Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
460/11.4TTBCL.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: TRANSMISSÃO ELECTRÓNICA DE DADOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Data do Acordão: 12/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS DAS PARTES / NULIDADES DOS ACTOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, Contrato de Trabalho, suplemento do BMJ, 1979, p.170.
- Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, p. 535.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, pp.142, 145.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1152.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 138.º- A, N.º1, 150.º, 201.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009, APROVADO PELA LEI Nº 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 12.º.
LEI Nº 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 7.º, N.º1.
LEI Nº 99/2003, DE 27.08: - ARTIGO 8.º, N.º1.
PORTARIA Nº 114/2008, DE 06.02.
PORTARIA Nº 1538/2008, DE 30.12, QUE ALTEROU E MANDOU REPUBLICAR A PORTARIA Nº 114/2008, DE 06.02: - ARTIGOS 14.º-C, N.º4, 29.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO (LCT): - ARTIGOS 1.º, 20.º, NÚMERO 1, ALÍNEA C), 39.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 03.03.2010, PROCESSO Nº 482/06.7TTPRT.S1; DE 20.01.2010, PROCESSO Nº 462/06.2MTS.S1; DE 22.04.2009, PROCESSO Nº 3618/08; DE 09.12.2012, PROCESSO Nº 2178/07.3TTLSB.L1.S1; DE 06.03.2013, PROCESSO Nº 3247/06.2TTLSB.L1.S1; DE 14.02.2013, PROCESSO Nº 2549/07.5TTLSBL1.S1; DE 20.10.2011, PROCESSO Nº 9/11.9YFLSB; DE 31.01.2012, PROCESSO Nº 121/04.0TTSNT.L1.S1; DE 19.04.2012, PROCESSO Nº 30/08.4 TTLSB.L1.S1; DE 08.05.2012, PROCESSO Nº 539/09.2TTALM.L1.S1; DE 30.01.2013, PROCESSO Nº 572/09.4CBR.C1.S1,TODOS DA 4ª SECÇÃO.
-DE 22.09.2010, PROCESSO Nº 4401/04.7TTLSB.S1; DE 16.01.2008, PROCESSO Nº 2713/07; DE 12.09.2012, PROCESSO Nº 247/10.4TTVIS.C1.S1; DE 12.10.2011, PROCESSO Nº 2852/06.1TTLSB.L1.S1; DE 14.04.2010, PROCESSO Nº 1348/05.3TTLSB.S1; DE 06.03.2013, PROCESSO Nº 3247/06.2TTLSB.L1.S1; DE 08.06.2011, PROCESSO Nº 700/08.7TTMTS.P1.S1; DE 20.10.2011, PROCESSO Nº 9/11.9YFLSB; DE 25.01.2012, PROCESSO Nº 805/07.1TTBCL.P1.S1.
-DE 09.02.2012, PROCESSO Nº 2187/07.3TTLSB.L1.S1, DA 4ª SECÇÃO.
Sumário :

1. A Portaria nº 114/2008, de 06.02, regulamentadora da tramitação processual por via electrónica, a que alude o artigo 138º-A, número 1, do C.P.C., na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, aplica-se obrigatoriamente ao nível dos tribunais de 1ª instância, mas não dos tribunais superiores, maxime do Supremo Tribunal de Justiça.

2. Para efeitos de qualificação de uma relação de trabalho iniciada em 17.02.1999 e que cessou em 22.07.2010, não resultando da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os termos daquela relação a partir de 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24.11.1964, de onde que não tenha aplicação à mencionada relação a presunção de laboralidade decorrente do Código do Trabalho de 2003 ou do Código do Trabalho de 2009.

3. Nos termos do artigo 342º, número 1, do Código Civil, compete ao trabalhador a alegação e a prova dos factos constitutivos da relação laboral, nomeadamente os que consubstanciam a subordinação jurídica, elemento essencial à caracterização da dita relação.

4. Tendo-se apurado que o autor exercia as suas tarefas com autonomia ao nível da execução, que dava quitação dos montantes recebidos através de “recibos verdes”, que esteve inscrito como trabalhador independente desde Janeiro de 2000 até Dezembro de 2011 e não se tendo provado que o autor estava sujeito a controlo de assiduidade e ao poder disciplinar da ré, não pode qualificar-se tal relação como contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1.

