Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7288/07.4TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
LIVRANÇA EM BRANCO
AVALISTA
CRÉDITO
VENCIMENTO
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : A entrega de livrança em branco, em garantia de cumprimento das prestações devidas pela disponibilidade da quantia acordada no contrato de abertura de crédito e pela efectiva (e verificada) utilização do crédito disponibilizado em execução do contrato, tudo em conformidade com convenção nesse sentido - contrato escrito e carta (pacto de preenchimento) anexa) -, abrangendo as condições e completamento do título quanto ao montante e data do vencimento, implica a vinculação dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações nesta estabelecidas decorrentes quer da obrigação cambiária, quer da obrigação subjacente. 

 O crédito do Banco tomador da livrança constitui-se, pelo menos, no acto da subscrição da livrança, pois que é então, quando não antes, que, pela obrigação subjacente a prestação que o integra é posta à disposição do devedor. É nesse momento, que, também cambiariamente, nasce e fica constituída a obrigação, bem como a responsabilidade do subscritor (e seus avalistas) pelo respectivo pagamento na data do vencimento, observadas as condições pactuadas.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - O “Banco AA, S. A.”, propôs acção declarativa contra BB e mulher, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo que fossem declaradas ineficazes em relação à Autora as doações efectuadas pelos Réus BB e mulher em favor dos demais réus, ordenando-se a restituição dos prédios doados na medida do interesse da A., de modo a poder este executá-los no património dos obrigados à restituição, para satisfação integral do seu crédito.

Para o efeito, alegou, sumariamente, que intentou contra os Réus BB e mulher e contra “HH - …, Lda.”, de que aqueles são sócios e ele gerente, execução para pagamento de quantia certa, baseada em livrança, emitida em 9/4/2001, com vencimento em 29/12/2003, subscEE pela referida sociedade e avalisada pelos ditos Réus, em “garantia” de um crédito de conta corrente. Efectuada a penhora, verificou-se que os bens imóveis por ela abrangidos tinham sido doados aos demais Réus, filhos dos primeiros e com eles conviventes, em 27/9/2002, todos sabendo que nem a “HH” nem os RR. BB e mulher dispunham de outros bens ou rendimentos suficientes para garantirem o pagamento do crédito.  

 Contestando e pugnando pela improcedência da pretensão da autora, os Réus alegaram, em síntese, que na altura da celebração do contrato de abertura de crédito a livrança foi entregue à A. em branco e foi preenchida em data posterior a 3/10/2003, pelo que, à data da escritura de doação, 27/8/2002, não existia qualquer crédito vencido, ou sequer qualquer crédito, relativamente à “HH” ou aos RR., seus avalistas. Além disso, à data da escritura de doação a “HH” tinha uma situação económica estável e estava financeiramente saudável, só começando a ter dificuldades em meados de 2003, e os RR. doadores tinham outros prédios, não tendo havido qualquer má fé ou conluio, mas apenas uma sucessão de infortúnios, causados por elevados débitos à “HH”.

A final foi proferida sentença em que se julgou totalmente procedente a acção e se declaram ineficazes, em relação à Autora, as doações em causa.

Os Réus apelaram, mas a Relação confirmou o sentenciado.

            Os mesmos Réus interpõem agora recurso de revista.

         Nele pedem a revogação do acórdão e insistem na improcedência da acção, para o que argumentam nas conclusões (cujo conteúdo útil se transcreve) da respectiva alegação:

A. No presente recurso de Revista importa submeter ao veredicto deste Supremo Tribunal, as conclusões e os pontos, nomeadamente os seguintes: a actuação dos recorrentes BB e esposa, enquanto sócios da HH e como doadores; a relevância da data de preenchimento da livrança e vencimento do crédito do recorrido Banco; a relevância de existência de património de valor suficiente à data da doação em causa nos autos e durante que período de tempo.

B. Os RR. BB e mulher, contrariamente ao afirmado nas decisões de 1ª e 2ª Instância, nomeadamente na segunda, não actuaram dolosamente em nenhuma das duas seguintes situações: nem o fizeram enquanto gerentes da Sociedade HH, nem no período de 200212003, nem no período que a este se sucedeu de maiores dificuldades, como não fizeram também com a celebração do acto impugnado;

C. Durante o ano de 2002, a sociedade HH tinha uma situação estável, trabalhava regularmente, tinha obras em curso, mantendo relações do seu comércio e actividade com pelo menos duas grandes empresas da construção civil: a Amigável e a JJ, conforme resulta das respostas à matéria de facto contida nos itens da decisão recorrida designados pelas letras: rr; ss; tt; uu; vv; e xx;

D. E não escondeu nada ao Banco A., este é que, como vieram os RR. a saber mais tarde, tinha já conhecimento da dificil situação económica e financeira da empresa JJ, Lda., principal cliente da HH, e não alertou os gerentes desta desse facto, conforme resulta claramente do contexto da matéria alegada pelos RR. e da considerada provada nos itens o, p, 11; aliás, o Banco recorrido conhecia as instalações da HH que visitou várias vezes, e acompanhou a vida comercial desta sociedade. Como é possível concluir que os RR. esconderam as dificuldades?!

