Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÃO LEGAL QUE FIXA O VALOR DE UM MEIO DE PROVA DUPLA CONFORME ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
Data do Acordão: | 04/18/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADAS AS REVISTAS | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES / FORÇA PROBATÓRIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO. | ||
Doutrina: | -ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 318; -PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume. 1.º (com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA), Almedina, Coimbra, 4.ª edição, 2011, p. 332. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 376.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 08-06-2017, RELATOR FERREIRA PINTO. | ||
Sumário : | I. O artigo 376.º n.º 1 do Código Civil apenas atribui prova plena às declarações do autor de um documento particular quanto a comportamentos deste e não quanto a comportamentos que o autor do documento atribua a outrem. II. Uma vez verificado que o Acórdão recorrido não viola qualquer disposição legal que fixa o valor de um meio de prova, importa atender ao disposto no artigo 671.º n.º 3 do CPC quanto à parte remanescente do recurso. III. Ao Supremo Tribunal de Justiça não é permitido, em princípio, alterar a matéria de facto assente nas instâncias, nem sindicar a livre convicção das mesmas instâncias. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (4.ª Secção) Relatório Em reconvenção, pediu a condenação do Autor no pagamento de: i. € 2.894, 32, com fundamento na falta de aviso prévio na resolução do contrato; ii. € 2.500,00, referente a um empréstimo que havia concedido ao Autor; iii. € 1.302,44, referente a importância que foi indevidamente paga ao Autor no mês de Novembro de 2015. Mais pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé, no pagamento da quantia de € 3.460,00, a título de multa e indemnização. Respondeu o Autor, a reafirmar, no essencial, o constante da petição inicial e a concluir pela improcedência da reconvenção, bem como a pedir a condenação da Ré, como litigante de má fé, em indemnização de € 3.000,00. Os autos prosseguiram, tendo sido proferida sentença com o seguinte teor: «4.1. Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno a R. BB -…, LDA., a pagar ao autor AA: - A quantia de € 1.892,44 pelo trabalho suplementar que este lhe prestou; e, - A quantia de € 3.979,69, correspondente à soma da remuneração proporcional das férias e do respectivo subsídio e ainda do subsídio de Natal; - Os respectivos juros de mora até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor; e, b) Absolvo a ré R. BB -…, LDA., de tudo o mais que foi peticionado pelo autor AA. 4.2. Mais decido julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno o autor AA a pagar à R. BB -…, LDA.: - A indemnização de € 2.894,32 pela denúncia do contrato sem aviso prévio; e, - A quantia de € 372 devida a título de empréstimo; 4.3. Operada a compensação das quantias acima indicadas, vai a R. BB - …, LDA., condenada a pagar ao autor AA a importância líquida de € 2.602,81. 4.4. Não vislumbro sinais claros e seguros da alegada má fé, em qualquer das formas legalmente sancionáveis. 4.5. O A. e a R. vão condenados a suportar as custas da acção e da reconvenção na proporção dos respectivos decaimentos.»
Inconformado o Autor recorreu, tendo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da sentença. A Ré, por seu turno, respondeu ao recurso do Autor, sustentando a sua improcedência e interpôs recurso subordinado. O Tribunal da Relação veio a proferir Acórdão cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em: 1. Alterar a matéria de facto nos termos que constam supra, sob IV.2.2.7.; 2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, na parte em condenou a Ré a pagar àquele a quantia de € 1.892,44 pelo trabalho suplementar que lhe prestou, que se substitui pela condenação da mesma Ré a pagar ao Autor o trabalho suplementar por este prestado, que ainda não lhe foi pago, a apurar em incidente de liquidação e até ao limite do pedido do Autor a tal título, trabalho esse a apurar nos termos previstos nos artigos 271.º e 268.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, e CCT entre a APIC e a SETAA, mas com as limitações, quanto ao acréscimo, que decorrem da Lei n.º 23/12, de 25 de Junho; 3. Operando a compensação de créditos e excluindo o devido a título de trabalho suplementar, a apurar em incidente de liquidação, vai a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 731,37 (€ 3.979,69 - € 3.266,32); 4. Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.”
