Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32/16.7T8TMR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÃO LEGAL QUE FIXA O VALOR DE UM MEIO DE PROVA
DUPLA CONFORME
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 04/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES / FORÇA PROBATÓRIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO.
Doutrina:
-ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 318;
-PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume. 1.º (com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA), Almedina, Coimbra, 4.ª edição, 2011, p. 332.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 376.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-06-2017, RELATOR FERREIRA PINTO.
Sumário :
I. O artigo 376.º n.º 1 do Código Civil apenas atribui prova plena às declarações do autor de um documento particular quanto a comportamentos deste e não quanto a comportamentos que o autor do documento atribua a outrem.

II. Uma vez verificado que o Acórdão recorrido não viola qualquer disposição legal que fixa o valor de um meio de prova, importa atender ao disposto no artigo 671.º n.º 3 do CPC quanto à parte remanescente do recurso.

III. Ao Supremo Tribunal de Justiça não é permitido, em princípio, alterar a matéria de facto assente nas instâncias, nem sindicar a livre convicção das mesmas instâncias.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (4.ª Secção)

Relatório
AA intentou na Comarca de Santarém (Tomar – Inst. Central – 2.ª Sec. Trabalho – J1), a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB – …, Lda., pedindo que:
1. se declare que resolveu o contrato de trabalho com justa causa;
2. se condene a Ré a pagar-lhe as seguintes quantias:
i. € 11.219,15 a título de créditos laborais vencidos e não pagos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
ii. € 13.085,26 a título de indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho;
iii. € 6.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais em virtude do assédio moral praticado pela Ré contra si.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, negando, no essencial, os factos alegados pelo Autor, assim pugnando pela improcedência da acção.

Em reconvenção, pediu a condenação do Autor no pagamento de:

i. € 2.894, 32, com fundamento na falta de aviso prévio na resolução do contrato;

ii. € 2.500,00, referente a um empréstimo que havia concedido ao Autor;

iii. € 1.302,44, referente a importância que foi indevidamente paga ao Autor no mês de Novembro de 2015.

Mais pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé, no pagamento da quantia de € 3.460,00, a título de multa e indemnização.

Respondeu o Autor, a reafirmar, no essencial, o constante da petição inicial e a concluir pela improcedência da reconvenção, bem como a pedir a condenação da Ré, como litigante de má fé, em indemnização de € 3.000,00.

Os autos prosseguiram, tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:

«4.1. Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em  consequência:

            a) Condeno a R. BB -…, LDA., a pagar ao autor AA:

            - A quantia de € 1.892,44 pelo trabalho suplementar que este lhe prestou; e,

           - A quantia de € 3.979,69, correspondente à soma da remuneração proporcional das férias e do respectivo subsídio e ainda do subsídio de Natal;

           - Os respectivos juros de mora até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor; e,

           b) Absolvo a ré R. BB -…, LDA., de tudo o mais que foi peticionado pelo autor AA.

            4.2. Mais decido julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:

            a) Condeno o autor AA a pagar à R. BB -…, LDA.:

            - A indemnização de € 2.894,32 pela denúncia do contrato sem aviso prévio; e,

            - A quantia de € 372 devida a título de empréstimo;

            4.3. Operada a compensação das quantias acima indicadas, vai a R. BB - …, LDA., condenada a pagar ao autor AA a importância líquida de € 2.602,81.

            4.4. Não vislumbro sinais claros e seguros da alegada má fé, em qualquer das formas legalmente sancionáveis.

            4.5. O A. e a R. vão condenados a suportar as custas da acção e da reconvenção na proporção dos respectivos decaimentos.»

Inconformado o Autor recorreu, tendo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da sentença.

A Ré, por seu turno, respondeu ao recurso do Autor, sustentando a sua improcedência e interpôs recurso subordinado.

O Tribunal da Relação veio a proferir Acórdão cujo segmento decisório tem o seguinte teor:

“Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:

 1. Alterar a matéria de facto nos termos que constam supra, sob IV.2.2.7.;

2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, na parte em condenou a Ré a pagar àquele a quantia de € 1.892,44 pelo trabalho suplementar que lhe prestou, que se substitui pela condenação da mesma Ré a pagar ao Autor o trabalho suplementar por este prestado, que ainda não lhe foi pago, a apurar em incidente de liquidação e até ao limite do pedido do Autor a tal título, trabalho esse a apurar nos termos previstos nos artigos 271.º e 268.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, e CCT entre a APIC e a SETAA, mas com as limitações, quanto ao acréscimo, que decorrem da Lei n.º 23/12, de 25 de Junho;

3. Operando a compensação de créditos e excluindo o devido a título de trabalho suplementar, a apurar em incidente de liquidação, vai a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 731,37 (€ 3.979,69 - € 3.266,32);

4. Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.”

