Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29/03.3GACNF.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÂO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
BURLA QUALIFICADA
FALSIFICAÇÃO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Data do Acordão: 02/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Eduardo Correia, autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora, Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
- Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 432.º, N.º1, AL. C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 70.º, 71º, 77.º, 78.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.º2, 32.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13.4.2013, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 700/01.8JFLSB.C1.S1.
-DE 22.01.2013 E 12.04.2012, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 182/10.3TAVPV E 2/09.1PARTZ.
Sumário :
I  -   A lei adjectiva penal ao atribuir competência ao STJ para conhecer recurso de acórdão final proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que aplique pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente a matéria de direito (al. c) do n.º 1 do art. 432.º), obviamente pressupõe que o STJ, nos casos de condenação em pena conjunta, conheça de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito a, pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a CRP lhe garante (n.º 1 do art. 32.º).

II -  O recorrente A foi condenado na pena única de 6 anos de prisão. Os factos respeitam a dois crimes de burla qualificada e três crimes de falsificação, factos cuja conexão é patente, a qual resulta não só da circunstância de os crimes de falsificação serem instrumentais dos crimes de burla, mas também da própria natureza da burla e da forma rigorosamente igual como ambos os crimes de burla foram executados.

III - Tais factos analisados em conjunto com o extenso percurso criminal protagonizado pelo arguido A ao longo de cerca de 20 anos, com início no ano de 1996, a postura que assumiu na audiência, negando a prática dos factos e de algumas das condenações que lhe foram impostas, reflectem uma personalidade deficientemente formada e estruturada, desvinculada dos valores juridicamente protegidos, sendo expressão da sua inclinação criminosa.

IV - Tudo ponderado, tendo presente a natureza dos bens jurídicos violados, a gravidade de cada uma das penas singulares impostas (a moldura penal do concurso de crimes perpetrado pelo arguido tem um mínimo de 3 anos e um máximo de 13 anos e 2 meses de prisão, posto que foi condenado em 4 penas de 3 anos de prisão e 1 pena de 1 ano e 2 meses de prisão) e o efeito futuro da pena sobre o recorrente, há que manter intocada a pena conjunta cominada.

V -  Quanto à recorrente B, estamos perante delinquente que já foi condenada em penas de multa (ou de prisão substituída por multa) pela prática de 3 crimes de emissão de cheque sem provisão, cometidos entre 1999 e 2004, pela autoria de 3 crimes de ofensa à integridade física simples, perpetrados entre 2002 e 2003, e pela prática em 2009 de 4 crimes de difamação agravada. Trata-se, assim, de delinquente sobre a qual as penas não privativas da liberdade não exercem efeito dissuasor, socializador e reintegrador, não a intimidam, pelo que à mesma não deve nem pode ser aplicada, mais uma vez, pena de multa, ou seja, impõe-se lhe seja cominada pena de prisão, exigência que, aliás, também decorre da circunstância de o sentimento jurídico da comunidade impor que a arguida seja punida com pena privativa da liberdade.

VI - No caso desta arguida, estamos perante factos de mediana gravidade puníveis com penas de prisão de 30 dias a 5 anos (burla qualificada), 6 meses a 5 anos (falsificação de documento autêntico ou com igual força, testamento cerrado, vale do correio, letra de câmbio, cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no art. 267.º) e 30 dias a 3 anos (falsificação de documento), sendo certo que o tribunal a quo ao punir a arguida com as penas, respectivamente, de 2 anos e 8 meses de prisão (por cada 1 dos 2 crimes de burla qualificada e por cada 1 dos 2 crimes de falsificação, e 1 ano e 1 mês de prisão por um 3.º crime de falsificação), doseou as punições de forma correcta, posto que as penas fixadas situando-se abaixo da culpa da arguida, ou seja, da censurabilidade e da antijuridicidade do comportamento assumido e do grau de violação do dever jurídico imposto, encontram-se no patamar necessário ao restabelecimento da paz jurídica comunitária, patamar que também corresponde às exigências de dissuasão e de socialização.

VII - A moldura penal do concurso de crimes relativamente à arguida B tem por limite mínimo 2 anos e 8 meses de prisão e por limite máximo 11 anos e 9 meses de prisão.

VIII - Analisando aqueles factos em conjunto com o percurso delituoso que a arguida trilhou desde 1999, no decurso do qual cometeu mais 3 crimes de emissão de cheque sem provisão, 3 crimes de ofensa à integridade física simples e 4 crimes de difamação agravada, há que concluir que o ilícito global ora em apreciação é expressão de inclinação criminosa. Ponderando a gravidade do ilícito global perpetrado, bem como a de cada uma das penas impostas e, bem assim, o efeito futuro da pena sobre a recorrente, entende-se dever ser mantida a pena conjunta cominada (5 anos e 6 meses de prisão).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 29/09.3GACNF.S1, do 1º Juízo Criminal da Maia, AA e BB, com os sinais dos autos, foram condenados, respectivamente, nas penas conjuntas de 6 anos de prisão e 5 anos e 6 meses de prisão[1].

Os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada pelo arguido AA[2]:

I. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito do acórdão proferido nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena única de 6 (anos) de prisão, pela prática de dois crimes de burla qualificada e três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, 218º, n.º 1, 256.º n.º 1 al. a), c), d), e) e f) e n.º 3 do Código Penal.

II. O Tribunal a quo deu, como provados os factos que constam no Douto Acordão e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

III. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

IV. A medida da pena há – de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar em último termo. – Ac. STJ. De 25 de Maio de 1995, Proc. 47386/3ª.

V. Não foi atendido de que apesar da moldura penal o possibilitar, a culpa do arguido foi ultrapassada ao ser aplicada esta pena em concreto.

VI. Não foi levado em conta a circunstância de todos os ilícitos terem sido praticados num curto espaço de tempo.

VII. Não foi tido em consideração o facto de nesta data ter 75 ANOS de idade.


VIII. Não foi consideração na pena aplicada a sua baixa instrução.

IX. Não foi levada em conta a sua condição económica.

X. Não foi, portanto, feita uma correta interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 40 e no artigo 71 n.º 2 alíneas a) e d) ambos do C.P. o que levaria à aplicação de uma pena inferior à aplicada.

XI. Sendo que ao arguido não seria de enjeitar condenação em pena suspensa.

XII. Mas, mesmo que assim não se entendesse e fosse aplicada pena de prisão efetiva, nunca 6 anos de prisão lhe deveriam ser sentenciados.

Aplicando – se pena de prisão efetiva, esta nunca deverá ser superior a 3 anos.

A arguida BB extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões:

I - Vem o presente recurso interposto do acórdão na parte que condena a arguida/recorrente pela prática de 2 (dois) crimes de burla qualificada p. e p. pelos art. 217°, nº 1 e 218°, nº 1 do C. P. nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses por cada um desses crimes; pela prática de 2 (dois) crimes de falsificação de documentos p. e p. pelo art. 256°, nºs 1 als. a), c), d), e) e f), e 3, do C. P. nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses por cada um desses crimes; e pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256°, n° 1 a), c), d), e) e f) do C. P. na pena de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão, seguindo-se, em cúmulo jurídico, uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, entendendo a recorrente que o douto tribunal "ad quo" violou o disposto nos art.s 70°, 40° e 71°, todos do CP, não tendo em conta os critérios que presidem à determinação da medida da pena.

II - Os crimes pelos quais a arguida foi condenada permitem em alternativa a aplicação de uma pena privativa da liberdade e uma pena não privativa da liberdade.

III - O art. 70° do CP, referente ao critério a utilizar na escolha da pena, determina que o tribunal deve dar preferência à medida não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

IV - O Tribunal ad quo apenas justificou a escolha de pena não privativa de liberdade referindo "tendo em conta o modo como ocorreram os factos e a circunstância de os arguidos já terem antecedentes criminais, considera-se que a pena de multa não realiza de forma suficiente as finalidades da punição, optando-se, pois, pela pena de prisão" (pág. 56 do Douto Acórdão de Fls.).

V - Há que ter em consideração que a arguida não tem antecedentes criminais pelos mesmos tipos de crime, e salientar o tempo considerável decorrido desde a ocorrência dos factos em equação nos presentes autos, que remontam aos anos de 2007 e 2008.

VI - E contribuem ainda a favor da arguida o facto de se encontrar inserida familiar e socialmente, é mãe de duas adolescentes de 16 e 17 anos e de um jovem de 21 anos, fazendo ainda parte do seu agregado familiar um jovem de 17 anos que com a mesma vive ao abrigo de medida de apoio junto de pessoa idónea (a arguida).

VII- As penas parcelares aplicadas revelam-se demasiado gravosas no caso concreto.

VIII - Atendendo ainda aos factores da prevenção especial, que visam a ressocialização e a recuperação do delinquente para a sociedade, visando a sua integração na sociedade, as penas não privativas da liberdade, no caso a pena de multa, mostrar-se-ão adequadas e proporcionais às exigências do caso concreto.

IX - O Acórdão recorrido não atendeu a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuseram a favor da arguida, consequentemente violando o disposto no art. 71.°, n.º 2 C.P., pelo que se afiguram gravosas e desproporcionadas as penas de prisão aplicadas, violadoras dos princípios da igualdade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados (arts. 2.°, 3.°, e 18.°, da C.R.P.)