Novamente inconformado, o Autor interpôs recurso de revista, pedindo que fosse revogado o acórdão recorrido e declarado que o recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa, condenando a Ré no pagamento da respectiva indemnização, bem como na indemnização por danos não patrimoniais em virtude do assédio moral que aquela perpetrou contra o Autor.
Apresentou as seguintes Conclusões: A.- O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora que alterou parcialmente a matéria de facto dada como provada na primeira instância e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo aqui recorrente, ordenou a compensação de créditos e no mais manteve a sentença da primeira instância; D.- No acórdão recorrido foi alterada matéria de facto, designadamente, a que consta do ponto IV 2.2.7, a saber: i. O facto constante da alínea P) dos factos Provados passará a ter a seguinte redacção: ii. Elimina-se da matéria de facto não provada o facto n°ii.°xi, e adita-se à matéria de facto provada, sob a alínea Q), o seguinte facto: «O legal representante da Ré, anteriormente ao referido em E) dos factos provados, manifestou a intenção de vir a fazer cessar o respectivo contrato de trabalho em relação a alguns trabalhadores da BB, S.A., após a aquisição desta, entre os quais o contrato de trabalho do Autor». (...) Tendo em vista a compreensão do facto referido na alínea I), importa referir o que, no essencial, consta do documento de fls. 17 e 18 dos autos (carta remetida pelo Autor a comunicar ao réu a resolução do contrato de trabalho.” Assim, sob a alínea j)-l acrescenta-se à matéria de facto: J)-l «Na referida carta o Autor comunicou à Ré que resolvia o contrato de trabalho, com justa causa, em face dos comportamentos da Ré que o Autor alegou na petição inicial e que se encontram sumariamente descritos no relatório do presente acórdão, e ainda por não lhe terem sido pagas todas as horas de trabalho suplementar que prestou». No dia 30 de Outubro de 2015, o A. enviou à R. carta cuja cópia foi junta como documento n.º 15, que se dá aqui por reproduzida, instando a reverter os seus comportamentos, sob pena de acionar os mecanismos legais para proteger os seus interesses e direitos de trabalhador; L- Ao não atender à materialidade constante daquela alínea H), no acórdão recorrido foi violado o 376.º, n.º 1 e o n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil, que levaria a uma decisão diferente, nomeadamente, no tocante à questão do assédio moral de que o recorrente foi vítima, bem como ao direito a prestar a sua função em condições de saúde e ainda quanto à justa causa de resolução do contrato. N.- Sem prescindir de tudo quanto acima se disse relativamente ao assédio moral, no tocante ao fundamento do não pagamento do trabalho suplementar, foi dado como provado na alínea P): O Autor, pelo menos com conhecimento da Ré e sem que esta a isso se tenha oposto, prestou trabalho fora do seu horário de trabalho, em dias de trabalho normal, de descanso complementar e de descanso compensatório, em quantidade e datas não especificamente apuradas; P. - Como já se disse em sede de apelação, o A. não estava obrigado a fazer comunicação admonitória prévia, porquanto a obrigação do pagamento do trabalho suplementar resulta do artigo 268.º do Código do Trabalho e tal como o pagamento do salário não tem que ser exigido com interpelação admonitória! Pelo que não se aceita o argumento do aresto recorrido que o autor reclamou / solicitou subitamente o pagamento do trabalho suplementar e que por isso não se pode considerar que a subsistência da relação de trabalho fosse posta em causa. T.- Já que o vencimento da obrigação de pagamento da retribuição referente a trabalho suplementar não está dependente de qualquer interpelação por parte do trabalhador, ocorrendo logo que seja prestado o trabalho, ficando o empregador constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento. V. - Da matéria dada como assente e que levou à alteração da decisão proferida pela primeira instância resulta que a R. não pagou todo o trabalho suplementar prestado pelo A., daí a condenação daquela em montante e apurar em sede de incidente de liquidação, o que demonstra que a recorrida violou o dever consignado no artigo 127.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho. W.- Como foi decidido no Acórdão desse Supremo Tribunal, citado nestas alegações, por estarmos no domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa, nos termos gerais previstos no art.º 799.º, do Código Civil. No entanto, em sede de justa causa com fundamento na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, existe uma disposição especial que é o n.º 5 do art.º 394.º do Código do Trabalho, que refere que considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. Z.- Deve assim ser julgado procedente o presente recurso e revogado o acórdão, devendo ser declarado que o recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa, condenando a R. no pagamento da respectiva indemnização, bem como na indemnização por danos não patrimoniais em virtude do assédio moral que aquela perpetrou contra o Autor.