Novamente inconformado, o Autor interpôs recurso de revista, pedindo que fosse revogado o acórdão recorrido e declarado que o recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa, condenando a Ré no pa­gamento da respectiva indemnização, bem como na indemnização por danos não patrimoniais em virtude do assédio moral que aquela perpetrou contra o Autor.

Apresentou as seguintes Conclusões:

A.- O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora que alterou parcialmente a matéria de facto dada como provada na primeira instância e julgou parci­almente procedente o recurso interposto pelo aqui recorrente, ordenou a compensação de créditos e no mais manteve a sentença da primeira instância;
B.- A presente revista é admissível porquanto não se verifica a dupla conforme, não obstante ter sido parcialmente mantida a sentença na parte que julgou improcedente o assédio moral ao A. e os fundamentos para a justa causa de resolução do contrato pelo recorrente.
C- Pese embora as limitações impostas pelo artigo 674.º do Cód. Proc. Civil ao presente re­curso, no caso em apreço o douto arresto recorrido violou a lei substantiva e a lei adjectiva, nomea­damente, o acórdão recorrido violou disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, e como tal podem ser conhecidas neste recurso.

D.- No acórdão recorrido foi alterada matéria de facto, designadamente, a que consta do ponto IV 2.2.7, a saber:

i.       O facto constante da alínea P) dos factos Provados passará a ter a seguinte redacção:
«O Autor, pelo menos com conhecimento da Ré e sem que esta a isso se tenha oposto, prestou trabalho fora do seu horário de trabalho, em dias de trabalho normal, de descanso complemen­tar e de descanso compensatório, em quantidade e datas não especificamente apuradas»;

ii.      Elimina-se da matéria de facto não provada o facto n°ii.°xi, e adita-se à matéria de facto provada, sob a alínea Q), o seguinte facto: «O legal representante da Ré, anteriormente ao referido em E) dos factos provados, mani­festou a intenção de vir a fazer cessar o respectivo contrato de trabalho em relação a alguns traba­lhadores da BB, S.A., após a aquisição desta, entre os quais o contrato de trabalho do Au­tor». (...) Tendo em vista a compreensão do facto referido na alínea I), importa referir o que, no es­sencial, consta do documento de fls. 17 e 18 dos autos (carta remetida pelo Autor a comunicar ao réu a resolução do contrato de trabalho.”

Assim, sob a alínea j)-l acrescenta-se à matéria de facto:

J)-l «Na referida carta o Autor comunicou à Ré que resolvia o contrato de trabalho, com justa causa, em face dos comportamentos da Ré que o Autor alegou na petição inicial e que se en­contram sumariamente descritos no relatório do presente acórdão, e ainda por não lhe terem sido pagas todas as horas de trabalho suplementar que prestou».
E. - No acórdão recorrido não fez a correcta apreciação da prova e consequentemente não fez a correcta subsunção jurídica dos factos, pois, na alínea H) dos factos dados como provados consta:

No dia 30 de Outubro de 2015, o A. enviou à R. carta cuja cópia foi junta como docu­mento n.º 15, que se dá aqui por reproduzida, instando a reverter os seus comportamentos, sob pena de acionar os mecanismos legais para proteger os seus interesses e direitos de trabalha­dor;
F.- Naquela carta, que foi dada como reproduzida na matéria assente, consta o transcrito no corpo destas alegações, onde se destacam os concretos factos sobre os comportamentos da R., que levaram o recorrente a sentir não só que não lhe estavam a ser asseguradas as condições para prestar o seu trabalho com segurança e saúde, mas os factos que consubstanciam assédio moral e solicitou à entidade patronal que revertesse tal comportamento.
G.- Além de tal documento ter sido dado como reproduzido nos factos provados, e não tendo a recorrida negado a recepção de tal carta, nem impugnado a assinatura, nem a letra do mesmo ou a falsidade do seu conteúdo por "inserir declarações divergentes da realidade", não podia ser produ­zida prova testemunhal tendente a demonstrar a sua falsidade, por tal lhe ser vedado pelo n.º 2 do arti­go 393.º do Código Civil, fazendo prova plena nos termos do estatuído no n.º 1 do artigo 376.º do Có­digo Civil.
H.- Acontece que no acórdão recorrido não foi atendida esta materialidade que conjugada com a prova documental invocada pelo apelante e ainda conjugada com o facto de já ser intenção do legal representante da R. despedir o A., é demonstrativa do assédio moral de que foi vítima, mas também que tais comportamentos da R., puseram em causa, entre o mais, o direito do A. a trabalhar em condições de saúde e de segurança.

