifestamente ilegais, sendo a ilegalidade da prisão directamente verificável a partir dos factos documentados no respectivo processo, não sendo, contudo, o meio adequado para impugnar decisões processuais ou para arguir nulidades ou irregularidades processuais, que terão que ser impugnadas através de recurso ordinário, por isso não podendo revogar ou modificar decisões proferidas no processo.
III - Conforme o STJ já decidiu, à medida de segurança de internamento é aplicável, por analogia, a providência de habeas corpus.
IV - Em 05-07-2018 o requerente foi detido e conduzido ao EP com vista à execução da medida de segurança a que foi condenado. Com essa finalidade o tribunal da condenação aguarda seja esclarecido pelos serviços competentes da DGRSP sobre se esse estabelecimento possui ou não valência (ala psiquiátrica) para cumprimento da medida de segurança. Não se trata de execução de qualquer pena de prisão.
V - O fundamento invocado da al. d) do n.º 2 do art. 222.º do CPPP não subsiste, dado que em causa está uma medida privativa de liberdade (internamento) para ser executada no estabelecimento ou unidade a ser considerada mais adequada à situação do requerente e a determinar pelos serviços respectivos. Assim a privação da liberdade foi ordenada por entidade competente (tribunal da condenação) e motivada por facto pela qual a lei permite e em prazo consentâneo com a sua duração.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

AA, invocando a ilegalidade da prisão em que se encontra no Estabelecimento Prisional de ... desde o dia 5 de Julho de 2018 e o disposto na alín. b) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, quando deveria estar em cumprimento da medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança que lhe foi aplicada no âmbito do Proc. n.º 187/13.2TBVZL do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 3, por decisão transitada em julgado, veio, através de Il. Avogado, defensor oficioso, requerer providência de habeas corpus, nos termos e com os seguintes fundamentos (transcrição):

1. Estabelece-se no n.º 2 do art.º 27.º da C.R.P. que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou aplicação judicial de medida de segurança.

2. Por sua vez, nos termos do art.º 222.º do C.P.P., a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

3. O arguido foi julgado nos presentes autos pela prática, em co-autoria material, de um crime de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo art.º 272.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CP e de um crime, em autoria material, de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º 1 a) e 2.º, n.º 5, al. l) e m) da Lei n.º 5/2006, de 23/02.

4. A sentença decidiu julgar inimputável o arguido pela prática desses crimes e aplicar-lhe a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar o período máximo de 8 anos.

5. A sentença, objecto de recurso, transitou em julgado em 09.02.2018.

6. Em 16.03.2018 foi proferido pelo Sr. Juiz de Direito dos presentes autos mandado de detenção, no qual mandou que o arguido fosse detido e conduzido ao Estabelecimento de Tratamento e Segurança competente, para cumprimento da medida de segurança de internamento que lhe foi aplicada pela decisão transitada em julgado, devendo tal detenção ser comunicada ao seu defensor.

7. O arguido foi então detido em 05.07.2018 (curiosamente em altura em que andava em tratamento psiquiátrico por força do processo de internamento compulsivo com o n.º 218/18.0T8OFR, que corria termos no Juízo de Competência Genérica de ..., deste Tribunal Judicial da Comarca de ...), sem disso ter sido sequer dado conhecimento ao seu defensor, tendo sido encaminhado para o Estabelecimento Prisional de ....

8. Desde então (05.07.2018) até hoje, inexplicavelmente, permanece o arguido preso no referido Estabelecimento Prisional sem qualquer tratamento, agravando-se-lhe o estado de saúde.

9. Prisão essa ilegal, uma vez que o arguido não foi condenado a nenhuma pena de prisão.

10. Existindo, com essa prisão, um claro desrespeito pela decisão da l.ª instância, mantida pela Relação de Coimbra, que ordenou a aplicação de uma medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança e não a aplicação da detenção privativa de liberdade num estabelecimento prisional, como há mais de um mês está a ser aplicado ao arguido.

11. Pelo que a situação de prisão em que o requerente se encontra é manifestamente ilegal.

CONCLUSÕES:

Pelo exposto,

I - O requerente encontra-se ilegalmente preso nos termos da al. b), do n.º 2, do art.º 222.º do C.P.P., em clara violação do disposto nos art.ºs 27.º e 28.º, n.º 4 da C.R.P.

