Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE MATÉRIA DE FACTO REVISTA EXCEPCIONAL PEDIDO SUBSIDIÁRIO REVISTA EXCECIONAL RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR | ||
Data do Acordão: | 05/14/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO DA REVISTA NORMAL E ORDENADA A REMESSA À FORMAÇÃO PARA APRECIAÇÃO DO RECEBIMENTO DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 364, 365, 369 e 370; - António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 579 e 580; - Elizabeth Fernandez, Um novo Código de Processo Civil? Em busca das diferenças, Vida Económica, Porto, 2014, p. 190; - Francisco Ferreira de Almeida, Direito processual civil, volume II, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 574; - Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, sub art. 671º, p. 179, 181, 184 e 185; - Teixeira de Sousa, Dupla conforme: critério e âmbito da conformidade, CDP n.º 21, 2008, p. 21 e 22. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, N.ºS 1 E 3 E 672.º, N.º 1, ALÍNEA A). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 129/11.OTCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 346/11.2TBCBR.C2-A.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CÍVEIS, 2015, P. 6, WWW.STJ.PT; - DE 15-01-2015, PROCESSO N.º 266/10.8TBBRG.G1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CÍVEIS, 2015, P. 27 E 28; - DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 1397/10.0TBPVZ.P1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CÍVEIS, 2015, P. 95; - DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 08-02-2018, PROCESSO N.º 2639/13.5TBVCT.GL.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : |
I - Existe dupla conformidade decisória, que obsta à admissibilidade do recurso de revista normal e ao conhecimento do seu objecto, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, do acórdão da Relação que confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância, se a Relação se limita a não aceitar um dos caminhos percorridos pela decisão recorrida e confirma o enquadramento normativo e a motivação jurídica crucial para atingir na parte dispositiva da decisão o mesmo resultado pretendido na acção. II - É de concluir que a diferente compreensão da natureza jurídica de termo aditado a contrato-promessa, em ordem à previsão de nova data para celebração do contrato prometido, não colide com a fundamentação substancialmente idêntica das instâncias, uma vez acordado que uma subsequente nova segunda data para essa celebração seria ulteriormente objecto da vontade das partes, quanto à mora do promitente-comprador, à necessidade de interpelação admonitória para a converter em incumprimento definitivo, à equiparação de resolução infundada a incumprimento definitivo e ao recurso à execução específica para a substituição judicial da declaração negocial do promitente faltoso e do promitente disposto a celebrar o contrato prometido. III. É legítima a interposição subsidiária de recurso de revista excepcional para prevenir a inadmissibilidade do recurso de revista normal com base em dupla conformidade decisória.
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção
I. RELATÓRIO
A) AA propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, peticionando: «a) (…) ser proferida sentença substitutiva da declaração de venda do Réu à Autora do prédio urbano, sito na Rua ..., N.º …, descrito sob o n.º …, na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito, sob o artigo …, na matriz predial urbana das freguesias de ... e …; [e] em consequência seja transmitida a propriedade do referido imóvel para a autora. b) ser o Réu condenado a pagar à Autora a título de indemnização as seguintes quantias: 1 – A quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), correspondente à renda mensal que a Autora não recebeu em função da frustração da celebração do contrato de arrendamento, e vencidas no mês de Fevereiro de 2015, acrescidos daqueles que à razão de 2.500,00 €, se vencerem até à data em que a Autora possa, celebrar novo contrato de arrendamento. 