L- Ao não atender à materialidade constante daquela alínea H), no acórdão recorrido foi vio­lado o 376.º, n.º 1 e o n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil, que levaria a uma decisão diferente, nomeadamente, no tocante à questão do assédio moral de que o recorrente foi vítima, bem como ao direito a prestar a sua função em condições de saúde e ainda quanto à justa causa de resolução do contrato.
J.- Se as regras probatórias não tivessem sido violadas e a factualidade demonstrada fosse atendida no aresto recorrido, ter-se-ia concluído que conjugando a denúncia dos comportamentos da entidade patronal dada como assente na alínea H) dos factos provados com a matéria resultante da alteração da matéria de facto na alínea Q), conjugado, ainda, com a matéria da alínea K), a segun­da instância devia ter enquadrado aquela materialidade como assédio moral ao autor, conforme se concretiza no corpo destas alegações,
K.- Sendo tal matéria demonstrativa que a R. já há muito que estava a "pressionar" o A. para que este se despedisse, e, como resulta da experiência comum, a aqui recorrida aproveitou o proble­ma de saúde do A. (as hérnias discais) para o perseguir de forma indecorosa, de modo a que este saísse da empresa, concretizando assim a intenção dada como provada na alínea Q) dos factos prova­dos.
L.- Ao não fazer tal enquadramento o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 15.º, 23.º, n.º 1, 28.º e 29.º do Código do Trabalho, porquanto no caso em apreço estamos em presença de assédio moral da recorrida em relação ao recorrente.
M.- Quanto à justa causa de resolução do contrato pelo A., o acórdão recorrido explorou es­sencialmente dois aspectos: o assédio moral por parte da Ré e o não pagamento do trabalho suple­mentar.

N.- Sem prescindir de tudo quanto acima se disse relativamente ao assédio moral, no tocante ao fundamento do não pagamento do trabalho suplementar, foi dado como provado na alínea P): O Autor, pelo menos com conhecimento da Ré e sem que esta a isso se tenha oposto, prestou trabalho fora do seu horário de trabalho, em dias de trabalho normal, de descanso complementar e de des­canso compensatório, em quantidade e datas não especificamente apuradas;
O.- Como resulta da decisão recorrida o Autor prestou trabalho suplementar que não lhe foi pago, daí que aquele acórdão tenha condenado a R. a pagar o valor a liquidar em execução de senten­ça;

P. - Como já se disse em sede de apelação, o A. não estava obrigado a fazer comunicação ad­monitória prévia, porquanto a obrigação do pagamento do trabalho suplementar resulta do artigo 268.º do Código do Trabalho e tal como o pagamento do salário não tem que ser exigido com interpelação admonitória! Pelo que não se aceita o argumento do aresto recorrido que o autor reclamou / solicitou subi­tamente o pagamento do trabalho suplementar e que por isso não se pode considerar que a subsistên­cia da relação de trabalho fosse posta em causa.
Q.- Em primeiro lugar porque o A. podia invocar a falta de pagamento do trabalho suple­mentar quando o entendesse, não estando impedido de o fazer (antes pelo contrário) como funda­mento para a resolução com justa causa da resolução do contrato.
R.- E tal fundamento não foi súbito, mas antes o corolário de todo um comportamento da R. na prossecução da intenção de levar o recorrente a despedir-se, tendo o A. tomado essa consciência e verificado que também a falta de pagamento de todo o trabalho suplementar prestado fazia parte do plano previamente traçado no sentido do "empurrar" para fora da empresa.
S.- Provado que está que o A. prestou trabalho suplementar que não foi pago pela R., este fundamento para a resolução com justa causa verifica-se, preenchendo os requisitos que a Jurispru­dência tem defendido, designadamente, os referidos nos Acórdãos, de 14/01/2015 e de 16/03/2017, desse Venerando Tribunal citados no corpo destas alegações.

T.- Já que o vencimento da obrigação de pagamento da retribuição referente a trabalho su­plementar não está dependente de qualquer interpelação por parte do trabalhador, ocorrendo logo que seja prestado o trabalho, ficando o empregador constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento.
U.- Porque não considerou como justa causa, o douto acórdão recorrido violou o estatuído no artigo 394.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, que estatui que constitui justa causa de reso­lução do contrato pelo trabalhador a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.