II - Deve ser declarada ilegal a prisão e ordenada a sua imediata libertação, nos termos do art.º 31.º, n.º 3 da C.R.P. e dos art.ºs 222.º e 223.º, n.º 4, al. d) do C.P.P.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser declarada a ilegalidade da prisão privativa e ordenada a libertação imediata do requerente.

Fazendo-se, assim, a habitual, inteira e sã JUSTIÇA”.

A Exma. Juíza do processo, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 223.º do CPP, prestou a seguinte informação:

Vem o arguido AA deduzir providência de Habeas Corpus em virtude de prisão ilegal, nos termos dos artigos 31.º e 52.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa e 222.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal, aventando, em suma, que foi detido em 05/07/2018 para cumprimento da medida de segurança que lhe foi aplicada nos presentes autos, sem disso ter sido dado conhecimento ao seu defensor, tendo sido encaminhado para o Estabelecimento Prisional de ..., onde até hoje permanece, sem qualquer tratamento, o que agrava o seu estado de saúde, e sem que tenha sido condenado em pena de prisão, violando assim o decidido nos presentes autos.

Nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 1, Código do Processo Penal infra se expõem as condições em que se mantém a medida de segurança de internamento do arguido AA à ordem dos presentes autos.

Por acórdão datado de 29/05/2017 (cfr. fls. 309 a 326), confirmado pelo acórdão do TRC de 24/01/2018 (cfr. fls. 380 a 393), transitado em julgado em 09/02/2018, decidiu-se julgar o arguido AA inimputável, pela prática, em co-autoria material, de factos integradores dos crimes de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º1, al. b) do CP e em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, al. a) e 2.º, n.º5, al. l) e m) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, e aplicar ao arguido a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de três anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92.º, n.º2 do Código Penal, o período máximo de 8 (oito) anos.

Em 16/03/2018, foram emitidos mandados de detenção do arguido, para cumprimento de medida de segurança, tendo o arguido sido detido em 5/07/2018 e conduzido ao Estabelecimento Prisional de ... (cfr. fls. 418).

Por ofício datado de 10/07/2018 (cfr. fls. 444), pela DGRSP foi solicitado o envio de cópia da decisão que aplicou ao arguido medida de segurança de internamento com vista aos procedimentos relativos ao agendamento do internamento do arguido em unidade de saúde mental não prisional, tendo-se procedido em conformidade com o solicitado, nada mais tendo sido comunicado aos autos.

Por despacho proferido em 13/08/2018 (cfr. fls. 456) determinou-se que com nota de urgência, via fax ou correio electrónico, se oficiasse à DGRSP para que, em 5 dias, informasse os autos se o EP de ..., onde se encontra o arguido, tem valência para o cumprimento da medida de segurança aplicada nos presentes autos ao arguido, não tendo ainda decorrido tal prazo.

Vejamos.

Consagra o artigo 126.º, n.ºs 1 a 3, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, que “1 - A execução da medida privativa da liberdade aplicada a inimputável ou a imputável internado, por decisão judicial, em estabelecimento destinado a inimputáveis orienta-se para a reabilitação do internado e a sua reinserção no meio familiar e social, prevenindo a prática de outros factos criminosos e servindo a defesa da sociedade e da vítima em especial.

2 - As medidas referidas no número anterior e o internamento preventivo são executados preferencialmente em unidade de saúde mental não prisional e, sempre que se justificar, em estabelecimentos prisionais ou unidades especialmente vocacionados, tendo em conta o determinado na decisão judicial e os critérios previstos no artigo 20.º, com as necessárias adaptações.

3 - A decisão de afectação a estabelecimento ou unidade prisional especialmente vocacionado, nos termos do número anterior, compete ao director-geral dos Serviços Prisionais e é comunicada ao tribunal de execução das penas.”

No caso concreto, pese embora ao arguido tenha sido aplicada uma medida de segurança de internamento e não uma pena de prisão efectiva, certo é que tal medida de segurança é privativa da liberdade do arguido, pelo que, salvo o devido respeito por diferente opinião, a situação reportada pelo arguido não poderá despoletar qualquer imediata libertação do arguido.

Ademais, decorre do artigo 32.º do mesmo diploma legal, com epígrafe «Princípios gerais de protecção da saúde», que “1 - Após o ingresso no estabelecimento prisional e durante o cumprimento da pena ou medida privativa da liberdade, incluindo licença de saída, é garantido ao recluso o acesso a cuidados de saúde em condições de qualidade e de continuidade idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos.

2 - O recluso é, para todos os efeitos, utente do Serviço Nacional de Saúde.