Em 12 de Maio de 2011, AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Barcelos, acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC – Hospitais Portugueses, S. A., com sede no Lugar de P..., B…, …, pedindo a condenação da ré no pagamento do montante global de € 79.014,31, acrescido de juros legais, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Para tanto, alegou o autor que:

- Em 17/02/1999, foi admitido ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, fiscalização e remuneração, prestar cuidados de saúde aos clientes daquela, na área da medicina interna, sua especialidade, tendo a Ré elaborado vários documentos que denominou de “acordo” e que assinaram.

- Exerceu a sua actividade de forma contínua e ininterrupta até ao dia 22/07/2010, já que, por carta datada de 27/05/2010, a Ré comunicou-lhe que denunciava o contrato de trabalho.

- Em 21/10/2006, a Ré, com nova administração, elaborou e redigiu outro documento que apelidou de “contrato de prestação de serviços”, cujos termos lhe foram impostos, mantendo-se a relação laboral tal como vinha sendo desenvolvida, com excepção da remuneração que passou a ser apenas variável.

- A relação laboral mantida com a Ré configurava um verdadeiro contrato de trabalho.

- O seu trabalho era desenvolvido segundo as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante retribuição, em média de € 3.425,11, emitindo os correspondentes recibos, com horário de trabalho, no local definido por aquela e com os instrumentos de trabalho fornecidos pela mesma.

- A denúncia efectuada pela Ré equivale a um despedimento ilícito, pelo que, tem direito a uma indemnização por antiguidade, bem como por danos morais.

Frustrada a conciliação na audiência das partes, contestou a ré, impugnando que a relação laboral que manteve com o autor, entre 17.02.1999 e 22.07.2010, ao abrigo de diversos e sucessivos contratos de prestação de serviços, consubstancie uma relação de contrato de trabalho. Pediu a ré, na oportunidade, que a acção fosse julgada improcedente, por não provada, e absolvida integralmente do pedido.

Foi proferido despacho saneador, fixando-se a matéria assente e elaborada a base instrutória, que não mereceu qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, a que se seguiu a prolação de sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, por não provada, absolveu a ré dos pedidos formulados.

Inconformado o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto.

Por acórdão de 18.02.2013, o Tribunal da Relação do Porto decidiu, com um voto de vencido, não reapreciar a matéria de facto, não conhecer das nulidades invocadas e julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

2.

É contra esta decisão que, agora, o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:

«1. A presente revista funda-se no disposto no artigo 722° n° 1 al. a) do cp civil e tem por base a errada interpretação do artigo 12° do código do trabalho e 350° do código civil, e ainda no facto de o acórdão ter tido um voto de vencido.

2. O recorrente esteve a trabalhar ao serviço da recorrida desde 1999 até Julho/2010, lapso de tempo em que vigoraram vários regimes legais, sendo que o regime aplicável é o constante do código do trabalho de 2009 - Lei 7/2009 de 12/2, conforme determina o artigo 7º dessa lei 7/2009.

3. O Recorrente alega existência de um contrato de trabalho iniciado em 17-2-1999, o qual e até à sua cessação em 22-7-2010, sofreu algumas alterações. Na data em que cessou o contrato de trabalho (22-7-2010), já estava em vigor o código do trabalho de 2009 e não estando em causa as condições de validade dos contratos nem qualquer outras das situações previstas no n° 5 daquele artigo 7º e tendo a cessação do contrato ocorrido depois da entrada em vigor da lei 7/2009, é aplicável aos contratos que aqui se discutem o actual código do trabalho e com ele a presunção estabelecida no artigo 12°.

4. A presunção legal estabelecida no artigo 12° do CT, só pode ser ilidida mediante prova em contrário (cfr. artigo 350° do código civil), o que a Recorrida não logrou fazer.

5. Tendo em conta o infra exposto sobre os requisitos ou presunções estabelecidas no artigo 12° do CT e verificadas estas, como efectivamente cremos que se verificam, incumbia à Recorrida o ónus de provar que os mesmos não se verificaram, por isso, não foi assertiva a sentença quando refere que incumbia ao Recorrente fazer prova dos factos constitutivos do(s) contrato(s) de trabalho(s).