2 – A quantia de € 26.514,00 (vinte e seis mil quinhentos e catorze euros), a título de despesas já pagas e com honorários com o escritório de Advogados, com todo o processo obtenção do visto e com o incumprimento do contrato promessa. 3 – A quantia de 175.000,00€ (cento e setenta e cinco mil euros) corresponde aos lucros cessantes que caberiam à Autora em virtude dos resultados gerados pela frustração do investimento no projeto de desenvolvimento na atividade vito-vinícola, em função da não obtenção atempada do visto. 4 – Aos referidos danos acrescem juros, às taxas legais desde a citação. 5 – Os custos e as despesas com a obtenção da ficha técnica de habitação, do imóvel dos autos o liquidar em sede de execução de sentença. c) Ser reconhecido ao Réu o direito do levantamento do preço ainda em dívida depositado nos presentes autos, após pagamento das quantias referidos nas alíneas anteriores.» Subsidiariamente pediu: «a) Ser declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda dos autos, por factos exclusivamente imputáveis ao Réu; b) em consequência, ser o Réu condenado a pagar a Autora a quantia de € 1.283.999,78 (um milhão duzentos e oitenta e três mil novecentos e noventa e nove euros e setenta e oito cêntimos), correspondente ao dobro das quantias entregues pela Autora ao Réu a título de sinal e por conta do preço ao abrigo e em acrescida dos juros legais devido à taxa legal desde a citações até efetivo pagamento.» Mais requereu, relativamente ao pedido principal, «ordenar a notificação da Autora para proceder ao depósito do preço em dívida de acordo com o disposto no contrato promessa e seu aditamento.» Como fundamento da acção invocou, no essencial (de acordo com a descrição da primeira instância, sentença a fls. 408-409): «Celebrou contrato-promessa com o Réu, pelo qual este prometeu vender e a Autora comprar um móvel pelo preço de 735.000,00 €; A Autora pagou o sinal e seus reforços, ficando apenas por entregar apenas o montante de 111.500,00 €, cujo pagamento deveria ocorrer com a celebração do contrato definitivo; Foi acordado que a escritura seria celebrada até 31 de agosto de 2014; Por aditamento de 12 de setembro de 2014 o prazo foi alargado para 15 de janeiro de 2015, com novos reforços de sinal e a assunção pela Autora da obrigação de pagar outras quantias, estas dependentes de comunicação do Réu, referentes a manutenção do imóvel, IMI e custos acrescidos na execução face ao devido em 28-8-2014, bem como juros; a Autora pagou neste âmbito a quantia de 568.499,00 €; A Autora e o Réu, na pessoa do seu mandatário, acordaram verbalmente a marcação da escritura para 15 de janeiro, primeiro às 14:30 h e depois, por indisponibilidade do Réu nessa hora, às 16:00 h; Em 14 de janeiro e 15 de janeiro, até meia hora antes da diligência, a Autora não conseguiu proceder à emissão de guias para pagamento do IMT, porquanto o Réu tinha dívidas fiscais; A Autora, representada por gestor de negócios, apresentou-se no Cartório; pelas 16:15, o Réu informa que tinha acabado de proceder ao pagamento dessas dívidas; às 16:40 as guias foram presentes ao gestor de negócios da Autora, sendo esta hora tardia para a Autora poder proceder a tal pagamento, visto que por ser residente na China não tem cartão multibanco, ficando impossibilitada de obter cheque bancário, por os bancos estarem encerrados; O Réu comportou-se com manifesta má-fé ao regularizar a sua situação contributiva no próprio dia agendado para a escritura e simultaneamente com a hora marcada e por não ter comunicado essa regularização à Autora, obstando a que a Autora providenciasse em tempo útil pela emissão dos cheques que permitiriam o pagamento dos impostos; Incidiam penhoras sobre o imóvel, as quais eram desconhecidas da Autora e que subsistiam na data e hora designadas para a escritura; Faltava um documento essencial para a realização da escritura: a ficha técnica; Ficou acordado entre o gestor de negócios e o Réu que a escritura se realizaria depois de 22 de janeiro de 2015, mas apesar da Autora ter tentado contactar o Réu, não obteve resposta; Em 19 de janeiro de 2015, o Réu havia enviado à