Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4747/07.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO ANTECIPADA
INDEMNIZAÇÃO PELOS LUCROS CESSANTES
DETERMINAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, vol. II, pp. 763, 764.
- Antunes Varela e Pires de Lima, “Código Civil”, Anotado, anot. ao artigo 564.º.
- Jaime Santos Briz, La Responsabilidad Civil, 3ª ed., pp. 240, 241, 251.
- Januário Costa Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato Civil, pp. 272 a 275.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” anot., vol. II, p. 648.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. I, p. 640.
- Reglero Campos, coord., Tratado de Responsabilidad Civil, vol. I, p. 333.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 563.º, 564.º, Nº2, 566.º, N.º2, 1172.º, AL. C), EX VI 1156.º,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGO 609.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11-10-94, BMJ 440º/448, DE 27-1-93, CJSTJ, TOMO I, P. 89, 29-1-98, BMJ 473º/445, DE 28-10-10 E DE 8-11-12 (ESTES EM WWW.DGSI.PT).
Sumário :
1. A revogação unilateral de um contrato de prestação de serviços oneroso pela parte solicitante constitui-a na obrigação de indemnizar a prestadora dos serviços pelos danos provocados, abarcando tanto os danos emergentes como os lucros cessantes (art. 1172º, al. c), ex vi art. 1156º do CC).

2. Tratando-se de prestação de serviços por tempo determinado, a quantificação da indemnização por lucros cessantes deve equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existiria se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que resultou da revogação antecipada.

3. A quantificação dos lucros cessantes em função das receitas projectadas para o período contratual em falta satisfaz os requisitos da probabilidade e da previsibilidade do dano a que se reportam os arts. 563º e 564º, nº 2, do CC.

4. A falta de prova de factos necessários à quantificação da diferença patrimonial, mesmo com recurso à equidade, determina a prolação de uma sentença de condenação genérica (art. 609º, nº 2, do CPC).

5. Não tendo as partes deduzido na acção declarativa qualquer alegação em torno de eventuais despesas que a prestadora de serviços deixou de efectuar por causa da revogação antecipada do contrato, nem sendo possível afirmar a existência de uma relação causal entre a revogação antecipada e uma eventual redução dessas despesas, a indemnização por lucros cessantes corresponde ao valor das receitas projectadas para o período contratual em falta.

Decisão Texto Integral:

I - AA, BB, S.A., instaurou acção declarativa contra Hotéis CC de Portugal, S.A. (que posteriormente viu alterada a sua denominação para DD, S.A.), pedindo a sua condenação a indemnizá-la:

a) Pelos danos patrimoniais por si sofridos em resultado da remoção a que foi forçada dos equipamentos por si instalados no Hotel CC, bem como do impedimento que lhe foi imposto pela R. de executar as prestações que lhe competiam no âmbito do acordo, no período compreendido entre Julho e Setembro de 2006, durante o período de obras no local, os quais liquida em € 60.923,70;

b) Pelos danos patrimoniais por si sofridos nos meses entre Dezembro de 2007 e a data de entrada em juízo da presente petição inicial, em resultado do incumprimento definitivo pela R. do acordo e seus aditamentos e que impossibilitou a A. de prestar os serviços acordados, os quais liquida em € 138.525,55;

c) Pelos danos patrimoniais que vier a sofrer em consequência da conduta contratual da R., desde a data de entrada em juízo da presente petição inicial até à data do termo inicial do contrato em causa e respectivos aditamentos – 12-2-08 -, os quais liquida em € 54.935,94;

d) Pelos danos não patrimoniais por si sofridos em resultado dos ilícitos e dolosos comportamentos da R., a qual deverá ser fixada, atenta a respectiva gravidade, no montante de € 20.000,00;

Deve ainda a R. ser condenada a pagar-lhe:

e) O montante de € 20.000,00 correspondente à penalização consagrada na condição 7.2 do acordo, por ter violado o estipulado na condição 7.1;

f) Juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, sobre todas as referidas importâncias.

Alegou a A. que celebrou com a R. um Acordo de Parceria Local, com a duração de 3 anos, cujo prazo inicial terminaria em 12-2-08, no âmbito do qual se comprometeu a prestar à R. serviços de acesso à Internet em benefício das pessoas que frequentassem o Hotel CC, a troco de uma remuneração que seria paga pelos utilizadores.

A R. incumpriu o contrato celebrado, ao impedir, desde 1-7-06, que a A. lhe prestasse os serviços contratados, privando a A. de fazê-lo em exclusivo, como haviam combinado.

A R. impugnou a pretensão da A.

Foi apresentada réplica e, depois de proferido o despacho saneador, foi realizado o julgamento e proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a acção e condenar a R. no pagamento, a título de indemnização, do montante de € 30.000,00 e juros, absolvendo a R. dos demais pedidos.

A A. recorreu e a R. recorreu subordinadamente, tendo a Relação julgado improcedente a apelação da A. e parcialmente procedente a apelação da R. que saiu condenada apenas no pagamento das quantias de € 1.260,00 e de € 6.000,00, com juros de mora.

Foi interposto recurso de revista pela A. em que fundamentalmente se insurge contra a decisão de julgar improcedente o pedido de indemnização por perda de receitas (lucros cessantes), alegando que o seu prejuízo corresponde ao valor das receitas projectadas. De qualquer modo, sempre se justificaria a condenação da R. em quantia ilíquida.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II - Factos provados:

1 - A A., anteriormente denominada BB, S.A., tem por objecto o "desenvolvimento, produção, comércio, exploração, oferta, instalação e manutenção em locais públicos e privados (tais como hotéis, estações de comboio, aeroportos e centros de conferências) de acessos à Internet, através de rede fixa ou sem fios, bem como a venda de subscrição dos referidos acessos à Internet a pessoas singulares e colectivas, quer em nome próprio, quer em representação e/ ou como agente de terceiros", conf. certidão de fls. 29 a 32.

