Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
771/11.9TTVIS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ASSISTÊNCIA DE TERCEIRA PESSOA
PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS.
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DCLARAÇÃO / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL.
Doutrina:
- AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.ª edição, Almedina, 2002, pp. 48, 204.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil, “Anotado”, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1967, p. 228.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º, 389.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 668.º, N.º1, AL. B), 669.º, N.ºS 1 E 3, 722.º, N.ºS 2 E 3, 712.º, 729.º, 730.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 99.º E SS..
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 59.º, N.º1, ALS. C) E F).
DECRETO-LEI N.º 375-A/99, DE 20-9: - ARTIGOS 8.º, N.º 2, 9.º.
LEI N.º 98/2009, DE 4-9: - ARTIGOS 8.º, 23.º, N.º1 AL. H), 47.º, N.º1, 53.º, 54.º, 55.º, 187.º.
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES POR ACIDENTE DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELO DECRETO-LEI N.º 352/2007, DE 23-10.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 13 DE DEZEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 8145/2007-4, EM WWW.DGSI.PT .
-*-
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 23 DE JANEIRO DE 2012, PROCESSO N.º 340/08.0TTVJG.P1, EM WWW.DGSI.PT .
-*-
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28 DE MARÇO DE 2007, PROCESSO N.º 3957/06, DA 4.ª SECÇÃO, CITADO NO ACÓRDÃO DA MESMA SECÇÃO, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2010, PROCESSO N.º 196/06.8TTCBR-A.C1.S1 E DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14 DE NOVEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 07S2716, DA 4.ª SECÇÃO.
-DE 22 DE FEVEREIRO DE 2005, PROCESSO N.º 4594/04, DA 1.ª SECÇÃO, DE 7 DE ABRIL DE 2005, PROCESSO N.º 393/05, DA 7.ª SECÇÃO, DE 1 DE MARÇO DE 2007, PROCESSO N.º 4192/06, E DE 27 DE JUNHO DE 2007, PROCESSO N.º 1050/07, AMBOS DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1 – A prestação suplementar prevista nos artigos 53.º e 54.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, visa compensar os encargos com a assistência de terceira pessoa e depende de o sinistrado não poder por si só prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias;

2 – No âmbito das necessidades básicas subjacentes à atribuição da pensão são considerados, entre outros, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção;

3 - O valor da prestação é fixado em função do tempo necessário ao preenchimento das necessidades a satisfazer, a partir do limite máximo fixado no n.º 1 do artigo 54.º daquele diploma, tomando em consideração a maior ou menor autonomia do sinistrado e a sua capacidade residual para a satisfação das suas necessidades básicas.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

Em 6 de Outubro de 2010, AA foi vítima de um acidente de trabalho, participado ao Tribunal de Trabalho de Viseu em 13 de Outubro de 2010.

Instaurado o processo respectivo, desencadeou o Ministério Público as diligências necessárias ao preenchimento dos objectivos da fase conciliatória, tendo-se realizado, em 22 de Fevereiro de 2012, exame médico em que, para além do mais, se considerou que o «sinistrado deverá manter terapia da fala, fisioterapia e terapia ocupacional por forma a manter alguma funcionalidade»; que sofre de uma «incapacidade permanente parcial de 96,48%» e que «as sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para toda e qualquer profissão» referindo ainda que o sinistrado necessita de «ajuda parcial de terceira pessoa para as actividades diárias».

Em 8 de Maio de 2012, realizou-se a tentativa de conciliação, em que as partes não se conciliaram, porque a Seguradora, BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, embora tenha aceite «o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre este e as lesões, bem como a retribuição indicada» entendeu que «o sinistrado se encontra curado com uma IPP de 60%, com IPATH, reservando para junta médica a necessidade de apoio de terceira pessoa e a terapia ocupacional», aceitando também o valor reclamado pelo sinistrado relativo a despesas de transportes e o «subsídio de elevada incapacidade na proporção de incapacidade que vier a ser fixada pela junta».

Veio então a Seguradora requerer a realização de «exame por junta médica de especialidade de neurocirurgia», nos termos do n.º 2 do artigo 138.º do Código de Processo de Trabalho, tendo apresentado os seguintes quesitos: «1.º Que sequelas afectam o sinistrado? 2.º Se essas lesões lhe dão I.P.A.T.H. porque usar o factor 1,5? 3.ª O sinistrado actualmente tem necessidade de prestação suplementar para ajuda parcial de 3.ª pessoa para as suas actividades? Se sim, qual o número de horas diárias? 4.º O sinistrado face às sequelas tem necessidade de terapia ocupacional?»

Realizou-se a Junta Médica em que os peritos, por unanimidade, consideraram que o sinistrado «evidencia quadro deficitário dos membros direitos, de tipo espastico, com repercussão na marcha a que associa perturbação da linguagem de tipo expressivo com manutenção da compreensão»; responderam aos quesitos, em que se pronunciaram, para além do mais, no sentido de não atribuir o factor 1,5 «dado que a IPP atribuída é suficientemente elevada cuja majoração com o factor ultrapassa a unidade»; responderam ao quesito 3.º no sentido de que o sinistrado «tem necessidade de prestação suplementar para ajuda parcial de 3.ª pessoa para as suas actividades» pelas «horas necessárias para a realização da sua higiene pessoal» e que tem necessidade de terapia ocupacional.

A Junta fixou o coeficiente global de incapacidade do sinistrado em 0,79 com IPATH.

Seguidamente foi «proferida sentença que considerou o autor, por efeito do acidente dos autos, afectado de uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho – IPA – e condenou a ré a pagar ao autor as seguintes quantias: a) a quantia de € 40,00, relativa a despesas de transportes; b) uma pensão anual e vitalícia de € 8.550,40, com início em 24-11-2011, paga em 14 prestações mensais de igual montante cada, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual pagos respectivamente nos meses de Junho e Novembro de cada ano, sendo tal pensão actualizável, pelo que em conformidade com o artigo 2º da Portaria nº 122/2012, de 03 de Maio (que fixou a percentagem de actualização das pensões de acidente de trabalho em 3,6%, com efeitos a 01-01-2012), tal pensão passa a ser de € 8.858,21 a partir de 01 de Janeiro de 2012; c) a quantia de € 5.030,64 a título de subsídio de elevada capacidade, ponderando o valor de IAS de 419,22 (12 x 419,22); d) a prestação suplementar para assistência a 3ª pessoa no montante mensal de € 461,14, devida a partir 24-11-2011 (dia seguinte ao da data da alta), anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS. Mais foi a ré condenada a conceder ao autor terapia ocupacional, terapia da fala e fisioterapia».

Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 5 de Dezembro de 2012, em que se decidiu considerar procedente a apelação e, em consequência, «altera-se a sentença da 1ª instância na parte relativa à prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, condenando-se a ré nessa parte, em lugar do antes decidido, a pagar ao sinistrado a prestação suplementar para assistência a 3ª pessoa no montante mensal de € 115,28 (cento e quinze euros e vinte e oito cêntimos), devida a partir 24-11-2011 (dia seguinte ao da data da alta), anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS».

Não se conformado com esta decisão dela interpôs o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, o presente recurso de revista, tendo igualmente arguido nulidades de acórdão, nos termos do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, e formulado nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«Da arguição de nulidade do douto acórdão (subsidiariamente, esclarecimento/reforma do mesmo).

A -

1- A douta sentença da l.ª instância, ao condenar a Ré Seguradora a pagar ao sinistrado "a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante mensal de €:461,14, considerou que o sinistrado carecia do auxílio de terceira pessoa a tempo completo, isto é, de pelo menos 8H/dia.

2 - O douto acórdão, ao decidir que para os seus cuidados de higiene pessoal o A./Sinistrado carece do auxílio de terceira pessoa durante duas horas por dia, alterou ou aditou a matéria de facto considerada na 1.ª instância.

3- Porém, tal decisão de facto aparece desprendida de qualquer suporte probatório, ocorrendo a nulidade prevista no art.° 668.°, n.° 1, al. b), do CPCivil. Com efeito,

4 - A invocação da presunção judicial e das regras da experiência comum, não têm, no caso em análise, qualquer conteúdo real, sendo meras afirmações abstractas, o que equivale à ausência de qualquer suporte probatório para a alteração da decisão de facto.

5- Com efeito, o Tribunal da Relação só podia alterar a referida decisão de facto, decidindo o que decidiu, se, nessa matéria, os autos contivessem meios de prova que permitissem saber, perante as graves sequelas do sinistrado, quais os actos de que carece ajuda ao longo do dia (24,00H, parte diurna e nocturna), tempo médio da sua duração, e tempo total resultante da sua soma.

6 - Ora, os autos não continham elementos que permitissem ao Tribunal alterar a decisão da 1.ª instância, mormente, quanto ao referido segmento de facto, isto é, que o A./sinistrado apenas carecia da assistência de terceira pessoa durante 2h/dia.

7 - Perante a ausência das referidas informações e provas não podia o Tribunal da Relação dar como assente que a assistência de terceira pessoa se cingia a duas horas/dia.

8 - Tanto mais que a realidade do sinistrado, por força da incapacidade resultante do acidente é a seguinte:

- O A./sinistrado levanta-se, em geral, cerca das 09,00H-09,30H;

- Com a ajuda de terceira pessoa, senta-se na sanita, para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, sempre com a supervisão de terceira pessoa;

- Depois, essa terceira pessoa lava o A/sinistrado, faz-lhe a barba, penteia-o e após o que o veste e calça;

- Nos actos referidos essa pessoa disponibiliza-lhe não menos de 2 horas/dia;

- Ao longo do dia, é uma terceira pessoa que lava os dentes ao A./sinistrado, após as refeições, durando, cada acto, não menos de 15 minutos (4x 15m =60 m =1H)

- Durante todas as refeições diárias, o A./sinistrado tem de ser ajudado por terceira pessoa, que lhe limpa boca com um guardanapo, por o A./Sinistrado não conseguir fazê-lo. As 4 refeições diárias (pequeno almoço, almoço, lanche e jantar) e necessidade de limpeza da boca, duram cerca de 3 horas (0,5+1+0,5+1);

- Ao longo do dia (antes de se deitar), o A./sinistrado vai à casa de banho várias vezes, em número não inferior a 6, para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, no que é ajudado por terceira pessoa que, após esse acto, essa pessoa o lava, por o A./sinistrado não conseguir fazê-lo, mesmo quando se limita a urinar, durando cada acto não menos de 10 minutos (6x10 m=lH);

- Durante a noite, o A./sinistrado vai à casa de banho cerca de 6 vezes, para urinar, no que é ajudado por terceira pessoa, que o lava sempre, por o A./sinistrado não conseguir fazê-lo (6x10 m=lH);

- Em cada acto de lavagem, a pessoa que ajuda o sinistrado gasta pelo menos 10 minutos;

- O A./sinistrado, com a ajuda de terceira pessoa, por não conseguir fazê-lo sozinho, toma banho pelo menos quatro vezes por semana, gastando pelo menos uma hora em cada banho;

- Frise-se que o A. sinistrado, por força da incapacidade resultante do acidente, não fala nem escreve, pelo que tem de ter junto a si, permanentemente, alguém que interprete a sua vontade, manifestada por simples gestos, no sentido de fazer as suas necessidades de higiene, fisiológicas ou alimentares.

- Como resulta do exposto, o A./sinistrado, ao longo do dia e da noite, tem de ter junto a si sempre alguém que, no momento certo, lhe disponibilize a imprescindível ajuda para os actos de higiene pessoal mais elementares, que, infelizmente, por si só não consegue efectivar.

- E na realização dos actos de higiene pessoal precisa o A. da ajuda de terceira pessoa em tempo cujo total ultrapassa 08,00H/dia.

Ocorre, pois, a nulidade prevista no art.º 668.°, n.° 1, al. c), que expressamente se invoca, devendo manter-se na íntegra a douta decisão da l.ª instância.

B-

9 - Caso assim se não entenda, isto é, caso se entenda que a matéria de facto fixada na 1.ª instância era insuficiente para a decisão de direito, então, ao abrigo do disposto no art.° 712.°, n.° 4, do CPCivil, deveria o Tribunal da Relação anular a sentença da l.ª instância no segmento em causa - vd. al. d), a fls. 94) -, ou, não sendo possível a anulação parcial, toda a decisão, para que no Tribunal de l.ª instância, os Srs. Peritos médicos esclareçam, face à elevada gravidade da sua incapacidade do sinistrado, quais os actos concretos (elencando-os) para cuja prática o A./sinistrado carece de ajuda de terceira pessoa, tempo médio gasto em cada um e, em, consequência, qual o tempo diário total;

10 - Ao não proceder desse modo e ao alterar a decisão de facto ou alterar o segmento de facto referido, acabou o Tribunal a Relação, por não dispor de meios de prova, por extrair uma decisão total desconforme com a triste realidade do A/sinistrado. Na verdade,

11 - Como referido acima e que aqui se dá por reproduzido, na satisfação das necessidades de higiene pessoal, o sinistrado precisa da ajuda de terceira pessoa em tempo diário superior a 8h/dia.