Autora carta resolvendo o contrato-promessa; Pende ação administrativa relativa ao imóvel, se não for julgada a inutilidade superveniente da lide pode-se inviabilizar o pedido de execução específica; A conduta do Réu causou danos à Autora, quer psicológicos, quer com a frustração de recebimento de contrato de arrendamento que já estava prometido, com despesas de estadia e deslocação e despesas com processo para obtenção do visto e perda de projeto de investimento.» B) O Réu contestou, invocando para esse efeito (de acordo a súmula elaborada pela primeira instância, sentença a fls. 409-410): «A litigância de má-fé da Autora na celebração e execução do contrato; Em data anterior a 31 de agosto de 2014 entregou á sociedade imobiliária certidão de extinção de dívidas fiscais e da Câmara Municipal de ... que dispensava a ficha técnica; O contrato definitivo não se realizou nessa data, porque a Autora não tinha as quantias necessárias para o pagamento do preço; O aditamento previa como data limite o dia 15 de janeiro de 2015 para a celebração do contrato definitivo; A Autora não pagou nas respetivas datas as quantias acordadas nas alíneas b) e c) da cláusula 2ª do aditamento; Em 17-10-2014 a Ré comunicou a resolução do contrato, resolução que veio a revogar; A Autora não pagou juros e despesas a que se obrigara; Em 15.1.2015 a Autora reunia todas as condições necessárias para a realização da escritura pública: entregou todas as certidões para cancelamento de todas as penhoras que incidiam sobre o imóvel; entregou o distrate relativo às hipotecas e entregou a certidão da Câmara Municipal de ..., com a dispensa de apresentação da ficha técnica; mais pagou todos os impostos, que permitiram a emissão das guias relativas ao IMT, a cargo da Autora; Nessa data a Autora não tinha meios financeiros para pagar ao Réu, nem para pagar os impostos devidos a título de IMT; O Réu tinha consigo, no Cartório Notarial (a 15.01.2015) as certidões emitidas pelo Serviço de Finanças de ... para cancelamento das referidas penhoras e os respetivos originais; Conforme acordado os cancelamentos das penhoras seriam apresentados imediatamente antes da celebração da escritura; A Autora autocolocou-se em incumprimento, agindo em manifesto abuso de direito por venire contra factum proprium – art. 334º do código Civil; a Autora não compareceu no Cartório Notarial, no dia 15.01.2015, nem deu prévio conhecimento ao R. dum pretenso representante indicado no artigo 37º da petição inicial – “gestor de negócios Dr. CC”, que desconhecia, e ainda ignora, por completo; A Autora sabia antecipadamente que não se realizaria a escritura publica de compra e venda; A ficha técnica da habitação era dispensável; O gestor de negócios Dr. CC não tinha em depósito dinheiro para pagar a preço da compra e venda; O Réu aceitou que a escritura se realizasse no dia 16 de janeiro ou 19 de janeiro, mas o gestor de negócios afirmou que ia à China tentar obter o dinheiro, pelo que o Réu afirmou que ia pensar; O Réu resolveu o contrato por carta expedida a 19-1-1015, que a Autora recebeu a 26-1-2015.» Conclui pelo julgamento da acção como improcedente por não provada, com absolvição do réu da instância e dos pedidos; a condenação da Autora por abuso de direito, culpa in contrahendo e litigância com patente má fé; a condenação da Autora na compensação dos danos patrimoniais e morais causados e reembolso de todas as despesas suportadas nos autos; assim como a condenação em custas, procuradoria, taxas de justiça e demais encargos legais. C) DD veio requerer a sua intervenção principal espontânea activa, associado à Autora como parte principal, por ser casado com esta; tal requerimento foi deferido e admitida a respectiva intervenção processual (fls. 274). D) No decurso da instância, foi depositado o valor de 111.500,00 € relativo ao preço em falta, em execução de despacho que o determinou (fls. 274). Foi registada a acção, uma vez que se peticionava a execução específica. Foi apresentada ficha técnica de habitação do imóvel. Concluída a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, declarando os