2 - A R., no exercício das suas actividades, explora o estabelecimento hoteleiro denominado "Hotel CC", sito em Lisboa na R. … (adiante abreviadamente designado "Hotel CC").

3 - O Hotel CC é um estabelecimento localizado no centro da cidade de Lisboa, com cerca de 370 quartos e várias salas de eventos e de conferências, no qual a R. presta aos seus clientes, hóspedes ou não hóspedes do Hotel, os mais variados serviços.

4 - Sendo um estabelecimento hoteleiro de primeira ordem - é classificado Hotel de 5 estrelas - o Hotel CC está integrado numa cadeia internacional de hotéis de grande prestígio - a Starwood.

5 - A A. e a R. encetaram negociações tendo em vista a concretização de uma parceria comercial destinada à prestação de serviços de acesso à Internet às pessoas que frequentassem o Hotel CC, designadamente hóspedes e clientes da R.

6 - A prestação desses mesmos serviços num estabelecimento hoteleiro com a dimensão e o prestígio do CC e com elevado potencial de tráfego de utilizadores revestia o maior interesse para a A., não só pelos proventos que deles poderia directamente retirar, como pela divulgação que deles seria feita pela R. e consequente promoção da imagem dos mesmos e dela própria A.

7 - As referidas negociações culminaram na celebração e assinatura entre a A. e R., em 14-6-04, de um contrato que as partes denominaram de "Acordo de Parceria Local" (adiante abreviadamente designado por Acordo), que foi objecto de dois aditamentos, datados de 10-9-04 e de 13-12-04 (adiante abreviadamente designados por, respectivamente, 1.0 Aditamento e 2° Aditamento), conf. docs. de fls. 34 a 43, 45-46 e 48 a 50.

8 - O objecto do Acordo é constituído pela prestação de um conjunto de serviços, entre os quais o "Serviço Swisscom Eurospot", aos frequentadores do Hotel CC (doravante designados "Utilizadores Finais").

9 - O Serviço Swisscom Eurospot, tal como definido no Acordo e Aditamentos celebrados entre a A. e a R., consiste, essencialmente, num serviço de "… acesso à Internet de rede local sem fio e várias configurações de rede com fio, incluindo acesso de banda larga à Internet através de LAN com fios, a partir de uma ou várias estações de trabalho fixas, para locais de elevado tráfego, tais como hotéis, aeroportos e centros de conferencias ( ... )". (cláus. 1. do Acordo, na redacção dada na cláus. 2.1 do 2° Aditamento).

10 - Sendo o mesmo disponibilizado aos Utilizadores Finais em diversas áreas do Hotel CC, nomeadamente, Lobby, Hall, Salas de conferência/reunião e quartos de hóspedes (cláus. 2.1 do Acordo).

11 - Nos termos do Acordo, a A., para além do mais, obrigou-se a providenciar, instalar e operar a infra-estrutura necessária ao acesso ao Serviço Swisscom Eurospot, a prestar serviços de manutenção, upgrade e expansão da referida infra­-estrutura e do Serviço Swisscom Eurospot e a formar o pessoal da R. (cláus. 2., 3. e 4. do Acordo).

12 - Por seu lado, a R., para além do mais ali previsto, obrigou-se a disponibilizar no Hotel CC o Serviço Swisscom Eurospot às pessoas que o frequentam - hóspedes, clientes ou, em geral, todos os potenciais Utilizadores Finais, exibindo de forma visível o POS (ponto de venda) em todos os espaços onde o Serviço Swisscom Eurospot seria disponibilizado; a comunicar a existência do Serviço a todos os potenciais Utilizadores Finais e a forma como seria disponibilizado através da entrega de um folheto no momento do check-in e de um pacote informativo dado a todos os participantes de uma conferência ou meio de comunicação similar e a incluir o Serviço Swisscom Eurospot em qualquer lista de facilidades e serviços (incluindo websites e canais de boas vindas, se aplicável) (cfr. cláus. l., na redacção dada na cláus. 2.1 do 2.° Aditamento e 5.2 do Acordo).

13 - Outrossim, a R. conferiu à A. "seus parceiros de roaming e revendedores do Serviço Swisscom Eurospot, os direitos mundiais de utilização do logo, nome e, se necessário, marcas registadas utilizadas pelo Parceiro Local ou o respectivo local e aquelas pelas quais o Local é conhecido para o seu próprio marketing durante a vigência do acordo" (cláus. 5.4 do Acordo).

14 - Mais se acordou na cláusula 7. do Acordo sob a epígrafe “Exclusividade" que:

"7.l. Durante a vigência deste Acordo, o Parceiro Local não deve instalar ou autorizar a instalação no Local de outra infra-estrutura com ou sem fios para acesso à Internet com uma velocidade de tráfego IP superior a 128 kbits, ou uma infra-estrutura que usa frequências de 2,4 Ghz, 5,15 Ghz e 5,4/5,7 Ghz para a transmissão de dados.

A Swisscom Eurospot deve ter o direito exclusivo de aceder a todo o espectro, estando sem licença ou com licença ou abrangida no Local pela própria licença. Sem prejuízo do anteriormente estabelecido, o Parceiro Local pode instalar uma infra-estrutura a ser usada internamente pelos seus próprios funcionários ou para os seus próprios fins operacionais internos (tais como serviços de check-in rápido em hotéis) ou para ser usada como uma infra-estrutura que é acessível apenas em áreas públicas (por exemplo, centros de negócio em hotéis), desde que a infra-estrutura do Parceiro Local esteja operacional momento de assinatura deste Acordo e não seja acessível a um Utilizador Final no seu próprio computador pessoal ou PDA (ou outro dispositivo). (na redacção dada na cláus. 2.2 do 2° Aditamento).

7.2. No caso de violação da cláusula 7.1, o Parceiro Local deve pagar por cada violação individual uma penalização contratual de EUR 20.000. Os direitos da Swisscom Eurospot em contestar outros pedidos de indemnização permanecem inalterados, nos termos da cláusula 10."