6. As funções exercidas pelo recorrente ao longo de 11 anos foram sempre levadas a cabo em locais ou estabelecimentos pertencentes à Ré, conforme melhor consta do item 19 (pelo menos de 2ª a 6ª feira, o Recorrente trabalhava na ..., no estabelecimento da Recorrida) e do item 22 (a partir de 22-10-2006, o Recorrente trabalhou 2 a 3 dias por semana em ... e os restantes dias na ..., em estabelecimentos da Recorrida.), tal qual previsto nos 'acordos' ou 'contrato' de fls. 25, 28, 30 e 32.

7. Os equipamentos e instrumentos de trabalho, tais como: gabinete devidamente mobilado, com equipamentos de diagnóstico e computador (cfr. item 14 dos factos assentes), equipamentos e meios humanos e materiais disponíveis (cfr. cla. 5ª de fls 34), pertença da Recorrida e por esta postos à disposição do Recorrente para que pudesse executar ou exercer a sua actividade clinica.

8. Horário de trabalho. Na cla. 2ª do acordo de 2004 (fls. 25) consta o seguinte: ' o segundo outorgante (Recorrido) terá de cumprir um horário de disponibilidade, de acordo com as indicações da direcção clínica da primeira outorgante'. E nesse acordo de fls 24 estipulava-se ainda que o Recorrente teria de trabalhar aos fins-de-semana em escala rotativa a definir pelo departamento de medicina interna da Recorrida (cfr. cla. 5ª).

9. Na cla. 1ª al. a) do acordo de 2003 (fls.28) ficou acordado que o Recorrente cumpriria um horário a estipular pela direcção clínica da Recorrida e para além disso ficava vinculado ao regime de exclusividade.

10. Na cla 4ª do acordo de 2004 (fls 30) faz[-se] referência a um horário de 40 horas semanais, a trabalho nocturno, e ainda a trabalho prestado em feriados e fins-de-semana.

11. No contrato de 2006 de fls. 32, o Recorrente deve disponibilizar horário semanal, para atendimento e tratamento de utentes da BB e do ambulatório de ....

12. A recorrida controlava a assiduidade do Recorrente, através de cartão magnético que lhe forneceu e que garantia a disponibilidade das instalações, logo que registada a marcação no relógio existente. O relógio serve para controlar o tempo, o que, nas relações laborais, é o mesmo que dizer, controlar a assiduidade.

13.Todos os contratos até Outubro/2006 referem que o recorrente: i) terá de cumprir um horário de disponibilidade de acordo com as indicações da direcção clínica, incluindo feriados, noites e fins-de-semana; ii) um horário a estipular pela direcção clínica da primeira outorgante (recorrida); iii) horário de trabalho de 40 horas semanais. Manifestação de vontade da Recorrida, não é mais do que o exercício do direito consagrado no actual artigo 212°/1 do código do trabalho.

14. Relativamente ao contrato de fls. 32 e ss, consigna-se que o recorrente deve:

i) disponibilizar horário semanal;

ii) poderá não prestar o serviço desde que as datas de ausência sejam previamente acordadas com a Recorrida, e esta consinta na ausência,

 iii) consentida a ausência deve o recorrente compensá-la(s) com outros períodos de tempo;

15. O que faz com que não existe liberdade de o recorrente prestar ou não o seu trabalho.

16. O cartão magnético, atribuído pela Recorrida ao Recorrente. À excepção do contrato de fls. 32 a 37, todos os outros 'acordos' de fls. 25, 28 e 30, contêm a seguinte cláusula; * o segundo outorgante recebe nesta data um cartão de acesso que garantirá a disponibilidade das instalações ao seu serviço, logo que registada a marcação no relógio existente.

17. A existência deste cartão magnético, que garantia a disponibilidade das instalações ao serviço logo que registada a marcação no relógio existente, é próprio de quem está integrado numa estrutura organizada e a ela deve obediência e sujeição, na medida em que sujeito a cumprir ordens.

18. Não foi o Recorrente quem solicitou esse cartão, foi-lhe imposto pela Recorrida, tal qual consta expressamente do clausulado dos vários acordos ou contratos juntos aos autos e para controlar a assiduidade, Tanto assim que, pelo menos em 2004, a recorrida estipulou ao recorrente um horário semanal de 40 horas e ainda a prestação de trabalho nocturno, em feriados e fins-de-semana. Por isso bem se compreende que ao Recorrente tenha sido atribuído um cartão magnético com a finalidade de poder controlar as 40 horas semanais, o trabalho nocturno, feriados e fins-de-semana e ou outros horários que a recorrida foi estipulando ao longo dos 11 anos de trabalho.