factos provados e os não provados e contendo a respectiva motivação, decidiu, sendo relevante nos autos “apurar se o Réu incumpriu o contrato celebrado entre as partes e as consequências desse incumprimento, nomeadamente quanto à execução específica e à produção de danos indemnizáveis, resolução do contrato e restituição do sinal em dobro” e ainda “apreciar se se verifica abuso de direito” (sentença, que faz fls. 410), julgar (com manifesto lapso de escrita quanto à identidade da Autora e do Interveniente Principal): “a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência: a) comprovado que seja o cumprimento das obrigações fiscais competentes ou isenção das mesmas, declarar, em substituição do Réu BB, a transmissão do direito de propriedade sobre o prédio urbano, sito na Rua ..., N.º …, descrito sob o nº …, na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito, sob o artigo …, na matriz predial urbana das freguesias de ... e ...[,] para a Autora DD, casada com o interveniente principal AA. Determina-se a entrega da parte do preço depositada nos autos ao Réu. Absolve-se o Réu de todo o mais peticionado. Custas da ação pela Autora e Réu, na proporção de 29% para a primeira e o restante para o Réu.” F) Inconformada com tal decisão, o Réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL). G) O Tribunal da Relação de Lisboa modificou uma parte da matéria de facto considerada provada pela 1.ª instância: 1. alterou a redacção dos factos provados sob os n.os 27, 29 e 33 nos seguintes termos (sublinhamos no que importa): 2. alterou os factos não provados n.os 21 e 24, passando a considerar-se provado sob os n.os 40 e 41 o seguinte: 40° - Em 15/01/2015, por ocasião da realização da escritura, o gestor de negócios da autora, CC, não tinha na sua posse cheques bancários ou cheques visados para pagamento do preço do imóvel em falta, conforme comunicou ao réu; 41° - Na cláusula 1a do aditamento ao contrato promessa o promitente-vendedor, ora réu, pretendeu estipular uma data derradeira, improrrogável para a celebração da escritura. Com base na restante factualidade provada, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, sem voto de vencido, com a seguinte fundamentação de direito: “Na apelação está, desde logo, em causa a questão de saber se alguma das partes incumpriu o contrato-promessa celebrado no dia 01/05/2014, com o aditamento de 12/09/2014, e se foi convencionado prazo fixo para a celebração do contrato definitivo. Como é sabido, o incumprimento definitivo do contrato-promessa pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das seguintes situações: Posto isto, vejamos se o contrato-promessa cessou findo o prazo nele estabelecido, ou se tal prazo era meramente indicativo, como se decidiu na sentença recorrida. "Na cláusula primeira do aditamento do contrato promessa as partes acordaram que "acordam em proceder ao alargamento do prazo estipulado para a celebração da escritura publica de compra e venda do imóvel identificado nos considerandos do presente contrato, fixando a data limite para a sua realização no dia 15 de Janeiro de 2015". Nos termos do artigo 236° [corrigimos a versão original: 238º] nº 1 e 2 do Código Civil a declaração negocial vale, em regra, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, excepto se este não puder razoavelmente contar com esse sentido ou se o declaratário conhecia a vontade real do declarante (valendo então esta vontade). Acresce que nos negócios onerosos deve dar-se prevalência ao sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigo 237° do Código Civil). Ora, nada na cláusula inculca que se concedeu uma gravidade especial (para além da constituição em mora) da "data limite fixada para o dia 15 de Janeiro de 2015 para a realização do contrato”): não se incluiu ali qualquer indicação da importância desse prazo para além de se fixar o terminus do prazo. Não se diz que é improrrogável, que ultrapassado o contrato deixa de subsistir, ou sob pena de imediata resolução. A mera inclusão na cláusula da palavra "limite" na cláusula não permite que se tire tão grave consequência