A Ré contra-alegou, tendo apresentado as seguintes Conclusões: E concluía pedindo a improcedência do recurso. Interpôs igualmente recurso subordinado com as seguintes Conclusões: E concluía pedindo que o recurso subordinado fosse julgado procedente. Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT o Ministério Público emitiu parecer no sentido de serem negadas as revistas e confirmado o Acórdão recorrido.
Fundamentação De Facto Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias: A) A R. é uma sociedade por quotas, que tem por objecto social suinicultura e bovinicultura, comércio, importação e exportação de animais vivos, exploração de talho, abate e produção de carne, fabrico, comércio, importação e exportação de produtos à base de carne; B) Em 1 de Abril de 2005, o A. AA celebrou um contrato de trabalho com a empresa CC, Lda., com início em 1 de Maio de 2005; C) No decurso do contrato foi sendo promovido e passou a exercer as funções de encarregado-adjunto; D) Por escrito denominado acordo de transferência, datado de 9 de Janeiro de 2008, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008, o A. foi transferido para a empresa BB – …, S.A., assumindo esta a antiguidade e demais direitos do AA; E) Entretanto a BB – …, S.A. foi declarada insolvente e em 4 de Julho de 2013 a R. adquiriu por contrato de compra e venda os activos da BBs, incluindo os direitos de todos os contratos de trabalho vigentes; F) Como contrapartida do trabalho que a A. prestava à R. esta pagava-lhe uma retribuição mensal de € 1.400,00 e duas diuturnidades no valor total de € 47,16; G) No dia 3 de Setembro de 2015, o médico de trabalho da R. declarou que o autor estava inapto temporariamente; H) No dia 30 de Outubro de 2015, o A. enviou à R. cuja cópia foi junta como documento n.º 15, que se dá aqui por reproduzida, instando a reverter os seus comportamentos, sob pena de accionar os mecanismos legais para proteger os seus interesses e direitos de trabalhador; I) No dia 30 de Novembro de 2015, o A. enviou à R. cuja cópia foi junta como documento n.º 19, que se dá aqui por reproduzida, comunicando que rescindia o contrato de trabalho com efeitos imediatos, invocando justa causa;
O Tribunal da Relação acrescentou nos factos provados que: «Na referida carta o Autor comunicou à Ré que resolvia o contrato de trabalho, com justa causa, em face dos comportamentos da Ré que o Autor alegou na petição inicial e que se encontram sumariamente descritos no relatório do presente acórdão, e ainda por não lhe terem sido pagas todas as horas de trabalho suplementar que prestou». J) Em Novembro de 2013 a R. emprestou ao A. a quantia de € 2.500,00; K) A partir do dia 1 de Janeiro de 2014, a R. determinou que o A. cumprisse o seguinte horário de trabalho: - 2ª feira: das 6.00 horas à 17.00 horas e interrupção para almoço das 12 às 13.00 horas; - 3ª feira e 4ª feira: das 7.00 horas às 16.00 horas e interrupção para almoço das 12 às 13.00 horas; - 5ª feira e 6ª feira: das 7.00 horas às 15.00 horas interrupção para almoço das 12 às 13.00 horas; L) O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde o dia 8/7/2015 até ao dia 21/07/2015 por motivo de acidente de trabalho; M) O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde o dia 22/07/2015 até ao dia 22/08/2015 por doença natural; N) O A. esteve de baixa médica de 04/09/2015 até 15/10/2015; O) O A. pagou à R. diversas prestações do empréstimo que totalizaram, pelo menos, € 2.125,00; P) O A. prestou trabalho para a R. em períodos não concretamente apurados, mas para além do horário de trabalho supra indicado, o que sucedeu, pelo menos, em média 10 horas por mês, desde Março de 2014 até Junho de 2015.