E. Os recorrentes sabem que o quesito 28° da B.I. teve resposta negativa, mas dessa resposta negativa não resulta que tenha ficado provado o contrário; ora para efeitos de se considerar a existência de ocultação intencional e dolosa de uma situação, que não existia importa extrair conclusões diversas dos documentos que constam dos autos, os quais embora não tenham sido na opinião do julgador suficientes para a resposta positiva a essa matéria do n° 28 do BI não deixam de ser relevantes, nomeadamente as interpelações verbais e até escEE à sociedade JJ (doc. 7 do requerimento de prova); cópia da queixa crime apresentada nos serviços do M. P. do Tribunal de Ovar (doc. 10 e 11) e notificação do Tribunal de Santa Maria da Feira de que não existem bens da sociedade devedora Amigável e que esta desapareceu sem deixar rasto;

F. Os RR. BB e mulher enquanto gerentes da sociedade HH não agiram com dolo, nem ocultaram a situação das suas dificuldades económicas dessa sociedade porque essas só surgiram em 2003;

G. O A., aqui recorrido, na petição inicial, alegou que a actuação dos RR. BB e mulher na condução dos negócios da empresa em 2002 lhe foi habilidosamente escondida por eles, mas não alegou que o acto impugnado (doação) foi praticado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito de crédito do A., como efectivamente foi;

H. Diz o Acórdão recorrido que o dolo dos RR BB e esposa se constituiu no início de 2002, quando de facto essa situação se não verificou, não tendo havido qualquer actuação dolosa que se tenha iniciado no princípio de 2002 por parte dos doadores:

I. Sem contar com os artigos 614 (casa antiga com a valor tributável de 206,86€) e prédio dos art. 3043 e 3044 (terreno rústico de pinhal com o valor tributável de 31,55€) conforme consta da escritura de doação junta com a petição inicial, os recorrentes BB e mulher tinham os artigos 3727 (lote 12) adquirido pelo valor de 4.500.000$00 (22.445€) à data de 23 de Março de 2000; e o art. 2774-0 fracção autónoma adquirido por 69.831,71€, e que à data da doação tinham valor real consideravelmente superior;

J. Quem como os recorridos BB e esposa deixa a casa velha por não ter condições, compra um apartamento novo em 20 de Março de 2002 por valor muito superior a 70.000€ e, após férias de 2002, inicia a construção, a cargo da JJ, da sua vivenda no lote que lhe pertencia, não está a agir com dolo; estão a adquirir, a investir confiados no trabalho e no futuro; quem compra em Março, antes da doação, um apartamento com as características descEEs da escritura, quem inicia e continua a construção de vivenda na altura em que pratica o acto impugnado não age de certeza absoluta com má fé, com dolo, ou qualquer outra habilidade;

K. Não se verificando a circunstância de actuação dolosa dos recorrentes e não se verificando também, na opinião dos mesmos, que o crédito do A. seja anterior ao acto impugnado, deveria ter a acção improcedido, o que se pretende através do presente Recurso de Revista;

L. Com interesse e relevância para a decisão da questão da anterioridade do crédito do A. em relação ao acto impugnado ficou provada a matéria de facto da alínea K (renovação do contrato); F (denúncia do contrato em 08/07/2003); M (montante do débito à data, de 48.882,22€); e ainda os itens da decisão recorrida que se indicam: item r (emissão da livrança em 09.04.2001); s (abertura nessa altura de um crédito em conta corrente);

M. O contrato em causa foi denunciado em 08/07/2003, com indicação de pagamento para 03/10/2003 e a livrança que, em 09/04/2001, foi entregue em branco, somente foi preenchida depois desta data de 03/10/2003, conforme consta expressamente da resposta ao quesito 22 da BI - item kk da decisão recorrida;

N. Nestas circunstâncias, não se pode concluir que o direito de crédito cambiário se constitui no momento da sua emissão e entrega em branco ao A. em 09/04/2001, antes pelo contrário, apenas com o vencimento é que tal crédito passa a existir; devendo ser considerado que o crédito é posterior à escritura de doação, não se verificando pois o pressuposto no art° 610º alínea a) do e.e., tal como já foi decidido pelo S.T.J. - Acórdão de 12/07/2005;

O. Por não ter havido "conhecimento prévio consumado no início de 2002, nem actuação dolosa dos RR. BB e mulher importa equacionar e apreciar esta questão da anterioridade que, conforme ficou atrás exposto, os recorrentes entendem não se verificar e, por isso, também consideram não estar verificada a condição da alínea a) do art. 6100 do C.C. de que depende o êxito da impugnação pauliana;

P. Não é, na altura da entrega da livrança em branco, em 09/04/2001, que se considera existir subscrição; a subscrição deste título verifica-se com a denúncia do contrato, vencimento do saldo credor a favor do banco A. e preenchimento daquela livrança;

Q. Ora, o contrato foi denunciado em 08/07/2003, com indicação de pagamento para 03/10/2003, tendo sido completado o preenchimento da livrança depois desta altura, com data de vencimento para 2003/12/29; 

R. O douto Acórdão recorrido também julgou verificada a condição da impugnação que consta do art° 610º alínea b), do Código Civil, considerando para chegar a tal decisão, entre outros argumentos que: o lote 12 e a fracção O são irrelevâncias e que os prédios objecto da doação eram os únicos bens conhecidos dos RR. e que foram estes e apenas estes que serviram de apoio creditício e que podiam garantir e assegurar a cobrança do crédito do autor; os recorrentes não concordam em absoluto:

S. Com efeito, havia e houve, havia outros bens de que o Banco recorrido também tinha e teve sempre conhecimento e na existência de todos eles é que se baseou e justificou o apoio creditício, conforme, aliás, consta expressamente do documento junto pelo A. ora recorrido na sua réplica de fls. 115, onde consta a existência de outros imóveis conhecidos do Banco;

T. Os artigos 614 e 3043 e 3044 objecto da doação não eram os únicos bens conhecidos do A.; havia outros e este bem sabia que podia executar e podia tê-lo feito e, contrariamente ao referido no Acórdão recorrido o lote 12 e a fracção autónoma "O" não são irrelevâncias; são bens que, pelos preços de aquisição, somam valor superior a 90.000€, e cujo valor venal real e efectivo era muitíssimo superior; note-se, em comparação, que os bens objecto da doação são constituídos por uma casa antiga (art. 6144) em mau estado de conservação, com o valor tributável de 206.86€, e um terreno rústico, com valor patrimonial de 3 1.55€;

 U. O Banco, com todos os recursos, materiais, humanos e técnicos de que dispõe e como entidade conhecedora das realidades sociais que são o dia a dia das instituições de crédito deveria ter sido mais lesto; os RR. comunicaram ao Banco A. a situação de dificuldade da sociedade HH; o Banco tomou disso conhecimento, denunciou a conta corrente; fixou prazo de pagamento; preencheu a livrança e depois aguardou cerca de 2 anos e meio para requerer a execução;

V. Neste contexto, entendem os recorrentes que não se verifica a condição constante do art. 610, b) do Código Civil.

X. Está nos documentos que à data da doação e nos tempos que se lhe seguiram os RR. BB e mulher CC possuíam no seu património o lote 12 identificado e a fracção autónoma designada pela letra O já identificada, que só foi alienada em 17 de Novembro de 2004;

Y. A situação patrimonial que, no caso concreto, determina a não verificação da condição da alínea b) do art. 610° não é, ao contrário da conclusão contida no Acórdão recorrido cingida ao momento da doação, ao seu dia, à semana ou mês seguintes, ela manteve-se longos meses quer em relação a um quer em relação ao outro dos imóveis.

A decisão constante do Acórdão recorrido violou as normas constantes dos artigos 75, 76 e 77 da LULL e do art. 610° do Código Civil, devendo ser revogada.

            A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado, cuja confirmação, a concluir, peticionou.

            2. - Do conteúdo das conclusões dos Recorrentes, e nos termos por eles próprios enunciados, a questão proposta para apreciação e decisão é a do concurso dos requisitos gerais de procedência da impugnação pauliana, concretizada nas sub-questões da verificação dos seguintes pressupostos:

 - Actuação dolosa dos Réus doadores;

- Anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnado - relevância da data de preenchimento da livrança e vencimento do crédito do recorrido Banco; e,

- Impossibilidade, para o credor, de satisfação do seu crédito - relevância de existência de património de valor suficiente à data da doação em causa nos autos e posteriormente.

3. - Após as alterações introduzidas pela Relação, o quadro factual a considerar ficou constituído como segue:

a) Por força das fusões, por incorporação, os direitos e obrigações das sociedades incorporadas transmitiram-se para a instituição bancária agora demandante, nos termos do disposto no art. 112 do Código das Sociedades Comerciais – alínea A) da Matéria de Facto Assente.

b) Em 3/2/2006 o autor intentou contra os réus BB e mulher e HH, …, Lda., de que aqueles são quotistas e ele gerente, execução para pagamento de quantia certa, no valor inicial de 54.608,01€, distribuída sob o nº 2560/06.3YYPRT à 3ª Secção do 2º Juízo de Execução do Porto –doc. 1 – alínea B) da Matéria de Facto Assente.

c) Baseada em livrança no valor de 10.070.991 escudos, equivalente a 50.233,89€, com vencimento designado para 29/12/2003, subscEE pela referida sociedade e avalisada pelos réus BB e mulher, ascendendo o inerente crédito exequendo, em 20 do corrente, a 57.671,03€ – docs. 2 e 3 – alínea C) da Matéria de Facto Assente.

d) No respectivo requerimento inicial foram nomeados à penhora, para além de outros bens, os dois imóveis seguintes: 1 – Prédio urbano: casa de um pavimento, logradouro e quintal, sito no lugar de Santo António, freguesia de Grijó, deste concelho, descrito na 2ª CR Predial de VN Gaia na ficha 03163/081100 e inscrito no art. 614 da respectiva matriz predial; 2 – Prédio rústico: terreno a pinhal, sito no lugar de Lagos, freguesia de Grijó, igualmente deste concelho, descrito na 2ª CR Predial de VN Gaia na ficha 03188/150101 e inscrito nos arts. 3043 e 3044 da respectiva matriz predial – alínea D) da Matéria de Facto Assente.

e) Visto pertencerem a esses réus, que os haviam registado em seu favor, o primeiro por ap. 09/091172 e 53/081100 (G-1 e G-2) e o segundo por ap. 18/150101 (G-1) – alínea E) da Matéria de Facto Assente.