3 - O acesso e a prestação de cuidados de saúde são assegurados nos termos de diploma próprio e do Regulamento Geral.

4 - O recluso pode, a expensas suas, ser assistido por médico da sua confiança, em articulação com os serviços clínicos do estabelecimento prisional.

5 - Aos reclusos vítimas de maus tratos físicos, psicológicos ou sexuais e que sofrem de doenças crónicas é garantido o acesso a cuidados específicos e continuados.”

Ou seja, pese embora o arguido não esteja a cumprir a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, certo é que, em termos de tratamentos e cuidados de saúde adequados, estes, até ao ingresso do arguido em unidade de saúde mental não prisional, sempre lhe poderão ser devidamente prestados onde se encontra, desconhecendo o Tribunal, neste momento, se tal Estabelecimento Prisional tem valência própria para efeito de cumprimento da medida de segurança de internamento aplicada, tendo já solicitado, com urgência, tal informação.

Por outro lado, consagra o artigo 222.º, n.º 2, do CPP que “A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

Conforme decidido pelo acórdão do STJ de 13/02/2008, processo n.º 08P435, disponível em www.dgsi.pt, “A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: as primeiras previstas nas quatro alíneas do n.º 1 do art. 220.º do CPP e as segundas, nos casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do referido preceito.”

No caso concreto, entendemos que a situação aventada pelo arguido não consubstancia qualquer das únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão contidas no supracitado preceito legal, inexistindo assim falta de fundamento legal para a procedência da providência”.

Convocada a Secção Criminal e notificado o M.º P.º e o defensor teve lugar a audiência, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 2 e 435.º, do CPP.

Cumpre, pois, conhecer e decidir a questão suscitada, de saber se a situação de reclusão em que o requerente, inimputável, se encontra no estabelecimento prisional, a aguardar colocação em serviço ou estabelecimento de tratamento e segurança, com vista ao cumprimento da medida de segurança de internamento, entre 3 e 8 anos, que lhe foi aplicada por decisão transitada em julgado, configura uma situação de prisão ilegal a que haja que pôr cobro com a sua imediata libertação.

*

II. Fundamentação

1. O circunstancialismo relevante para julgamento da presente providência é o que resulta quer da própria petição de habeas corpus, quer da informação da respectiva juíza e certidão junta e que, de útil, se sintetiza no seguinte:

a) - Por acórdão datado de 29.05.2017, confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.01.2018 transitado em julgado em 09.02.2018, decidiu-se julgar o arguido AA inimputável, pela prática, em co-autoria material, de factos integradores dos crimes de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º1, al. b) do CP e em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, al. a) e 2.º, n.º 5, alíneas l) e m) da Lei n.º 5/2006, de 23.02, e aplicar ao arguido a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92.º, n.º 2 do Código Penal, o período máximo de 8 anos;

b) - Em 16.03.2018 foram emitidos mandados de detenção do arguido para cumprimento de medida de segurança, tendo o arguido sido detido em 5.07.2018 e conduzido ao Estabelecimento Prisional de ...;

c) - Por ofício datado de 10.07.2018, pela DGRSP foi solicitado o envio de cópia da decisão que aplicou ao arguido medida de segurança de internamento com vista aos procedimentos relativos ao agendamento do internamento do arguido em unidade de saúde mental não prisional, tendo-se procedido em conformidade com o solicitado, nada mais tendo sido comunicado aos autos;

d) - Por despacho proferido em 13.08.2018 determinou-se que com nota de urgência, via fax ou correio electrónico, se oficiasse à DGRSP para que, em 5 dias, informasse os autos se o EP de ..., onde se encontra o arguido, tem valência para o cumprimento da medida de segurança aplicada nos presentes autos ao arguido, não tendo ainda decorrido tal prazo, sendo que o respectivo ofício foi expedido a 14.08.2018.

2. A providência de habeas corpus tem tutela constitucional no art.º 31.º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe:

1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. 

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.

Na expressão de Gomes Canotilho e Vital Moreira[1] essa medida “consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos art.ºs 27.º e 28.º (…). Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”.

No respeitante à prisão ilegal, o seu tratamento processual decorre do art.º 222.º do CPP cujo elenco taxativo o n.º 2 faz derivar do facto de:

a) - Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) – Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c) – Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Como providência excepcional, o habeas corpus constitui um mecanismo expedito que visa pôr termo imediatamente às situações de prisão manifestamente ilegais, sendo a ilegalidade da prisão directamente verificável a partir dos factos documentados no respectivo processo, não sendo, contudo, o meio adequado para impugnar decisões processuais ou para arguir nulidade ou irregularidades processuais, que terão que ser impugnadas através do recurso ordinário, por isso não podendo revogar ou modificar decisões proferidas no processo.

