Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
923/16.5YRLSB.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
TRIBUNAL ARBITRAL
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
NULIDADE
DECISÃO ARBITRAL
ABUSO DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. O poder de julgar e respectiva repartição, que pertence em primeira mão ao Estado, obedece à organização judiciária assumida pelo ordenamento jurídico que integra os tribunais estaduais, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
II. A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, sendo que para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, impõe-se atentar à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.

II. Conforme consignado na Constituição da República Portuguesa, poderão ser constituídos tribunais arbitrais com que o Estado quebra o monopólio do exercício da função jurisdicional dos seus órgãos, atribuindo à respectiva decisão os efeitos próprios da sentença judicial, quais sejam, a força de caso julgado e a força executiva.

IV. A arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado.

V. A convenção de arbitragem encerra um negócio jurídico bilateral, da qual emerge para as partes um direito potestativo que as vincula a instituir um tribunal arbitral com vista a dirimir o dissídio nela previsto.

VI. Deve ser reconhecida a nulidade da convenção de arbitragem voluntária celebrada com violação do disposto nos artºs. 1º e 2º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV), donde, acaso haja reconhecimento da invalidade da convenção de arbitragem invocada, tal acarretará, necessariamente, a nulidade da respectiva sentença arbitral.

VII. No abuso de representação, o representante age, formalmente, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos, mas utiliza-os para um fim não ajustado àquele em função do qual eles se constituíram.

Decisão Texto Integral:

   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

  

1. A Requerente/GoPro Inc. titular de diversas marcas registadas que gozam de enorme notoriedade e prestígio no mercado dos produtos que assinalam, bem como, nomes de domínio, com a expressão “GoPro”, tendo conhecimento do registo de nome de domínio gopro.pt em Portugal, cujo titular é o Requerido/AA, e que o referido nome de domínio está redirecionado para a página http://www.sony.ptlelectronics/actioncam/fdr-x1000v-body-kit (website da Sony), na qual é exibida uma câmara fotográfica digital “Action Cam XI000V / XI000VR 4K com Wi-Fi® e GPS”, bem como a respetiva descrição das suas funcionalidades, acessórios e especificações, entende que tal registo de nome de domínio viola o disposto na alínea c) do número 1 do art.º 9° das Regras de Registo de Nomes de Domínio de .PT (2014), isto é, que o nome de domínio não pode “corresponder a nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, nomeadamente, por coincidirem com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem”, a par de que o n.º 3 do mesmo preceito legal ao dispor que “o titular de um nome de domínio de .pt garante que o nome registado e a sua titularidade não colidem com direitos constituídos de terceiros”, importa reconhecer que o nome de domínio “gopro.pt” corresponde a um nome que induz em erro ou confusão os consumidores sobre a sua titularidade, pois incorpora o sinal distintivo “gopro” e a marca registada “GoPro” da Requerente, que se encontra também associada ao nome de domínio da Requerente (www.gopro.com), daí que impetrou junto do Tribunal Arbitral a resolução do conflito criado com o registo de nome de domínio gopro.pt em Portugal.

Entende, assim, a Requerente/GoPro Inc. que o registo do nome de domínio “gopro.pt” pelo Requerido/AA, e a sua posterior actuação ao redirecionar o website para o website de um concorrente da Requerente e ao tentar vender o registo ao Requerente por um valor exorbitante, constituem um acto de concorrência desleal, contrários às normas e usos honestos da atividade económica, por o mesmo ser susceptível de criar confusão com as marcas da ora Requerente, donde, por se encontrarem preenchidos os respetivos requisitos do art.º 43° das Regras de Registo de Nomes de Domínio de .PT (2014), veio a Requerente/GoPro Inc. pedir ao Tribunal Arbitral (i) a condenação do Requerido à perda do direito de uso do nome de domínio gopro.pt; (ii) que ordene a transferência da titularidade do nome de domínio gopro.pt para a Requerente e (iii) que condene o Requerido no pagamento da totalidade dos encargos da Acção Arbitral.

2. Foi proferida decisão arbitral que julgou a acção inteiramente procedente, condenando o Requerido/AA no peticionado.

3. Inconformado, intentou o Requerido/AA, no Tribunal da Relação de …, acção de anulação da decisão arbitral, pedindo, na sua procedência, que a sentença arbitral proferida no “ARBITRARE”, relativamente ao litígio que o opõe à Requerente/GoPro Inc., seja anulada.

4. Depois de vicissitudes várias, com que as partes se conformaram, foi proferida decisão singular nos termos do art.º 656° do Código de Processo Civil, onde o Tribunal a quo concluiu pela competência do Tribunal Arbitral, improcedendo a impugnação suscitada pelo Requerido/AA, traduzida na invocada nulidade da sentença arbitral proferida.

5. Irresignado, o Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral, reclamou para a Conferência, tendo sido prolatado acórdão que mantendo a decisão singular, concluiu pela competência do Tribunal Arbitral, improcedendo a impugnação suscitada pelo Requerido/AA.