f) Todavia, o registo de penhora sobre esses dois imóveis veio a ser lavrado provisório por natureza, ao abrigo do art. 92, 2, a), do CR Predial, conforme ap. 80/100706 (F-1). Em virtude dos citados prédios se encontrarem registados em favor dos réus DD, EE, FF e GG por ap. 05/090902 (G-3 e 2), conforme certidões que se dão por reproduzidas – docs. 4 e 5 – alínea F) da Matéria de Facto Assente.

g) Nessa esteira, tendo requerido se desse cumprimento do disposto no art. 119, 1, do CR Predial, os titulares inscritos vieram declarar que os ditos “prédios são efectivamente propriedade sua” – doc. 6. Pelo que o Magistrado que conduz o processo executivo remeteu “os interessados para os meios comuns” – doc. 7 – alínea G) da Matéria de Facto Assente.

h) Com efeito, como só então e por essa via se apercebeu, esses prédios haviam sido doados pelos réus BB e mulher aos demais réus por escritura pública outorgada em 27/8/2002, no Cartório Notarial de Espinho – doc. 8 – alínea H) da Matéria de Facto Assente.

i) Os réus DD, EE, FF e GG são descendentes dos réus BB e mulher e todos vivem na residência ante-indicada em comunhão de mesa e habitação – docs. 9 a 13 – alínea I) da Matéria de Facto Assente.

j) Dispondo, a título de “garantias”, como é usual nestas circunstâncias, de “aval dos vossos sócios”, precisamente os réus BB e mulher, “que será aposto”, como foi, em “livrança em branco”, subscrita pelos firmantes previstos, “acompanhada de carta nos termos usuais neste Banco”, permitindo-se, se necessário, como no caso foi, o seu ulterior preenchimento – doc. 16 – alínea J) da Matéria de Facto Assente.

k) Ora, este crédito era “válido até” 3 de Outubro seguinte e considerava-se “automaticamente renovado por períodos de 6 meses”, a não ser que fosse oportunamente denunciado por “qualquer das partes” em presença – alínea K) da Matéria de Facto Assente.

l) Faculdade essa que o banco mutuante se viu forçado a utilizar em 8/7/2003, conforme correspondência que dirigiu à HH – doc. 17 – alínea L) da Matéria de Facto Assente.

m) Sendo certo que a respectiva “conta crédito” apresentava então um saldo em “nosso favor” de 48.882,22€, que a devedora não satisfez voluntariamente, apesar das facilidades nesse sentido concedidas – doc. 18 – alínea M) da Matéria de Facto Assente.

n) Acresce que as quotas que um e outro possuem no capital social da HH, no valor nominal de 12.469,95€ cada uma e que se encontram penhoradas no processo executivo identificado, pouco valem actualmente, atendendo à profunda crise que a HH atravessa há sensivelmente cinco anos e de que não dá sinais de efectiva recuperação. Em termos puramente nominais o seu valor está longe de ser suficiente para satisfazer a dívida exequenda da HH e dos seus avalistas, visto corresponder a menos de 50% do respectivo montante – alínea N) da Matéria de Facto Assente.

o) A HH é ainda devedora de duas letras de câmbio, do seu saque e endosso e aceite de terceiros, ambas dadas à execução pelo Banco AA, no valor inicial de 1.601,63€ e de 2.447,73€ e não solvidas até à data – docs. 23 e 24 – alínea O) da Matéria de Facto Assente.

p) Bem como de duas outras, no valor de capital de 8.130€, desta vez do saque e endosso da aludida AM e aceite do próprio réu BB, igualmente em fase executiva, num e noutro caso também sem recuperação à vista – doc. 25 – alínea P) da Matéria de Facto Assente.

q) No decurso do processo executivo que contra eles pende nos Juízos de Execução do Porto apenas foi possível penhorar à sociedade diverso equipamento fabril, de valor insignificante, para mais já com penhora anterior, em favor de congénere, que inteiramente o absorve – doc. 26 – alínea Q) da Matéria de Facto Assente.

r) A livrança referida em C) foi emitida em 9/4/2001 – artigo 1 da Base Instrutória.

s) A livrança ajuizada titulou um crédito em conta-corrente, de 10.000.000 de escudos, concedido pelo autor à HH em 9/4/2001, destinado a financiar o seu giro mercantil e por esta integral e efectivamente utilizado – docs. 14 e 15 – artigo 2 da Base Instrutória.

t) O incumprimento da conta crédito (al. m)) ficou a dever-se à situação difícil em que a sociedade já se encontrava, pelo menos desde o início de 2002, e de que não recuperou depois – artigo 3 da Base Instrutória.

u) Que, habilidosa e intencionalmente, ocultou ao autor durante mais de um ano – artigo 4 da Base Instrutória.

v) Apenas lhe deu conta do que efectivamente se passava em meados de 2003, por correspondência de 30 de Maio e de 3/7/2003, que igualmente acompanha esta – docs. 19 e 20 – artigo 5 da Base Instrutória.