V. - Da matéria dada como assente e que levou à alteração da decisão proferida pela primei­ra instância resulta que a R. não pagou todo o trabalho suplementar prestado pelo A., daí a condena­ção daquela em montante e apurar em sede de incidente de liquidação, o que demonstra que a recor­rida violou o dever consignado no artigo 127.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho.

W.- Como foi decidido no Acórdão desse Supremo Tribunal, citado nestas alegações, por estarmos no domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa, nos termos gerais previstos no art.º 799.º, do Código Civil.
Temos assim, que nos termos do regime geral incumbe ao empregador provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, ou seja cabe-lhe ilidir a presunção de culpa.

No entanto, em sede de justa causa com fundamento na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, existe uma disposição especial que é o n.º 5 do art.º 394.º do Código do Trabalho, que refere que considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
X.- No caso em apreço, o A. reclama o pagamento de trabalho suplementar que não lhe foi pago desde que deixou de ter isenção de horário, ou seja, desde Dezembro de 2013, ou seja, o incum­primento do pagamento do trabalho suplementar perdura por mais de 60 dias.
Porque assim não foi decidido, foi violado o dever de pagar pontualmente a retribuição, previsto no art.º 127.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, comportamento, esse, imputável à recor­rida a título de culpa, que se presume nos termos do n.º 5, do art.º 394.º, do Código do Trabalho e nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil.

Z.- Deve assim ser julgado procedente o presente recurso e revogado o acórdão, devendo ser declarado que o recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa, condenando a R. no pa­gamento da respectiva indemnização, bem como na indemnização por danos não patrimoniais em virtude do assédio moral que aquela perpetrou contra o Autor.

A Ré contra-alegou, tendo apresentado as seguintes Conclusões:
I. O Acórdão em mérito não merece, no cômputo geral, qualquer censura.
II. Entende o Recorrente que tendo sido dado com facto provado que "No dia 30 de Outubro de 2015, o A. enviou à R. cuja cópia foi junta como documento n.° 15, que se dá aqui por reproduzida, instando a reverter os seus comportamentos, sob pena de accionar os mecanismos legais para proteger os seus interesses e direitos de trabalhador".
III. O facto de esse ponto "H" dos factos provados mencionar que a carta junta sob documento n° 15 "aqui se dá por integralmente reproduzida", significa que se consideram provados todos os factos constantes da referida carta.
IV. O que o Recorrente pretende é perverter o sentido de "factos provados".
V. Como é fácil constatar, o que se deu como provado na douta sentença proferida (e que não foi alterado pelo Tribunal da Relação) foi que o Autor enviou uma carta à Ré a 30 de Outubro de 2015, e não todo o conteúdo dessa carta, que se deu aliás, como não provado (vide 2.3 da sentença). Ou seja,
VI. Nem o Tribunal de Primeira Instância, nem o Tribunal da Relação, consideraram que o Autor logrou fazer prova das alegadas condutas assediantes perpetradas pela Ré, tendo as duas instâncias concluído que "inexiste fundamento legal para condenar a Ré por alegado assédio". Ora,
VII. Qualquer que fosse a redacção do facto "H" dado como provado (fosse com a descrição/transcrição completa da carta, fosse com remissão para a mesma, como acontece), em nenhuma destas situações estaria a ser dado como provado o conteúdo dessa carta, nomeadamente, e ao que aqui nos interessa, que a Ré praticou assédio moral ao Autor.
VIII. O Recorrente entende ainda que, quanto à justa causa de resolução por falta de pagamento do alegado trabalho suplementar, tal constitui justa causa de resolução.
IX. No que se reporta ao trabalho suplementar, urge esclarecer que a Recorrida não concorda com o sentido do Acórdão de que ora se recorre, motivo pelo qual do mesmo interporá recurso subordinado. Ainda assim, não pelos motivos alegados pelo Recorrente.
X. O Recorrente não logrou cumprir o ónus de alegação e prova que sobre si impendia, não facultando ao Tribunal elementos probatórios que atestassem que o mesmo prestou trabalho suplementar não pago!
XI. Quer o Tribunal de Primeira instância, quer o Tribunal da Relação, analisaram minuciosamente se o Recorrente tinha justa causa para resolver o contrato nos moldes em que o consubstanciou. NATURALMENTE,
XII. Acompanhamos de perto o entendimento das duas Instâncias, abstendo-nos de ser repetitivos, pelo que, ainda que se entendesse que é devido ao Autor determinado montante a título de trabalho suplementar (o que não se concede nem concebe), tal não tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

E concluía pedindo a improcedência do recurso.