15 - Ficou ainda acordado que a utilização pelos Utilizadores Finais do Serviço Swisscom Eurospot seria sujeita a uma tarifa, fixada em exclusivo pela A., a pagar por aqueles nomeadamente através de cartões de acesso de plástico da Swisscom ("p-vouchers"), compra on-line com cartão de crédito ("e-vouchers"), factura de telemóvel, revendedor terceiro, ou outros métodos de pagamento autorizados pela A. (cláus. 6.1 do Acordo).

16 - A R., por sua vez, receberia uma "Comissão de Vendas" relativamente a todas as vendas no Hotel CC, calculada com base no preço de retalho líquido (preço de venda ao Utilizador Final líquidos de quaisquer impostos, taxas, descontos e comissões) e fixada em 20% para acesso p-voucher e 15% para acesso e-voucher (cláus. 6.2 do Acordo).

17 - Ficou igualmente estabelecido que:

"O Acordo entra em vigor após a assinatura do mesmo pelas partes e tem um termo inicial de 36 meses, contado desde a data de lançamento do local descrito no Acordo de Parceria Local, prorrogando-se automática e sucessivamente por períodos de um ano, excepto se for denunciado por qualquer das Partes mediante comunicação escrita enviada para a outra parte com a antecedência mínima de 6 meses em relação ao termo do prazo inicial ou período renovatório" (cláus. 9.1 do Acordo, na redacção dada na cláus. 2.3 do 2° Aditamento).

18 - Foi também acordado que:

"A infra-estrutura será considerada oficialmente operacional a partir do momento em que o Swisscom Eurospot Service estiver em funcionamento e comercialmente disponível, o que ocorre, em condições normais, na data em que os funcionários do Parceiro Local recebam a formação, nos termos da cláusula 4.1 do presente Acordo ("Data de Lançamento").

De qualquer modo, a data de lançamento deverá ocorrer, no máximo, até 6 meses após a última assinatura do presente Acordo, a qual deverá ser objecto de prévia notificação ao Parceiro Local." (cláus. 2.4 do Acordo).

19 - A A. não procedeu à notificação da R. nos termos previstos na 2ª parte da cláusula 2.4 do Acordo, mas até à apresentação da contestação, nunca a R. havia invocado essa falta da notificação (68°).

20 - Foi conferido à R. o "direito de revogar unilateralmente o presente Acordo, em cada 6 meses que decorram sobre a data da sua assinatura, desde que tenha contratado serviço idêntico ao Swisscom Eurospot Service à T-Mobile e o comunique por escrito à Swisscom Eurospot que pretende revogar o contrato, com 30 dias de antecedência em relação à data de produção de efeitos da revogação" (cláus. 9.6 do Acordo, na redacção dada na cláus. 2.5 do 2° Aditamento).

21 - Tendo a A., após a cessação do Acordo, a opção de contrapor oferta a quaisquer termos oferecidos por um fornecedor de serviços que prestassem serviços substancialmente idênticos ou concorrentes com o serviço da A. no Local (cláus. 9.2 do Acordo).

22 - Nos termos da cláusula 10. do Acordo sob a epígrafe "Responsabilidade":

"10.1. Salvo disposição expressa em contrário no Acordo, ou em lei imperativa, cada uma das Partes é responsável perante a outra apenas no caso de incumprimento (a) de dever contratual substancial de forma que ameace a manutenção do acordo (b) resultante de conduta culposa intencional e/ou negligência grosseira.

10.2. A responsabilidade de cada uma das Partes fica limitada a danos directos e exclui a perdas de receitas; perda de lucros reais ou previstos (incluindo a perda de lucros em contratos); perda de negócios; perda de oportunidades; perda de goodwill; perda de reputação; perda, dano ou corrupção de dados; ou perdas ou danos indirectos qualquer que seja a sua origem.

10.3. Não obstante a inexequibilidade ou invalidade de qualquer outra disposição do Acordo, salvo limitada por Lei, a responsabilidade anual agregada de cada uma das Partes decorrentes do Acordo fica limitada, a EUR 30.000 em relação a qualquer evento único ou série de eventos correlacionados.

Exclui-se da limitação prevista na primeira parte desta cláusula a aplicação das penalidades prevista na 1ª parte da cláusula 7.2."

23 - Foi ainda acordado que:

"A infra-estrutura e todo o equipamento auxiliar são e continuarão a ser equipamento da Swisscom Eurospot. Após a cessação do Acordo, a Swisscom Eurospot deve remover o equipamento suportando os respectivos encargos, incluindo os resultantes de danificações causadas no Local com a respectiva instalação/ retirada, salvo se a manutenção do equipamento no Local não afectar adversamente o Parceiro Local, caso em que a Swisscom Eurospot poderá optar por não remover o equipamento” (cláus. 2.5 do Acordo).

24 - Em 12-2-05, estando a infra-estrutura pronta ao serviço, os funcionários da R. receberam a formação dada pela A. (1º)

25 - Com a venda do capital social da CC International à R., esta assumiu o compromisso de realizar obras de remodelação profundas no imóvel, com vista a dotar o Hotel com os requisitos exigidos pela cadeia de Hotéis Starwood. (22° e 23°)

26 - Uma das melhorias exigidas pela Starwood foi a dotar o Hotel de equipamento de acesso à Internet em todos os quartos, nas áreas comuns e salas de conferências, que possibilitasse um acesso veloz aos utilizadores (24° e 25°)

27 - O facto de ter uma rede interna veloz é ainda mais relevante nas salas de conferência, já que as empresas que alugam esses espaços colocam esse requisito como sendo primordial na escolha do Hotel onde irão realizar as suas reuniões (26°)

28 - Pelo menos no início da execução do Acordo, a A. dotou o hotel com uma rede cuja capacidade era de 512 Kb. A A. instalou inicialmente no Hotel uma rede com a capacidade de 512 Kb. (27°)

29 - A capacidade de largura de banda de 512 Kbps instalada no início da execução do acordo correspondia ao standard de serviço, que era prestado no sector onde operava a A., por empresas similares (58°).