da ultrapassagem desse dia, sem qualquer outro elemento que aponte para tal importância do prazo na economia do contrato. Veja-se que no presente caso, a escritura não se veio a realizar na primeira data, porquanto a Autora não tinha então a totalidade das quantias necessárias para o pagamento do preço (37 da matéria de facto provada), o que as partes solucionaram mediante a celebração de um aditamento ao contrato-promessa; no próprio dia 15 de janeiro de 2015, data designada para o contrato definitivo, as partes acordaram em fixar nova data para a sua celebração no dia 23-1-2015 e nenhuma razão objetiva foi apresentada para que o Réu se desinteressasse da venda caso a mesma não tivesse lugar até esse dia 15 de janeiro de 2015. Assim, enquanto nas chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto (de "prazo fatal"), o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, nas de prazo fixo relativo, simples ou usual o decurso do prazo poderá fundamentar o direito de resolução. Não se tendo apurado qual a vontade da autora (promitente-compradora) e se esta conhecia a essencialidade do prazo para o promitente-vendedor, importa recorrer às regras da interpretação da declaração negocial desta (art. 236º, n.º 1, do CC). Nesta sede importa atentar na diferente redacção dada no contrato-promessa e no aditamento a este: enquanto no 1º se exarou que a "escritura pública deverá ser celebrada até 31 de Agosto de 2014", no aditamento exarou-se que "os outorgantes acordam em proceder ao alargamento do prazo estipulado para a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel (...), fixando a data limite para a sua realização no dia 15 de Janeiro de 2015". A apontada diferença de redacção dada à cláusula relativa à data da realização da escritura, com o estabelecimento no aditamento da expressão "fixando como data limite para a sua realização" e o estabelecimento de uma cláusula resolutiva automática em caso de não pagamento até às datas limites previstas de diversas parcelas do preço, inculcam a ideia num declaratário normal que no aditamento ao contrato-promessa se estabeleceu um prazo fixo essencial. Acontece, porém, que se provou que na data limite designada para a escritura pública de compra e venda (dia 15/01/2015), esta não veio a ser celebrada e que, apesar da impossibilidade da outorga da escritura, o réu e a autora, através do seu gestor de negócios, acordaram verbalmente no dia 15-1-2015 realizar a escritura em data a combinar no dia 23 de Janeiro de 2015. A aludida conduta do gestor de negócios da autora foi ratificado por esta, como se infere, de resto da carta datada de 28/01/2015 remetida ao réu e do próprio teor da p.i. (arts. 471º e 268º do CC). Significa isto que as partes relativizaram o prazo limite contratualmente fixado para efeitos de celebração da escritura pública de compra e venda e pagamento do remanescente do preço, tendo acordado na sua prorrogação. Daqui decorre, como se salienta na sentença recorrida, que: "(...) mesmo que se imputasse à Autora a exclusiva culpa pela não realização da escritura no dia 15 de Janeiro de 2015, tal falta apenas a colocaria em mora. Cumpria, pois, ao Réu, querendo transformar a mora em incumprimento definitivo, efectuar-lhe notificação admonitória, concedendo-lhe prazo razoável para cumprir e apenas caso a mesma não cumprisse nesse prazo é que poderia resolver o contrato, como supra se explanou. O Réu imediatamente (decorridos quatro dias, embora não recebida antes de dia 26 desse mês) remeteu carta resolvendo o contrato (com fundamento na falta de pagamento, pela Autora, quer do imposto quer do preço, inviabilizando a escritura)
Da mora/incumprimento definitivo: O facto de a Autora não ter logrado obter as guias para o pagamento até à data da marcação da escritura, mas tão só naquela, não é causa justificativa para não ter consigo os fundos para o seu pagamento, cheque para o efeito ou que não o pudesse fazer por home banking. Com efeito, não se demonstrou que foi por qualquer má-fé do Réu que a Autora estava impossibilitada de pagar o imposto até ao momento da escritura".