6. Novamente inconformado, o Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral interpôs recurso, aduzindo as seguintes conclusões:

“A. O Recorrente contratou com a empresa Trignosfera a aquisição de um nome de domínio. Tanto na formação como na execução desse contrato nunca foi dado conhecimento ao Recorrente de uma eventual celebração de convenção de arbitragem.

B. No entanto, em 2015 o Recorrente foi citado relativamente ao início de um processo arbitral no centro de arbitragem institucional ARBITRARE, tendo sido proferida sentença arbitral, impugnada neste processo.

C. Devido à natureza voluntária da arbitragem não é possível, na ausência de qualquer manifestação de vontade (expressa ou tácita) da parte do Recorrente, existir uma sentença arbitral que o vincule.

D. Admitem-se duas qualificações para o contrato celebrado entre o Recorrente e a empresa Trignosfera: a) compra e venda (a sociedade Trignosfera adquiriu o domínio para revenda) ou b) prestação de serviços.

E. Seja qual for a qualificação adoptada, nunca se poderá entender que Recorrente está vinculado a uma convenção arbitral.

F. Se se tratar de uma revenda – qualificação mais conforme com os elementos probatórios – uma eventual aceitação de uma convenção de arbitragem pela Trignosfera no primeiro negócio (celebrado com a FCN) não vincula o Recorrente que, além do mais, nunca teve conhecimento dos termos desse negócio. Assim decorre do princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 406.º/2 do CC).

G. Se a qualificação for de prestação de serviços, sujeita às regras do mandato (ex vi art. 1156.º do CC), o resultado não é diferente.

H. Como explica RAÚL VENTURA, “Convenção de Arbitragem”, Revista da Ordem dos Advogados, 1986, pp. 309-310: “Nos termos do art. 1159.º, n.º 1, do C.C. o mandato geral só compreende os actos de administração ordinária. (...), a celebração da convenção de arbitragem não é um acto de administração ordinária e, portanto, essa faculdade deve ser conferida especialmente ao mandatário (...). Tratando-se de mandato especial, a convenção de arbitragem não pode ser considerada «acto necessário à sua execução», que, por força do art. 1159.º, n.º 2, do C.C., seja abrangido naquele; terá, pois, de ser especificada na procuração.”.

I. O que não ocorreu.

J. Da existência de um contrato de mandato não decorre necessariamente a existência de representação e nunca foi emitida qualquer procuração, nem existe outro instrumento de representação.

K. Sem vontade negocial - o Recorrente nunca quis atribuir poderes de representação à empresa Trignosfera - não pode haver representação voluntária.

L. E, sem representação não pode haver abuso de representação.

M. A considerar-se que a celebração de uma convenção de arbitragem por parte da Trignosfera foi feita “em nome” do Recorrente, - o que não se provou, - estaremos perante uma representação sem poderes, logo ineficaz (art. 268.º do CC).

N. Além disso, estando em causa a celebração de uma convenção de arbitragem, sujeita às exigências do art. 2.º da LAV, a procuração sempre estaria sujeita a iguais exigências, sob pena de nulidade (art. 262.º/2 do CC).

O. Ora, o contrato celebrado com a Trignosfera, através de um click e sem ser facultada cópia em suporte permanente, não oferece as garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação exigidas pelo art. 2.º da LAV, nunca podendo, por isso, conter a uma convenção arbitral válida (arts. 220.º do CC e 3.º da LAV).

P. Pelo exposto fica clara a ausência de competência do Tribunal Arbitral, devendo anular-se a sentença proferida por este.

O douto acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos arts. 1.º, 2.º, 3.º, 36.º e 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, 220.º, 246.º, 262.º, 268.º, 269.º, 405.º, 406.º e 1159.º do Código Civil e 31.º do Decreto-Lei 7/2004, de 7 de Janeiro.

Revogando-o, pois, e substituindo-o por outro que anule a sentença arbitral nos termos peticionados, far-se-á JUSTIÇA”.


7. A Requerente/GoPro Inc., demandada da acção de anulação da decisão arbitral, apresentou contra-alegações, enunciando as conclusões que se seguem:

“I. O contrato celebrado entre o Recorrente e a Trignosfera é um contrato de prestação de serviços e não um contrato de compra e venda, logo, são de afastar todas as considerações que constam das alegações de recurso sobre a qualificação da relação contratual como sendo uma compra e venda.

II. Na verdade, conforme consta dos factos provados constantes do acórdão recorrido, o Recorrente contratou a Trignosfera para que esta procedesse, nomeadamente, ao registo do nome de domínio em nome daquela.

III. Nomeadamente, atente-se aos factos provados n.ºs 1, 2 e 3 (onde se refere que o Recorrente submeteu o pedido de registo do nome de domínio; que para o efeito solicitou os serviços da empresa Trignosfera e que as regras gerais do contrato referem expressamente uma prestação de serviços pela Trignosfera ao subscritor do serviço, o Recorrente).

IV.    Não existe aqui obviamente nenhum ato de compra e venda. Pela mera leitura do contrato junto como documento nº 4 da Petição Inicial, retira-se com facilidade que estamos perante uma prestação de serviços, através da qual a Trignosfera se obrigava a registar um nome de domínio a favor do Recorrente, após ter sido contratada por esta última (sendo aliás muito sintomático que o Recorrente comece as suas conclusões de recurso por afirmar que “O Recorrente contratou com a empresa Trignosfera a aquisição de um nome de domínio”).