12 - Donde, no reconhecimento da invocada nulidade, deve revogar-se o douto acórdão e devolver-se os autos à l.ª instância, para ali se produzir a pertinente prova, nomeadamente, declarações aos Srs. Peritos médicos para enunciarem os actos em que o A. carece da ajuda de terceira pessoa e tempo gasto em cada um deles e audição (ou notificação) do sinistrado para este expressar os actos de que carece de ajuda e aduzir a pertinente prova (nomeadamente, indicação e audição das pessoas que lhe prestam ajuda).

C -

13- Caso se considere que não ocorre a invocada nulidade, então, subsidiariamente, requer-se que o Tribunal da Relação (art.º 669.°, n.°, 3, do CPCivil), esclareça e reforme o douto acórdão. Nomeadamente, face à gravidade das sequelas do sinistrado, deverá elencar os actos concretos de higiene pessoal em que o A. carece do auxílio de terceira pessoa, tempo médio gasto em cada um deles e, consequentemente, qual o tempo total diário. Ora,

14 - A realidade da vida do sinistrado, por força das sequelas do acidente, é a que acima se retratou/descreveu, donde deriva que o A./sinistrado carece da ajuda de terceira pessoa em mais de 8h/dia.

15 - Em consequência, deverá o douto acórdão ser esclarecido/reformado no sentido apontado, dando-se com assente que o tempo total diário em que o A./sinistrado carece da ajuda de terceira pessoa é superior a 8H/dia, devendo manter-se, em consequência, a douta decisão da l.ª instância, com a inerente improcedência do recurso interposto pela Ré Seguradora.

D -

15 - A matéria de facto a considerar é a constante da douta sentença da 1.ª instância.

16 - Com efeito, não existe nos autos, qualquer informação ou elemento probatório que permita ao Tribunal da Relação restringir a 2H/dia a assistência de terceira pessoa ao sinistrado nos seus actos de higiene pessoal, sendo que a invocação de presunções judiciais e regras da experiência comum não colhem no caso concreto, pois resultam em meras afirmações genéricas e abstractas, sem qualquer conteúdo específico e concreto e sem qualquer aptidão para captar a realidade da vida do sinistrado, por força da incapacidade resultante do acidente.

16 - Em consequência, deve a Ré Seguradora ser condenada a pagar ao A./Sinistrado "a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa no montante mensal de € 461,14..., anualmente na actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS (art.0 54.°, n.° 4, da Lei 98/2009)", conforme douta sentença da l.ª instância (vd. fls. 94).

17 - Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que a matéria de facto, como vem fixada na l.ª instância é insuficiente para a correcta aplicação do direito, então deverá ordenar-se a sua ampliação, ao abrigo do disposto no art.° 729.°, n.° 3, do CPCivil.

18 - Com efeito, a dramática situação do sinistrado, por força do acidente de trabalho aqui em causa, é a seguinte, como já referido acima e que aqui se enfatiza:

- O A./sinistrado levanta-se, em geral, cerca das 09,00H-09,30H;

- Com a ajuda de terceira pessoa, senta-se na sanita, para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, sempre com a supervisão de terceira pessoa;

- Depois, essa terceira pessoa lava o A./sinistrado, faz-lhe a barba, penteia-o e após o que o veste e calça;

- Nos actos referidos essa pessoa disponibiliza-lhe não menos de 2 horas/dia;

- Ao longo do dia, é uma terceira pessoa que lava os dentes ao A./sinistrado, após as refeições, durando, cada acto, não menos de 15 minutos (4x 15m =60 m =1H)

- Durante todas as refeições diárias, o A./sinistrado tem de ser ajudado por terceira pessoa, que lhe limpa boca com um guardanapo, por o A./Sinistrado não conseguir fazê-lo. As 4 refeições diárias (pequeno almoço, almoço, lanche e jantar) e necessidade de limpeza da boca, duram cerca de 3 horas (0,5+1+0,5+1);

- Ao longo do dia (antes de se deitar), o A./sinistrado vai à casa de banho várias vezes, em número não inferior a 6, para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, no que é ajudado por terceira pessoa que, após esse acto, essa pessoa o lava, por o A./sinistrado não conseguir fazê-lo, mesmo quando se limita a urinar, durando cada acto não menos de 10 minutos (6x10 m=lH);

- Durante a noite, o A./sinistrado vai à casa de banho cerca de 6 vezes, para urinar, no que é ajudado por terceira pessoa, que o lava sempre, por o A./sinistrado não conseguir fazê-lo (6x10 m=lH);

- Em cada acto de lavagem, a pessoa que ajuda o sinistrado gasta pelo menos 10 minutos;

- O A./sinistrado, com a ajuda de terceira pessoa, por não conseguir fazê-lo sozinho, toma banho pelo menos quatro vezes por semana, gastando pelo menos uma hora em cada banho;

- Frise-se que o A. sinistrado, por força da incapacidade resultante do acidente, não fala nem escreve, pelo que tem de ter junto a si, permanentemente, alguém que interprete a sua vontade, manifestada por simples gestos, no sentido de fazer as suas necessidades de higiene, fisiológicas ou alimentares.

- Como resulta do exposto, o A./sinistrado, ao longo do dia e da noite, tem de ter junto a si sempre alguém que, no momento certo, lhe disponibilize a imprescindível ajuda para os actos de higiene pessoal mais elementares, que, infelizmente, por si só não consegue efectivar.

- E na realização dos actos de higiene pessoal precisa o A. da ajuda de terceira pessoa em tempo cujo total ultrapassa 08,00H/dia.

19 - Assim, deverá anular-se o douto acórdão e ordenar-se a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 729.°, do CPCivil, para se apurar o número de horas/tempo diário em que o A./sinistrado carece da ajuda de terceira pessoa, devendo, nomeadamente, efectivar-se as seguintes diligências de prova:

a) - Audição dos Srs. peritos médicos para que estes, tendo em conta a elevada incapacidade do sinistrado, de modo expresso e fundamentado, elenquem os actos em que o A./sinistrado, ao longo do dia (24,00H), precisa da ajuda de terceira pessoa, tempo gasto em cada um desses actos, e tempo total/dia daí resultante;

b) - Audição ou notificação do A./sinistrado para que este enumere os actos em que carece da ajuda de terceira pessoa, indicando a pertinente prova, nomeadamente testemunhal (pessoas que lhe prestam tal ajuda).

