Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
058856
Nº Convencional: JSTJ00002676
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA
ACTUALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO
DOAÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196412040588562
Data do Acordão: 12/04/1964
Votação: MAIORIA COM 2 DEC VOT E 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG Nº 302, I-S DE 1964/12/28, PÁG. 973 - BMJ N º 142, ANO 1965, PÁG. 215
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR SUC / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 2107 PAR5.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC58851 DE 1962/01/16.
ACÓRDÃO STJ DE 1959/07/21 IN BMJ N89 PAG526.
Sumário :
Quando a lei permita a actualização das prestações sem declarar como ela deve ser feita, o coeficiente de valorização da nossa moeda determina-se pelos numeros-indices publicados periodicamente pelo Instituto Nacional de Estatistica; na falta deles, o tribunal pode socorrer-se de quaisquer outros elementos de prova.
Decisão Texto Integral:
A e outros, recorrem para o Tribunal Pleno do acordão do Supremo, de 16 de Janeiro de 1962, por estar em oposição com o de
21 de Julho de 1959, publicado no Boletim, n. 89, pagina 526, e alegam que ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação, e, interpretando o paragrafo 5 do artigo 2107 do Codigo Civil, decidiram, aquele, que a actualização nele prescrita deveria fazer-se em função dos numeros-indices publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatistica, e este, com base na libra-ouro.
A secção julgou verificados estes pressupostos e o decidido e de acatar.
Com efeito, ambos os acordãos foram proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e recairam sobre a interpretação da mesma norma, dando-lhe soluções opostas em processos diferentes.
Pugnam os recorrentes pela segunda solução e os recorridos e o Ministerio Publico, pela primeira.
Dispõe o paragrafo 5 do artigo 2107 do Codigo Civil:
"As entradas em dinheiro feitas pelo donatario, o pagamento de dividas do doador ou de encargos a favor de terceiros, incluindo o pagamento a quaisquer co-herdeiros por conta da sua parte no valor dos bens doados, serão actualizados em atenção ao coeficiente de valorização da nossa moeda entre a data desses pagamentos e a da abertura da herança. O mesmo se observara com relação a colação e doações em dinheiro.
Como determinar esse coeficiente?
Dentre as funções da moeda, e de destacar a de ser a medida comum de todos os valores.
A moeda e o padrão do valor, como o metro e o padrão do comprimento ou o quilo o do peso, mas, enquanto estes são fixos e imutaveis por se reportarem a qualidades fisicas permanentes, aquele e por sua natureza variavel no tempo e no espaço.
A valorização ou desvalorização da moeda afere-se pelo seu maior ou menor poder de compra.
Durante o largo periodo em que a libra-ouro foi medida praticamente invariavel e de curso legal no pais compreende-se que a ela se recorresse como meio facil, comodo e adequado para obter o coeficiente de valorização ou desvalorização da nossa moeda.
Ha mais de 30 anos, porem, que a libra-ouro deixou de circular passando a ser uma mercadoria sujeita as flutuações que lhe são proprias.
Quando em 1931, o Banco de Inglaterra, alarmado com a diminuição da sua reserva, deixou de trocar notas por ouro, a libra chegou a ter em 1935 uma desvalorização de 40% sem elevação dos preços no mercado interno.
O mesmo aconteceu em Portugal.
A libra, cotada a 110 escudos em 1931, valia 185 escudos aproximadamente em 1939 e, apesar disso, o poder de aquisição do escudo manteve-se praticamente estavel.
Este desiquilibrio ainda hoje se mantem.
Da verificação desta incontestavel realidade resulta que a libra-ouro não e medida apropriada para determinar o grau de valorização da nossa moeda.
Este fenomeno traduz-se com a possivel exactidão pelos numeros-indices publicados pelo Instituto Nacional de Estatistica.
Todavia, os numeros-indices tem uma existencia inferior a meio seculo, e por isso e de admitir, ainda durante alguns anos, a impossibilidade de obter, por este modo, um dos termos de comparação.
Neste caso, o mais razoavel e dar aos tribunais a faculdade de recolher os elementos de prova necessarios para o efeito.
Nega-se, pois, provimento ao recurso, condenam-se os recorrentes nas custas e fixa-se o seguinte assento:
Quando a lei permita a actualização das prestações pecuniarias sem declarar como ela deve ser feita, o coeficiente de valorização da nossa moeda determina-se pelos numeros-indices publicados periodicamente pelo Instituto Nacional de Estatistica; na falta deles, o tribunal pode socorrer-se de quaisquer outros elementos de prova.

Lisboa, 4 de Dezembro de 1964

Simões de Carvalho (Relator) - Eduardo Tovar de Lemos
- Gonçalves Pereira - Lopes Cardoso (Vencido; votei que o assento se limitasse a hipotese do paragrafo 5 do artigo 2107 do Codigo Civil, por ser esse o unico objecto do pedido, e votei que a actualização devia ser feita com base em todos os elementos de prova que se coligissem, não com base unica ou principal nos numeros-indices).
Albuquerque Rocha (Vencido. O paragrafo 5 do artigo 2107 do Codigo Civil estabelece apenas um principio geral, simples criterio de orientação a aplicar segundo a presente apreciação do julgador, atentas as circunstancias particulares de cada caso.
Ate porque, integrado entre as regras da colação, visa a igualação da partilha. Presume, pois, uma universalidade patrimonial que, por orientada a um fim determinado, deveria ter estado sujeita a um criterio que unifica a sua administração e aproveitamento.
Trata-se, enfim, de uma norma indeterminada o que, alias, e reconhecido pelo assento na parte em que, manda decidir conforme as circunstancias de cada caso.
Porem, impondo o recurso aos numeros-indices - havendo-os,
- como criterio unico e irremovivel, o assento tornou rigido e inflexivel um preceito que o legislador quis fosse maleavel.
O assento modificou a lei; não a interpretou e so isto competia ao Tribunal.
Solução comoda, por simplista, sem duvida.
Mas tais soluções conduzem, por vezes, a iniquidades, como o seria, no caso presente, o recurso aos valores da libra-ouro, embora este criterio, durante muitos anos gozasse do favor da confiança e assegurasse uma certeza que o presente acordão não reconhece aos numeros-indices).
Torres Paulo (Vencido pelas razões do voto do Excelentissimo Conselheiro Lopes Cardoso).
Tem voto de conformidade dos Excelentissimos Colegas Abrantes Tinoco, Toscano Pessoa, Teixeira Botelho, João Caldeira, Fragoso de Almeida, Gomes de Almeida e Alberto Toscano e de vencido do Excelentissimo colega Barbosa Viana e Ludovico da Costa. - Simões de Carvalho.