Interpôs igualmente recurso subordinado com as seguintes Conclusões:
I. Vem o presente recurso subordinado interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, na parte em que decide: "alterar a matéria de facto nos termos que constam supra, sob IV.2.2.T e "revoga a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré a pagar àquele (o Autor) a quantia de 1.892,44 pelo trabalho suplementar que lhe prestou, que se substitui pela condenação da mesma Ré a pagar ao Autor o trabalho suplementar por este prestado, que ainda não lhe foi pago, a apurar em incidente de liquidação e até ao limite do pedido do Autor a tal título".
II. Proferida sentença relativamente a esta questão, o Tribunal de 1a Instância deu como provado que: P) “O A. prestou trabalho para a R. em períodos não concretamente apurados, mas para além do horário de trabalho supra indicado, o que sucedeu, pelo menos, em média 10 horas por mês, desde Março de 2014 até Junho de 2015.”
III. Já em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Évora alterou a matéria de facto dada como provada, nos seguintes termos “o Autor, pelo menos com conhecimento da Ré e sem que esta a isso se tenha oposto, prestou trabalho fora do seu horário de trabalho, em dias de trabalho normal, de descanso complementar e de descanso compensatório, em quantidade e datas não especificamente apuradas".
IV. Tendo assim determinado a condenação da Recorrente no pagamento ao Recorrido do trabalho suplementar a apurar em incidente de liquidação. Ora, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com tal decisão.
V. O Recorrido incumpriu o ónus de alegação e prova que sobre si impendia, no que respeita à efectiva prestação de trabalho suplementar, mais se negligenciando o facto de não ter logrado provar que as horas que alegadamente prestou para além do seu horário normal de trabalho foram previamente determinadas e exigidas pela Recorrente.
VI. Para que se determine o número de horas de trabalho suplementar prestado, mesmo que em sede de incidente de liquidação, afigurar-se-ia essencial alegar o horário normal de trabalho e, bem assim, o período de trabalho em que o Trabalhador, por determinação do Empregador, trabalhou para além desse horário normal, com menção das horas de início e de termo das jornadas, ónus que impendia sobre o aqui Recorrido.
VII. A única prova que o Recorrido apresentou para atestar a prestação de trabalho suplementar são quadros elaborados por si, baseados em registos que o próprio efectuou.
VIII. A própria sentença do Tribunal de Primeira Instância menciona que: "a documentação dos autos também não pareceu suficientemente fiável para se proceder à automática transcrição dos tempos de trabalho, na medida em que não se conhecem exactamente as circunstancias que rodeavam as marcações, designadamente quanto à forma como se procedia ao seu control.”
IX. O mesmo sentido seguiu o Acórdão ora recorrido: “Como parece evidente, os diversos documentos juntos aos autos – documentos esses particulares – não permitem afirmar, com um mínimo de segurança, que o Autor tenha prestado trabalho suplementar (expressão, de resto, jurídica) nos inúmeros dias que indicou na petição inicial e, posteriormente, na ampliação do pedido.” Prossegue:
X. "E também dos depoimentos prestados, não é possível afirmar com o mínimo de segurança que o Autor tenha prestado o trabalho suplementar afirmado na sentença recorrida ou, em contraposição, que tenha prestado o trabalho suplementar que alegou.” Perguntamos então:
XI. Se o Autor, ora Recorrido, não conseguiu determinar um único dia em que tenha sido prestado trabalho suplementar, como é que se pode provar a existência de trabalho suplementar? Pois bem, não pode!
XII. Na verdade, o que está errado é ter sido dado como provado que existiu trabalho suplementar, quando nenhuma prova foi feita a este respeito por quem tinha o ónus da prova, o Trabalhador!
XIII. Este, ao invés, chegou mesmo ao cúmulo de peticionar horas de trabalho suplementar em dias em que ficou provado que estava de férias!
XIV. Veja-se a este propósito o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17 de Fevereiro de 2016, proferido no âmbito do proc. n.º 2045/13.1TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt) que: "A causa de pedir de um crédito relativo a prestação do trabalho suplementar é constituída pela alegação do horário de trabalho, com a indicação das horas de inicio e do termo do período normal de trabalho diário, os respectivos intervalos e a indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos.2. Cabe ao trabalhador o ónus de demonstrar que prestou trabalho suplementar, não bastando para isso indicar o início e o termo da jornada de trabalho (...)"
XV. Também o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão datado de 16.11.2011, proferido no âmbito do proc. n.º 2026/07.4TTPRT.P1.S1, clarificou que: "Tendo o trabalhador apresentado, para prova do trabalho suplementar"registos de entradas e saídas" na empresa pelo próprio manuscritos por não serem da autoria da entidade empregadora e por carecerem de ser complementados, esclarecidos ou interpretados através da prova testemunhal  não podem constituir documentos idóneos para prova do trabalho suplementar, pretensamente prestado pelo trabalhador (...)."
XVI. Veja-se ainda o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 04.11.2011. proferido no âmbito do proc. n.º 621/09.6TTMAI.P1: "Ao trabalhador que peticiona a remuneração de trabalho suplementar compete alegar e provar pelo menos o horário de trabalho ou o período de trabalho diário, a prestação de trabalho para além deles e que tal prestação foi expressa e previamente determinada pelo empregador, ou que tal prestação foi realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador."
XVII. Conforme dita o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ao Trabalhador que invoca o direito à remuneração por trabalho suplementar compete alegar e provar os factos constitutivos desse direito, deveria o Tribunal “a quo” ter indeferido totalmente a sua pretensão.
XVIII. Já à Entidade Empregadora incumbia provar que todas as horas de trabalho suplementar prestadas nos anos de 2014 e 2015 foram devida e pontualmente liquidadas, o que esta, através de prova documental conseguiu provar!
XIX. Resulta assim que foi violada a norma do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, que prevê que: "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado".
XX. Em face de tudo quanto ficou dito, deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação de Évora relativamente ao ponto "P" dos factos provados, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redacção: “P) A R. pagou ao A. todos os créditos relativos a horas de trabalho prestadas fora do seu horário normal de trabalho, prestadas com o conhecimento e sem oposição daquela, em dias de trabalho normal, de descanso complementar e de descanso compensatório".
XXI. Relativamente à matéria dada como não provada, nomeadamente sob o ponto xvi deverá a mesma, em face do que ficou dito, ser considerada matéria assente.