20 - O douto acórdão desrespeitou o disposto nos art.°s 659.°, n.° 3 e 713.°, n.° 2, do CPCivil; art.° 712.°, n.° 4, do CPCivil; art.º 53.° e 54.°, da Lei n.° 98/2009, de 4/09»

Termina pedindo a revogação do acórdão e a sua substituição «por outro, nos termos propostos».

A Ré respondeu ao recurso interposto sustentando o acerto da decisão recorrida.

O Tribunal da Relação, por acórdão de 21 de Fevereiro de 2013, julgou improcedente a arguição de nulidades do acórdão deduzida pelo Autor e indeferiu o pedido de reforma do mesmo.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do Código de Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:

a) - Se a decisão recorrida se mostra afectada das nulidades que se lhe são imputadas e se deveria ter procedido o pedido de reforma;

b) - Se a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, fixada na decisão recorrida respeita os parâmetros legais, nomeadamente os artigos 53.º e 54.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.


II

1 - Tem consagração constitucional o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, conforme resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, resultando igualmente da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

O acidente dos autos ocorreu em 6 de Outubro de 2010 pelo que é enquadrável pelo regime jurídico decorrente da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, (Regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e das doenças profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, sendo aplicável aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, nos termos do artigo 187.º do mesmo diploma.

Ao presente acidente é igualmente aplicável a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.

O conceito de acidente de trabalho resulta do artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, que o define como «aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte».

Deste modo, a caracterização de um acidente de trabalho pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

- um elemento espacial, por norma, o local de trabalho;

- um elemento temporal, que corresponde, por regra, ao tempo de trabalho;

- um elemento causal, ou seja um nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

Para além dessa verificação cumulativa de pressupostos, torna-se necessário que o evento possa ser considerado como «acidente», o que se centraliza na sua produção ocasional, súbita e com origem externa.

Tal como se referiu no Acórdão desta Secção de 28 de Março de 2007, proferido na Revista n.º 3957/06[1], «a noção de acidente de trabalho reconduz[-se] a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho».

De acordo com o disposto no artigo 23.º daquela Lei, «o direito à reparação compreende as seguintes prestações: a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa; b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei».

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º daquele diploma, «as prestações em dinheiro previstas na alínea b) do artigo 23.º compreendem: a) A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho; b) A pensão provisória; c) A indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho; d) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente; e) O subsídio por morte; f) O subsídio por despesas de funeral; g) A pensão por morte; h) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa; i) O subsídio para readaptação de habitação; j) O subsídio para a frequência de acções no âmbito da reabilitação profissional necessárias e adequadas à reintegração do sinistrado no mercado de trabalho».

2 - No presente processo está em causa a prestação suplementar referida na alínea h) do n.º 1 deste artigo 23.º, ou seja, a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, prestação a que aquele diploma dedica ainda os seus artigos 53.º, 54.º e 55.º, que são do seguinte teor:


«Artigo 53.º

Prestação suplementar para assistência a terceira pessoa


1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.

2 - A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa.

3 - O familiar do sinistrado que lhe preste assistência permanente é equiparado a terceira pessoa.

4 - Não pode ser considerada terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos actos básicos da vida diária.

5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção.

6 - A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.»


«Artigo 54.º

Montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa


1 - A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.

2 - Quando o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, deve ser-lhe atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta e até ao momento da fixação da pensão definitiva, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante previsto no número anterior.

3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior são considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos.

4 - A prestação suplementar é anualmente actualizável na mesma percentagem em que o for o IAS.»


«Artigo 55.º

Suspensão da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa


A prestação suplementar da pensão suspende-se sempre que se verifique o internamento do sinistrado em hospital, ou estabelecimento similar, por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos corram por conta da entidade responsável.»

Tal como decorre dos n.º 1 e 2 do artigo 53.º, esta prestação suplementar da pensão tem por objectivo «compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente» e a sua atribuição «depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa».

Deste modo é o facto de o sinistrado, em consequência das limitações derivadas do acidente, não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas que justifica a atribuição desta prestação que visa «compensar os encargos» com a assistência dessa pessoa e superar por esta via a situação de dependência em que o sinistrado se encontra.

A lei não define o que deve entender-se por «necessidades básicas diárias», mas não deixa de fornecer elementos para o preenchimento deste conceito ao especificar no n.º 5 deste artigo que «para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção».

As necessidades básicas não se esgotam nos actos relativos aos cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção, mas podem incluir muitos outros, com maior ou menor relação com estes, exigindo a lei apenas que se refiram a necessidades básicas diárias, ou seja aquele complexo de tarefas que é essencial para que a vida pessoal do sinistrado mantenha a normalidade compatível com o seu estatuto social, no fundo com a sua dimensão de pessoa e com a dignidade que lhe é devida.

Nos termos do n.º 1 do artigo 54.º, «a prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS».

Resulta deste dispositivo que a lei não aponta critérios que permitam quantificar o valor da prestação indicando apenas um limite máximo e estabelecendo que deve ser fixada numa base mensal.

Fica, assim, relegado para a autonomia das partes e, no caso de estas não se conciliarem, para o Tribunal a tarefa de encontrar o quantitativo em que a prestação deverá ser fixada, sendo certo que o montante a estabelecer não poderá ultrapassar o limite máximo em causa.

O regime desta prestação suplementar não se afasta nos aspectos essenciais e dá continuidade ao que resultava do artigo 19.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro e do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

No acórdão desta Secção de 14 de Novembro de 2007, proferido no processo n.º 07S2716, decidiu-se que a prestação em causa deveria ser fixada em função do número de horas que o sinistrado carece da assistência de terceira pessoa, número de horas que depende da gravidade das limitações que o sinistrado apresente e da maior ou menor extensão do quociente de autonomia e de capacidade de satisfação das suas necessidades básicas diárias[2].

Referiu-se naquele acórdão o seguinte: «Relativamente ao montante da prestação suplementar, a lei é omissa acerca dos elementos a atender na sua fixação, mas compreende-se que o factor relevante para o efeito seja o número de horas em que o sinistrado carece da assistência de terceira pessoa, que, no caso, é de seis horas por dia.