X - Conforme resulta do acórdão Recorrido, o envolvimento da arguida na prática dos crimes foi substancialmente inferior, menos gravoso e com uma postura menos activa, comparativamente com o co-arguido AA, que foi o verdadeiro mentor dos crimes.

XI - A mais das vezes, foi autor da prática dos ilícitos o co-arguido AA, "ou alguém a seu mando, com o conhecimento e o acordo da arguida BB" (sublinhados, negrito e itálicos n/),, conforme se lê no acórdão Recorrido.

XII - Todavia, no que toca à determinação da medida da pena, a arguida foi mais severamente punida, tendo sido aplicadas à arguida penas parcelares, e em cúmulo jurídico, pena única, demasiados pesadas face à factual idade dada como provada.

XIII - Relativamente à determinação da pena no concurso de crimes, nos termos do art. 77.°, n.º 2 do CP, em termos de moldura do concurso, ficou o Tribunal ad quo balizado entre o limite máximo de 11 anos e 9 meses (correspondente à soma das penas parcelares e 2 anos e 8 meses + 2 anos e oito meses + 2 anos e 8 meses + 2 anos e oito meses + 1 ano e 1 mês) e 2 anos e 8 meses (correspondente à mais elevada das penas).

XIV - Ao condenar a arguida na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, o Tribunal seguiu critério mais gravoso daquele que utilizou na determinação das penas parcelares, e sem o justificar.

XV - Em suma, o Tribunal ad quo deveria ter optado por penas parcelares não privativas de liberdade, ou, no limite, penas parcelares menos gravosas e pena de prisão, em cúmulo jurídico, não superior a 5 anos, suspensa na sua execução.

XVI - Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, os factores que são favoráveis à arguida, como o facto de não ter antecedentes criminais por este tipo de crime, se encontrar social e familiarmente inserida, mãe de duas adolescentes de 16 e 17 anos, de um jovem de 21 anos e albergando ainda um jovem de 17 anos ao abrigo de medida de apoio junto de pessoa idónea (a arguida), e ainda os muitos anos decorridos desde a ocorrência dos factos em equação nos presentes autos, fazem diminuir as exigências de prevenção, principalmente a especial, e sugerem que se faça um juízo de prognose favorável acerca da ameaça que a pena de prisão terá no comportamento futuro da arguida.

XVII - Assim e tendo em conta que a arguida nunca cumpriu pena efectiva de prisão, a ameaça daquela será suficiente para a fazer mudar de atitude e repensar o seu comportamento.

XVIII- A aplicação à arguida da suspensão com regime de prova será suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral, assim se dando oportunidade à arguida de tentar refazer a sua vida, arranjando emprego e forma de se sustentar, e simultaneamente continuar a acompanhar os seus filhos, bem como o seu comportamento sempre ficará sob "vigilância" do tribunal, sendo que a prática de um novo crime poderá determinar a revogação da suspensão, com a consequente efectivação da prisão.

XIX - Optando pela condenação da arguida, em cúmulo jurídico, em pena única não superior a 5 (cinco) anos, suspendendo-se a sua execução por idêntico prazo, com regime de prova, cumprir-se-á o objectivo final da pena, fazendo-se justiça no caso concreto, que é a finalidade última dos tribunais.

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:


1- O presente recurso tem como objeto o acórdão de fls.1342 a 1408 que condenou os arguidos AA e BB, ora recorrentes, pela prática de dois crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217º, nº1 e 218º, nº1, ambos do Código Penal e três crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256º, nº1, alíneas a), c), d), e) e f), e 3, do Código Penal, sendo o primeiro na pena única de seis anos de prisão e a segunda na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

2- Face às conclusões das motivações de recurso, os recorrentes pretendem apenas impugnar as penas parciais e únicas em que foram condenados e que, segundo eles, deverão ser reduzidas e suspensas na sua execução.

3- Considerando a especial gravidade dos factos, a personalidade dos arguidos traduzida, além do mais, na falta de confissão, ausência de arrependimento e pedido de desculpas às pessoas cujos documentos foram abusivamente utilizados, bem como ausência de reparação dos prejuízos causados, aos antecedentes criminais de ambos os arguidos e ainda ao ambiente familiar disfuncional e desestruturado da arguida BB, parecem-nos completamente justas, adequadas e proporcionais as penas parcelares e as penas únicas em que os arguidos foram condenados, as quais deverão ser mantidas, na íntegra.

4- A manter-se a condenação dos arguidos, ora recorrentes, nas penas únicas de seis anos e cinco anos e seis meses de prisão, não se verifica, desde logo, o pressuposto formal do instituto da suspensão concretizado nas penas não poderem ser superiores a cinco anos de prisão (cfr. artigo 50º, nº1, do Código Penal).

5- Mesmo que as penas únicas sejam reduzidas a cinco anos ou menos, o que apenas se concede por mera hipótese teórica, sempre seria de afastar a aplicação do referido instituto da suspensão face às circunstâncias acima referidas, as quais não permitem formular um juízo de prognose favorável relativamente aos arguidos no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

6- Tanto as penas parcelares como as penas únicas em que os arguidos foram condenados são completamente justas, adequadas e proporcionais, atendendo às circunstâncias enunciadas no acórdão recorrido e aos critérios previstos nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal e 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:


1- AA e BB (e outro) foram julgados pelo Tribunal do Circulo Judicial da Maia e condenados, por Acórdão de 8/7/13, nas penas únicas de 6 anos e 5 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, pela prática dos seguintes crimes:

A- O arguido AA:

→2 crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º, nº 1 e 218º, nº 1 do C.Penal, condenado nas penas parcelares de 3 anos de prisão, por cada um deles;

→2 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. a), c), d), e) e f) e 3, do C. Penal, condenado na pena parcelar de 3 anos de prisão, por cada um dos crimes;

→1 crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. a), c), d) e) e f), do CP, na pena parcelar de 1 ano e 2 meses de prisão.

B- A arguida BB:

→ 2 crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º, nº 1 e 218º, nº 1 do C.Penal, nas penas parcelares de 2 anos e 8 meses, por cada um deles;

→2 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, als. a), c) d) e) e f) e 3, do CP, nas penas parcelares de 2 anos e 8 meses de prisão por cada um deles;

→1 crime de falsificação de documento, p. e p. pelo mesmo normativo acabado de citar, na pena parcelar de 1 ano e 1 mês de prisão.

Foram ainda condenados no pagamento de indemnizações civis.

Inconformados com a decisão, interpuseram recurso em tempo (fls. 1411, 1416 e 1430) e com legitimidade.

O M. P. respondeu em tempo (fls. 1457 e 1462), pugnado pela manutenção do julgado (fls. 1463 e sgts).

Os recursos foram recebidos com o efeito e modo de subida devidos (fls. 1451).

Ambos os recursos discutem exclusivamente matéria de direito, pelo que competente para a decisão da causa é este Supremo Tribunal de Justiça – artºs 432º, nº 1, al. c) e 434º, ambos do CPP.

2- Analisando agora cada um dos recursos, de per si:

A- No que concerne ao recurso interposto pelo arguido AA:

Consabidamente, são as conclusões extraídas da motivação de recurso que delimitam o âmbito deste.

O recorrente discute exclusivamente a medida da pena única de 6 anos de prisão aplicada, por a considerar excessiva e desadequada à culpa do agente e às atenuativas que militam a seu favor, propondo, em alternativa, uma pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

Diga-se, desde já, que desadequada e desproporcionada aos factos criminosos dados como assentes é a pena de três anos de prisão proposta pelo arguido.

Agiu o arguido com dolo directo, culpa elevada e a ilicitude é a de média/alta intensidade.

É extensa e grave a matéria de facto criminosa perpetrada e consumada pelo arguido, que arrastou consigo a sua companheira e co-arguida BB (fls. 1346 a 1363) e o seu registo criminal é elucidativo relativamente a uma certa “queda” para a prática de crimes afins aos de burla, prática de crimes de emissão de cheques sem cobertura, nomeadamente.

A seu favor, as declarações prestadas apenas em grau mínimo de relevância, o facto de ter a seu cargo, com a co-arguida, três filhos menores e um jovem de 17 anos (facto 125 de fls. 1365), a sua baixa condição económica e a idade de 75 anos.

A circunstância atenuativa mais ponderosa é, de facto, a de o arguido ter agora 75 anos, pelo que terminará o cumprimento dos 6 anos de prisão em que foi condenado, aos 81 anos. Sendo um dos fins da pena a prevenção especial, no sentido de ressocialização do agente, na reconciliação deste com o direito, parece-me não ser justificável uma pena de prisão efetiva para alguém que vê concluídas as suas “contas” com a justiça com a idade de 81 anos, uma idade já avançada, mesmo tendo em conta o aumento da média de vida de uma pessoa.

Por outro lado, também a nível da prevenção geral se pode questionar a exigência de uma medida de pena de prisão efetiva para um arguido que tem já 75 anos, que está já no declínio da vida. Cometeu inúmeros crimes, por eles foi condenado em penas de multa, enquanto mais jovem. Porventura a sociedade não exigirá, para reforço da sua confiança nas normas jurídicas violadas, que o arguido cumpra agora uma efetiva pena de prisão:

Defende Kohlrausch, relativamente à prevenção especial que “na individualização da pena o tribunal deve considerar os meios necessários para reconduzir o arguido a uma vida ordenada e ajustada à lei”.