30 - Ainda assim, o sistema foi objecto, em 29-9-05, de um up grade para uma capacidade de largura de banda de 2048 Kpbs (60°).

31 - Entre 20-9-05 e 5-10-05 foi efectuado novo up grade para 4 Mbs, por força da realização de conferências no Hotel e a solicitação da R. (61°).

32 - No dia 6-10-05 a largura de banda voltou aos anteriores 2048 Kpbs e assim permaneceu até Dezembro de 2006 (62°).

33 - Havia queixas de clientes do Hotel de que o serviço de Internet disponibilizado era lento e também surgiam queixas por parte dos clientes porque nem sequer se conseguiam conectar. (28º e 30°).

34 - Estes problemas com a Internet eram diários (31 °).

35 - A A. disponibilizava um "Call Center", designado por "Helpdesk", para a resolução de dificuldades de acesso à Internet, cujo horário de funcionamento era das 8h às 23h. (36°).

36 - Os clientes reclamavam junto dos funcionários da R., que se viam na obrigação de, eles próprios, tentarem solucionar as deficiências, em defesa do bom nome do Hotel (37°).

37 - Os clientes quando tinham reclamações a fazer acerca do acesso à Internet era sempre à R. que dirigiam as suas queixas (55°).

38 - A maior parte das vezes, os próprios funcionários da R. não alcançavam a eliminação dos problemas, ficando os clientes sem possibilidade de aceder ao Serviço de Internet (38°).

39 - Nas salas de conferências, era por vezes necessário efectuar configurações de acesso para grupos que tinham de ser solicitadas à A. (39° e 40°).

40 - As configurações de acesso para grupos compostos por um número específico de utilizadores em salas de conferências, eram solicitadas para cada caso específico pela R. à A., não se englobando no Serviço Eurospot de forma automática (67°).

41 - A maioria dos Call Center actualmente existentes funciona em países estrangeiros, nomeadamente na Índia, e por acesso remoto das 8h às 23h (65°).

42 - Durante o período em que a A. prestou serviços à R., 90% dos acessos foram feitos sem que tivessem ocorrido chamadas para o Helpdesk (Call Center) ou tivessem sido efectuadas quaisquer reclamações (66°).

43 - O serviço de Internet era amplamente divulgado pela R. como uma mais-valia para os clientes alugarem as respectivas salas. (41°).

44 - Em reunião realizada entre representantes da A. e da R., em 15-5-06, os representantes desta comunicaram aos representantes da A. que, em virtude de obras de remodelação que iriam ocorrer no Hotel CC, seria necessário remover o equipamento instalado e que a R. pretendia cancelar o Acordo, com efeitos a partir de 30-6-06.

45 - E, através de carta datada do mesmo dia (15-5-06), a R. comunicou à A, que iria "(…) proceder ao cancelamento do Contrato com a Swisscom a partir de 1-7-06, em virtude do hotel ir encerrar para obras de remodelação, de 30-6 até ao final do ano."

46 - Ficou acordado que "(…) a Swisscom deverá proceder ao levantamento de todo equipamento por ela instalado, tendo-nos sido transmitido pelo Sr. EE que nos bastará informar a Swisscom sobre a data e a hora mais conveniente, e ele fará deslocar uma equipa ao hotel para tal efeito.", conf. doc. de fls. 51.

47 - Por carta datada de 30-5-06, a A. comunicou à R. que "(...) nosso contrato terá término no dia 12-2-08, data em que o Serviço Swisscom Eurospot será oficialmente desligado.

Também gostaria de saber como será resolvida a situação dos 6 meses de perda de receita devido ao Hotel ter decidido fechar por esse tempo.

A nossa sugestão é a de estender o acordo por 6 meses adicionais no final do acordo inicial, ou seja até ao dia 12-8-08 (...)”, conf. doc. de fls. 32.

48 - Mediante a análise dos projectos de obra, o Director do Hotel constatou que o equipamento que a A. havia instalado teria de ser retirado por forma a não ser danificado com a realização das obras.

49 - Nesse sentido, a A. foi contactada pela R. para proceder à remoção do seu equipamento, ao que esta acedeu, tendo retirado o equipamento do Hotel em princípio de Julho de 2006.

50 - A R. procedeu ao encerramento do Hotel CC ao público no princípio de Julho de 2006 e durante 6 meses, período em que procedeu a obras de remodelação.

51 - A A. efectuou diversas tentativas de contacto com a R., entre os meses de Julho e Novembro de 2006, telefonicamente e por e-mail, com vista a agendar uma reunião para que fosse permitido à A. reinstalar as infra-estruturas necessárias ao restabelecimento do Serviço Swisscom Eurospot. (2°)

52 - Por carta datada de 4-12-06, a A. comunicou à R. que:

"... serve a presente para reiterar o interesse no agendamento de uma reunião no sentido de conversarmos acerca dos vários itens atinentes ao assunto em epígrafe.

Propomos para o efeito a data de 11-1-07 às 10.00 horas nas vossas instalações do CC Lisboa.

Abaixo apresentamos os assuntos que gostaríamos de abordar na reunião, os quais solicitamos que fossem previamente alvo da análise de V. Exª, designadamente:

Termos contratuais e respectiva validade do acordo existente entre a Swisscom e o Hotel CC, a saber, 3 anos a partir da conclusão da instalação, a qual teve lugar no dia 14-2-05, sendo que consequentemente o contrato cessará em 14-2-08 (. . .)', conf. doc. de fls. 53.

53 - A R. respondeu, por carta datada de 11-12-06, comunicando à A. que ''(... ) consideramos que o contrato anteriormente celebrado com V. Exªs, prima por um absoluto desequilíbrio contratual a vosso favor, sendo que, ao que apuramos, existem cláusulas cuja redacção final não correspondem ao que foi combinado.( ... )

De qualquer modo, o desequilíbrio no contrato é uma magnitude tal que não pode deixar de se considerar violador do princípio do equilíbrio contratual, o que acarretará insuperavelmente a nulidade do mesmo." conf. doc. de fls. 54.