E concluía pedindo que o recurso subordinado fosse julgado procedente.

Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT o Ministério Público emitiu parecer no sentido de serem negadas as revistas e confirmado o Acórdão recorrido.

Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:

A) A R. é uma sociedade por quotas, que tem por objecto social suinicultura e bovinicultura, comércio, importação e exportação de animais vivos, exploração de talho, abate e produção de carne, fabrico, comércio, importação e exportação de produtos à base de carne;

B) Em 1 de Abril de 2005, o A. AA celebrou um contrato de trabalho com a empresa CC, Lda., com início em 1 de Maio de 2005;

C) No decurso do contrato foi sendo promovido e passou a exercer as funções de encarregado-adjunto;

D) Por escrito denominado acordo de transferência, datado de 9 de Janeiro de 2008, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008, o A. foi transferido para a empresa BB – …, S.A., assumindo esta a antiguidade e demais direitos do AA;

E) Entretanto a BB – …, S.A. foi declarada insolvente e em 4 de Julho de 2013 a R. adquiriu por contrato de compra e venda os activos da BBs, incluindo os direitos de todos os contratos de trabalho vigentes;  

F) Como contrapartida do trabalho que a A. prestava à R. esta pagava-lhe uma retribuição mensal de € 1.400,00 e duas diuturnidades no valor total de € 47,16;

G) No dia 3 de Setembro de 2015, o médico de trabalho da R. declarou que o autor estava inapto temporariamente;

H) No dia 30 de Outubro de 2015, o A. enviou à R. cuja cópia foi junta como documento n.º 15, que se dá aqui por reproduzida, instando a reverter os seus comportamentos, sob pena de accionar os mecanismos legais para proteger os seus interesses e direitos de trabalhador;

I) No dia 30 de Novembro de 2015, o A. enviou à R. cuja cópia foi junta como documento n.º 19, que se dá aqui por reproduzida, comunicando que rescindia o contrato de trabalho com efeitos imediatos, invocando justa causa;

O Tribunal da Relação acrescentou nos factos provados que:

«Na referida carta o Autor comunicou à Ré que resolvia o contrato de trabalho, com justa causa, em face dos comportamentos da Ré que o Autor alegou na petição inicial e que se encontram sumariamente descritos no relatório do presente acórdão, e ainda por não lhe terem sido pagas todas as horas de trabalho suplementar que prestou».