Por outro lado, e relativamente à prevenção geral, é ela o objectivo necessário e primordial da pena, pois que esta deve ser ponderada por forma a neutralizar os efeitos do delito como exemplo negativo para a comunidade e contribuir para fortalecer a sua consciência jurídica, bem assim satisfazer o pedido de justiça por parte das pessoas afetadas pelo crime e pelas suas consequências. Porém, há que igualmente equacionar o processo de socialização de um homem de 75 anos, devendo a pena de prisão aplicada refletir os princípios humanísticos que enformam a nossa C.R.P. e, por isso também, os fins das penas previstos no nosso C. Penal.

Como defende Anabela Rodrigues, “A determinação da medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pags. 570 e sgts, a finalidade essencial da aplicação da pena reside na prevenção geral, pelo que “a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto (…) alcançando-se mediante a estabilidade das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada (…).

“E pois o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena (…).

“Mas, abaixo desta medida da pena outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral, (…)”.

Ora, a comunidade não exigirá, para proteção das suas expectativas na validade das normas violadas que se aplique a um ser humano de 75 anos, que, pelos vistos, nunca esteve preso, uma pena de 6 anos de prisão. 

Certo que a pena a aplicar deve censurar a mediana intensidade da ilicitude e da gravidade da culpa, mas também não pode postergar, no âmbito da prevenção geral e especial, a avançada idade do arguido.

Procurando o justo equilíbrio entre todas estas ponderações, sou de parecer que o recurso do arguido merece parcial provimento devendo “baixar-se” a pena de 6 anos para 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeito a regime de prova.

Assim se contemplam e satisfazem as exigências da prevenção geral e especial, balizadas pela culpa do agente.                  

B- Recurso do arguido BB:

Recorre a arguida das penas parcelares e pena única aplicadas - conclusões 1ª a 3ª, 7ª nomeadamente. O STJ, considerando o teor dos artigos 434º, 432º, nº1, al. a), ambos do CPP não tem competência para sindicar as penas parcelares aplicadas, inferiores a 5 anos de prisão.

No mesmo sentido, jurisprudência pacífica deste STJ de que são exemplos os Acórdãos de 22/5/13, proc. 210/09.5JBLSB.L1.S1. e de 2/5/13, proc. 104/11.4PJAMD.L1.S1.

No que tange à medida da pena única aplicada, 5 anos e 6 meses, valem aqui, mutatis mutantis, os argumentos expendidos relativamente ao seu companheiro, co-arguido AA:

Da matéria de facto fixada resulta que, embora consciente e voluntariamente determinada na prática dos crimes pelos quais veio a ser condenada, foi “arrastada” pelo co-arguido, seu marido apenas “acompanhando” as iniciativas criminosas e sua consumação perpetradas por este.

A tal “subordinação” não será alheio o ambiente familiar disfuncional e desestruturado em que vive, (facto 127, pag. 1365).

Aliás, o próprio tribunal a quo elaborou um juízo de valor distintivo relativamente a cada um dos arguidos, no que concerne às penas de prisão parcelares e única aplicadas a cada um deles, atenuando as da recorrente.

Por uma questão de justiça relativa e porque sempre serão satisfeitas as necessidades da prevenção geral e especial, obrigatoriamente considerada a culpa da recorrente, sou de parecer de que deve diminuir-se a pena única aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão para a de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa a sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova.

Por todo o exposto, emite-se

3- Parecer no sentido do provimento parcial dos recursos ora sub judice, aplicando-se ao arguido AA a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeito a regime de prova.

À arguida e recorrente BB deverá ser-lhe reduzida a pena de 5 anos e 6 meses de prisão para a de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.                     

 Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

*

Única questão suscitada pelo arguido AA é a da medida da pena conjunta imposta, a qual entende desajustada, sob a alegação de que ultrapassou a medida da sua culpa, para além de que na sua determinação não foi considerada a sua idade de 75 anos, a sua baixa instrução, a sua condição económica, bem como a circunstância de todos os factos terem sido perpetrados num curto espaço de tempo, razão pela qual a pena deve ser reduzida para 3 anos de prisão e suspensa na sua execução.

A arguida BB impugna a espécie e a medida das penas singulares e da pena conjunta impostas, penas que considera demasiado pesadas, pugnando pela aplicação de penas de multa, as quais a seu ver se mostram adequadas e proporcionais às exigências do caso concreto, sob a alegação de que sobre a data da prática dos factos já decorreu tempo considerável e de que não tem antecedentes criminais pelos mesmos tipos de crime dos ora perpetrados. Mais pugna, para o caso de aplicação de penas não privativas da liberdade, por uma redução das penas singulares, bem como da pena conjunta, que entende não dever ser fixada em medida superior a 5 anos, com suspensão da sua execução, sujeita a regime de prova, invocando para além do tempo já decorrido sobre a data dos factos e a ausência de antecedentes criminais pelos mesmos crimes, um menor envolvimento nos factos do que o do co-arguido AA, bem como a circunstância de se encontrar social e familiarmente inserida, sendo mãe de duas adolescentes de 16 e 17 anos de idade e de um jovem de 21 anos, e educadora de um jovem de 17 anos, factores que fazem diminuir as exigências de prevenção e permitem se formule um juízo de prognose favorável acerca da ameaça que a pena de prisão exercerá no seu comportamento futuro.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta suscitou questão atinente à inadmissibilidade de conhecimento de parte do recurso interposto pela arguida BB, concretamente no que respeita às penas singulares que lhe foram impostas, invocando o teor dos artigos 434º e 432º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, bem como a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que considerou pacífica, segundo a qual é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por falta de competência, relativamente a penas não superiores a 5 anos de prisão.


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Começando por conhecer a questão suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, já que prévia, visto que a obter deferimento precludirá o conhecimento parcial do recurso interposto pela arguida BB, dir-se-á que a lei adjectiva penal ao atribuir competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer recurso de acórdão final proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que aplique pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente a matéria de direito (alínea c) do n.º 1 do artigo 432º), obviamente pressupõe que o Supremo Tribunal, nos casos de condenação em pena conjunta, conheça de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito a, pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a Constituição da República lhe garante (n.º 1 do artigo 32º).

Aliás, é este o entendimento assumido desde sempre pela 3ª secção criminal deste Supremo Tribunal, que nesse sentido vem decidindo sem qualquer dissonância. Como se refere no acórdão de 13 de Abril de 2013, proferido no Processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1: «1. No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares. 2. Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única»[3].   

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Passando ao conhecimento dos recursos importa ter presente a matéria de facto assente pelas instâncias

São os seguintes os factos dados por provados:


1. Os arguidos AA e BB, na data dos factos infra relatados, viviam em união de facto, sendo que a arguida BB é mãe do arguido CC, nascido em 18.10.1991.


I - Dos factos do NUIPC 1323/09.9TAMAI – referentes ao veículo …-CB-…:


2. Em Junho de 2006 a ofendida DD forneceu ao arguido AA, que na ocasião representava a “T.V. Cabo”, e a pedido daquele, cópia do seu bilhete de identidade e do seu cartão de contribuinte para celebração de um contrato com aquela entidade.

3. No período compreendido entre 16 de Novembro de 2004 e Novembro de 2007 os arguidos AA e BB e o então menor CC residiram na Rua Adelino Amaro da Costa, …., Vermoim, Maia, fracção esta pertencente a EE.

4. Em data não concretamente apurada do ano de 2007 mas anterior a 2 de Agosto desse ano, os arguidos AA e BB decidiram adquirir um veículo automóvel para seu uso.

5. Acordaram, então, os referidos arguidos AA e BB que o veiculo a adquirir iria ficar registado em nome do CC, na altura com 15 anos de idade, cuja verdadeira idade e menoridade seria ocultada ao vendedor, apresentando-o como sendo maior de 18 anos, tudo com o propósito de não efectuarem o pagamento integral do veículo automóvel.

6. Para concretização do aludido propósito, em data não concretamente apurada do ano de 2007 mas anterior a 2 Agosto desse mesmo ano, o arguido AA deslocou-se ao stand de venda de veículos automóveis da sociedade “FF - Sociedade Comercial de Automóveis, S.A..”, com instalações na Rua Santa Catarina …, Porto, onde foi recebido pelo funcionário GG.

7. Nessa ocasião ou noutra ocasião, o arguido AA mostrou-se interessado na aquisição do veículo automóvel de marca e modelo “Kia Rio”, matrícula …-CB-…, que ali se encontrava à venda e que lhe foi mostrado, pretendendo que o pagamento do mesmo fosse efectuado através de financiamento.

8. Conhecedores dos documentos exigidos para o referido negócio e financiamento, os arguidos AA e BB decidiram forjar o bilhete de identidade do CC.

9. Para o efeito, os arguidos AA e BB, ou alguém a seu mando, fabricaram um bilhete de identidade (falso), em tudo igual ao verdadeiro quanto aos dados nele contidos e referentes ao CC, com excepção da sua data de nascimento, nele fazendo constar 18.10.1981.

10. Tal bilhete de identidade não foi, assim, emitido pela entidade competente nem o CC nasceu em 18.10.1981, tendo sim nascido em 18.10.1991.