54 - Por carta datada de 3-1-07, a A. comunicou à R. que

"O contrato mantém-se, pois, válido, não obstante não podermos prestar os nossos serviços devido a causas relativas a V. Exªs, pelo que se encontram V. Exªs em incumprimento contratual. ( ...)

Tendo em conta o exposto e designadamente o incumprimento verificado desde o final de Junho de 2006, vimos interpelar V. Exªs para a necessidade de acordarmos os termos da regularização dessa situação (…)", conf. doc. de fls. 55- 56.

55 - Em Fevereiro, Maio e Junho de 2007 realizaram-se algumas reuniões entre representantes da A. e da R.

56 - Nas reuniões mantidas entre a A. e a R., em Fevereiro, Maio e Junho de 2007, a R. sugeriu a concessão da manutenção dos acessos de Internet das salas públicas, por um prazo a acordar, mediante a utilização dos espaços da R. (48°).

57 - Em reunião havida em Fevereiro de 2007, a R. persistiu em impedir que a A. continuasse a prestar os serviços previstos no acordo, alegando que a parceria comercial não conferia qualquer valor acrescentado à actividade da R. e que, para além disso, não se justificava a contratação de terceiros para fornecer serviços que podiam ser prestados pela própria R., reconhecendo a R. que não era adequada a cessação súbita e unilateral do Acordo, a A. predispôs-se a apresentar à R. proposta para novos serviços, no âmbito do "Serviço Swisscom Eurospot". (3º a 5°)

58 - Nessa sequência, a A. apresentou à R. novos serviços que poderiam ser incluídos no Acordo, com vista a satisfazer as necessidades mais alargadas da R., no âmbito da disponibilização de acesso à internet aos seus clientes e hóspedes do Hotel CC. (6°)

59 - Para tanto, a A. mobilizou os seus funcionários e fez apresentações. (7°)

60 - Depois da reunião de Fevereiro de 2007, a A. fez uma demonstração em "Powerpoint" de um produto que até à data não fornecia, nomeadamente IPTV (televisão por Internet) e jornais on line, serviços que pretendia prestar à R. (50°).

61 - A R. recusou esses novos serviços e manifestou mais uma vez à A. que não era sua intenção continuar a execução do Acordo e que os serviços objecto do Acordo poderiam ser realizados pela própria R., facto este que veio a suceder, já que serviços equivalentes ao Serviço Swisscom Eurospot se encontram a ser disponibilizados pela própria R. aos seus clientes e hóspedes do Hotel CC, desde o termo das obras de remodelação. (8º, 9° e 51º)

62 - Com a remoção dos equipamentos instalados no Hotel CC para a prestação do Serviço Swisscom Eurospot, a A. despendeu a quantia de € 1.260,00. (10°)

63 - Entre Julho de 2004 e Junho de 2006 a A. vendeu os serviços que prestou aos utilizadores finais, vendas essas que foram aumentando desde a data do início da prestação dos mesmos (63°).

64 - E a R. facturou as comissões acordadas com a A., nos termos do Acordo, pelos e-vouchers e p-vouchers vendidos aos utilizadores do serviço no Hotel (64°).

65 - No período de Julho a Dezembro de 2006, a A. deixou de auferir € 48.694,27, correspondente ao somatório das seguintes receitas projectadas:

Julho € 7.992,92

Agosto € 8.042,04

Setembro € 8.091,15

Outubro € 8.140,27

Novembro € 8.189,39

Dezembro € 8.238,50. (11°)

66 - No período de Janeiro a Outubro de 2007, a A. deixou de auferir € 102.693,20, correspondente ao somatório das seguintes receitas projectadas:

Janeiro € 8.287,62

Fevereiro € 8.336,74

Março € 8.385,86

Abril € 8.434,97

Maio € 8.484,09

Junho € 8.533,21

Julho € 8.582,33

Agosto € 8.631,44

Setembro € 8.680,56

Outubro € 8.729,68

Novembro € 8.778,79

Dezembro € 8.827,91. (12°)

67 - No período de Janeiro e Fevereiro de 2008, a A. deixou de auferir € 17.803,18, correspondente ao somatório das seguintes receitas projectadas:

Janeiro € 8.777,03

Fevereiro € 8.926,15. (13°)

68 - Os valores referidos em 65., 66. e 67. têm em conta os valores de facturação do serviço aos clientes (sem IVA), deduzido de comissões, e foram determinados com base na série histórica constituída pelos valores das receitas mensais da A., de Janeiro de 2005 a Julho de 2006, que permitiu determinar uma recta de regressão linear para aquele período e a partir daquela recta de regressão foram estimados os valores para períodos futuros, no intervalo temporal de Julho de 2006 a Fevereiro de 2008. (14° a 16°)

69 - A celebração do Acordo de Parceria Local entre a A. e a R. para a prestação do Serviço Swisscom Eurospot no Hotel CC foi divulgada pela R. junto de empresas do meio hoteleiro mundial, o que consta do ponto 5 do Acordo mencionado em G). (17º e 18°)

70 - A cessação do Serviço Swisscom Eurospot no Hotel CC foi constatada e comentada no seio, quer das empresas dos ramos em que a A. e a R. exercem actividade, quer dos parceiros e revendedores da A. (19°)


III - Decidindo:


1. Não se discute nesta revista a legitimidade de a A. reclamar da R. uma indemnização pelos danos decorrentes da intempestiva revogação do contrato, a qual encontra sustentação no art. 1172º, nº 1, al. c), 1ª parte, por remissão do art. 1156º do CC.

Tendo ambas celebrado um contrato de prestação de serviços de natureza onerosa e por tempo determinado, a sua revogação unilateral pela R. constituiu-a na obrigação de reparar o prejuízo causado à A.

A par dos danos emergentes, tal indemnização abarca a compensação pelos lucros cessantes, isto é, pelos proveitos que a A. poderia extrair da execução do contrato se este tivesse sido integralmente cumprido (cfr. Januário Costa Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato Civil, págs. 272 a 275).