Ora, como se constata da fórmula utilizada pela recorrente, ela partiu do pressuposto de que a prestação suplementar só deve ser fixada em montante igual ao do salário mínimo nacional para os trabalhadores do serviço doméstico quando o sinistrado carecer da assistência de terceira pessoa durante oito horas por dia e que, fora desses casos, a prestação deve ser fixada em função do número de horas em que o sinistrado carece de tal assistência».

A matéria de facto subjacente a este acórdão foi sintetizada naquele aresto do seguinte modo: «Em sede da matéria de facto foi dado como provado que em consequência do acidente, o autor ficou totalmente imobilizado e incapacitado para realizar as tarefas mais elementares, como lavar-se, alimentar-se e realizar as suas necessidades fisiológicas, necessitando de assistência de terceira pessoa diariamente, em média 6 horas/dia (factos n.ºs 6 e 7). E, com base nestes factos, a 1.ª instância considerou que a prestação suplementar devia ser igual ao salário mínimo nacional dos trabalhadores do serviço doméstico e considerou ainda que a referida prestação era devida desde o dia 1.10.2004, data em que teve alta hospitalar».

A necessidade de graduar a fixação do montante da prestação em função da específica situação do sinistrado no sentido de o limite máximo legalmente previsto ser atingido nas situações de dependência absoluta, tem estado presente na Jurisprudência dos Tribunais da Relação.

Assim na fundamentação da decisão recorrida é citado um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, nos seguintes termos:

«Como se disse no Ac. desta Relação de 28-04-2011 (in CJ- on line, refª 6610/2011), ainda no âmbito da LAT/1997):

“(…) do nº 1 do citado artigo 19º [da LAT/1997] parece resultar claramente que esta prestação não é fixa mas sim variável, devendo ser graduada em função do grau de constância dessa assistência e do número de horas de permanência em cada desses dias.

É que as situações que exigem assistência constante de 3ª pessoa não são idênticas, porque cada caso é um caso - as sequelas decorrentes do acidente laboral variam de sinistrado para sinistrado, e se alguns há que necessitam de um acompanhamento constante, outras situações determinam apenas algumas horas diárias. Por outro lado, e dado que o legislador fixou como montante máximo da prestação a remuneração mínima mensal garantida (rmmg) para os trabalhadores do serviço doméstico, não poderá o julgador atribuir o valor máximo a todo e qualquer sinistrado que não dispense a assistência constante de terceira pessoa, mas sim atender a todas as variáveis que o caso concreto fornecer, fixando o valor da prestação em função desses elementos. O valor máximo deve ser atribuído apenas aos casos mais graves, ou seja àqueles sinistrados que exijam um acompanhamento constante que ocupe todo o dia.”»

Considerações da mesma natureza encontram-se também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º  8145/2007-4[3], em que se referiu:

«À primeira vista, poderia pensar-se, face ao teor deste preceito, que o sinistrado que não pode dispensar a assistência de terceira pessoa, tem direito a uma prestação equivalente ao montante da remuneração mínima garantida para os trabalhadores do serviço doméstico, independentemente da constância e da duração diária dessa assistência. Mas não é assim. Sendo o DL 143/99 um decreto regulamentar (o decreto que regulamenta a Lei 100/97), o seu art. 49º, n.º 2 não pode ser interpretado e aplicado de forma isolada mas sim em conjugação com o disposto no art. 19º da lei que regulamenta, do qual resulta, de forma clara, que esta prestação não é fixa mas sim variável, que deve ser graduada em função do grau de constância dessa assistência (v.g. todos os dias, quatro dias por semana) e do número de horas de permanência em cada desses dias (8, 6 ou 4 horas diárias).

Como as situações que exigem assistência constante de 3ª pessoa não são idênticas – umas exigem um acompanhamento constante, que ocupa todo o dia e há outras que exigem apenas um acompanhamento que ocupa apenas algumas horas diárias - e como a prestação não pode ser superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida [rmmg] para os trabalhadores do serviço doméstico, o tribunal deve ser sensível a estas variáveis e fixar o valor da prestação em função desses elementos e não atribuir o valor máximo a todo e qualquer sinistrado que não dispense a assistência constante de terceira pessoa. O valor máximo deve ser atribuído apenas aos casos mais graves, ou seja àqueles sinistrados que exijam um acompanhamento constante que ocupe todo o dia.

Com o disposto no art. 48º, n.º 2 do DL 143/99, de 13/9, o legislador quis apenas assegurar essa assistência de imediato, a partir do dia seguinte ao da alta, com base no parecer do médico assistente do sinistrado, atribuindo-lhe, a partir dessa data, uma prestação provisória equivalente ao montante da rmmg para os trabalhadores do serviço doméstico, por não existirem ainda, nesse momento, elementos que permitam fixar, em definitivo, essa prestação, resultando do n.º 3 deste artigo que os montantes pagos, a este título, devem ser levados em consideração e a prestação corrigida, aquando da fixação final dos respectivos direitos (sentença), altura em que o tribunal disporá de elementos suficientes para fixar definitivamente essa prestação».

Também no Tribunal da Relação do Porto se constatam decisões que se orientam dentro desta linha, conforme se pode ver, entre outros, do acórdão daquele Tribunal de 23 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 340/08.0TTVJG.P1[4] em que se referiu:

«Desta sucessão de leis verificamos que o legislador pretendeu atribuir uma prestação suplementar da pensão, quantificável em dinheiro, tendo para o efeito usado a técnica de estabelecer um tecto máximo, mas sem estabelecer os critérios a seguir para a sua determinação em cada caso concreto.

Na nossa hipótese, tal limite máximo consiste no “montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico”, devendo entender-se que se trata do montante da remuneração mínima mensal garantida, uma vez que hoje não há distinção entre os montantes fixados, em termos de retribuição mínima nacional garantida, quer para os trabalhadores em geral, quer para os trabalhadores da agricultura, quer para os do serviço doméstico.

Por outro lado, tal prestação suplementar da pensão visa compensar o sinistrado pela despesa adicional que representa a assistência permanente de terceira pessoa por ele ter perdido capacidade para tratar da sua pessoa, tanto no plano da sua vida pessoal e doméstica em geral, como no da sua vida normal de relação. Daí o conteúdo da norma do acima transcrito Art.º 53.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que, embora inaplicável in casu, veio explicitar a ratio legis da referida prestação.