11. Também para aquele efeito, os arguidos AA e BB, ou alguém a seu mando, fabricaram um recibo de vencimento, cuja cópia consta dos autos de fls. 34 do apenso A, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, supostamente relativo ao CC, onde figura como entidade patronal/pagadora o “HH - Maq. Ferram. Acess. Ldª”, como funcionário “CC”, vencimento líquido recebido “1.237,00 Euros”, data de “31 de Julho de 2007”.

12. Sucede que, nessa ocasião, o CC, em face da sua idade (15 anos), não constava nem poderia ser funcionário da citada entidade patronal, pelo que o teor de tal recibo é falso.

13. De resto tal sociedade “HH - Maq. Ferram. Acess. Ldª” possui o NIPC … e os seus gerentes desde 15.05.2004 são os arguidos AA e BB.

14. Igualmente para aquele efeito, os arguidos AA e BB ou alguém a seu mando, fabricaram uma declaração de IRS referente aos rendimentos auferidos no ano de 2006, em nome de CC com o NIF …, nela fazendo constar como NIF da entidade pagadora o numero … pertencente à aludida sociedade “HH - Maq. Ferram. Acess. Ldª”, com o NIPC …, apondo, além do mais e no local referente à “Autenticação da Recepção” um carimbo com os dizeres “Serviço de Finanças do Porto 4 -9 de Março de 2007” e dataram a mesma de 07.03.2007, sendo que no local destinado à assinatura do declarante consta “CC”.

15. Sucede que em 2006 CC tinha apenas 14 anos de idade e não constava nem poderia ser funcionário da citada entidade patronal, nem auferiu os rendimentos nela constantes.

16. Os arguidos AA e BB ocultaram a verdadeira idade do CC ao referido GG.

17. O arguido AA, com o conhecimento e o acordo da arguida BB, entregou os referidos documentos adulterados ao referido funcionário da “FF”, GG.

18. Foi ainda entregue a GG uma nota de crédito da EDP datada de 13 de Junho de 2007 emitida em nome da arguida BB, residente na Rua Adelino Amaro da Costa, …, Vermoim, Maia, na qual o arguido BB, ou alguém a seu mando, apôs pelo seu punho a seguinte frase “Esta é a factura em nome da mãe do CC com quem vive”, que consta de fls. 36 do Apenso A, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.

19. Porque era necessária a existência de um avalista para a concretização do pretendido financiamento, logo os arguidos AA e BB decidiram utilizar os documentos da ofendida DD, que o arguido tinha na sua posse desde a celebração do contrato com a TV Cabo, sem o seu consentimento ou autorização e forjar os restantes documentos exigidos para a referida garantia.

20. Assim e para o efeito, o arguido AA, ou alguém a seu mando, com o conhecimento e o acordo da arguida BB, elaborou e forjou uma declaração de IRS referente aos rendimentos auferidos no ano de 2006 em nome de DD com o NIF …, nela fazendo constar como NIF da entidade pagadora o numero …, apondo, além do mais e no local referente à “Autenticação da Recepção” um carimbo com os dizeres “Serviço de Finanças do Porto 4 - 9 de Março de 2007” e dataram a mesma de 07.03.2007, sendo que no local destinado ao declarante, após por imitação e forjou a assinatura da ofendida “DD”.

21. Também para o mesmo efeito, o arguido AA, ou alguém a seu mando, com o conhecimento e o acordo da arguida BB, fabricou e forjou três recibos de vencimento cujas cópias constam dos autos de fls.42 a 47 do apenso A, para cujo teor se remete e aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, relativos a DD, onde figura como entidade patronal/pagadora a sociedade “II - Socied. Ind. Fechaduras, Ldª”, Av. Sá Carneiro, Cont …, Zona Industrial da Maia I- sector X,Maia”, como funcionário “DD”, vencimento liquido recebido “€1241,00€”, datas de “31 de Março de 2007; 30 de Abril de 2007; 31 de Maio de 2007 sendo que no local destinado à assinatura apôs por imitação e forjou o nome da ofendida DD.

22. Ainda para o mesmo efeito, o arguido AA ou alguém a seu mando, com o conhecimento e o acordo da arguida BB, elaborou e forjou um comprovativo de morada - uma factura da TV Cabo em nome da ofendida DD, com residência na Rua Altino da Costa, nº … Vermoim Maia, cuja copia consta a fls. 41 para cujo teor se remete e aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

23. Porém, a ofendida DD nunca foi trabalhadora de tal entidade patronal com o NIF … que corresponde à sociedade “II - Socied. Ind. Fechaduras, Ldª”, pelo que nunca esta lhe pagou e aquela recebeu os rendimentos nela apostos, nem tal declaração foi entregue no Serviço de Finanças do Porto 4, pelo que tal entidade também não a recebeu.

24. Acresce que a ofendida DD nunca constou como funcionária de qualquer entidade patronal denominada “II - Socied. Ind. Fechaduras, Ldª.”, com o NIF ….

25. De resto tal sociedade existiu no período compreendido entre 17.07.1996 e 19.10.2012, sendo seus sócios os arguidos BB e AA e gerente a arguida AA, para quem nunca a ofendida DD prestou trabalho, pelo que nunca da mesma auferiu qualquer rendimento.

26. E nesse período a entidade patronal da ofendia DD era a sociedade “JJ -Serviços de Limpeza Industrial”.

27. Aquela factura da TV Cabo em nome da ofendida DD, cuja copia consta a fls. 41, não foi emitida pela TV Cabo, nem nunca a ofendida DD residiu em tal residência, que, de resto e nessa altura, era a dos arguidos.

28. Nessa ocasião e há mais de 10 anos que a ofendida DD residia na Rua Idalina Matos, …., Alfena.

29. Munido com os referidos documentos assim forjados e bem assim com a fotocópia do bilhete de identidade e do número de contribuinte da ofendida DD e com o comprovativo do NIB referente à conta DO nº … (ex: ….) titulada pela arguida BB e da qual CC era autorizado, o arguido AA deslocou-se à “FF”, e, com o conhecimento e o acordo da arguida BB, escondendo a origem criminosa dos aludidos documentos, entregou-os, ao funcionário GG que, acreditando serem verdadeiros e de nada desconfiando, os recebeu.

30. Após, e com base em todos os documentos que lhe foram entregues nos termos referidos, o referido GG elaborou em nome de CC uma proposta de aquisição e financiamento do veículo de matricula …-CB-…, figurando como avalista a ofendida DD, instruída com os referidos documentos, e a sociedade “FF - Sociedade Comercial de Automóveis, S.A.” submeteu a mesma em 02.08.2007 a aprovação à financeira (“Banco LL Consumer-Portugal”), que a aprovou, por de nada desconfiar e acreditar serem verdadeiros os documentos e dados constantes de tal proposta que lhe foram entregues.

31. Após aprovação de tal proposta a financeira, o “Banco LL Consumer Portugal SA” elaborou e remeteu à sociedade “FF - Sociedade Comercial de Automóveis, S.A.”, além do mais:

· o contrato de locação financeira nº … cuja copia consta dos autos a fls. 56 a 61, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, onde figura como locatário CC e se refere à obtenção de um empréstimo no valor de 21.800,00€ para aquisição do veículo de matrícula …-CB-…, garantido por uma livrança em branco avalizada.

· o aditamento de fls. 512, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, referente à recepção do veículo em causa pelo locatário e ainda a declaração de avalista.

· a livrança de fls. 368, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.

32. Todos os referidos documentos referentes ao aval e livrança elaborados pelo “Banco LL Consumer Portugal S.A.” foram entregues pelo funcionário GG ao arguido AA que os levou consigo, para que obtidas as assinaturas da ofendida DD, lhe fossem os mesmos novamente devolvidos.

33. Na posse de tal contrato e livrança, o arguido AA, ou alguém a seu mando, sem o conhecimento da ofendida DD, com o seu punho apôs por imitação, forjando a sua assinatura “DD” na declaração de fls. 512 e no verso da livrança de fls. 368.

34. A assinatura constante da declaração de fls. 512 e do verso da livrança de fls. 368 não foi aposta pela ofendida DD.

35. A ofendida DD nunca aceitou prestar qualquer garantia para aquisição do veículo de matrícula …-CB-… por parte dos arguidos e de CC, que na ocasião nem conhecia.

36. Na posse de tais documentos/declaração e livrança assim forjados, o arguido AA deslocou-se, com o CC, no dia 6.08.2007, ao stand “FF”.

37. O arguido AA entregou a declaração e livrança forjadas nos termos referidos e os aludidos documentos que tinha na sua posse a GG que, de nada desconfiando, os recebeu.

38. A sociedade “FF” na posse do contrato de locação financeira, da livrança e das declarações supra referidas e preenchidas, acompanhados de todos os documentos referentes a CC e da ofendida DD, que recebeu na convicção de serem verdadeiros, remeteu-os ao banco “Banco LL Consumer Portugal S.A.”, que, por sua vez também acreditando serem verdadeiros os recebeu, vindo tal contrato a ser datado de 06.08.2007.

39. O referido contrato de locação financeira destinou-se a obter um empréstimo no valor total de 21.800,00€, que foi concedido, a pagar em 83 prestações mensais, no valor de €330,00 através de transferência bancária da conta com o NIB … do Banco MM titulada pela arguida BB para financiar o pagamento do veículo de matrícula …-CB-…, o que foi efectuado.