J) Em Novembro de 2013 a R. emprestou ao A. a quantia de € 2.500,00;

K) A partir do dia 1 de Janeiro de 2014, a R. determinou que o A. cumprisse o seguinte horário de trabalho:

- 2ª feira: das 6.00 horas à 17.00 horas e interrupção para almoço das 12 às 13.00 horas;

- 3ª feira e 4ª feira: das 7.00 horas às 16.00 horas e interrupção para almoço das 12 às 13.00 horas;

- 5ª feira e 6ª feira: das 7.00 horas às 15.00 horas interrupção para almoço das 12 às 13.00 horas;

L) O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde o dia 8/7/2015 até ao dia 21/07/2015 por motivo de acidente de trabalho;

M) O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde o dia 22/07/2015 até ao dia 22/08/2015 por doença natural;

N) O A. esteve de baixa médica de 04/09/2015 até 15/10/2015;

O) O A. pagou à R. diversas prestações do empréstimo que totalizaram, pelo menos, € 2.125,00;

P) O A. prestou trabalho para a R. em períodos não concretamente apurados, mas para além do horário de trabalho supra indicado, o que sucedeu, pelo menos, em média 10 horas por mês, desde Março de 2014 até Junho de 2015.

De Direito

No seu recurso o Recorrente invoca, desde logo, um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que consistiria, no seu entender, na ofensa a uma disposição legal que expressamente fixa a força de um determinado meio de prova o que, a revelar-se exacto, permitiria que tal erro fosse objecto do recurso de revista (parte final do n.º 3 do artigo 674.º do CPC). Tal erro traduzir-se-ia na violação do artigo 376.º n.º 1 do Código Civil relativamente à carta referida na alínea H) dos factos dados como provados, carta esta enviada pelo Autor ao Réu e na qual “se destacam os concretos factos sobre os comportamentos da R., que levaram o recorrente a sentir não só que não lhe estavam a ser asseguradas as condições para prestar o seu trabalho com segurança e saúde, mas os factos que consubstanciam assédio moral” (ponto F das Conclusões das Alegações do recurso de revista).

Sucede, no entanto, que o n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil não tem, de todo, o sentido e o alcance que o Recorrente lhe atribui. Este preceito dispõe que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”. Ou seja, a prova plena só é proporcionada quanto às declarações atribuídas ao autor da carta e não quanto aos comportamentos que o autor da mesma atribui a outrem. Aliás, e como destacam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis”[1].

Assim, a carta não faz qualquer prova com valor legalmente fixado quanto aos comportamentos assediantes que imputa ao empregador, tendo as instâncias total liberdade para se socorrerem de outros meios de prova para formarem a sua livre convicção quanto à existência ou não de assédio por parte do empregador.

Mas rejeitado este fundamento para o recurso importará agora verificar se a parte remanescente é admissível ou se não ocorre antes uma situação de “dupla conforme” à luz do artigo 671.º n.º 3 do CPC. Com efeito, assim tem que ser sob pena de ser suficiente, para evitar o disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, a invocação de uma questão relativamente à qual não existisse dupla conforme.

De acordo com o n.º 3 do artigo 671.º do CPC é necessário que a fundamentação da decisão da 1.ª Instância e a do Acórdão do Tribunal da Relação sejam essencialmente diferentes para que o recurso possa ser admitido. Não é, pois, suficiente que as fundamentações sejam diferentes, porquanto tal diferença há-de ser essencial. E nas palavras de ABRANTES GERALDES, “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”[2], acrescentando o Autor em seguida que “a restrição ao conceito de dupla conformidade, relevando para o efeito a fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou”. E é ao Recorrente que cabe demonstrar que a fundamentação jurídica adotada foi essencialmente diferente.

A sentença decidiu que o Autor não tinha justa causa para resolver o contrato de trabalho porquanto não conseguiu demonstrar, por um lado, uma “conduta persecutória e ofensiva” dos seus direitos e, por outro lado, porque o incumprimento do empregador foi relativamente modesto e “se o autor não estava para condescender com os indevidos atrasos de pagamento (visto que o credor da remuneração também não tem que suportar indefinidamente os maus pagadores), podia e devia advertir previamente a entidade patronal para lhe pagar os valores em dívida, sob pena de desencadear a resolução do contrato”.

O Acórdão recorrido decidiu no mesmo sentido da inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

A decisão foi fundamentada nestes termos:

“No caso que nos ocupa, o recorrente invocou com justa causa da resolução do contrato, no essencial, o assédio moral por parte da Ré e o não pagamento do trabalho suplementar.