De Direito No seu recurso o Recorrente invoca, desde logo, um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que consistiria, no seu entender, na ofensa a uma disposição legal que expressamente fixa a força de um determinado meio de prova o que, a revelar-se exacto, permitiria que tal erro fosse objecto do recurso de revista (parte final do n.º 3 do artigo 674.º do CPC). Tal erro traduzir-se-ia na violação do artigo 376.º n.º 1 do Código Civil relativamente à carta referida na alínea H) dos factos dados como provados, carta esta enviada pelo Autor ao Réu e na qual “se destacam os concretos factos sobre os comportamentos da R., que levaram o recorrente a sentir não só que não lhe estavam a ser asseguradas as condições para prestar o seu trabalho com segurança e saúde, mas os factos que consubstanciam assédio moral” (ponto F das Conclusões das Alegações do recurso de revista). Sucede, no entanto, que o n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil não tem, de todo, o sentido e o alcance que o Recorrente lhe atribui. Este preceito dispõe que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”. Ou seja, a prova plena só é proporcionada quanto às declarações atribuídas ao autor da carta e não quanto aos comportamentos que o autor da mesma atribui a outrem. Aliás, e como destacam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis”[1]. Assim, a carta não faz qualquer prova com valor legalmente fixado quanto aos comportamentos assediantes que imputa ao empregador, tendo as instâncias total liberdade para se socorrerem de outros meios de prova para formarem a sua livre convicção quanto à existência ou não de assédio por parte do empregador. Mas rejeitado este fundamento para o recurso importará agora verificar se a parte remanescente é admissível ou se não ocorre antes uma situação de “dupla conforme” à luz do artigo 671.º n.º 3 do CPC. Com efeito, assim tem que ser sob pena de ser suficiente, para evitar o disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, a invocação de uma questão relativamente à qual não existisse dupla conforme. De acordo com o n.º 3 do artigo 671.º do CPC é necessário que a fundamentação da decisão da 1.ª Instância e a do Acórdão do Tribunal da Relação sejam essencialmente diferentes para que o recurso possa ser admitido. Não é, pois, suficiente que as fundamentações sejam diferentes, porquanto tal diferença há-de ser essencial. E nas palavras de ABRANTES GERALDES, “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”[2], acrescentando o Autor em seguida que “a restrição ao conceito de dupla conformidade, relevando para o efeito a fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou”. E é ao Recorrente que cabe demonstrar que a fundamentação jurídica adotada foi essencialmente diferente. A sentença decidiu que o Autor não tinha justa causa para resolver o contrato de trabalho porquanto não conseguiu demonstrar, por um lado, uma “conduta persecutória e ofensiva” dos seus direitos e, por outro lado, porque o incumprimento do empregador foi relativamente modesto e “se o autor não estava para condescender com os indevidos atrasos de pagamento (visto que o credor da remuneração também não tem que suportar indefinidamente os maus pagadores), podia e devia advertir previamente a entidade patronal para lhe pagar os valores em dívida, sob pena de desencadear a resolução do contrato”. O Acórdão recorrido decidiu no mesmo sentido da inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho. A decisão foi fundamentada nestes termos: “No caso que nos ocupa, o recorrente invocou com justa causa da resolução do contrato, no essencial, o assédio moral por parte da Ré e o não pagamento do trabalho suplementar. Quanto ao primeiro dos fundamentos, já se analisou supra que o mesmo não tem suporte na matéria de facto provada: resta, por isso, o segundo fundamento. Ora, quanto a este é certo que a Ré não procedeu ao pagamento de (algum) trabalho suplementar prestado pelo Autor e, nessa medida, se verifica o requisito objectivo de resolução com justa causa do contrato (o referido não pagamento do trabalho suplementar), assim como o requisito subjectivo (imputação desse não pagamento à Ré). Porém, pergunta-se: esse não pagamento tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (nexo causal)? A nossa resposta, adiante-se já, é negativa. É certo que desde Janeiro de 2014 A Ré não terá pago ao Autor (algum) trabalho suplementar (como o próprio Autor confessa nos articulados, maxime no artigo 47.