A autora entrou assim em situação de mora e não de incumprimento definitivo, visto as partes terem prorrogado o prazo para a celebração da escritura pública de compra e venda. Refira-se ainda que, em face da alteração da matéria de facto operada por esta Relação, o réu não se encontrava também em situação de mora, pois que embora recaíssem várias penhoras sobre o imóvel, aquele havia entregue no cartório notarial os documentos necessários ao cancelamento desses registos. Do que se deixa dito decorre que na data da celebração da escritura pública a autora encontrava-se em mora e o réu mantinha interesse na concretização da venda da fracção, pois que de outro modo não teria acordado em realizar a escritura em data a combinar no dia 23 de Janeiro de 2015. E, como bem se frisa na sentença recorrida, o réu não converteu em incumprimento definitivo a mora do autor, por via da interpelação admonitória – art. 808º do CC. De acordo com o estatuído no n.º 1, desse artigo, a mora só se converte em incumprimento definitivo se a prestação não foi realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. Trata-se da interpelação admonitória, a qual, para produzir efeitos, deve conter uma intimação clara para cumprir, contendo a informação inequívoca de que o não cumprimento dentro daquele prazo terá a consequência de ter-se por não cumprida definitivamente a prestação. Como assinala o Prof. Antunes Varela (…), este prazo terá de ser fixado em termos de claramente deixar transparecer a intenção do credor. E também não se apuraram factos objectivos demonstrativos da perda de interesse objectiva do promitente-vendedor na realização da prestação, não assistindo, por isso, ao réu o direito à resolução do contrato-promessa. Ao resolver ilicitamente o contrato-promessa, o réu denotou o propósito de não cumprir o mesmo. A resolução infundada equipara-se assim ao incumprimento definitivo (Acórdão do STJ de 0909-2014, relatado pelo Cons. Mário Mendes, acessível em www.dgsi.pt). Tal incumprimento presume-se culposo (art. 799°, n.°1, do CC), presunção essa que o réu não ilidiu. Por último, refira-se que não resultam dos autos quaisquer elementos donde se possa inferir ter a autora litigado de má fé (art. 456°, do CPC) ou agido de forma abusiva, na modalidade do venire contra factum proprium. Como se refere na sentença recorrida, "(...) o facto de já uma vez, anteriormente, em agosto, a escritura não se ter realizado, dessa feita assumindo a Autora a total responsabilização por essa demora, não permite ao Réu, que aceitou tal adiamento, com a contrapartida de ter recebido a maior parte do preço, vir agora, sem razão plausível, buscar tal argumento para encontrar um incumprimento definitivo. Assim, sendo certo que a Autora não pautou o seu comportamento pela pontualidade imposta pelo artigo 406º n° 1 do Código Civil, certo é também que os atrasos até o dia 19 de Janeiro de 2015 foram tendo a compreensão do Réu, mediante acordos que o foram compensando, com reforços de sinal e a assunção pela Autora de eventuais despesas adicionais que destes atrasos adviessem. Não se provou qualquer má-fé da Autora ou um venire contra factum proprium, apenas se verifica que, simplesmente, a mesma entrou em mora no cumprimento da sua obrigação". Concluiu-se a final: “Em face do incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do réu, e mantendo a autora interesse na execução do contrato, assiste a esta o direito de execução específica do contrato-promessa nos termos definidos na sentença — arts. 442°, n.° 3, e 830°, n.° 1, do CC.” A decisão foi sumariada nos seguintes termos: 1. Desconhecendo-se qual a vontade da promitente-compradora e se esta conhecia a essencialidade do prazo para o promitente-vendedor, importa recorrer às regras da interpretação da declaração negocial daquela (art. 236º, n.º 1, do CC). 2. A interpelação admonitória, para produzir efeitos, deve conter uma intimação clara para cumprir, contendo a informação inequívoca de que o não cumprimento dentro daquele prazo terá a consequência de ter-se por não cumprida definitivamente a prestação. 3. A resolução infundada equipara-se ao incumprimento definitivo.