Tal indemnização constitui o mecanismo legal que, tanto quanto possível, permite reconstituir a situação patrimonial que existiria se acaso o contrato tivesse perdurado até ao limite do prazo acordado, através da atribuição do valor correspondente à diferença entre a situação em que o credor ficou e aquela em que virtualmente estaria se o contrato não tivesse sido intempestivamente revogado.

A 1ª instância limitou a indemnização global ao quantitativo de € 30.000,00, por aplicação de uma cláusula contratual limitativa da responsabilidade.

Já a Relação, embora tenha declarado a nulidade dessa cláusula, acabou por reconhecer à A. apenas o direito a haver da R. a quantia de € 1.260,00, a título de danos emergentes, e de € 6.000,00, por danos não patrimoniais. Relativamente ao segmento indemnizatório correspondente aos lucros cessantes (receitas perdidas), sem negar a existência do correspondente direito da A., a Relação julgou a acção improcedente com fundamento na falta de demonstração das despesas que a prestação de serviços envolveria.

Para o efeito, asseverou-se no acórdão recorrido que:

“… a perda de uma receita não equivale, por si só, a um qualquer prejuízo; este só existiria se o valor dessa mesma receita for superior ao da despesa que seria necessária suportar para a gerar. E a sua medida seria a diferença verificada entre a receita auferida e as despesas feitas.

Sendo notório que o fornecimento de serviço de Internet, nos moldes convencionados, implica a realização de gastos – para além das comissões pagas pela A. à R. e devidamente consideradas – não estando estes apurados, não pode de modo algum concluir-se que as receitas aludidas em AV), AU) e AX) e não auferidas pela A. representem para esta um qualquer prejuízo efectivo.

E sem verificação desse pressuposto necessário, inexiste obrigação de indemnizar, pelo que a acção deve improceder no tocante ao pedido de indemnização pelas receitas líquidas que a A. alegadamente deixou de auferir na sequência do incumprimento contratual da R.”.

Opondo-se a um tal resultado, a A. alega que, estando apuradas as receitas que a execução do contrato geraria, a indemnização por lucros cessantes deve corresponder ao valor das receitas projectadas para o período contratual em falta. E para a eventualidade de não ser acolhida esta solução, entende que se justificaria uma sentença de condenação ilíquida, o que permitiria a posterior liquidação do prejuízo efectivo.

2. Vejamos:

A A. formulou o pedido de indemnização respeitante aos ganhos que deixou de auferir a partir da enunciação dos valores das “receitas líquidas”, já deduzidas das comissões devidas à R.

Tratando-se de receitas respeitante a um período contratual que não foi efectivamente executado pela A. (tendo em conta a revogação unilateral da R.), os valores indicados traduziam projecções sustentadas no histórico das receitas anteriores, tendo em conta a sua previsível evolução (arts. 93º e segs. da petição).

Sobre tal matéria a A. nada mais alegou, assumindo como prejuízo efectivo o valor de tais receitas.

Tal matéria foi impugnada pela R. Mas, analisada a contestação, verifica-se que, relativamente a cada uma das três parcelas (referentes a uma parte de 2006, ao ano de 2007 e a uma parte de 2008), a R. praticamente se limitou a alegar que a primeira quantia era “desproporcionada” e que “carece de fundamento” e que as duas restantes não tinham “o mínimo de fundamento”.

Em nenhum segmento da contestação a R. negou que algum prejuízo de natureza patrimonial relativo a lucros cessantes teria decorrido da actuação da A. Tão pouco invocou o argumento, que a Relação veio a utilizar, de que, pelo facto de existirem despesas associadas à execução do contrato, não era permitido afirmar a existência de prejuízos a título de lucros cessantes.

A matéria controvertida relacionada com as receitas líquidas foi inscrita na base instrutória.

Depois da realização de duas perícias e da audiência de julgamento, a matéria de facto provada reflectiu-se na fixação de valores a título de “receitas projectadas” (já abatidas da comissão que caberia à R.) relativas ao período em que o contrato ainda vigoraria.

Efectivamente, contra os valores das “receitas líquidas” que haviam sido alegados pela A., apurou-se que:

- No período de Julho a Dezembro de 2006, a A. deixou de auferir € 48.694,27, correspondente ao somatório das receitas projectadas para esse período;

- No período de Janeiro a Outubro de 2007, a A. deixou de auferir € 102.693,20, correspondente ao somatório das receitas projectadas para esse período;

- E no período de Janeiro e Fevereiro de 2008 (data em que cessaria o prazo previsto no contrato), a A. deixou de auferir € 17.803,18, correspondente ao somatório das receitas projectadas para esse período.

Provou-se ainda que:

- Os referidos valores têm em conta os valores de facturação do serviço aos clientes (sem IVA), deduzidos de comissões;

- Foram determinados com base na série histórica constituída pelos valores das receitas mensais da A., de Janeiro de 2005 a Julho de 2006, que permitiu determinar uma recta de regressão linear para aquele período

- A partir daquela recta de regressão foram estimados os valores para períodos futuros, no intervalo temporal de Julho de 2006 a Fevereiro de 2008.

3. Como se constata, a matéria de facto provada não corresponde ipsis verbis à que estava inscrita na base instrutória, sendo a diferença essencial detectada no binómio “receitas líquidas”/“receitas projectadas”.

Sendo controvertido que a A. tivesse deixado de receber determinadas “receitas líquidas”, as instâncias, sustentadas em relatórios periciais, tendo essencialmente por base o histórico das receitas referentes aos meses em que o contrato vigorou, assumiram determinados valores de “receitas projectadas”.

A Relação, depois de observar que era notório que a obtenção de receitas determina necessariamente a realização de despesas e que no caso concreto apenas se apurou um determinado volume de “receitas projectadas”, sem qualquer alusão às correspondentes despesas, concluiu pela inverificação de um dos pressupostos da responsabilidade: o dano.