40. Nesse dia 06.08.2007 a sociedade “FF” emitiu a factura nº … correspondente à venda do veículo de matrícula …-CB-…, junta aos autos a fls. 29 para cujo teor se remete e aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

41. Após, a sociedade “FF”, através do seu funcionário GG, entregou o veículo marca e modelo “Kia Rio” de matrícula …-CB-… ao arguido AA e a CC.

42. Os arguidos AA e BB deixaram de proceder ao pagamento do referido crédito.

43. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos AA e BB, o “Banco LL Consumer Portugal, SA”, em 28.08.2008, encontrando-se prejudicado no montante total de 10.514,42 €, resolveu o contrato e preencheu a livrança que havia sido entregue como garantia do cumprimento do mesmo.

44. E, nessa data instaurou contra a avalista, a ofendida DD, a acção executiva nº 7863/08.0TBMAI que corre termos no juízo de execução do Tribunal Judicial da Comarca da Maia tendo por base a livrança de fls. 368 cuja assinatura aposta no verso foi forjada nos termos referidos.

45. No âmbito de tal processo foi em Maio de 2009 o salário da ofendida DD penhorado.

46. Os arguidos AA e BB, através da falsificação da assinatura da ofendida DD nos termos expostos, da falsificação dos aludidos documentos e da exibição e utilização de documentos sem consentimento nos termos expostos, obtiveram um enriquecimento do seu património no valor do veículo de matrícula …-CB-… adquirido, que passaram desde então a utilizar em proveito próprio.

47. No dia 12.02.2008, pelas 17:45 horas, o arguido AA conduziu o veículo de matrícula …-CB-…, sem que para tal possuísse carta de condução, tendo o mesmo sido detido e posteriormente condenado por tais factos, por sentença já transitada em julgado no âmbito do processo NUIPC 770/08.8PAMAI

48. No dia 13.06.2008, pelas 19:45 horas, CC conduziu o veículo de matrícula …-CB-…, sem que para tal possuísse carta de condução, tendo o mesmo sido detido no âmbito do processo 1009/08.1 PTPRT, onde foi proferida decisão que aplicou a suspensão provisória do processo.

49. Os arguidos AA e BB actuaram de forma livre, deliberada e consciente, na sequência de um plano por eles delineado, com o propósito conseguido de, mediante o uso dos documentos referidos e forjados como descrito, cuja origem criminosa ocultaram (entre os quais o bilhete de identidade do CC, recibos de vencimento, declarações de IRS, comprovativos de morada, e do abuso da assinatura da ofendida DD nos documentos supra referidos, entre os quais numa livrança), determinar o stand “FF” e o “Banco LL Consumer Portugal” a fazerem inscrever e elaborar os aludidos documentos/contrato de locação Financeira, aditamento e livrança referidos com todos os dados de identificação de CC e da ofendida DD como avalista, que bem sabiam serem factos falsos e que eram juridicamente relevantes.

50. Induziram, assim, em erro o citado stand e a citada instituição financeira, levando aquele a vender e a entregar o veículo de matrícula …-CB-… e esta a dispor do dinheiro cujo financiamento foi requerido e aprovado por contrato.

51. Dessa forma causaram à instituição financeira prejuízo correspondente ao valor das prestações não pagas, como eram seus propósitos.

52. Os arguidos AA e BB, ao celebrarem o contrato supra referido, nele fazendo constar como avalista a ofendida DD, bem sabiam que esta poderia ser responsabilizada pelo pagamento das prestações em falta correspondentes ao financiamento que em seu nome obtiveram e desse modo sofrer prejuízo correspondente, o que efectivamente veio a ocorrer.

53. Agiram ainda os arguidos AA e BB pela forma descrita, de comum acordo e na sequência de um plano previamente arquitectado, com o propósito conseguido de obterem uma vantagem patrimonial que bem sabiam não terem direito, sempre sem o consentimento ou conhecimento da ofendida DD, do stand “FF” e da instituição financeira supra referida, pois bem sabiam que o financiamento em causa não seria concedido sem o referido aval.

54. Sabiam ainda os arguidos AA e BB que, ao agirem pelos sobreditos modos, que prejudicavam ainda a fé pública dos títulos de crédito - livranças - e que punham em causa a segurança do tráfico comercial, como de resto eram seus propósitos.

55. Sabiam os arguidos que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.


II - Dos factos do NUIPC 29/09.3GACNF - referentes ao veículo 08-54-TO:

56. A ofendida NN residiu na casa dos pais do seu companheiro, que é irmão da arguida BB, sita no Lugar de Paredes, Oliveira do Douro, Cinfães, onde os arguidos BB e AA se dirigiam com frequência para os visitar.

57. Em data e por forma não concretamente apuradas mas do ano de 2008 e até Maio deste ano, os arguidos BB e AA lograram ficar na posse dos documentos de identificação da ofendida NN, entre os quais fotocópia do seu bilhete de identidade e do seu número de contribuinte.

58. No período compreendido entre Novembro de 2007 e Junho de 2008 os arguidos AA, BB e CC residiram na Rua das Brandinhães, nº …. Maia, fracção esta pertencente a OO.

59. Na posse dos documentos da ofendida NN, os arguidos AA e BB, em Maio de 2008, decidiram utilizá-los em seu proveito, adquirindo um veículo automóvel para seu uso, a crédito e em nome daquela ofendida, sem o seu conhecimento e por forma a não efectuarem o seu pagamento.

60. Para o efeito, em data não concretamente apurada de 2008 mas anterior ao dia 5 de Junho de 2008, os arguidos AA, BB e CC deslocaram-se ao stand de venda de veículos automóveis da sociedade “PP - Comercio de Automóveis, SA”, com instalações e sede na Estrada Exterior da Circunvalação, …, Rio Tinto, tendo aí sido recebidos pelo funcionário QQ.

61. A determinada altura, pelo menos o arguido BB, desconhecendo-se se foi naquela ocasião, mostrou-se interessados na aquisição do veículo automóvel, de marca e modelo “Ford Mondeo”, matrícula …-…-TO, que ali se encontrava à venda, pretendo que o pagamento do mesmo fosse efectuado através de financiamento obtido através do “Banco LL Consumer Portugal S.A.”.

62. Foi, então, informado dos documentos que deveriam ser entregues para instruir o pretendido financiamento.

63. A determinada altura, pelo menos o arguido BB, desconhecendo-se se foi naquela ocasião, comunicou a QQ que o veículo que havia sido escolhido, quer o contrato de financiamento, deveriam ficar em nome de NN, o que sabia ser falso, que afirmou ser uma sua familiar.

64. O referido QQ acreditou, ficando acordado que para o efeito deveria ser feita a entrega dos necessários documentos, designadamente de identificação da referida NN necessários para o efeito.

65. Para concretização dos seus propósitos, o arguido AA, ou alguém a seu mando, actuando com o conhecimento e o acordo da arguida BB, fabricou um recibo de vencimento cuja cópia consta dos autos de fls. 18 cujo teor se dá integralmente por reproduzido, relativo a NN, onde figura como entidade patronal/pagadora o “Marketing and Publicity BB Lda. com o NIF …”, como funcionário “NN NIF …”, vencimento liquido recebido “€788,50”, data de “30 de Abril de 2008” sendo que no local destinado à assinatura, o arguido ou alguém a seu mando apôs por imitação e forjou o nome de “NN”.

66. Sucede que, a ofendida NN nunca constou como funcionária de qualquer entidade patronal denominada “Marketing and Publicity BB Lda.” com o NIF ….

67. De resto, não existe qualquer pessoa colectiva com tal NIF nem com tal denominação.

68. Na posse da declaração de IRS referente ao ano de 2007 em nome da ofendida NN com o NIF …, o arguido AA, ou alguém a seu mando, actuando com o conhecimento e o acordo da arguida BB, adulterou e forjou a mesma, nele apondo, além do mais e no local referente à “Autenticação da Recepção” um selo referente ao “Modelo 3, nele constante os nºs …. e o código de barras …, a data de 2008.02.18 3387 Porto 4”, e no local destinado à assinatura do gestor de negócios, o arguido AA apôs pelo seu punho a sua própria rubrica e o seu número de contribuinte …, cuja copia consta de fls. 20 a 21 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

69. Tal selo não foi aposto em tal declaração por qualquer Serviço de Finanças.

70. De resto, a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2007 com o código de barras nº … foi apresentado no Serviço de Finanças do Porto-4, em 18.02.2008 pelo arguido AA que ali apôs pelo seu punho a sua rubrica enquanto gestor de negócios e o seu número de contribuinte nº … e respeita ao sujeito passivo - BB NIF …, conforme se alcança do teor dos documentos de fls. 278 a 281 para cujo teor se remete e aqui se dá integralmente por reproduzido.

71. Na posse de todos estes documentos assim forjados, os arguidos AA e BB, na sequência do citado plano, decidiram utiliza-los.

72. Assim, na sequência do citado plano, actuando com o conhecimento e o acordo da arguida BB, o arguido AA procedeu à entrega de fotocópias do bilhete de identidade, do cartão de contribuinte e dos documentos forjados e referidos supra ao funcionário do referido stand QQ, que continuando a acreditar no que o arguido AA lhe dizia, os recebeu.