w) Os réus BB e mulher, únicos sócios da HH, cabendo ao cônjuge varão a sua gestão diária, logo conhecedores directos da apontada situação, sabiam perfeitamente que a HH não dispunha, nem tinha perspectivas de a curto prazo conseguir obter, os recursos financeiros necessários à regularização da dívida contraída perante o autor – doc. 21 – artigo 6 da Base Instrutória.

x) Que, para mais, era avultada perante a pequena dimensão da sociedade devedora e a escassez, cada vez mais notória, dos seus recursos e dos meios que conseguia libertar – artigo 7 da Base Instrutória.

y) Por outro lado, os bens ante-identificados, cuja existência e titularidade em seu favor o casal comunicara ao autor aquando do início do seu relacionamento comercial, atribuindo-lhes na altura um valor superior a 50.000.000 de escudos, sempre serviram de suporte/garantia do apoio creditício que foi concedendo à HH – artigo 8 da Base Instrutória.

z) E que, de outro modo, seguramente não teria concedido, ou pelo menos seria seriamente restringido – artigo 9 da Base Instrutória.

aa) Pelo que sabiam, também de antemão, como pessoas maduras e experientes que são, que esses imóveis, que, a par de outro, integravam o seu acervo imobiliário, em caso de incumprimento seriam mais cedo ou mais tarde nomeados à penhora pelo autor para obter a satisfação do seu apontado crédito – artigo 10 da Base Instrutória.

bb) Tanto mais que um terceiro imóvel (lote para construção) que igualmente possuíam, na freguesia de Grijó deste concelho, encontrava-se já severamente onerado por duas hipotecas em favor de particulares – artigo 11 da Base Instrutória.

cc) Acabando recentemente por ser dado em pagamento ao beneficiário da primeira, deixando assim também de integrar o património, dessa índole, dos réus BB e mulher – doc. 22 – artigo 12 da Base Instrutória.

dd) O recheio da residência dos réus BB e mulher foi acautelado com base em “declaração de comodato” em favor dos filhos – resposta ao artigo 13 da Base Instrutória.

ee) Doutro passo, nada mais lhes é conhecido, bem como à co-executada – artigo 14 da Base Instrutória.

ff) A HH já não possuía à data da apontada doação, nem tão pouco presentemente dispõe, de bens e/ou rendimentos suficientes para garantirem o pagamento do invocado crédito do autor – artigo 15 da Base Instrutória.

gg) O mesmo sucedendo, pelas razões apontadas, com os réus BB e mulher, seus quotistas e gestores – artigo 16 da Base Instrutória.

hh) Os imóveis por si então doados aos filhos eram os únicos bens conhecidos aos réus BB e mulher, que sempre basearam/justificaram o apoio creditício concedido à empresa e que podiam garantir e assegurar a cobrança do crédito do autor – artigo 17 da Base Instrutória.

ii) Válido até 3/10/2001 e renovável por períodos de seis meses – por referência à alínea s) – artigo 19 da Base Instrutória.

jj) Na altura da celebração do contrato identificado em 18 da Base Instrutória (alínea s)), os réus BB e mulher entregaram ao autor uma livrança em branco, conforme consta da cláusula 7ª do sobredito contrato – artigo 21 da Base Instrutória.

kk) A livrança foi entregue em branco ao autor na data da assinatura do contrato de abertura de crédito, mas preenchida posteriormente a 3/10/2003 – artigo 22 da Base Instrutória.

ll) As responsabilidades tituladas por letras da sociedade JJ, Lda. por letras o autor continuava a aceitar descontar na conta da HH – artigo 24 da Base Instrutória.

mm) A gerência da filial do autor visitou as instalações várias vezes e sempre acompanhou a vida da sociedade HH – artigo 25 da Base Instrutória.

nn) Os avalistas e aqui réus BB e mulher possuíam no seu património imobiliário, pelo menos os seguintes bens:

Prédio urbano, sito no Lugar de Santo António, Grijó, VN de Gaia (art. 614 urbano e registado sob o nº 3163) (doado na referida escritura);

Prédio rústico de pinhal, sito nos Lagos, Grijó, VN de Gaia (art. 3043 e 3044, registado sob o nº 3188) (doado na referida escritura);

O lote nº …, sito na Rua …, a confrontar do Norte com …, do Sul com a estrada, do Nascente com … e do Poente com o lote nº …, inscrito na matriz urbana de Grijó sob o nº … e registado sob o nº …;

Fracção autónoma designada pela letra “O”, na Rua de …, …, rés-do-chão direito, Grijó, VN de Gaia, inscrita na matriz sob o art. 3959 e registada sob o nº 2774-O de Grijó – artigo 29 da Base Instrutória.

 oo) Em Março de 2000, os réus BB e mulher adquiriram dois lotes, o nº 5 e o nº 12, este identificado do artigo anterior – artigo 30 da Base Instrutória.

pp) Os RR. optaram por vender o lote nº 5 com esse objectivo, o que acabaram por concretizar em meados de Dezembro de 2000 – artigo 33 da Base Instrutória.

qq) Os réus BB e mulher adquiriram a fracção indicada na alínea nn) indicada em quarto lugar, onde passaram a residir com o seu agregado familiar – artigo 35 da Base Instrutória.

rr) A construção da moradia foi adjudicada à sociedade JJ, Lda., empresa que simultaneamente era cliente da HH e para quem esta prestava serviços e empreitadas da arte de serralharia – artigo 36 da Base Instrutória.