V. A tese de que a Trignosfera adquiriu para si o nome de domínio para depois o transmitir para o Recorrente (como se estivéssemos perante um ato de revenda não tem qualquer suporte factual, antes pelo contrário, vide factos provados nºs 1, 2 e 3).

VI.   Aqui chegados, o Recorrente, nas suas alegações, vem estranhamente invocar a falta de vontade negocial e a falta de representação voluntária bem como que “A empresa Trignosfera nunca foi incumbida de atuar em nome do Recorrente”.

VII.  Salvo o devido respeito, estamos no verdadeiro campo do absurdo, na medida em que o Recorrente sempre alegou que instruiu a Trignosfera para obter o registo do nome de domínio.

VIII. A falta de representação só aconteceria se a Trignosfera tivesse atuado sem quaisquer poderes e apenas por sua livre iniciativa, invocando, falsamente, que representava o Recorrente. O que não foi o caso.

IX. Há que atentar aos esclarecimentos prestados ao Tribunal Arbitral (e a pedido deste) pela Associação DNS.PT (na qualidade de entidade competente para o registo e gestão de nomes de domínio de segundo nível diretamente debaixo do ccTLD.PT, Domínio de Topo de Portugal) e que se encontram juntos a estes autos, a fls. 187 e seguintes.

X. Assim, esta entidade veio confirmar que a titular do domínio (ou seja, o Recorrente) e a FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional acordaram em submeter os litígios emergentes do registo ao ARBITRARE, conforme dispõe o artigo 41.º do Regulamento das Regras de Registo de Nomes de Domínio .PT.

XI. Importante é também a confirmação (constante de fls. 193) de que o Recorrente escolheu um dos Agentes de Registo acreditados pela Associação DNS.PT, que ficou responsável pela gestão do processo de registo e de manutenção do nome de domínio “gopro.pt”.

XII. Tendo o Recorrente mandatado a Trignosfera para proceder ao registo do nome de domínio (facto que aquele não questiona e assume na sua Petição Inicial), esta cumpriu aquilo para que estava mandatada e foi nesse âmbito que se vinculou livremente à convenção de arbitragem.

XIII. A questão que então se coloca é se a convenção de arbitragem subscrita pela Trignosfera, dentro dos poderes conferidos pelo Recorrente, é válida ou não.

XIV. Ora, não existem dúvidas da validade da convenção de arbitragem. A não ser assim, os milhares, de pedidos de registo de nomes de domínio que já tiveram lugar (com a adesão ao mecanismo de resolução de conflitos providenciado pelo ARBITRARE) seriam inválidos, o que seria uma situação verdadeiramente absurda.

XV. Esta adesão, como se disse, consta do próprio processo de registo do nome de domínio, feito de forma on-line, em que um dos passos é a adesão (querendo) à convenção de arbitragem, em caso de futuro litígio.

XVI. A convenção assume forma escrita (ainda que on-line), assumindo forma eletrónica e ficando prova escrita, como exige a lei. Tanto assim, que a autoridade competente para o registo e gestão de nomes de domínio, quando questionada pelo Tribunal Arbitral, fez prova da subscrição da convenção, nos termos acima referidos.

XVII. Ainda no tocante à apreciação da validade das convenções de arbitragem, refira-se o Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro, o qual, nos termos do  artigo 26º, dispõe que as declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a exigência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.

XVIII. O que é manifestamente o caso da convenção de arbitragem, subscrita por via eletrónica, aquando do processo de registo on-line de nome de domínio, através da associação DNS.PT

XIX. Sendo assim, rejeita-se a forma caricatural como o Recorrente coloca a questão, referindo que tudo se resume a um “click” (vide conclusão O. Das suas alegações), desprezando um processo que é utilizado por milhares de cidadãos e empresas que registam os seus nomes de domínios e que, nessa sequência, não deixam de aderir ao sistema de resolução de conflitos providenciado pelo ARBITRARE.

XX. Em suma, através de poderes validamente conferidos a seu representante, o Recorrente vinculou-se a convenção de arbitragem atribuindo poderes ao ARBITRARE para dirimir litígio relativo ao registo do nome de domínio, conforme prova feita pela DNS.PT, entidade nacional competente para o registo e gestão de nomes de domínio de segundo nível diretamente debaixo do ccTLD.PT, Domínio de Topo de Portugal.

XXI. Questão diferente é se o Recorrente não teve conhecimento da celebração da convenção de arbitragem (no âmbito do registo efetuado).

XXII. Mas mesmo nesse caso não está demonstrado que a Trignosfera tenha atuado contra as indicações ou a finalidade do serviço contratado, logo, que exista sequer o denominado abuso de representação, previsto no artigo 269º do Código Civil.

XXIII. Na verdade, não consta da matéria de facto que o Recorrente tenha objetado ou restringido os poderes da sua representante, a Trignosfera, quanto ao vincular-se a uma convenção de arbitragem no âmbito normal do registo de um nome de domínio.