73. Nessa altura e no dia 03.06.2008 a sociedade “PP Porto - Comércio de Automóveis, SA”, de nada desconfiando, elaborou o contrato promessa de compra e venda nº 1906, junto aos autos a fls. 73, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde figura como promitente compradora a ofendida NN, como objecto do contrato o veículo automóvel de matrícula …-…-TO no valor de 17.000,00€, tendo no mesmo sido aposta pelo arguido AA, ou por alguém a seu mando, a sua assinatura no local referente ao comprador.

74. Em 04.06.2008 a sociedade “PP Porto Comercio Automóveis SA” enviou a proposta/dossier de financiamento com o nº … em nome da ofendida NN, instruída com os documentos entregues pelos arguidos nos termos expostos, vindo a mesma a ser aprovado pela financeira “Banco LL Consumer Portugal S.A.”, por documento junto aos autos a fls. 74, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que também de nada desconfiou e por acreditar serem verdadeiros os documentos e dados constantes de tal proposta.

75. Deste modo, no dia 05.06.2008, e com base nos elementos de identificação da ofendida NN fornecidos pelo arguido AA, na sequência do citado plano e actuando com o conhecimento e o acordo da arguida BB, nos termos exposto, o “Banco LL Consumer Portugal S.A.”, elaborou:

· o contrato nº … onde figura como adquirente do veículo de matrícula …-…-TO a ofendida NN, e constam as respectivas clausulas particulares e gerais, junto a fls. 369 a 373 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

· uma missiva referente ao envio de uma livrança; uma declaração de autorização de débito em conta e uma declaração de renúncia do direito de revogação, todas em nome da ofendida NN, juntos a fls. 12, 13 e 15, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.

· a livrança de fls. 752, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

76. Todos os documentos assim elaborados pelo “Banco LL Consumer Portugal S.A.”., foram entregues pelo stand supra referido ao arguido AA que os levou consigo, para que obtida a assinatura da “compradora”, ofendida NN, lhe fossem os mesmos novamente entregues, acompanhados de fotocópia do bilhete de identidade, cartão de contribuinte, recibos de vencimento, comprovativo de morada e NIB da conta da ofendida NN.

77. No dia 5 de Junho de 2008 e na posse de tal contrato, o arguido AA, ou alguém a seu mando, na sequência do citado plano e actuando com o conhecimento e o acordo da arguida BB, sem o conhecimento da ofendida NN, apôs por imitação e forjando, no contrato de financiamento para aquisição a crédito de fls. 369 a 373, na missiva de fls. 12, na declaração de autorização de 13 e na livrança de fls. 752 a assinatura daquela ofendida, apondo o nome de “NN”.

78. A assinatura constante destes documentos não foi assim aposta pela ofendida NN.

79. Após e na posse de tais documentos assim forjados, o arguido AA, na sequência do citado plano e actuando com o conhecimento e o acordo da arguida BB, escondendo a sua origem criminosa, entregou-os na sociedade “PP-Porto - Comercio de Automóveis, SA”, na pessoa do seu funcionário QQ, que os recebeu na convicção que as assinaturas tinham sido efectuadas pela própria ofendida NN e que os documentos apresentados eram verdadeiros e que por sua vez os remeteu ao banco “Banco LL Consumer Portugal S.A.”, que os recebeu também na convicção de serem verdadeiros.

80. O contrato de mútuo em causa foi, assim, celebrado com o Banco “Banco LL Consumer Portugal S.A.” e destinava-se a obter um financiamento de 17.000,00€, acrescido de 9970,72€ referente a encargos financeiros a pagar em 84 prestações mensais, no valor de €321,08 através de transferência bancária da conta com o NIB …. da Caixa Credito Agrícola Mutuo titulada pela ofendida NN, para financiar o pagamento do referido veículo “Ford Mondeo”.

81. No dia 11.06.2008 os arguidos AA e CC, após aprovação do financiamento, deslocaram-se ao stand supra referido da sociedade “PP-Comercio de Automóveis, SA”, para levantarem o veículo de marca e modelo “Ford Mondeo”, matrícula …-…-TO, tendo nessa ocasião sido emitida a factura de fls. 14, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, em nome da ofendida NN, com residência na Rua Brandinhães, … EQK, Maia, no valor de 17.000,00€.

82. Após, e nesse dia o referido veículo foi entregue aos arguidos, que o levaram com eles.

83. Em 25.07.2008 foi tal veículo de matrícula …-…-TO registado em nome de NN com residência na Rua de Brandinhães …., Maia.

84. A ofendida NN nunca encetou negociações, nem adquiriu o veículo de matrícula …-…-TO, nem sequer o utilizou.

85. Relativo ao referido crédito, não foi pago pelos arguidos AA, BB e CC qualquer uma das referidas prestações, tendo sido debitadas sete prestações na conta da ofendida NN, só não tendo sido debitadas outras porque a mesma cancelou a mesma.

86. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos a instituição “Banco LL Consumer Portugal, SA”, em 27.03.2009, encontrando-se prejudicada no montante total de 16.688,62 €, resolveu o contrato e preencheu a livrança de fls. 752 que lhe havia sido entregue pelos modos expostos e em 04.06.2009 instaurou contra a ofendida NN a acção executiva nº 3798/09.7TBMAI que correu termos no juízo de execução do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, constando como titulo executivo aquela livrança.

87. Os arguidos AA e BB, através da falsificação da assinatura da ofendida NN, da falsificação de documentos e da exibição e utilização dos documentos falsos elaborados nos termos expostos, obtiveram um enriquecimento do seu património no valor do veículo de matrícula …-…-TO adquirido e que passaram desde então a utilizar em proveito próprio.

88. De resto, no dia 16.06.2008 o arguido CC conduziu o veículo de matrícula …-…-TO, seguindo como passageiro o arguido AA, sem que para tal possuísse carta de condução, tendo o mesmo sido detido e posteriormente condenado por tais factos, por sentença já transitada em julgado no âmbito do processo NUIPC 651/08.5PAMAI.

89. Nessa mesma ocasião (16.06.2008) o referido veículo de matrícula …-…-TO foi apreendido por RR, agente da PSP da Maia por o mesmo não possuir certificado de seguro válido, sendo que a arguida BB foi identificada como sendo “legal representante” da ofendida NN, em nome da qual se encontrava registado o veículo então apreendido, pelo que foi a mesma nomeada fiel depositária do mesmo e notificada para apresentar em 10 dias os documentos referentes ao veículo, tendo esta pelo seu punho assinado o auto de apreensão e notificação cuja copia consta de fls. 640 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

90. Após e visando o levantamento de tal apreensão e a recuperação da posse de tal veículo, os arguidos AA e BB ou alguém a seu mando elaborou e forjou o documento de fls. 641 para cujo teor se remete e aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte teor, que bem sabiam ser falso.

“Declaração

NN, portadora do BI nº … declara que entrega a sua viatura de marca Ford modelo Mondeo TDCI, matricula …-…-TO à guarda e sob a responsabilidade de BB, a qual poderá utilizá-la ao seu serviço como bem entender.

Fica igualmente autorizada a representar-me junto da PSP da Maia onde procederá ao levantamento da referida viatura estacionada no parque privativo da PSP. Para o efeito far-se-á acompanhar de pessoa habilitada que desloque a viatura para o local que bem entenda.

Maia, 17.06.2008”

91. Após os arguidos AA e BB ou alguém a seu mando apuseram por imitação, forjando a assinatura da ofendida “NN”.

92. Tal declaração foi emitida sem o conhecimento ou consentimento da ofendida NN, que de resto nunca consentiu nos actos ali descritos, e a assinatura nela aposta não foi por esta aposta.

93. Na posse deste documento assim forjado, os arguidos AA e BB efectuaram a sua entrega na PSP da Maia, bem como um certificado provisório de seguro datado de 17.06.2008 do veículo de matrícula …-…-TO, que de nada desconfiando devolveu o referido veículo automóvel, logrando assim os arguidos a sua recuperação como de resto eram seus propósitos.

94. Em 29.12.2008 ocorreu um acidente de viação onde foi interveniente o veículo de matricula …-…-TO que nessa ocasião era conduzido pelo arguido AA, seguindo como passageira a arguida BB e o veículo de matrícula …-…-HN, conduzido por SS, cuja participação do acidente consta de fls. 635 e 636, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

95. Nessa ocasião e para os contactos que viessem a revelar-se necessários forneceu ainda o arguido AA a SS o seu contacto telefónico com o nº … aposto no cartão cuja cópia consta de fls. 653,  cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

96. No âmbito do processo 277/09.6GAMAI e por factos referentes a essa ocasião foi o arguido AA acusado da prática do crime de condução de veiculo sem habilitação legal p. e p. no artigo 3º, nºs 1 e 2 do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro e a arguida BB pela pratica de um crime de desobediência p. e p. no artigo 348º, nº1 b) do Código Penal.

97. Ainda no âmbito do processo 277/09.6GAMAI e no dia 04.11.2009 o veículo de matrícula …-…-TO foi apreendido quando se encontrava na posse do arguido AA.