ss) A sociedade HH deixou de pagar letras que tinha aceite para pagamento de diversas obras de serralharia que a HH tinha executado para a II, em valor não apurado – resposta ao artigo 44 da Base Instrutória.

tt) Foram ainda devolvidos à HH cheques que não lograram cobertura, em valor não apurado – resposta ao artigo 45 da Base Instrutória.

uu) Os gerentes tentaram a obtenção do pagamento quando descobriram que a JJ, Lda. tinha acumulado passivo – resposta ao artigo 46 da Base Instrutória.

vv) Também a firma JJ, Limitada, de Rio Meão, Santa Maria da Feira, não pagou as letras que aceitou, tendo as mesmas sido debitadas à HH pelo banco que as descontou – artigo 47 da Base Instrutória.

xx) A HH instaurou o processo judicial 1006/03.YXLSB – resposta ao artigo 48 da Base Instrutória”

         4. - Mérito do recurso.

         4. 1. – Delimitação do objecto do recurso.

Como mencionado ao enunciar as sub-questões a apreciar na revista, em causa está apenas a verificação dos denominados requisitos gerais substantivos da impugnação, pois que, sendo de natureza gratuita o acto impugnado, desinteressa considerar o pressuposto má fé, específico da impugnação do acto oneroso (art. 612º-1 e 2 C. Civil).

         São, pois, pressupostos com pertinência relativamente à procedência da pretensão aqui em causa os previstos no art. 610º do C. Civil, a saber:

- que haja diminuição da garantia patrimonial do credor, em termos de resultar do acto a impossibilidade total de satisfação do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (al. b) do preceito;

- que o crédito seja anterior ao acto; ou,

- que, sendo o crédito posterior ao acto, ter este sido dolosamente realizado com a finalidade de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

           Os Recorrentes colocaram em primeiro lugar a questão da apreciação da sua actuação, insurgindo-se contra a respectiva qualificação como dolosa.

         Ora, porque não está em causa a impugnação de acto oneroso, a actuação dos Recorrentes alienantes só pode apresentar relevância se se estiver perante “crédito posterior” ao acto impugnado, vale dizer, à disposição dos bens por contrato de doação.

         Deste modo, a lógica da apreciação e decisão impõe que se aprecie em primeiro lugar a questão da anterioridade do crédito e só depois, se for caso disso, a natureza do comportamento dos Recorrentes (art. 660º CPC).

         4. 2. - Anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnado.

         4. 2. 1. - Os Recorrentes fazem assentar a sua tese da inverificação do pressuposto a circunstância de terem subscrito e entregue ao Banco Recorrido a livrança, em branco, em Abril de 2001, a qual só foi preenchida após 3 de Outubro de 2003, sendo que só com o vencimento do título (ocorrido em 29-12-2003) o crédito passa a existir.

         No acórdão recorrido, admitido que a dívida foi liquidada em 08/7/2003 e o respectivo pagamento exigido em 03/10/2003, ao que se seguiu a finalização do preenchimento da livrança, entendeu-se que a responsabilidade dos ora RR., BB e mulher, “já existia, na condição de avalistas da “HH”, condição essa que tinham deixado exarada na livrança em branco e no respectivo pacto de preenchimento”.

             Não se dissente desse entendimento.

         Como dá conta a matéria de facto, a livrança foi emitida e entregue pelos RR. à A., na data da assinatura de um contrato de abertura de crédito em conta-corrente e para titular esse crédito concedido pela A. à “HH, Lda.”, e por esta efectivamente utilizado, válido até 03/10/2001.

         Do mesmo contrato, assinado pelos RR. em representação da “HH”, consta a condição 7 que prevê como garantia o aval dos sócios aposto em livrança em branco, acompanhada de carta nos termos usuais, em anexo, carta essa que constitui o pacto de preenchimento da livrança subscrita pela “HH”, representada pelos RR. - os seus únicos sócios sendo ambos conhecedores directos da respectiva situação económica -, e por estes, enquanto avalistas do título de caução, mediante o qual ficou o “Banco autorizado a acabar de a preencher, fixando-lhe o vencimento e indicando, como montante, tudo quanto constitua crédito do Banco, logo que deixemos de cumprir alguma obrigação caucionada”.

Decorre dos elementos descritos, entre outros que as Partes trouxeram ao processo, que a relação entre elas, que acabou por dar origem ao litígio, configura uma actuação frequente no relacionamento entre empresas comerciais e a Banca: - celebram-se, para financiamento das primeiras, contratos de abertura de crédito em conta corrente, e, para garantia de cumprimento da obrigação do respectivo pagamento, recorre-se a livranças subscritas pela beneficiária desses financiamentos e avalizadas pelos seus sócios ou por terceiros, que oferecem, assim, uma garantia de ordem pessoal. Trata-se da denominada “conta corrente caucionada”, por garantida através de livrança-caução.

            No caso, tal garantia pessoal foi dada pelos ora Recorrentes, mediante a aposição das suas assinaturas, como avalistas, em livrança em branco, livrança que ficou na posse do Banco recorrido, que, por sua vez, ficou com a faculdade de a acabar de preencher pelo valor constante do seu crédito ao tempo de qualquer incumprimento da obrigação caucionada, fixando-lhe a data do vencimento.