Discordamos desta solução. O facto de não terem sido provadas – porque nem sequer foram alegadas por qualquer das partes - as eventuais despesas que a A. haveria de realizar no período a que respeitam as projectadas receitas não deve levar à improcedência da sua pretensão.

Dir-se-á, desde já, que se acaso não fosse viável outra solução, como a que será ditada mais adiante, sempre ficaria a possibilidade de se optar por uma sentença de condenação genérica, susceptível de levar à posterior quantificação das despesas directa e causalmente associadas à verificação das receitas.

Na verdade, para situações semelhantes tem sido insistentemente decidido neste Supremo que o facto de o A. ter optado pela dedução de um pedido específico não impede o tribunal de proferir uma sentença de condenação genérica. Ponto é que a matéria de facto apurada anteriormente permita afirmar a existência de um dano (ou de um crédito) ainda não quantificado.

Desde que se prove a existência (qualitativa) de danos, sem que os autos permitam a sua imediata quantificação, com ou sem recurso à equidade (quando esta seja admissível), a acção declarativa deve terminar com uma sentença de condenação ilíquida.

Assim se decidiu, por exemplo, nos Acs. do STJ, de 11-10-94, BMJ 440º/448, de 27-1-93, CJSTJ, tomo I, pág. 89, 29-1-98, BMJ 473º/445, de 28-10-10 e de 8-11-12 (estes em www.dgsi.pt). Solução também assumida por Lebre de Freitas, CPC anot., vol. II, pág. 648, com menção de diversa doutrina e jurisprudência no mesmo sentido.

É esta a resposta que frequentemente tem sido dada no campo da responsabilidade extracontratual, designadamente quando estão em causa perdas patrimoniais, como os salários que deixaram de ser auferidos ou que seriam auferidos no futuro, ou as despesas que foram o terão de ser feitas com tratamentos médicos ou medicamentosos. Resposta extensiva à responsabilidade contratual, quando, por exemplo, estando apurada a existência de um crédito, não sejam recolhidos todos os elementos necessários à sua exacta quantificação (art. 609º, nº 2, do CPC).

4. No caso concreto, porém, outra solução se justifica, a qual se traduz na fixação imediata da indemnização pelas perdas patrimoniais correspondentes ao período contratual que ficou prejudicado pela actuação unilateral da R.

Como se disse anteriormente, o direito de indemnização pelos danos emergentes encontra sustentação no art. 1172º, nº 1, al. c), 1ª parte, por via remissiva do art. 1156º, ambos do CC.

Recaindo sobre a A. o ónus da prova dos factos relevantes para a fixação do montante da indemnização devida pela antecipada revogação do contrato de prestação de serviços, a matéria de facto apurada – e apenas esta nos interessa – reflecte com a necessária segurança a repercussão patrimonial negativa que a opção da R. teve na esfera jurídica da A.

Para além de no cômputo da indemnização – seja contratual seja extracontratual – não poder ser desconsiderado o tipo de defesa empregue pelo demandado, designadamente a inércia revelada quanto à invocação de eventuais factos susceptíveis de determinar uma redução da indemnização (como os que respeitam à compensatio lucro cum damno ou aos que serviriam para integrar o critério da diferença assumido expressamente no art. 566º, nº 2, do CC), a matéria de facto apurada revela-se suficiente para a quantificação da indemnização ainda que por critérios aproximativos.

A diferença entre as “receitas líquidas” controvertidas e as “receitas projectadas” apuradas relativas a cada um dos períodos referenciados na petição inicial não comporta os efeitos que Relação lhe atribuiu. Afinal, como ocorre na maior parte das acções em que é invocada a existência de lucros cessantes reportados a um lapso de tempo posterior à ocorrência do evento que despoletou o direito de indemnização, nem sempre é possível apurar com exacto rigor o respectivo quantitativo, tarefa naturalmente inviável quando a quantificação dependa de factos cuja ocorrência ou configuração não possa ser totalmente antecipada, por se reportar a eventos futuros e de dimensão indeterminada.

Por isso mesmo, segundo o art. 564º, nº 2, do CC, basta a probabilidade da existência desses danos (art. 563º), característica que se reporta não apenas à ocorrência dos danos, como à sua amplitude.

Como refere Paulo Mota Pinto, “a própria determinação da extensão do dano a indemnizar é ainda um resultado da causalidade, tendo que se aplicar o critério da causalidade (ou imputação) adoptado para determinar essa extensão” (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. I, pág. 640). Também Antunes Varela e Pires de Lima referem que “o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade (CC anot. – art. 564º).

Este regime legal é, aliás, comum a vários países, reflectindo-se igualmente no direito espanhol relativamente ao qual Jaime Santos Briz refere que o lucro cessante “se apoya em la presunción de cómo se habríam sucedido los acontecimentos em caso de no haber tenido lugar em acontecimiento danoso”, posto que Este pronóstico ulterior nos há de llevar a concretar um interés cierto del prejudicado, ya que no pueden protegerse intereses inseguros o inciertos, pero cuidando de no exigir una certeza absouta incompatible com el concepto de «ganancia frustrada»” (ob. cit., pág. 251).

No mesmo sentido cfr. o Tratado de Responsabilidad Civil, vol. I, Coord. de Reglero Campos, que realça o grau de incerteza que preside à quantificação do lucro cessante e a necessidade de nos orientarmos por critérios de probabilidade objectiva.(pág. 333).

Sem esgotar de modo algum o tema, julgamos apropriado mencionar a posição do jurista brasileiro Aguiar Dias quando refere que “o lucro cessante se liga a elementos flutuantes, em face da incerteza que sempre domina a quem opere com danos imaginários, de modo que com segurança apenas se podem considerar os resultados que determinariam os lucros” (Da Responsabilidade Civil, vol. II, pág. 763). Acrescenta ainda que para os lucros cessantes 2ª mera possibilidade não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério acertado está em condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objectiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados com as circunstâncias peculiares ao caso concreto” (pág. 764).