Ora, na determinação do seu montante, haverá que atender ao grau de dependência do sinistrado, em função da incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente, devendo fixar-se o máximo nos casos mais graves, mas sendo de graduar em sentido inverso nos casos em que a dependência é menor, atenta a capacidade restante da vítima. Assim, os primeiros casos respeitarão a incapacidades para todo e qualquer trabalho, casos de paraplegia total, por exemplo, estando os restantes reservados para incapacidades para o trabalho habitual ou parciais, mas com um certo grau de gravidade, em que a asssitência de terceira pessoa também se impõe, mas com menor intensidade, como serão exemplo os casos de paraplegia parcial (…) Cfr. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina, págs. 106 e ss. e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2007-12-13 e de 2010-04-28 in, respectivamente, www.dgsi.pt, Processo 8145/2007-4 e Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXV-2010, Tomo II, págs. 164 e 165».


III

1 – Nas «proposições conclusivas» A – 1 a 8, insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que se decidiu «que para os seus cuidados de higiene pessoal o A./Sinistrado carece do auxílio de terceira pessoa durante duas horas por dia», referindo que esta parte do acórdão «alterou ou aditou a matéria de facto considerada na 1.ª instância» e que «tal decisão de facto aparece desprendida de qualquer suporte probatório, ocorrendo a nulidade prevista no art.° 668.°, n.° 1, al. b), do CPCivil».

Destaca o recorrente que «a invocação da presunção judicial e das regras da experiência comum, não têm, no caso em análise, qualquer conteúdo real, sendo meras afirmações abstractas, o que equivale à ausência de qualquer suporte probatório para a alteração da decisão de facto» e que «o Tribunal da Relação só podia alterar a referida decisão de facto, decidindo o que decidiu, se, nessa matéria, os autos contivessem meios de prova que permitissem saber, perante as graves sequelas do sinistrado, quais os actos de que carece ajuda ao longo do dia (24,00H, parte diurna e nocturna), tempo médio da sua duração, e tempo total resultante da sua soma» e que «os autos não continham elementos que permitissem ao Tribunal alterar a decisão da 1.ª instância, mormente, quanto ao referido segmento de facto».

Depois de descrever aquilo que afirma ser a rotina diária do sinistrado, conclui o recorrente que o mesmo «ao longo do dia e da noite, tem de ter junto a si sempre alguém que, no momento certo, lhe disponibilize a imprescindível ajuda para os actos de higiene pessoal mais elementares, que, infelizmente, por si só não consegue efectivar» e que «na realização dos actos de higiene pessoal precisa o A. da ajuda de terceira pessoa em tempo cujo total ultrapassa 08,00H/dia, pelo que em seu entender a decisão recorrida encontra-se igualmente afectada da «nulidade prevista no art.º 668.°, n.° 1, al. c), que expressamente (…) invoca, devendo manter-se na íntegra a douta decisão da l.ª instância».

Resulta do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, que é nula a sentença «quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» e da alínea c) do mesmo artigo que é nula a sentença quando «os fundamentos estejam em oposição com a decisão».

Conforme refere AMÂNCIO FERREIRA, «a falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos, quer respeitem ao direito»[5].

A fundamentação da decisão recorrida, no que se refere ao segmento em causa, é a seguinte:

«No caso, a 1ª instância fixou a prestação suplementar no máximo legal e é desta condenação de que a recorrente discorda.

A junta médica, em resposta ao quesito 3º que lhe foi submetido, e onde se perguntava “O sinistrado actualmente tem necessidade de prestação suplementar para ajuda parcial de 3ª pessoa para as suas actividades? Se sim, qual o número de horas diárias?”, respondeu por unanimidade: “Sim, as horas necessárias para a realização da sua higiene pessoal”.

A sentença recorrida não discordou fundamentadamente desse juízo, pelo que ele deve prevalecer.

Temos assim que a necessidade permanente de auxílio de terceira pessoa não se reconduz à totalidade das operações diárias do sinistrado para as suas actividades básicas, mas apenas às da sua higiene pessoal e pelo número de horas bastante para as assegurar.

Devemos, pois, concluir que a fixação pela 1ª instância do valor máximo para aludida prestação suplementar não se adequa à realidade do juízo pericial.

Embora o número de horas necessário à prestação diária dos cuidados de higiene pessoal não esteja concretamente estabelecido, entendemos que eles se referem aos cuidados básicos normais com o corpo do sinistrado para que se mantenha saudavelmente limpo durante todo o dia. Por presunção judicial (arts. 349.º e 351.º), a partir das regras de experiência comum, podemos razoavelmente fixar que nesses cuidados se despendam duas horas por dia, já considerando a situação de diminuição física do sinistrado.»

Ponderada esta fundamentação da decisão constata-se que a mesma entronca na perícia levada a cabo no processo no segmento em que limita a necessidade de assistência de terceira pessoa ao sinistrado à satisfação das suas necessidades em matéria de higiene pessoal.

A perícia descreve a situação clínica do sinistrado e as limitações da sua capacidade à luz da Tabela Nacional de Incapacidades, fornecendo aí elementos relevantes para responder à questão subjacente a esta prestação, qual seja, o apoio de terceira pessoa para a satisfação das necessidades básicas do sinistrado.

A perícia poderia conter outros elementos que ajudassem o Tribunal a quantificar a dimensão da prestação suplementar em causa, mas os peritos não concretizaram o tempo necessário à realização dos específicos actos relacionados com a higiene pessoal do sinistrado e não teriam que o fazer uma vez nada lhes foi pedido em concreto sobre tais actos, nem pela via dos quesitos, nem pela via dos esclarecimentos complementares.

Constataram os peritos a necessidade de assistência de terceira pessoa nesse vector, relegando para as partes e para o Tribunal a quantificação do tempo necessário à satisfação dessa necessidade do sinistrado.

Acresce que a definição do tempo necessário à satisfação das necessidades em causa, e a consequente fixação da prestação entronca em factores que escapam ao espaço da própria perícia.

Por outro lado, a perícia que serviu de base à intervenção do Tribunal da Relação encontrava-se no processo, que contém todos os meios de prova que serviram de base à decisão da 1.ª instância sobre essa questão, já que não foram ponderados outros elementos.

O Tribunal tinha, deste modo, todos os elementos que foram ponderados pela 1.ª instância e teria que reapreciar essa parte da decisão, definindo o tempo em termos de horas necessário à satisfação dessas necessidades.

Invocou como fundamento da alteração da matéria de facto que levou a cabo nessa fixação as regras da experiência comum e as presunções naturais.