Quanto ao primeiro dos fundamentos, já se analisou supra que o mesmo não tem suporte na matéria de facto provada: resta, por isso, o segundo fundamento.

Ora, quanto a este é certo que a Ré não procedeu ao pagamento de (algum) trabalho suplementar prestado pelo Autor e, nessa medida, se verifica o requisito objectivo de resolução com justa causa do contrato (o referido não pagamento do trabalho suplementar), assim como o requisito subjectivo (imputação desse não pagamento à Ré).

Porém, pergunta-se: esse não pagamento tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (nexo causal)?

A nossa resposta, adiante-se já, é negativa.

É certo que desde Janeiro de 2014 A Ré não terá pago ao Autor (algum) trabalho suplementar (como o próprio Autor confessa nos articulados, maxime no artigo 47.º da p.i., foi-lhe pago algum do trabalho suplementar realizado); no entanto, por um lado, como resulta dos autos pagou-lhe algum trabalho suplementar e, por outro, ignora-se o montante devido a tal título.

Mas sobretudo, ao longo desse período de tempo nunca solicitou à Ré o pagamento em dívida ou, de algum modo, “reclamou” desse não pagamento; inclusive, na carta datada de 30 de Outubro de 2015, que remeteu à Ré, e onde lhe solicitava a alteração de comportamentos que, até então, vinha tendo para consigo [alínea H) dos factos provados e fls. 26 dos autos] nada referiu quanto à falta de pagamento de trabalho suplementar.

Por isso, se essa falta de pagamento do trabalho suplementar não determinou ao longo do tempo que o Autor solicitasse/reclamasse da Ré tal pagamento, não pode ser, diremos subitamente, que o mesmo pode vir a pôr em causa a subsistência da relação de trabalho.”

Como se vê, a fundamentação coincide no essencial: não foi demonstrada a existência de qualquer assédio, e, quanto à falta de pagamento do trabalho suplementar, não só não ficou provado um incumprimento grave, como a atitude que a boa fé impunha ao trabalhador é que reclamasse o seu pagamento junto do empregador, avisando-o que se tal pagamento não ocorresse, então sim, procederia à resolução do contrato.

Indeferido o recurso na parte em que o Recorrente invocou a violação de uma disposição legal que expressamente fixa a força de um determinado meio de prova, não é admissível o recurso na parte em que ocorre “dupla conforme”.

Não tendo o trabalhador provado, como lhe competia, a justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho, forçoso é concluir que a mesma é ilícita.

Cumpre agora apreciar e decidir o recurso subordinado interposto pelo empregador.

Dir-se-á, logo à partida, que uma parte do pedido apresentado exorbita das competências deste Tribunal. Assim, quanto ao pedido para alterar a matéria de facto, designadamente a redacção do ponto P) da matéria dada como assente nas instâncias. Como já se disse, face ao disposto no artigo 682.º n.º 1 do CPC, este Supremo Tribunal limita-se, em regra, a aplicar o direito aos factos apurados nas instâncias, não podendo conhecer desse pedido de alteração da matéria de facto. Também quanto às considerações feitas no recurso subordinado e ao facto de o Tribunal da Relação ter baseado a sua convicção em quadros fornecidos pelo trabalhador, há apenas que responder dizendo que não cabe a este Tribunal sindicar a livre apreciação da prova pelas instâncias, porquanto não se trata da apreciação de prova tabelada.

Face ao facto P) dado como provado, o Tribunal da Relação decidiu corretamente ao mandar apurar na fase da liquidação o montante que ao trabalhador for devido como remuneração do trabalho suplementar. Como se pode ler, designadamente, no Acórdão do STJ de 08/06/2017 (FERREIRA PINTO), “[p]rovando-se na competente ação de contrato de trabalho, que o trabalhador exerceu a sua atividade para além do horário vigente na relação de trabalho, que a exerceu em dias de descanso complementar e obrigatório, e em dias feriado, embora sem que se tivesse quantificado o número de dias e de horas em que essas situações se verificaram, há lugar a uma condenação ilíquida, remetendo essa quantificação para incidente de liquidação, ao abrigo do artigo 609.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.”

Decisão: Negada a revista principal e negada a revista subordinada.

Custas no recurso principal pelo Autor e custas no recurso subordinado pela Ré

Lisboa, 18 de Abril de 2018

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

__________________________
[1] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. 1.º (com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA), Almedina, Coimbra, 4.ª ed., 2011, p. 332.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, p. 318.