XXIV. Podendo o Recorrente, antecipadamente, se ter oposto à vinculação à convenção de arbitragem, o que, no entanto, não o demonstrou ter feito.

XXV. Admitindo, no entanto e por mera defesa de patrocínio e sem conceder em tudo que acima se disse, que a Trignosfera atuou de forma abusiva na representação do Recorrente, o que, a bem dizer, nunca foi expressamente alegado pelo Recorrente, essa será uma questão a dirimir entre o Recorrente e a Trignosfera, não afetando a eficácia dos atos praticados em nome do representado.

XXVI. Esta situação não é confundível com a representação sem poderes, prevista no artigo 268º do Código Civil (como pretende o Recorrente). Neste caso, como já vimos acima, estaríamos perante uma total falta de representação, apresentando-se a Trignosfera sem quaisquer poderes. Ora, na situação em concreto,      a Trignosfera atuou em representação e com poderes contratualmente conferidos pelo Recorrente, embora este alegue que terá excedido ou abusado dos seus poderes, ao vincular este a uma cláusula arbitral.

XXVII. Sendo assim, caímos no regime previsto no artigo 269º do Código Civil que manda aplicar o artigo 268º, caso a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso.

XXVIII. Não estando, no entanto, demonstrado de modo algum (nem nunca foi alegado) que a Recorrida (sendo a outra parte, para efeitos da aplicação do artigo 269º) conhecesse ou devesse conhecer o alegado abuso.

XXIX. Por outro lado, para se verificar abuso da representação, tem também que ficar demonstrado que a Trignosfera utilizou conscientemente os poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do Recorrente. Mais uma vez, tal não foi alegado ou demonstrado, limitando-se o Recorrente a afirmar que desconhecia e que não havia sido informado da possibilidade de vinculação à cláusula arbitral.

XXX. Precisamente por reconhecer a fragilidade da sua posição é que o Recorrente vem agora referir que estamos perante uma absoluta falta de representação de modo a tornar a vinculação à convenção de arbitragem ineficaz, referindo (dando, passe a expressão, uma verdadeira pirueta de 180 graus) que a “empresa Trignosfera nunca foi incumbida de actuar em nome do Recorrente” quando ela própria alegou e provou que a Trignosfera prestou os seus serviços a solicitação do Recorrente.

XXXI. Na mesma linha de tentar contornar a fragilidade da sua posição, o Recorrente vem ainda invocar uma alegada revenda do nome de domínio, como se alguma vez a Trignosfera tivesse adquirido para si o nome de domínio e não o tivesse feito em representação do Recorrente (como sempre foi alegado).

XXXII. A posição do Recorrente não é mais do que uma tentativa de evitar a execução da decisão arbitral, impedida que está de recorrer quanto ao mérito dessa decisão.

XXXIII. É assim manifesto, por tudo o que se disse acima, que a revista deve improceder, mantendo-se válida a sentença arbitral, assim se fazendo JUSTIÇA!”


8. Foram dispensados os vistos.

9. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Requerido/AA, demandante da acção de anulação da decisão arbitral, consiste em saber:

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que, contrariamente ao decidido, impõe-se reconhecer que o Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral, não está vinculado à invocada convenção de arbitragem, sendo nula, por isso, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, na medida em que é incompetente para dirimir o litigio que lhe foi presente pela Requerente/GoPro Inc., sendo requerido o aludido, AA?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1) O requerido submeteu em 04/05/2012 o pedido de registo de domínio “gopro.pt”.

2) Solicitando para o efeito os serviços da empresa Trignosfera, através do portal da referida empresa - fls. 81 a 92.

3) A Trignosfera comunicou ao requerido sob a designação “regras gerais” “as condições e termos pelos quais se irá reger o serviço prestado pela Trignosfera ao subscritor do serviço adiante designado por cliente. A prestação do serviço será feita no seguimento de um pedido efectuado por registo em formulário, por parte do cliente, compreendendo o alojamento e domínio na Internet ou website fornecido pela Trignosfera.”

4) Tais informações sobre as regras gerais, terminava com a advertência: “Em caso de litígio o consumidor pode recorrer a uma entidade de resolução alternativa de litígios de consumo” seguindo-se a indicação “Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa” (fls. 92).

5) O ora recorrente aderiu a tais condições contratuais.

6) O nome de domínio “gopro.pt” foi registado a 04/05/2012, constando, sob a rubrica campo, a palavra “Arbitrare”.

7) Por mail de 06/06/2016, a Trignosfera enviou comunicação ao recorrente BB, referindo que: “A Trignosfera (e as empresas parceiras que operam connosco a nível do registo de domínios) como qualquer outro registar nacional que é obrigado a registar os domínios na DNS.t (entidade reguladora do registo) ficam sujeitos à arbitragem”.