O apelo às regras da experiência comum e às presunções naturais, como elementos para interpretar os meios de prova e para suportar a prova de um facto por dedução a partir de outro facto dado como provado, cabe por inteiro dentro dos poderes do Tribunal da Relação, tal como os mesmos emergem do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

Deste modo, as regras da experiência comum podiam ser invocadas pelo Tribunal da Relação para alterar a matéria de facto, alteração que o tribunal levou a cabo, confrontando os elementos que resultavam da perícia, que não foram postos em causa no processo, com as ditas regras da experiência que atentas as limitações que o sinistrado apresenta permitem avaliar dos fundamentos da dimensão fixada pela 1.ª instância.

Não pode, deste modo, afirmar-se que a decisão carece de fundamentação necessária, ou que evidencie qualquer contradição entre a fundamentação e aquilo que foi decidido, pelo que improcede a arguição de nulidades formulada pelo recorrente.

2 – Nas conclusões C- 13 a 17 vem o recorrente pedir que o Tribunal da Relação «esclareça e reforme o douto acórdão, face à gravidade das sequelas do sinistrado», especificando que aquele Tribunal deverá «elencar os actos concretos de higiene pessoal em que o A. carece do auxílio de terceira pessoa, tempo médio gasto em cada um deles e consequentemente qual o tempo total diário».

Refere, para além do mais, que «a realidade da vida do sinistrado, por força das sequelas do acidente, é a que acima se retratou/descreveu, donde deriva que o A./sinistrado carece da ajuda de terceira pessoa em mais de 8h/dia» e que «em consequência, deverá o douto acórdão ser esclarecido/reformado no sentido apontado, dando-se como assente que o tempo total diário em que o A./sinistrado carece da ajuda de terceira pessoa é superior a 8H/dia, devendo manter-se, em consequência, a douta decisão da l.ª instância, com a inerente improcedência do recurso interposto pela Ré Seguradora».

Invoca como fundamento da sua pretensão o disposto no artigo 669.º, n.º 3 do C.P.C.

Resulta do disposto nos n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, que «qualquer das partes pode requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos» e que «cabendo recurso da decisão, o requerimento (…) é feito na alegação».

Da fundamentação invocada pelo recorrente não se individualiza nenhuma situação das previstas no n.º 2 daquele artigo, ou da alínea b) do seu n.º 1, pelo que não se afigura que ocorra alguma situação que justifique a reforma do acórdão.

Por outro lado, o acórdão recorrido não padece de qualquer obscuridade, ou ambiguidade que justifique o seu esclarecimento, nos termos daquela disposição legal.

Em concreto, o que o recorrente pretende é a alteração do sentido da decisão no que se refere à fixação da matéria de facto, relativamente ao tempo de assistência necessária ao sinistrado e insiste, nesta sede, pela falta de fundamento daquela alteração.

Trata-se, contudo, de pretensão que escapa ao espaço das invocadas normas do artigo 669.º do Código de Processo Civil.

3 – Nas conclusões B – 9 a 11 e D – 17 a 20, o recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, referindo que «caso se entenda que a matéria de facto fixada na 1.ª instância era insuficiente para a decisão de direito, então, ao abrigo do disposto no art.° 712.°, n.° 4, do CPCivil, deveria o Tribunal da Relação anular a sentença da l.ª instância no segmento em causa - vd. al. d), a fls. 94) -, ou, não sendo possível a anulação parcial, toda a decisão, para que no Tribunal de l.ª Instância, os Srs. Peritos médicos esclareçam, face à elevada gravidade da sua incapacidade do sinistrado, quais os actos concretos (elencando-os) para cuja prática o A./sinistrado carece de ajuda de terceira pessoa, tempo médio gasto em cada um e, em, consequência, qual o tempo diário total».

Destaca que «deve revogar-se o douto acórdão e devolver-se os autos à l.ª instância, para ali se produzir a pertinente prova, nomeadamente, declarações aos Srs. Peritos médicos para enunciarem os actos em que o A. carece da ajuda de terceira pessoa e tempo gasto em cada um deles e audição (ou notificação) do sinistrado para este expressar os actos de que carece de ajuda e aduzir a pertinente prova (nomeadamente, indicação e audição das pessoas que lhe prestam ajuda)».

Refere ainda que «para a hipótese de se entender que a matéria de facto, como vem fixada na l.ª instância é insuficiente para a correcta aplicação do direito, então deverá ordenar-se a sua ampliação, ao abrigo do disposto no art.° 729.°, n.° 3, do CPCivil», pelo que «deverá anular-se o douto acórdão e ordenar-se a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 729.°, do CPCivil, para se apurar o número de horas/tempo diário em que o A./sinistrado carece da ajuda de terceira pessoa, devendo, nomeadamente, efectivar-se as seguintes diligências de prova:

a) - Audição dos Srs. peritos médicos para que estes, tendo em conta a elevada incapacidade do sinistrado, de modo expresso e fundamentado, elenquem os actos em que o A./sinistrado, ao longo do dia (24,00H), precisa da ajuda de terceira pessoa, tempo gasto em cada um desses actos, e tempo total/dia daí resultante;

b) - Audição ou notificação do A./sinistrado para que este enumere os actos em que carece da ajuda de terceira pessoa, indicando a pertinente prova, nomeadamente testemunhal (pessoas que lhe prestam tal ajuda)».

De acordo com o disposto no artigo 729.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que é aplicável aos autos, «aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 722.º».

Nos termos desta disposição, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova».

Acresce que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

A decisão do Tribunal do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode, assim, ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça salvo nas situações acima excepcionadas, em caso de erro sobre regras de direito probatório material.

Conforme refere AMÂNCIO FERREIRA, «discutiu-se no passado se o STJ podia exercer censura sobre o comportamento da Relação reportado ao não uso ou ao uso do seus poderes de alteração e anulação da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto» tendo-se firmado «então jurisprudência no sentido de essa censura não poder ser exercida quando a relação não fizesse uso dos seus poderes de alteração e anulação; se o fizesse competia ao STJ verificar se a Relação agira dentro dos limites traçados pela lei para os exercer, por tal constituir matéria de direito» e prossegue aquele autor, nos seguintes termos:

«Presentemente, também o STJ não pode, a solicitação da parte interessada, exercer censura sobre o uso dos poderes da Relação no que concerne ao julgamento da matéria de facto do tribunal da 1.ª instância. E isto por a decisão da Relação que implemente tais poderes ser hoje insusceptível de recurso (n.º 6 do art. 712, aditado pelo DL n.º 375-A/99, de 30 de Setembro)»[6].