H) Ainda inconformado, o Réu/Recorrente interpôs, a título principal, o presente recurso de revista normal, e, a título subsidiário, recurso de revista excepcional, com as seguintes conclusões:
“I – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA “II – DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
I) O recorrido apresentou contra-alegações nas quais defendeu a inadmissibilidade e a improcedência do recurso, defendendo, em síntese, que (i) se verifica um caso de “dupla conforme” que obsta ao conhecimento do recurso de revista normal (art. 671º, 3, CPC), e não se verifica o preenchimento do art. 672º, 1, al. a), CPC, uma vez que o recorrente “limita-se a discordar das decisões condenatórias, sem invocar questões que possam preencher o normativo” e “pretende ver analisadas questões nunca antes alegadas, nomeadamente, a validade da vontade expressa oralmente pelas partes e a nulidade por falta de forma, nem concretamente apreciadas, ponderadas e decididas”, o que frustra o conhecimento do recurso de revista excepcional, pugnando a final pela manutenção da decisão recorrida. J) O Senhor Juiz Relator do Tribunal da Relação recorrido admitiu o recurso de revista nos termos do art. 671º, 1 e 3, do CPC, através de despacho com o seguinte conteúdo (que faz fls. 629): “Não sem algumas dúvidas, entendemos que a fundamentação vertida na sentença e no acórdão por nós proferido é essencialmente diferente, pois que neste, ao contrário daquele, se entendeu que o prazo fixado no aditamento ao contrato-promessa é absoluto e que a não realização da escritura pública é imputável apenas ao autor”.
Apresentados os autos nos termos do art. 672º, 5, do CPC, para «exame preliminar», e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em Conferência.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO
A questão prévia da admissibilidade do recurso 1. O processo n.º 526/15.1T8CSC.L1 versa sobre o incumprimento de um contrato--promessa de compra e venda de imóvel (sinalizado em antecipação de pagamento), por força da (assim qualificada pelas instâncias) resolução ilícita por uma das partes, e a consequente declaração judicial, por força de execução específica e em substituição do promitente faltoso, da transmissão do direito de propriedade cuja transmissão se prometera. O Autor/Recorrido opôs-se a esse entendimento viabilizador do presente recurso e pugnou pela existência de “dupla conforme”, sem fundamentação essencialmente diferente no “núcleo jurídico fundamentador”, das duas decisões judiciais anteriores. Em particular, destacou: “ao contrário do alegado pelo recorrente (…), a decisão da primeira instância não foi outorgada com base no pressuposto da culpa de tal situação (da não outorga da escritura no dia 15/01/2015) ser imputável ao réu. (…) a vontade das partes foi estabelecer nova data – o que o Réu incumpriu declarando resolver o contrato promessa afirmando, assim, a sua intenção em incumpri-lo”; “O Tribunal da Relação de Lisboa veio confirmar que o Recorrente manifestou a intenção de marcar nova data para a realização da escritura pública, a combinar no dia 23 de Janeiro, mantendo o interesse na concretização da venda (tal como doutamente decidido pela 1ª instância), e que não converteu em incumprimento definitivo a mora da autora, por via da interpelação admonitória – tal como também decidido em primeira instância!”; “o pressuposto/facto essencial para as iguais doutas decisões de Direito é o facto provado número 29: Apesar da impossibilidade da outorga da escritura, o réu e o gestor de negócios da autora, em nome desta, acordaram verbalmente no dia 15-1-2015 em realizar a escritura pública de compra e venda em data a combinar no dia 23 de Janeiro de 2015. Sem prejuízo de outros fundamentos, assiste razão ao Recorrido.
2. Tendo o acórdão da Relação, em sede de recurso de aplicação, confirmado a decisão da primeira instância, e não havendo voto de vencido, o acesso ao STJ é, em princípio, vedado pelo disposto por esse art. 671º, 3, ou seja, pela existência da denominada “dupla conforme”. Só não será assim se o acórdão recorrido, apesar de ter decidido de forma coincidente, tiver utilizado fundamentação essencialmente diferente daquela que foi usada pela primeira instância (e desde que não se integre o caso numa das hipóteses elencadas no art. 629º, 2, do CPC (“é sempre admissível recurso”) e salvaguardadas no corpo do art. 671º, 3, do CPP (“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (…)”). Uma análise atenta leva-nos a julgar que, pelo confronto das duas decisões, não existe discrepância significativa entre a decisão da primeira instância e a decisão recorrida, nem quanto aos fundamentos jurídicos invocados nem quanto à base factual em que se sustentam – o que conduz ao preenchimento do aludido bloqueio recursório da “dupla conformidade decisória”.