8) A associação dns.pt informou, a fls. 191 e 192, que “aquando do registo online do nome do domínio “gopro.pt” no dia 04/05/2012, foi subscrita pelo requerido a convenção de arbitragem relativa à resolução de conflitos sobre nomes de domínio, cujo teor abaixo se reproduz: “O titular do domínio agora solicitado e a FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional acordam em submeter litígios emergentes do presente registo ao ARBITRARE - Centro de Arbitragem para Propriedade Industrial, Nomes de Domínios, Firmas e Denominações conforme disposto no artigo 41° do Regulamento de Registos de Domínio de.PT”.

9) Desde 09/05/2013 que a associação DNS.PT sucedeu nos direitos e obrigações até então prosseguidos pela FCCN”.


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Requerido/AA, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que, contrariamente ao decidido, impõe-se reconhecer que o Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral, não está vinculado à invocada convenção de arbitragem, sendo nula, por isso, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, na medida em que é incompetente para dirimir o litigio que lhe foi presente pela Requerente/GoPro Inc., sendo requerido o aludido, AA? (1)

O poder de julgar e respectiva repartição, que pertence em primeira mão ao Estado, obedece à organização judiciária assumida pelo ordenamento jurídico que integra os tribunais estaduais, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhe, como decorre do art.º 202º da Constituição da República Portuguesa, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, sendo que para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, impõe-se atentar à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.

Neste particular, sustenta Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, in, Manual de Processo Civil, 1987, página 197, o requisito da competência resulta de necessidade de se repartir o poder jurisdicional pelos vários tribunais segundo critérios diversos, destacando-se, no plano interno, o critério da especialização.

Estabelece o art.º 211º da Constituição da República Portuguesa “1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais”, o que, de resto, a lei ordinária acompanha - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário - ao prescrever no seu n.º 1 “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” e a Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho que aprova o actual Código de Processo Civil que no seu art.º 64º textua: “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Como já adiantamos, o exercício da função jurisdicional é reservado, em primeira mão, aos tribunais, órgãos de soberania, sendo a jurisdição plena exercida pelos juízes estaduais, todavia, conforme também consignado na Constituição da República Portuguesa, poderão ser constituídos tribunais arbitrais com que o Estado quebra o monopólio do exercício da função jurisdicional dos seus órgãos, atribuindo à respectiva decisão os efeitos próprios da sentença judicial, quais sejam, a força de caso julgado e a força executiva.

Estabelece a este propósito o art.º 209º nºs. 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa que podem existir tribunais arbitrais, determinando a lei os casos e as formas em que estes tribunais se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos, daí que os Tribunais arbitrais, podem ser necessários, quando, tendo em consideração concretas questões, a sua constituição é imposta por lei, ou voluntários, se resultam da vontade das partes, a instituir através de uma convenção de arbitragem, sublinhando-se, neste particular da arbitragem voluntária que as respectivas decisões assumem os efeitos próprios da sentença judicial, como já adiantamos, a força de caso julgado e a força executiva - art.º 42º n.º 7 da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro, a designada Lei da Arbitragem Voluntária (LAV).

Porque ao caso trazido a Juízo interessa, importa considerar a constituição da arbitragem voluntária.

A Doutrina e Jurisprudência (a titulo de exemplo, Francisco Cortez, in, A Arbitragem Voluntária em Portugal, O Direito, página 555; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2000, in, www.dgsi.pt) aceitam pacificamente que o Estando, ao fazer participar os tribunais arbitrais no exercício da função jurisdicional, quebra o velho dogma do monopólio estadual, não da titularidade mas do exercício da função jurisdicional.

 Estabelece o art.º 1º n.º 1 da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV) “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”, sendo que esta convenção é entendida como compromisso arbitral quando respeite a um litígio actual, ou cláusula compromissória, quando alude a litígios eventuais, emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual - art.º 1º n.º 3 da Lei 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV).

A arbitragem voluntária é, assim, contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado.

No que respeita à convenção de arbitragem que importa considerar para o caso sub iudice, reconhecemos que a mesma encerra um negócio jurídico bilateral, da qual emerge para as partes um direito potestativo que as vincula a instituir um tribunal arbitral com vista a dirimir o dissídio nela previsto.

A convenção não se revela propriamente sobre a relação jurídica material, sendo antes acessória desta, a par de que não é a solução para o litígio, mas tão só o meio de as partes o poderem solucionar.

Anota-se que a convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito, conforme prevenido no n.º 1 do art.º 2º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV), importando atentar, neste particular, que a exigência de forma escrita tem-se por satisfeita quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios electrónicos de comunicação - n.º 2 do art.º 2º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV) - sendo de assinalar, em todo o caso, que o compromisso arbitral deve determinar com precisão o objecto do litígio e a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que o litígio respeita - n.º 6 do art.º 2º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV) - a par de que deve ser reconhecida a nulidade da convenção de arbitragem voluntária celebrada com violação do disposto nos enunciados artºs. 1º e 2º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV), conforme decorre do art.º 3º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV).

Apreciada, em termos breves, a natureza do Tribunal arbitral e a convenção de arbitragem que interessa ao caso trazido a Juízo, importa recentrar a nossa atenção no caso sub iudice onde distinguimos que o Recorrente/Requerido/AA invoca a nulidade da decisão arbitral, sustentando que não está vinculado à convenção de arbitragem, sendo, por isso, incompetente o Tribunal Arbitral para dirimir o litigio que contra si foi instaurado pela Requerente/GoPro Inc.