6. A atribuição de uma indemnização deve pautar-se pelo critério da diferença entre a situação existente e aquela que existiria se não houvesse responsabilidade civil. Nessa medida, em abstracto, não seria destituída de interesse a alegação e demonstração de que a antecipada revogação do contrato libertou a A. da realização de determinadas despesas cujo cômputo deveria ser correspondentemente deduzido.

Porém, no caso concreto, nenhuma das partes alegou qualquer facto com relevo para a quantificação dessas eventuais despesas que apenas relevariam se e na medida em que estivessem causalmente ligadas à execução do contrato de que a R. intempestivamente se desvinculou.

A Relação, a partir das regras da experiência ou da assunção da notoriedade de tais despesas, concluiu pela sua existência, inferindo-se do excurso respectivo que o ónus de prova da sua dimensão recairia exclusivamente sobre a A. Afirmação que serviu para sustentar a total improcedência dessa pretensão indemnizatória por falta de demonstração do dano.

O primeiro obstáculo a uma tal solução é encontrado através da análise da defesa da R.

Com efeito, quando a mesma foi directamente confrontada com uma pretensão que se reportava a danos efectivamente sofridos (“receitas líquidas” que a A. teria deixado de auferir por causa da denúncia unilateral do contrato), não desenvolveu qualquer tipo de defesa em torno da quantificação dos reais prejuízos correspondentes a danos emergentes, ficando-se pela negação genérica do quantitativo global das receitas alegadas pela A., sem qualquer referência aos eventuais custos que teriam sido poupados pela A.

Ora, relativamente aos lucros cessantes, a alegação e demonstração das receitas projectadas para o período contratual em falta traduz o elemento constitutivo do direito de indemnização da A., servindo a alegação e prova de eventuais despesas associadas a tais receitas de elemento modificativo, na medida em que, de acordo com o referido critério da diferença, pudessem determinar a redução do montante indemnizatório.

Posto que a determinação da indemnização através da observação do aludido critério diferencial o tribunal não esteja necessariamente dependente da alegação pelo demandado desse específico meio de defesa (cfr. neste sentido Jaime Santos Briz, La Responsabilidad Civil, 3ª ed., págs. 240 e 241), o princípio do dispositivo que vigora no processo civil, associado às regras substantivas previstas para a quantificação da indemnização, não permite ao tribunal a efectivação de uma operação de cálculo com base em meras suposições que não encontram verdadeiro reflexo na matéria de facto provada. Sem embargo dos poderes oficiosos do tribunal, a alegação de tais despesas e a sua quantificação inscrever-se-ia fundamentalmente no exercício do direito de defesa, devendo ser a R. a suportar os efeitos da falta de cumprimento do respectivo ónus de alegação.

Em segundo lugar, ainda que se assuma, com a naturalidade que emerge das regras da experiência, que o exercício de uma actividade comercial como a que era desenvolvida pela A. implica a realização de despesas, a sua dedução apenas se justificaria se acaso pudesse igualmente concluir-se, a partir da matéria de facto alegada e provada, que o facto de a R. ter cessado antecipadamente o contrato, determinou uma redução do montante das despesas, o que nem as regras da experiência.

Pode ainda asseverar-se que o facto de se reduzir o período de execução de um contrato como aquele que foi celebrado com a R. não implica necessariamente um redução de custos que deva ser relevado para efeitos de contabilização dos prejuízos patrimoniais, não estando de todo afastada a possibilidade de, apesar da cessação do contrato por iniciativa da R., se ter mantido o nível de despesas associadas à actividade comercial da A. em torno de um universo mais ou menos alargado de clientes (unidades hoteleiras ou outros espaços semelhantes carecidos de ligações electrónicas para uso dos clientes).

O facto de o apoio aos clientes da A. (Help Desk) ser feito através de um Call Center localizado no estrangeiro, por razões ligadas à redução dos custos da operação, claramente nos indicia que não deve atribuir-se excessivo relevo ao facto de não terem sido provados quaisquer custos inerentes ao contrato celebrado entre a A. e a R.

Acresce ainda que, tal como é legítimo supor a existência de despesas associadas ao exercício de uma determinada actividade (mas já não directa e causalmente associadas a um dos diversos contratos que faça parte da carteira de quem exerce a actividade prestadora de serviços), também não custa admitir, relativamente à actividade exercida pela A., que, uma vez implantada no mercado, apetrechada com meios humanos e materiais necessários a prestar os serviços em estabelecimentos hoteleiros ou noutros locais públicos, os custos da actividade se diluam e percam a conexão com um determinado contrato num universo mais alargado.

Enfim, ainda que, a partir de dados revelados pelas regras da experiência a que a Relação também aludiu, seja possível asseverar que a uma actividade comercial como aquela que a A. desenvolve está associada a existência de encargos com meios humanos e materiais, a absoluta ausência de discussão e de demonstração desses encargos não permite determinar, com o mínimo grau de segurança, que o facto de a R. ter cessado extemporaneamente o contrato determinou para a A. uma redução nos encargos inerentes à sua actividade, por forma a interferir no montante dos prejuízos patrimoniais efectivos.

7. Em conclusão:

O confronto com a matéria de facto apurada e a observação da estratégia processual das partes, com especial relevo para a da R. que nessa matéria teria um especial interesse (modificação do direito de indemnização, através da redução do seu valor), não consente a negação da existência de um prejuízo patrimonial.

Por conseguinte, em face da ausência de qualquer outro elemento que determine a redução da indemnização abaixo do valor das receitas projectadas para o período contratual em falta, serão estas a determinar o valor da indemnização, na medida em que traduzem, com a necessária probabilidade e previsibilidade, os danos correspondentes aos lucros cessantes.


IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, de modo que:

a) Para além das quantias de € 1.260,00 (de danos de retirada do equipamento) e de € 6.000,00 (de danos não patrimoniais), já fixadas pela Relação;

b) Condena-se a R. no pagamento da quantia de € 169.190,65 por lucros cessantes, com juros de mora desde a citação.


Custas da revista a cargo da R. e custas das instâncias a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique.


Lisboa, 5-2-15


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Bettencourt de Faria