2.1. Não obstante as partes, aqui Recorrente/Réu e Recorrida/Autora, se terem colocado de acordo quanto ao alargamento do prazo estipulado para a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel prometido vender, fixando, em aditamento ao contrato-promessa originariamente convencionado, uma nova data limite (15 de Janeiro de 2015 = termo certo impróprio[4]) para essa celebração solene da compra e venda prometida (com a previsão até lá de novos pagamentos ulteriores de sinal “por conta do preço” acordado), o certo é que, nessa data, as partes – o Réu e a Autora, esta através de gestor de negócios actuante em seu nome[5] e com actuação por si ratificada[6] –, chegaram a um novo acordo (verbal): prorrogar a data constante do aditamento ao contrato-promessa e realizar a escritura pública em nova data a combinar no dia 23 de Janeiro de 2015 – facto este que ambas as instâncias concluíram em termos probatórios. Ora, independentemente da natureza jurídica desse novo prazo convencionado (até ao limite de certa data) para a celebração do contrato definitivo (termo essencial ou relativo na relação com a impossibilidade definitiva da prestação/incumprimento pela sua não observância e fundamento de resolução) e do juízo de imputabilidade pela não celebração da escritura pública nessa nova primeira data[7], ambas as instâncias coincidem no essencial para a dilucidação do resultado jurídico que principalmente se pretendia na acção:
— a partir de 15 de Janeiro de 2015, a Autora, aqui Recorrida, estava numa situação de mora (ainda, portanto, na órbita de cumprimento do contrato-promessa); — cumpria ao Réu, aqui Recorrente, converter a mora da contraparte em incumprimento definitivo, através da adequada interpelação admonitória e concessão de prazo razoável para cumprimento; — não havendo cumprimento nesse prazo, a mora converter-se-ia em incumprimento definitivo e causa de resolução do contrato-promessa por parte do Réu, aqui Recorrente; — a partir de 15 de Janeiro de 2015, o Réu, aqui Recorrente, manteve o interesse no cumprimento do contrato-promessa, pois, se assim não fosse, não teria acordado em celebrar o contrato prometido em data a combinar ulteriormente; — a resolução declarativa extra-judicial operada pelo Reú, aqui Recorrente, quando a contraparte estava em situação de mora e não fora notificada para efeitos admonitórios, foi ilícita e equipara-se a incumprimento definitivo; — tendo em conta o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do Réu, aqui Recorrente, mantendo a Autora, aqui Recorrida, interesse na execução do contrato, tem de se reconhecer a esta o direito de execução específica do contrato-promessa nos termos legais (art. 830º, 1, 3, 410º, 3, 442º, 3, CCiv.). 3. Em conclusão Tendo o acórdão recorrido sido lavrado por unanimidade (sem voto de vencido) e norteado no âmbito do mesmo quadro jurídico em que se moveu a sentença de primeira instância para alcançar um resultado idêntico àquele que se obtivera na primeira instância, é de afirmar que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente. Tal implica que, considerando a opção legislativa de irrecorribilidade consagrada no art. 671º, 3, do CPC, o recurso de revista não é admissível no presente caso.
O pedido subsidiário de revista excepcional
III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em: * Custas pelo Recorrente, que se fixam em 2 UC.
STJ/Lisboa, 14 de Maio de 2019
Ricardo Costa (Relator)
Assunção Raimundo
Ana Paula Boularot
SUMÁRIO (arts. 663º, 7, 679º, CPC) __________________________ |