O fundamento invocado pelo Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral, está previsto na alínea a) i) do n.º 3 do artigo 46º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV) ao estabelecer que a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual se a parte que faz o pedido demonstrar que a convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram.

Concluímos, pois, que o reconhecimento da invalidade da convenção de arbitragem invocada, acarreta, necessariamente, a nulidade da respectiva sentença arbitral.

Relembremos, a propósito, os factos adquiridos processualmente, com interessa para o conhecimento do interposto recurso.

“1) O requerido submeteu em 04/05/2012 o pedido de registo de domínio "gopro.pt".

2) Solicitando para o efeito os serviços da empresa Trignosfera, através do portal da referida empresa - fls. 81 a 92.

3) A Trignosfera comunicou ao requerido sob a designação “regras gerais” “as condições e termos pelos quais se irá reger o serviço prestado pela Trignosfera ao subscritor do serviço adiante designado por cliente. A prestação do serviço será feita no seguimento de um pedido efectuado por registo em formulário, por parte do cliente, compreendendo o alojamento e domínio na Internet ou website fornecido pela Trignosfera.”

4) Tais informações sobre as regras gerais, terminava com a advertência: “Em caso de litígio o consumidor pode recorrer a uma entidade de resolução alternativa de litígios de consumo” seguindo-se a indicação “Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa” (fls. 92).

5) O ora recorrente aderiu a tais condições contratuais.

6) O nome de domínio “gopro.pt” foi registado a 04/05/2012, constando, sob a rubrica campo, a palavra “Arbitrare”.

7) Por mail de 06/06/2016, a Trignosfera enviou comunicação ao recorrente BB, referindo que: “A Trignosfera (e as empresas parceiras que operam connosco a nível do registo de domínios) como qualquer outro registar nacional que é obrigado a registar os domínios na DNS.t (entidade reguladora do registo) ficam sujeitos à arbitragem”.

8) A associação dns.pt informou, a fls. 191 e 192, que “aquando do registo online do nome do domínio “gopro.pt” no dia 04/05/2012, foi subscrita pelo requerido a convenção de arbitragem relativa à resolução de conflitos sobre nomes de domínio, cujo teor abaixo se reproduz: “O titular do domínio agora solicitado e a FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional acordam em submeter litígios emergentes do presente registo ao ARBITRARE - Centro de Arbitragem para Propriedade Industrial, Nomes de Domínios, Firmas e Denominações conforme disposto no artigo 41° do Regulamento de Registos de Domínio de.PT”.

9) Desde 09/05/2013 que a associação DNS.PT sucedeu nos direitos e obrigações até então prosseguidos pela FCCN.”


Como sabemos, a decisão de facto é da competência das Instâncias, e, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil) o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, daí que importa atender à facticidade que o Tribunal a quo considerou adquirido processualmente, para concluirmos da bondade da decisão arbitral sujeita ao escrutínio do Tribunal recorrido, concretamente, reconhecer, ou não, se a mesma padece da sustentada nulidade.

Assim, decorre dos factos demonstrados nos autos, acabados de enunciar, que a associação dns.pt (anota-se, conforme apurado, “desde 09/05/2013 que a associação DNS.PT sucedeu nos direitos e obrigações até então prosseguidos pela FCCN”) informou a fls. 191 e 192 que “aquando do registo online do nome do domínio “gopro.pt” no dia 04/05/2012, foi subscrita pelo requerido a convenção de arbitragem relativa à resolução de conflitos sobre nomes de domínio, cujo teor abaixo se reproduz: “O titular do domínio agora solicitado e a FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional acordam em submeter litígios emergentes do presente registo ao ARBITRARE - Centro de Arbitragem para Propriedade Industrial, Nomes de Domínios, Firmas e Denominações conforme disposto no artigo 41° do Regulamento de Registos de Domínio de.PT”, donde, sem reservas, podemos concluir que o ora Recorrente, Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral, titular do ajuizado domínio solicitado à Fundação para a Computação Científica Nacional, está vinculado à convenção de arbitragem.

Na verdade, resulta da enunciada informação da associação DNS.PT (que desde 9 de Maio de 2013 sucedeu nos direitos e obrigações até então prosseguidos pela Fundação para a Computação Científica Nacional) que o titular do ajuizado domínio, solicitado à Fundação para a Computação Científica Nacional, subscreveu, aquando do registo online do nome do domínio “gopro.pt”, no dia 4 de Maio de 2012, a convenção de arbitragem relativa à resolução de conflitos sobre nomes de domínio, acordando, como dá nota, expressamente, a aludida e inquestionada informação, em submeter os litígios emergentes do presente registo, ao ARBITRARE - Centro de Arbitragem para Propriedade Industrial, Nomes de Domínios, Firmas e Denominações, conforme disposto no artigo 41° do Regulamento de Registos de Domínio de.PT.