º da p.i., foi-lhe pago algum do trabalho suplementar realizado); no entanto, por um lado, como resulta dos autos pagou-lhe algum trabalho suplementar e, por outro, ignora-se o montante devido a tal título. Mas sobretudo, ao longo desse período de tempo nunca solicitou à Ré o pagamento em dívida ou, de algum modo, “reclamou” desse não pagamento; inclusive, na carta datada de 30 de Outubro de 2015, que remeteu à Ré, e onde lhe solicitava a alteração de comportamentos que, até então, vinha tendo para consigo [alínea H) dos factos provados e fls. 26 dos autos] nada referiu quanto à falta de pagamento de trabalho suplementar. Por isso, se essa falta de pagamento do trabalho suplementar não determinou ao longo do tempo que o Autor solicitasse/reclamasse da Ré tal pagamento, não pode ser, diremos subitamente, que o mesmo pode vir a pôr em causa a subsistência da relação de trabalho.”
Como se vê, a fundamentação coincide no essencial: não foi demonstrada a existência de qualquer assédio, e, quanto à falta de pagamento do trabalho suplementar, não só não ficou provado um incumprimento grave, como a atitude que a boa fé impunha ao trabalhador é que reclamasse o seu pagamento junto do empregador, avisando-o que se tal pagamento não ocorresse, então sim, procederia à resolução do contrato.
Indeferido o recurso na parte em que o Recorrente invocou a violação de uma disposição legal que expressamente fixa a força de um determinado meio de prova, não é admissível o recurso na parte em que ocorre “dupla conforme”.
Não tendo o trabalhador provado, como lhe competia, a justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho, forçoso é concluir que a mesma é ilícita. Cumpre agora apreciar e decidir o recurso subordinado interposto pelo empregador. Dir-se-á, logo à partida, que uma parte do pedido apresentado exorbita das competências deste Tribunal. Assim, quanto ao pedido para alterar a matéria de facto, designadamente a redacção do ponto P) da matéria dada como assente nas instâncias. Como já se disse, face ao disposto no artigo 682.º n.º 1 do CPC, este Supremo Tribunal limita-se, em regra, a aplicar o direito aos factos apurados nas instâncias, não podendo conhecer desse pedido de alteração da matéria de facto. Também quanto às considerações feitas no recurso subordinado e ao facto de o Tribunal da Relação ter baseado a sua convicção em quadros fornecidos pelo trabalhador, há apenas que responder dizendo que não cabe a este Tribunal sindicar a livre apreciação da prova pelas instâncias, porquanto não se trata da apreciação de prova tabelada. Face ao facto P) dado como provado, o Tribunal da Relação decidiu corretamente ao mandar apurar na fase da liquidação o montante que ao trabalhador for devido como remuneração do trabalho suplementar. Como se pode ler, designadamente, no Acórdão do STJ de 08/06/2017 (FERREIRA PINTO), “[p]rovando-se na competente ação de contrato de trabalho, que o trabalhador exerceu a sua atividade para além do horário vigente na relação de trabalho, que a exerceu em dias de descanso complementar e obrigatório, e em dias feriado, embora sem que se tivesse quantificado o número de dias e de horas em que essas situações se verificaram, há lugar a uma condenação ilíquida, remetendo essa quantificação para incidente de liquidação, ao abrigo do artigo 609.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.”
Decisão: Negada a revista principal e negada a revista subordinada. Custas no recurso principal pelo Autor e custas no recurso subordinado pela Ré Lisboa, 18 de Abril de 2018
Júlio Gomes (Relator)
Ribeiro Cardoso
Ferreira Pinto
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