            A Lei admite e reconhece a figura da livrança em branco, a qual, preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança – arts. 10º e 77º LULL.

         Nenhum obstáculo existe pois à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge no momento da emissão, ou apenas no momento do vencimento, a ele retroagindo a obrigação constante do título por ocasião do preenchimento. Importa apenas que este tenha ocorrido aquando do vencimento (cfr. PINTO COELHO, “As Letras”, II, 2ª, 30 e ss; FERRER CORREIA, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, 483; VAZ SERRA, BMJ, 61º-264; O. ASCENSÃO, “Direito Comercial”, III, 116).       

            Estamos, quanto à livrança-caução, no âmbito do aval cambiário, isto é, perante uma garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada.

            A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.

         A garantia prestada pelo avalista assume carácter objectivo e, por isso, como se escreveu no Assento do STJ n.º 5/95 (DR, I-A série, 20/5/95, 3129), «não assumindo o avalista a própria obrigação do avalizado para a cumprir na vez deste se este a não honrar, a equiparação expressa na estatuição «responde da mesma maneira» do art. 32º-1 significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual à daquele por quem deu o aval. Por isso, responde como obrigado directo ou de regresso consoante a obrigação do avalizado, como se fosse sacado, aceitante, etc., consoante a posição como subscritor do respectivo avalizado. Equiparação não é, pois, identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado» - art. 32º LULL.

         A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da do avalizado, mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante da letra (ou do subscritor da livrança) – a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários -, obrigado directo e não de regresso (cfr. ABEL DELGADO, “LULL, Anotada”, 125 e 149; RLJ , 71º-234 e ss.; PAULO SENDIM e EVARISTO MENDES, “A Natureza do Aval ...”, 36 e ss.).  

            Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver efectivamente configurada» - arts. 10º e 32º-2 cit. (P. SENDIM, “Letra de Câmbio”, II, 149).

            Tudo quanto se foi deixando referido vem a propósito e tende à conclusão, que temos por certa, de que estamos perante obrigações cambiárias assumidas pelos ora Recorrentes, como avalistas em livrança em branco, em que não se mostram violados os termos em que as Partes ajustaram a definição e configuração dessas obrigações cambiárias.

Na falta de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na livrança e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas da subscritora que se apresentam como que «co-subscritores» e, com ele, responsáveis solidários (cfr. FERRER CORREIA, ob. cit., 526).

         No caso, a entrega da livrança em branco, em garantia de cumprimento das prestações devidas pela disponibilidade da quantia acordada no contrato de abertura de crédito e pela efectiva (e verificada) utilização do crédito disponibilizado em execução do contrato, tudo em conformidade com convenção nesse sentido - contrato escrito e carta (pacto de preenchimento) anexa) -, abrangendo as condições e completamento do título quanto ao montante e data do vencimento, implica a vinculação dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações nesta estabelecidas decorrentes quer da obrigação cambiária, quer da obrigação subjacente.             

Vale isso por dizer que, ao subscreverem a livrança, os RR. quiseram obrigar-se, eles próprios, a título pessoal, como meio de garantirem a concessão do crédito pela A., no caso de incumprimento da Sociedade, pois que se mostra estar-se perante a prestação de uma garantia acordada entre o Banco, a Sociedade e os Garantes (avalistas/fiadores), acordo em função do qual o Banco, tendo por verificada a exigida condição de celebração do contrato, que é a prestação da fiança proposta, o outorga e disponibiliza o crédito.

A relação subjacente à livrança, que o contrato de abertura de crédito e a carta-pacto de preenchimento tão bem reflectem, não é mais nem menos que a relação de garantia convencionada entre os três intervenientes referidos previamente à emissão do título cambiário, o que, mesmo na pura perspectiva da obrigação cambiária, os coloca no domínio das relações imediatas, com a inerente possibilidade de invocação da relação subjacente.

Por isso, sendo, embora, certo que no momento da emissão e entrega da livrança, o Banco não dispunha ainda de direito de crédito (concretizado numa entrega ou utilização de dinheiro) sobre a Sociedade subscritora e que o complemento do preenchimento ficou dependente do incumprimento da Sociedade subscritora da livrança, continua a pensar-se que a natureza do contrato de abertura de crédito, que - diferentemente do mútuo, que é um contrato real quoad constitutionem – é um contrato consensual, cuja perfeição não exige entrega de dinheiro, mas apenas a faculdade de mobilizar as quantias monetárias acordadas em sua execução, conjugada com as aludidas razões atinentes à prestação da garantia, não permite entendimento diferente do que vá no sentido de a obrigação dos garantes se ter constituído no momento em que se constituiu a do beneficiário do crédito, acompanhando-a nas vicissitudes decorrentes das movimentações a débito e a crédito efectuadas na conta corrente caucionada (mobilizações de parcelas e amortizações).

Não pode, assim, por via do expendido, acompanhar-se a solução encontrada no douto acórdão invocado pelos Recorrentes (ac. STJ de 12/7/2005 – proc. 05B2344), cuja situação de facto parece não se afastar significativamente da ora ajuizada, salvo quanto à inexistência do nome do tomador na livrança nele em causa, mas que, se bem interpretamos, apesar de conduzir à desresponsabilização dos avalistas do subscritor, manteria a deste.