98. Os arguidos AA e BB actuaram de forma livre, deliberada e consciente, na sequência de um plano por eles delineado, com o propósito conseguido de, mediante o uso dos documentos referidos forjados referentes a NN, cuja origem criminosa ocultaram, entre os quais, recibos de vencimento, declarações de IRS, comprovativos de morada, do uso do seu bilhete de identidade e numero de contribuinte sem a sua autorização, e do abuso da assinatura da ofendida NN nos documentos supra referidos, entre os quais numa livrança, determinar o Stand “PP” e o “Banco LL Consumer Portugal” a fazerem inscrever e elaborar os aludidos documentos/contrato de locação Financeira e livrança referidos com todos os dados de identificação de NN como locatária, que bem sabiam serem factos falsos e que tais factos eram juridicamente relevantes.

99. Induziram, assim, em erro o citado stand e a citada instituição financeira, levando aquele a vender e a entregar o veículo de matrícula …-…-TO e esta a dispor do dinheiro cujo financiamento foi requerido e aprovado por contrato.

100. Causaram, assim, à referida instituição financeira prejuízo correspondente ao valor das prestações não pagas, como eram os seus propósitos.

101. Os arguidos AA e BB ao celebrarem o contrato supra referido, nele fazendo constar como locatária e aceitando a livrança em nome da ofendida DD, bem sabiam que esta poderia ser responsabilizada pelo pagamento das prestações correspondentes ao financiamento que em seu nome obtiveram e desse modo sofrer prejuízo correspondente, o que efectivamente veio a ocorrer.

102. Agiram ainda os arguidos AA e BB pela forma descrita com o propósito conseguido de obterem uma vantagem patrimonial que bem sabiam não terem direito, sempre sem o consentimento ou conhecimento da ofendida NN, do stand “PP” e da instituição financeira supra referida.

103. Actuaram ainda os arguidos pelos sobreditos modos, com o propósito conseguido de prejudicar ainda a fé pública dos títulos de crédito – livranças - e bem sabendo que ao assim actuarem punham em causa a segurança do tráfico comercial.

104. Os arguidos AA e BB actuaram ainda de forma livre, deliberada e consciente, na sequência de um plano por eles delineado, com o propósito conseguido de, mediante a declaração forjada referida, cuja origem criminosa ocultaram, onde fizeram constar factos falsos e que bem sabiam ser juridicamente relevantes, pois que nunca a ofendida NN consentiu os actos ali descritos, que de resto nem conhecia, determinar a PSP da Maia a entregar-lhes o referido veículo de matricula …-…-TO, que bem sabiam não terem direito, sempre sem o consentimento ou conhecimento da ofendida NN.

105. Os arguidos AA e BB sabiam que todas as aludidas condutas eram proibidas e punidas por lei.


106. A ofendida DD, em virtude dos factos praticados pelos arguidos AA e BB padeceu de sintomatologia ansiosa e ideação suicida.

107. Viu-se confrontada com comentários de colegas de trabalho, que tiveram conhecimento da execução do seu salário, o que a colocou em situação de humilhação, constrangimento e vergonha, tendo de se justificar diversas vezes, expondo a sua vida pessoal.

108. Passou a viver num estado de permanente ansiedade, de depressão e de stress.

109. Devido a esse estado passou a não tolerar à filha algumas atitudes.

110. O seu salário foi penhorado no processo executivo que lhe foi instaurado, com o n.º 7863/08.OTBMAI, sendo-lhe retirado do seu salário a quantia global, até à data de € 449,35, de que já foi reembolsada.


111. A ofendida NN nas deslocações efectuadas a este Tribunal, nas deslocações junto das entidades policiais a fim de proceder à defesa do bom-nome e da sua reputação, gastou directamente uma quantia nunca inferior € 750,00.

112. Sentiu-se durante muito tempo, e ainda se sente, muito magoada, revoltada, humilhada triste, abatida e angustiada, em consequência dos prejuízos, preocupações e desgaste físico e psicológico causado pelas condutas dos arguidos AA e BB.

113.  A situação foi amplamente comentada na aldeia onde reside, provocando um abalo emocional que não conseguia esconder.

114. A arguida BB é a terceira de cinco descendentes de um casal de lavradores.

115. O agregado residia numa casa de lavoura, vivenciando carências económicas, tendo a arguida tido uma educação tradicional, católica e rígida.

116. Frequentou a escolaridade até cerca dos 14 anos, mas face às dificuldades de aprendizagem apenas frequentou o 2º ano em função da idade.

117. Abandonou a escola aos 14 anos para auxiliar os progenitores na actividade agrícola.

118. Com cerca de 21 anos de idade, engravidou na sequência de relacionamento com indivíduo casado, sendo que o descendente, CC, foi perfilhado pelo arguido AA.

119. Trabalhou num residencial como empregada de limpeza e ajudante de cozinha, em Resende.

120. Posteriormente contraiu matrimónio com o arguido AA, tendo dessa relação dois descendentes, TT e UU, actualmente com 17 e 16 anos respectivamente.

121. Há cerca de 18 anos, mudou-se com o cônjuge e filhos para a Maia, tendo o cônjuge constituído uma empresa de venda de máquinas e ferramentas de construção civil, “HH - Maq. Ferram. Acess. Ldª.”, localizada na zona industrial da Maia, desenvolvendo aí a arguida actividade profissional apenas como telefonista/recepcionista, ainda que estivesse constituída como gerente da mesma empresa.

122. Manteve essa actividade de telefonista/recepcionista até há cerca de 6/7 anos, altura em que a empresa encerrou.

123. À data dos factos, tratando-se de um período alongado no tempo, residia com o cônjuge e os três filhos, na Maia.

124. Presentemente, e desde há cerca de 7 anos, BB encontra-se desempregada, não revelando efectuar diligências no sentido de se reintegrar laboralmente, encontrando-se inscrita no Centro de Emprego desde 8 de Maio de 2013.

125. O agregado é composto pela arguida, os três filhos e um jovem, VV, de 17 anos.

126. No agregado pernoitaram frequentemente também os namorados das filhas (de 16 e 17 anos).

127. O ambiente familiar é disfuncional e desestruturado, não revelando a arguida capacidade de ascendência sobre as filhas menores, havendo alguma conflitualidade e desrespeito da figura materna.

128. Residem em apartamento arrendado, tipologia 3, com condições de habitabilidade, inserida em zona residencial urbana de elevada densidade populacional.

129. No entanto, face ao facto de se encontrarem com um atraso de cerca de 5 meses no pagamento da renda (500€/mês), despesas que anteriormente assumida pelo ex-cônjuge, ponderam abandonar a habitação brevemente.

130. Encontra-se em incumprimento relativamente ao pagamento da água e electricidade.

131. Não dispõe de rendimentos próprios, subsistindo o agregado da prestação de abono das menores (cerca de 124€) e do contributo mensal que o filho CC presta, uma vez que é o único elemento laboralmente activo no agregado (auferindo cerca de 500€).

132. As filhas, ambas estudantes, recebem bolsas de apoio ao nível do transporte e alimentação.

133. Ao nível da saúde, padece de hipertensão, tendo sido operada à tiroide.

134. No meio, a família detém uma imagem negativa, sobretudo porque alguns dos elementos do agregado adoptam um comportamento desajustado e por vezes perturbador da paz pública, nomeadamente fazendo barulho e desrespeitando alguns elementos vicinais.


135. Por sentença de 15.11.2000 foi o arguido AA condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.05.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 24.05.2002 foi condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 1,00, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 5.07.2002 foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 3.10.1997, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.03.2003 foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, pela prática, em 27.09.2000, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. a), do C.Penal; por sentença de 30.01.2003 foi condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 9.04.1998, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 24.10.2002 foi condenado na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.01.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 17.02.2004 foi condenado na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.02.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 5.07.2007 foi condenado na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.02.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.01.2005 foi condenado na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 1,50, pela prática, em 4.05.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, do C.Penal; por sentença de 28.09.2005 foi condenado na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 26.06.2003, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 14.06.2010 foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.02.2003, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, do C.Penal; por sentença de 30.07.2008 foi condenado na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 10.2004, de um crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1, als. a) e c), e n.º 3, do C.Penal; por sentença de 19.05.2010 foi condenado na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 12.02.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 2.11.2010 foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática, em 5.05.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01.

136. Por sentença de 3.10.2000 foi a arguida BB condenada na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 300$00, pela prática, em 16.04.1999, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 12.02.2002 foi condenada na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 22.12.1999, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.01.2005 foi condenada na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 1,50, pela prática, em 4.05.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º143.º, do C.Penal; por sentença de 14.12.2005 foi condenada na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 26.05.2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 2.10.2007 foi condenada na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 1.09.2002, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º143.º, do C.Penal; por sentença de 23.02.2012 foi condenada na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 220 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 06.2009, de 4 crimes de difamação agravada, p. e p. pelos art.ºs 180.º e 184.º, do C.Penal.

                                        *

Recurso do arguido AA

O arguido AA, como já se deixou consignado, apenas impugna a pena conjunta que lhe foi aplicada[4], sob a alegação de que o tribunal a quo, ao fixar aquela pena em 6 anos de prisão, ultrapassou a medida da sua culpa, para além de que na sua determinação não foi considerada a sua idade de 75 anos, a sua baixa instrução, a sua condição económica, bem como a circunstância de todos os factos terem sido perpetrados num curto espaço de tempo, razão pela qual a pena deve ser reduzida para 3 anos de prisão e suspensa na sua execução, razão pela qual não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 40º e nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.