A convenção de arbitragem voluntária ao ser celebrada, preenchendo os requisitos exigidos e enunciados nos artºs. 1º e 2º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (LAV), conforme decorre da facticidade demonstrada, sobre a qual o Supremo Tribunal de Justiça não pode levar a cabo qualquer reponderação, não há como deixar de concluir que a apurada convenção de arbitragem, encerra um válido negócio jurídico, merecendo aprovação, neste sentido, o dispositivo do acórdão recorrido ao reconhecer a competência do Tribunal Arbitral, julgando improcedendo a impugnação suscitada pelo Requerido/AA, traduzida na invocada nulidade da sentença arbitral proferida.

 Sem conceder, poder-se-ia conceber, uma vez que o Requerido/AA contratou com a empresa Trignosfera o registo do ajuizado nome de domínio, que a celebração de uma convenção de arbitragem por parte da Trignosfera, no âmbito da sua prestação de serviços, encerraria uma representação sem poderes, logo ineficaz, a par de que, se se admitisse que o contrato celebrado entre o Requerido/AA e a Trignosfera fosse qualificado de compra e venda, na medida em que a Trignosfera adquiriu o articulado domínio para revenda, nunca se poderia entender que Requerido/AA estivesse vinculado à questionada convenção arbitral.

Todavia, confrontada a facticidade adquirida processualmente, importa distinguir, desde logo, que o negócio jurídico celebrado entre o AA e a Trignosfera não visava, de todo, a revenda do domínio, antes, no exercício da actividade desta, cujo escopo era diligenciar pela obtenção do registo de domínio, reconhecemos que o AA solicitou à Trignosfera a obtenção desse resultado, ou seja, o registo online do nome do domínio “gopro.pt”, mediante contrapartida, o que, de resto, se ajusta à qualificação jurídica de prestação de serviços estabelecida como contrato típico prevenido no direito substantivo civil - art.º 1154º do Código Civil - .

Arredada que está a celebração de um contrato qualificado de compra e venda, celebrado entre o Requerido/AA e a Trignosfera, e como resposta à questão enunciada, reconhecendo que o Requerido/AA contratou com a empresa Trignosfera o registo do ajuizado nome de domínio, e questionando se a celebração de uma convenção de arbitragem por parte da Trignosfera, no âmbito da sua prestação de serviços, encerraria uma representação sem poderes, logo ineficaz, não vinculando, por isso, o Requerido/AA àquela questionada convenção arbitral, importa respigar alguns trechos do acórdão recorrido, os quais concorrem para o reconhecimento de que, mesmo a conceber-se que a convenção de arbitragem foi ditada em razão do contrato de prestação de serviços, celebrado entre o Requerido/AA e a Trignosfera, sempre aquele estaria vinculado à convenção arbitral.

Assim:

“O contrato celebrado pelo recorrente com a Trignosfera é um contrato de prestação de serviços, pelo qual a Trignosfera é incumbida de efectuar as necessárias diligências para o registo do domínio “gopro.pt” mediante uma retribuição em dinheiro - art. 1154° do Código Civil.

O registo foi realizado.

Ora, não temos dúvidas de que a Trignosfera, no âmbito da prestação de serviços, ao registar o domínio do recorrente subscreveu, em nome do titular do domínio, o ora recorrente, a convenção arbitral do ARBITRARE.

Isto pois que os documentos remetidos, a nosso pedido, a este Tribunal da Relação, incluem a data de submissão do registo de domínio (…/05/2012), data em que era competente para o registo e gestão de nomes de domínio do segundo nível, directamente debaixo do ccTLD.PT, a FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional, tendo-lhe sucedido em 09/05/2013 a Associação DNS.PT (documento de fls. 191/192 emanado da Presidente do Conselho Directivo desta última entidade). Deste documento consta que “aquando do registo online do nome de domínio “gopro.pt”, no dia …/05/2012, foi subscrita pelo requerido a convenção de arbitragem relativa à resolução de conflitos sobre nomes de domínio, cujo teor se reproduz: “O titular do domínio agora solicitado e a FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional acordam em submeter os eventuais litígios emergentes do presente registo ao ARBITRARE - Centro de Arbitragem para Propriedade Industrial, Nomes de Domínios, Firmas e Denominações, conforme disposto no artigo 41° do Regulamento de Registos de Domínio de.PT”.

Note-se que o ora recorrente, notificado destes documentos não os impugnou, quer quanto à sua autenticidade quer ao seu teor, limitando-se a reafirmar que nunca aderiu ou consentiu na adesão a qualquer convenção arbitral.

A questão que se coloca, uma vez que não está provado que o ora recorrente tivesse conhecimento de ter subscrito a convenção arbitral em causa, é a de saber se o mesmo recorrente pode ser responsabilizado pela acção praticada pela Trignosfera.

A Trignosfera no serviço de registo do domínio da “gopro.pt” agiu por conta e em nome do recorrente, titular de tal domínio. Contudo, à data de …/05/2012, a diligência para obter o registo do domínio não implicava a aceitação da convenção arbitral ARBITRARE, nos termos do art. 41° n° 1 e 2 das Regras de Registo de Nomes de Domínio de.PT (2012).