A concluir, e em síntese, reafirmar-se-á, como no acórdão de 23/3/2003 (proc. n.º 2089/03-1), que o crédito do Banco se constituiu, pelo menos, no acto da subscrição da livrança, pois que é então, quando não antes, que, pela obrigação subjacente a prestação que o integra é posta à disposição do devedor. É nesse momento, que, também cambiariamente, nasce e fica constituída a obrigação, bem como a responsabilidade do subscritor (e seus avalistas) pelo respectivo pagamento na data do vencimento, observadas as condições pactuadas. Este (vencimento) não é mais que uma condição geral de exigibilidade do crédito (no mesmo sentido, acs. de 22/01/2004 (proc. 03B3854) e 22/6/2004 (proc. 04A2056).

4. 2. 2. - Adquirido que, para efeitos de concurso do requisito da anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado, é irrelevante a data do vencimento, importando apenas que a constituição do mesmo lhe seja anterior, e que, como proposto, no caso a constituição do crédito, por contemporânea do contrato e da prestação da garantia, é anterior à formalização da doação, julga-se verificado o pressuposto e, consequentemente, prejudicada, por desnecessária, como adiantado, a apreciação da questão da existência de dolo dos Recorrentes. 

         Apesar disso e apenas ex abundantia, sempre se pode deixar dito que a posição constante do acórdão recorrido seria de sufragar.

4. 3. - Impossibilidade, para o credor, de satisfação do seu crédito.

Os Recorrentes sustentam não se verificar o requisito exigido pela al. b) do dito art. 610º, argumentando que os bens que foram objecto da doação não eram os únicos bens conhecidos do A., pois que havia outros, que somam valor muito superior a 90.000€, e que o Banco bem sabia que podia executar, sendo que, com todos os recursos, materiais, humanos e técnicos de que dispõe e como entidade conhecedora das realidades sociais que são o dia a dia das instituições de crédito, deveria ter sido mais lesto.

Como é sabido, o requisito corporizado na al. b) do art. 610.º acolhe a proposta de Vaz Serra ("Responsabilidade Patrimonial, BMJ 75.º-198 e ss.): - é preciso que "do acto resulte para o credor a impossibilidade pratica de obter satisfação do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade".

Deixou de ser necessária a insolvência do devedor, passando a entender-se que aquela impossibilidade prática ou o seu agravamento devem justificar a impugnação, com vista a prevenir as hipóteses em que o devedor continua solvente mas os outros bens se mostram praticamente inexecutáveis.

Complementar e harmoniosamente, dispondo em termos especiais sobre o ónus da prova, o art. 611.º faz impender sobre o devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Assim, em reconhecido mas incontornável desvio ao regime geral sobre distribuição do ónus da prova, recai sobre credor a prova do seu crédito sobre o devedor e sua anterioridade relativamente ao acto impugnado, mas é ao devedor ou ao terceiro adquirente dos bens restituendos que se exige a prova da existência, no património do devedor, de bens penhoráveis de valor pelo menos igual aos alienados pelo acto.

Tal significa, como se tem reconhecido, que, em termos práticos, quando provados, pelo impugnante, o crédito e a respectiva anterioridade (ou o dolo, sendo caso disso), se presume a impossibilidade de satisfação do crédito ou o seu agravamento.

Por isso, demonstrados pelo impugnante aqueles dois pressupostos, para poder obstar à procedência da impugnação terá o demandado de alegar e provar factos demonstrativos de que era detentor de uma acervo patrimonial suficiente para satisfação da dívida ao impugnante, ou seja, que este mantinha o seu crédito patrimonialmente garantido pelos activos existentes na titularidade do devedor.

Ora, percorrida a matéria de facto que vem definitivamente assente e lida a contestação apresentada pelos Recorrentes, consta-se que estes alegaram e provaram que eram donos de quatro prédios (os identificados na al. nn) rol dos factos provados), além dos que doaram, mas nada mais demonstraram, designadamente quanto ao valor e executabilidade desses bens [admitindo que reportavam a sua propriedade à data das doações, o que não é referido], elementos de facto que nem sequer alegaram, assim inviabilizando, ab initio, qualquer possibilidade de cotejo entre o montante da dívida e o valor da garantia geral existente, agora pela óbvia razão que, não alegando, não se propuseram provar os factos integradores do requisito cujo ónus de demonstração a lei lhes impõe.

Totalmente infundadas, pois, por igualmente indemonstradas, e, por isso, a dispensar análise de eventuais consequências jurídicas, as referências a disponibilidade de bens e respectivos valores, nos termos vertidos na conclusão 24..

Juridicamente irrelevantes, por sua vez, as considerações e juízos que constituem a conclusão n.º 25..        

Concorre, consequentemente, o requisito geral da impugnação em apreço.

         5. - Decisão.

         Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

         - Negar a revista;

         - Confirmar a decisão impugnada; e

         - Condenar os Recorrentes nas custas.

   Lisboa, 29 Novembro 2011

  Alves Velho (Relator)

  Paulo Sá

  Garcia Calejo