Pode, exclusivamente, apreciar se existe uma privação ilegal da liberdade e, nessa sequência, ordenar ou não a imediata libertação do preso[2].

Antes de mais, o requerente alude à falta de notificação do defensor do despacho que ordenou a emissão dos mandados de detenção para cumprimento da medida de segurança de internamento.

Embora não retire consequências processuais dessa invocada omissão, qualquer irregularidade processual ocorrida do processo da condenação sempre extravasaria, conforme assinalado, o âmbito da presente providência.

O pedido de habeas corpus vem fundamentado na citada alín. b) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, ou seja, na inimputabilidade do requerente para cumprimento de pena de prisão.

Conforme este STJ já decidiu, à medida de segurança de internamento é aplicável, por analogia, a providência de habeas corpus[3].

Mas… nenhuma pena de prisão o requerente está a cumprir!..

 A questão suscitada, salvo o devido respeito, não se prende com a ilegalidade da prisão, mas com o modo de execução da medida de segurança aplicada, de internamento, transitada em julgado!

A medida de segurança de internamento, pelo mínimo de 3 anos e máximo de 8, é uma medida privativa de liberdade, cuja execução, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 126.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL - Lei n.º 21/2013, de 21.02) se orienta “para a reabilitação do internado e a sua reinserção no meio familiar e social, prevenindo a prática de outros factos criminosos e servindo a defesa da sociedade e da vítima em especial”.

Detido o requerente em 5 de Julho passado e conduzido ao Estabelecimento Prisional de ... com vista à execução da medida de segurança, com essa finalidade o tribunal da condenação aguarda seja esclarecido pelos serviços competentes da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) sobre se esse estabelecimento possui ou não valência [dir-se-á, ala psiquiátrica] para cumprimento da medida de segurança.

Não de qualquer pena de prisão, repete-se.

As diligências, que se se impõe sejam concluídas no mais curto prazo possível, com vista à execução da medida no estabelecimento ou unidade adequada, nos termos a indicar pela DGRSP (art.º 126.º, n.ºs 2 e 3 do CEPMPL) e com o acompanhamento e fiscalização do respectivo tribunal de execução de penas (idem, art.º 138.º, n.ºs 1 e 2 e 156.º e ss.)), não contendem, de resto, com as eventuais necessidades de acompanhamento psiquiátrico imediato do requerente, cuja satisfação lhe é garantida pelo disposto no art.º 32.º desse diploma legal.

Seja como for, o fundamento invocado, da alín. d) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, não subsiste, dado que em causa está uma medida privativa de liberdade (internamento) para ser executada no estabelecimento ou unidade a ser considerada mais adequada à situação do requerente e a determinar pelos serviços respectivos da administração prisional, cuja afectação, ainda assim, urge seja definida.

E, assim, porque a privação da liberdade foi ordenada por entidade competente (tribunal da condenação) e motivada por facto pelo qual a lei a permite e em prazo consentâneo com a sua duração, não se verifica qualquer fundamento de ilegalidade da prisão, (no sentido mais genérico do seu termo, de privação da liberdade), pelo que é mister o seu indeferimento.

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III. Decisão

Face ao exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus requerida por AA.

Custas pelo requerente, com a taxa de justiça de 4 UC.

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Supremo Tribunal de Justiça, Escadinhas de São Crispim, 21 de Agosto de 2018

Francisco Caetano

Isabel São Marcos

Olindo Geraldes

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[1] Constituição da República Portuguesa, Anotada, I, pág. 508.
[2] Cfr. Maia Costa, Código de Processo Penal, Comentado, de Henriques Gaspar et al., Almedina, 2.ª ed., pág. 853.
No mesmo sentido e entre outros, v. os Acs. do STJ de 20.10.2007, Proc. 06P4713 e 30.01.2013, Proc. 11/13.6YFLSB.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Acs. de 09.07. 2011, Proc. 76/11.5YFLSB.S1 e 04.06.2015, Proc. 66/14.6TXCBR-D.S1, in www.dgsi.pt.
V., também, Paulo Pinto de Albuquerque, Com.CPP, 4.ª ed., pág. 636 e a jurisprudência aí indicada do THDH sobre a equiparação da medida de segurança de internamento à privação de liberdade por prisão ou detenção.