Se a Trignosfera não advertiu o ora recorrente dessa possibilidade de subscrição da convenção, tendo-a mesmo subscrito, poder-se-á questionar se existiu ou não abuso de representação, nos termos do art. 269° do Código Civil. Contudo, mesmo que se entendesse que a prestadora do serviço tinha abusado dos seus poderes, é nossa convicção que o ora recorrente continuaria vinculado à convenção arbitral.

Como sublinha Carvalho Fernandes - “Teoria Geral do Direito Civil” II, pág. 274 - “no abuso de representação o representante age, formalmente, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos, mas utiliza-os para um fim não ajustado àquele em função do qual eles se constituíram”.

Não se mostra nos autos que a Trignosfera tenha abusivamente procurado um fim não ajustado ao contrato celebrado com o recorrente. Contudo, mesmo que isso tivesse ocorrido, o acto jurídico só seria ineficaz se o terceiro com o qual foi celebrado, tivesse conhecimento de tal conduta abusiva do representante.

Ora o acto jurídico em causa para o qual a Trignosfera foi mandatada, foi o de desenvolver as diligências necessárias com vista ao registo do nome do domínio “gopro.pt” pertença do ora recorrente AA. O registo foi feito junto da FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional. Como parece evidente a FCCN procedeu do modo habitual, no caso de registo de domínios, incorporando a aceitação da arbitragem pelo ARBITRARE. Não está minimamente alegado que a FCCN conhecesse ou devesse conhecer que, ao firmar tal aceitação em nome do titular do domínio, a Trignosfera estava a abusar dos poderes de representação que lhe haviam sido conferidos.

Por outro lado, a GoPro Inc declarou expressamente aceitar que o litígio fosse submetido ao Tribunal Arbitral do Arbitrare (fls. 28).

Nem é certo que a actuação da Trignosfera, subscrevendo a convenção de arbitragem pelo ARBITRARE estivesse a actuar contra as indicações ou finalidade do serviço contratado. Não existe qualquer elemento que mostre que a Trignosfera alertou o reclamante para a possibilidade de subscrever a convenção do ARBITRARE, nem do ora reclamante aceitando ou recusando tal possibilidade. Além disso, o próprio reclamante afirma “todo o processo de aquisição do domínio “gopro” (gopro.pt) em …/05/2012 foi tratado exclusivamente com a empresa “Trignosfera” e todas as comunicações e informações foram prestadas por correio electrónico”.

Sublinhe-se ainda que o serviço prestado pela Trignosfera foi o de diligenciar pela obtenção do registo do domínio “gopro”, mesmo que com o objectivo de revenda. O contrato não visava a revenda do domínio pelo reclamante à Trignosfera. Esta exerceu contratualmente a sua actividade visando diligenciar pela obtenção do registo de domínio, ou seja, visando a obtenção deste resultado, mediante um preço, o que se ajusta à definição de prestação de serviços prevista no art. 1154° do Código Civil. Porém, mesmo a considerar-se estarmos perante um mandato com representação, seria sempre aplicável o disposto no art. 269° do Código Civil, por força do art. 1178° n° 1 do mesmo diploma.

Do já várias vezes mencionado documento de fls. 191/192 emanado da DNS.PT que reproduz o teor da subscrição de arbitragem ao ARBITRARE, resulta que a aceitação da arbitragem em causa não poderia ser posterior a 09/05/2013, uma vez que as partes envolvidas em tal convenção de arbitragem foram o reclamante (ou quem por ele e em sua representação registou o domínio) e pela FCCN que seria substituída no registo e gestão de nomes de domínio pela DNS.PT exactamente nessa data de 09/05/2013.

 Sendo assim irrelevante a data em que a Trignosfera passou a inserir nas suas regras gerais, por revisão efectuada em 2016, a convenção automática de arbitragem (supõe-se que da ARBITRARE, face aos termos pouco claros do email da Trignosfera dirigido ao ilustre mandatário do reclamante a 23/06/2018). Assim e fruto da actuação da Trignosfera o ora recorrente subscreveu a convenção de arbitragem pelo ARBITRARE. A existir abuso de representação (que nem foi alegado pelo reclamante) será questão a dirimir entre recorrente e a Trignosfera, mas em nada afecta a eficácia dos autos praticados por esta em nome do representado. O documento de fls. 191/192 transcreve a declaração em que o ora recorrente (eventualmente representado pela entidade a quem incumbiu de proceder ao registo do domínio de que era titular) e a FCCN acordam em submeter os eventuais litígios emergentes do presente registo ao ARBITRARE

Cumprindo-se assim os requisitos exigidos pelo art. 2° da Lei n° 63/2011 de 14/12/2011. Concluindo-se assim ser competente o Tribunal Arbitral e improcedendo a impugnação ora suscitada por AA.”

Tudo visto, e acreditando ser despiciendo quaisquer outras considerações a este respeito, concluímos pela não ocorrência da arrogada nulidade do aresto arbitral, improcedendo, em congruência, o presente recurso.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/AA.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2020


Oliveira Abreu (Relator)

 Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto Oliveira.

 (a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)