Observação prévia a fazer é a de que o disposto nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, é inaplicável à determinação da pena única ou conjunta, visto que a punição do concurso de crimes está submetida a regras próprias, distintas das que regem a determinação das penas singulares. Com efeito, a pena única ou conjunta é regulada pelos artigos 77º e 78º, do Código Penal, sendo o n.º 1 do artigo 77º que estabelece os critérios a que a determinação daquela pena está sujeita, estatuindo que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.[5]

Destarte, certo é que as circunstâncias que o arguido AA invoca em defesa da sua pretensão recursória, quais sejam a medida da sua culpa, a sua idade, baixa instrução e condição económica, bem como o curto espaço de tempo em que os crimes em concurso foram perpetrados, não constituem fundamento válido de impugnação da decisão recorrida.

Vejamos, em todo o caso, se a pena conjunta imposta ao arguido AA merece censura, concretamente se, como aquele pretende, deve ser reduzida e suspensa na sua execução.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[6], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[7], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. Posição também defendida por Figueiredo Dias[8], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Examinando os factos verificamos estarmos perante dois crimes de burla qualificada e três crimes de falsificação, factos cuja conexão é patente, a qual resulta não só da circunstância de os crimes de falsificação serem instrumentais dos crimes de burla, mas também da própria natureza da burla e da forma rigorosamente igual como ambos os crimes de burla foram executados.

Tais factos analisados em conjunto com o extenso percurso criminal protagonizado pelo arguido AA ao longo de cerca de vinte anos, com início no ano de 1996[9], a postura que assumiu na audiência, negando a prática dos factos e de algumas das condenações que lhe foram impostas, reflectem, sem margem para qualquer dúvida, uma personalidade deficientemente formada e estruturada, desvinculada dos valores juridicamente protegidos, sendo expressão da sua inclinação criminosa.

Tudo ponderado, tendo presente a natureza dos bens jurídicos violados, a gravidade de cada uma das penas singulares impostas[10] e o efeito futuro da pena sobre o recorrente, há que manter intocada a pena conjunta cominada.

                                         *

Recurso da arguida BB

Como já se deixou consignado, a arguida BB impugna a espécie e a medida das penas singulares e da pena conjunta impostas, penas que considera demasiado pesadas, pugnando pela aplicação de penas de multa, as quais a seu ver se mostram adequadas e proporcionais às exigências do caso concreto, sob a alegação de que sobre a data da prática dos factos já decorreu tempo considerável e de que não tem antecedentes criminais pelos mesmos tipos de crime dos ora perpetrados. Mais pugna, para o caso de aplicação de penas não privativas da liberdade, por uma redução das penas singulares, bem como da pena conjunta, que entende não dever ser fixada em medida superior a 5 anos, com suspensão da sua execução, sujeita a regime de prova, invocando para além do tempo já decorrido sobre a data dos factos e a ausência de antecedentes criminais pelos mesmos crimes, um menor envolvimento nos factos do que o do co-arguido José Barbedo, bem como a circunstância de se encontrar social e familiarmente inserida, sendo mãe de duas adolescentes de 16 e 17 anos de idade e de um jovem de 21 anos, e educadora de um jovem de 17 anos, factores que fazem diminuir as exigências de prevenção e permitem se formule um juízo de prognose favorável acerca da ameaça que a pena de prisão exercerá no seu comportamento futuro.

Começando por averiguar se o tribunal a quo deveria ter optado pela aplicação de penas de multa, dir-se-á que em matéria de critério de escolha da pena estabelece o artigo 70º, do Código Penal, que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de orientar-se na escolha da pena, quando ao crime, como sucede no caso dos autos, cabe, em alternativa, pena de prisão ou multa, a significar que a culpa não desempenha aqui qualquer papel, isto é, não exerce a menor influência.

Como refere Figueiredo Dias[11], sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena.

Quanto à prevenção geral certo é que ela nos diz que a pena alternativa só não será de aplicar se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias[12], ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

Relativamente à prevenção especial ela diz-nos que só deve ser negada a aplicação da pena alternativa quando a execução da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização ou reintegração, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente[13].

Como resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto, estamos perante delinquente que já foi condenada em penas de multa (ou de prisão substituída por multa) pela prática de três crimes de emissão de cheque sem provisão, cometidos entre 1999 e 2004, pela autoria de três crimes de ofensa à integridade física simples, perpetrados entre 2002 e 2003, e pela prática em 2009 de quatro crimes de difamação agravada.

Estamos pois perante delinquente sobre a qual as penas não privativas da liberdade não exercem efeito dissuasor, socializador e reintegrador, não a intimidam, pelo que à mesma não deve nem pode ser aplicada, mais uma vez, pena de multa, ou seja, impõe-se lhe seja cominada pena de prisão, exigência que, aliás, também decorre da circunstância de o sentimento jurídico da comunidade impor que a arguida seja punida com pena privativa da liberdade.

Passando à sindicação da medida concreta das penas de prisão, certo é que a sua determinação se faz com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, critério suportado pela culpa e pelas exigências de prevenção, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo. Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[14].

Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa[15], elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República, consagra[16].

No caso vertente estamos perante factos de mediana gravidade puníveis com penas de prisão de 30 dias a 5 anos (burla), 6 meses a 5 anos (falsificação de documento autêntico ou com igual força, testamento cerrado, vale do correio, letra de câmbio, cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º) e 30 dias a 3 anos (falsificação de documento), sendo certo que o tribunal a quo ao punir a arguida BB com penas de 2 anos e 8 meses (crimes de burla e falsificação de documento ou com igual força, testamento cerrado, vale do correio, letra de câmbio, cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º) e 1 ano e 1 mês de prisão (falsificação de documento), doseou as punições de forma correcta, posto que as penas fixadas situando-se abaixo da culpa da arguida, ou seja, da censurabilidade e da antijuridicidade do comportamento assumido e do grau de violação do dever jurídico imposto, encontram-se no patamar necessário ao restabelecimento da paz jurídica comunitária, patamar que também corresponde às exigências de dissuasão e de socialização.

Resta apreciar a medida da pena conjunta.

Atentas as considerações tecidas a propósito da pena conjunta imposta ao arguido AA, certo é que a moldura penal do concurso de crimes relativamente à arguida BB tem por limite mínimo 2 anos e 8 meses de prisão e por limite máximo 11 anos e 9 meses de prisão.

Na medida da pena única, como já se disse, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A arguida BB cometeu em co-autoria com o arguido AA dois crimes de burla qualificada e três crimes de falsificação de documento, sendo que, tal como aquele, negou a prática dos factos, o que revela desajustamento com os valores juridicamente protegidos.

Analisando aqueles factos em conjunto com o percurso delituoso que trilhou desde 1999, no decurso do qual cometeu mais três crimes de emissão de cheque sem provisão, três crimes de ofensa à integridade física simples e quatro crimes de difamação agravada, há que concluir que o ilícito global ora em apreciação é expressão de inclinação criminosa.

Ponderando a gravidade do ilícito global perpetrado, bem como de cada uma das penas impostas e, bem assim, o efeito futuro da pena sobre a recorrente, entende-se dever ser mantida a pena conjunta cominada.


*


Termos em que se acorda negar provimento aos recursos.

Custas pelos recorrentes, fixando em 5 UC a taxa de justiça a pagar por cada um.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2014

Oliveira Mendes (relator)

Maia Costa

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[1] - São as seguintes as penas singulares impostas:
AA:
- um crime de burla qualificada, 3 anos de prisão;
- um crime de burla qualificada, 3 anos de prisão;
- um crime de falsificação de documento, 3 anos de prisão;
- um crime de falsificação de documento, 3 anos de prisão;
- um crime de falsificação de documento, 1 ano e 2 meses de prisão;
BB:
- um crime de burla qualificada, 2 anos e 8 meses de prisão;
- um crime de burla qualificada, 2 anos e 8 meses de prisão;
- um crime de falsificação de documento, 2 anos e 8 meses de prisão;
- um crime de falsificação de documento, 2 anos e 8 meses de prisão;
- um crime de falsificação de documento, 1 ano e 1 mês de prisão.
[2] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os demais que se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes do processo.
[3] - No mesmo sentido, entre muitos outros, os acórdãos de 13.01.22 e 12.04.12, proferidos nos Processos n.ºs 182/10.3TAVPV e 2/09.1PARTZ.
[4] - Em parte alguma da motivação de recurso (corpo e conclusões) o recorrente contesta as penas singulares por que foi condenado.
[5] - De acordo com o n.º 2 do artigo 77º: «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
[6] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.

[7] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.

[8] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
[9] - O arguido AA cometeu oito crimes de emissão de cheque sem provisão, dois crimes de condução sem habilitação legal, um crime de falsificação, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de desobediência, todos punidos com pena de multa.

[10] - A moldura penal do concurso de crimes perpetrado pelo arguido tem por mínimo 3 anos e por máximo 13 anos e 2 meses de prisão.
[11] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 331/332.
[12] - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 333.

[13] - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 332/333.
[14] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.

[15] - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima – neste preciso sentido se pronuncia Taipa de Carvalho, “Prevenção, culpa e pena – Uma concepção preventivo-ética do Direito Penal”, Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, 317 e ss.

[16] - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.