Na verdade, o comando do n.º 6 do artigo 712.º citado, que se aplica aos processos instaurados após 20 de Outubro de 1999 (artigos 8.º, n.º 2, e 9.º, ambos do Decreto-‑Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro) e, portanto, aos presentes autos, já que instaurados em 11 de Fevereiro de 2005, veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação previstas nos números anteriores do mesmo preceito.

Por outro lado, a decisão impugnada foi proferida no quadro dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, não tendo sido alegado que, no uso daqueles poderes, a Relação tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, pelo que é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado uso incorrecto ou indevido de tais poderes (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nomeadamente os previstos no n.º 4 do referido artigo 712.º do mesmo código.

Por outro lado, conforme decorre do n.º 3 do artigo 729.º Código de Processo Civil, «o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Estão em causa situações em que a matéria de facto fixada seja insuficiente para uma decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão recorrida sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do caso.

No caso dos autos o recorrente vem invocar a insuficiência da matéria de facto para a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, referindo que a matéria de facto fixada não permitiria, por insuficiente, uma decisão de direito, especificando que a matéria de facto tomada como fundamento da decisão é omissa sobre as concretas necessidades de assistência do sinistrado e do tempo necessário à satisfação das mesmas, destacando que as necessidades de assistência do sinistrado em termos de manutenção da higiene pessoal ultrapassam o limite legal estabelecido.

Entende por tal motivo que se justifica a ampliação da matéria de facto necessária à decisão nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do C.P.C.

Nos termos daquele dispositivo e do n.º 1 do artigo 730.º do Código de Processo Civil, o Supremo pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Porém, conforme se vem entendendo uniformemente, a faculdade concedida a este Supremo Tribunal de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, em consonância com o prevenido no artigo 264.º do Código de Processo Civil.

A natureza dos direitos em litígio no presente processo e a específica conformação do processo especial de acidentes de trabalho, tal como decorre dos artigos 99.º e ss. do Código de Processo do Trabalho não constituiriam óbice à ampliação da matéria de facto, mas para que a mesma seja determinada torna-se necessário demonstrar que ampliação é necessária para «constituir base suficiente para a decisão de direito».

Na óptica do recorrente a ampliação permitiria a concretização dos actos necessários à satisfação das necessidades do sinistrado em termos de manutenção da higiene pessoal e à determinação do tempo necessário à realização dos mesmos.

Tal concretização poderia constituir uma base diversa para a decisão, mas daí não decorre que o Tribunal não tivesse elementos bastantes para fixar o tempo de assistência por terceira pessoa necessário para a satisfação das necessidades de higiene pessoal do sinistrado e para a partir daí fixar o montante da prestação a atribuir ao sinistrado.

Na verdade, a prestação é graduada, tal como se referiu, a partir do máximo estabelecido na lei que só é aplicável nos casos mais graves, em função das particulares limitações do sinistrado.

A falta dessa quantificação do tempo necessário à execução dos concretos actos de assistência não impedia o tribunal de decidir como fez e de encontrar, a partir da perícia e com bases nas regras da experiência comum e das presunções naturais, uma quantificação de tempo necessário para efeito, situada dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos.

O resultado dessa quantificação materializa uma alteração da matéria de facto e escapa, conforme acima se referiu, aos poderes de sindicância deste Tribunal sobre o uso pelo Tribunal da Relação dos poderes que legalmente lhe estão atribuídos, nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, segundo o artigo 349.º do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo que, nos termos do artigo 351.º do mesmo código, «as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal».

No dizer de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, as presunções judiciais «inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana» (cf. Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1967, p. 228). Traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, as mesmas referem-se ao julgamento da matéria de facto.

Ora, é pacífico o entendimento de que a Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica, bem como sindicar as presunções judiciais tiradas pela 1.ª instância, sendo que essa actividade, em regra, não é sindicável por este Supremo Tribunal.

O Supremo Tribunal de Justiça só pode ajuizar, por se tratar de uma questão de direito, se as presunções judiciais extraídas pelas instâncias violam o disposto nos artigos 349.º e 351.º citados, isto é, se foram tiradas de factos desconhecidos (não provados) ou irrelevantes para firmar factos desconhecidos ou se exigem um grau superior de segurança na prova, ou, ainda, se conflituam com a factualidade material provada ou contrariam um facto que tenha sido submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal considerou não provado (cf. Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 22 de Fevereiro de 2005, Revista n.º 4594/04, da 1.ª Secção, de 7 de Abril de 2005, Revista n.º 393/05, da 7.ª Secção, de 1 de Março de 2007, Revista n.º 4192/06, e de 27 de Junho de 2007, Revista n.º 1050/07, ambos da 4.ª Secção).

A presunção judicial extraída pelo tribunal recorrido respeita estes parâmetros não sendo ilegal, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida por ter recorrido a esse meio de prova como fundamento do decidido.

Está, deste modo, vedado a este Tribunal censurar o Tribunal da Relação sobre o tempo em concreto fixado, já que escapa à sindicância prevista no artigo 722.º, n.º 2, do C.P.C., não podendo esquecer-se também que a perícia é apreciada livremente, nos termos do artigo 389.º do Código Civil.

Não pode, assim, dizer-se que os elementos decorrentes da perícia não eram bastantes para se decidir a questão em causa e que se torna necessário determinar a ampliação da matéria de facto.

Não há, pois, fundamento para alterar o decidido no aresto recorrido.


IV

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Não são devidas custas na revista, por delas estar isento o recorrente.

Anexa-se sumário do Acórdão.

Lisboa, 8 de Maio de 2013

António Leones Dantas (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Pinto Hespanhol

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[1] Citado no acórdão desta Secção, de 16 de Dezembro de 2010, proferido na revista n.º 196/06.8TTCBR-A.C1.S1 e disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[2] De que foi extraído sumário, cujo ponto n.º 4 é do seguinte teor: «4. A prestação suplementar da pensão prevista no art.º 19.º da Lei n.º 100/97 (assistência constante de terceira pessoa) só é devida a partir do dia seguinte ao da alta clínica e deve ser fixada em função do número de horas de que o sinistrado carece de tal assistência».
[3] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[4] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[5] Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.ª Edição, Almedina, 2002, p. 48.
[6] Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.ª edição, Almedina, 2002, p. 204.