 19. E mesmo noutras alturas, embora sem indicação concreta das horas semanais, tal como em 2004, o Recorrente tinha de cumprir um horário de trabalho de acordo com as indicações da direcção clínica da recorrida. Ora, o cumprimento desse horário, que era fixado, não por acordo, mas antes por indicação da recorrida, só podia ser controlado pelo cartão magnético e relógio a ele associado.

20. A existência de horário, mesmo sendo na modalidade de disponibilidade de acordo com as indicações da direcção clínica da recorrida, é próprio de quem pode e efectivamente dá ordens aos seus subordinados, como é o caso do Recorrente.

21. A Retribuição. Refere a sentença, “Claro está que tal remuneração era paga mensalmente (em dia certo)". Ao longo dos 11 anos a Recorrida pagou sempre mensalmente e ao dia 20 do respectivo mês. Apesar de periocidade certa, o valor da retribuição variou, ao longo dos anos que durou a relação laboral: i) No acordo de 2004 (fls. 25) a remuneração era fixada nas percentagens aí melhor referidas, ii) No acordo de 2003 (fls. 28), foi fixada uma remuneração mensal fixa de 498,00€, acrescida de uma remuneração variável, iii) No acordo de 2004 (fls. 30), foi mantida uma remuneração mensal fixa de 498,00€, acrescida de uma remuneração variável, iv) No acordo de 2006 (fls.34), voltou-se a fixar uma remuneração percentual baseada no número de doentes ou clientes atendidos pelo Recorrente. Facto que determina ou presume existência de contrato de trabalho.

22. Sendo que em qualquer uma das situações a remuneração era pagar ao Recorrente como contrapartida da sua actividade desenvolvida ao serviço da Recorrida, sendo que o artigo 261° do actual do código do trabalho permite que a remuneração tenha uma parte fixa e outra variável.

23. Sempre o recorrente esteve sujeito à direcção clínica da Ré (cfr. item 24). O facto de o Recorrente estar sujeito à direcção clínica da Ré não é mais nem menos do que estar inserido no âmbito da organização desta e sob a respectiva autoridade.

24. As contribuições ou descontos para a Segurança social e IRS. Até Outubro de 2006, o autor efectuou descontos para a segurança social como trabalhador dependente da Ré, que depois cessaram. Os factos dados como provados sobre os itens 29 e 30 tratam-se das declarações anuais apresentadas à Administração Fiscal/Tributária (modelo 10/anexo j) pela entidade devedora, ou seja, pela Recorrida, onde são evidenciadas as remunerações dos seus trabalhadores. No caso concreto, a Recorrida declarou ao Fisco rendimentos da categoria A (trabalho dependente) auferidos pelo Recorrente enquanto ao serviço da Recorrida.

25. Em correspondência com essa declaração, entregue pela Recorrida no serviço de Finanças competente, o Recorrente entregou também as suas declarações de IRS, conforme documentos juntos aos autos e não impugnados.

26. Com a entrega dessas declarações é a própria Recorrida a informar quer a Segurança Social quer a Autoridade Tributária de que o Recorrente é seu trabalhador dependente.

27. Todos os itens ou requisitos constantes do actual artigo 12° do código do trabalho são preenchidos pelo Recorrente, sendo certo que, bastava apenas que um deles se verificasse, para que se presumisse a existência de contrato de trabalho.

28. Foram violados os artigos 11°, 12°, 212°/1 e 261° do código do trabalho e o artigo 350° do código civil.

Termos em que deve a presente revista ser julgada procedente por provada e por via dela revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal de Barcelos, pois, só assim será feita JUSTIÇA!».

A ré contra-alegou, sustentando que a circunstância do autor ter apresentado o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações por correio electrónico configura a prática de um acto que a lei não admite e que é susceptível de influenciar a decisão da causa, o que gera a nulidade do mesmo (número 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil). Mais pugnou no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87º, número 3 do Código de Processo do Trabalho, tendo o Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

E isto porque, no entender do mesmo Senhor Magistrado, constituindo a subordinação jurídica a característica basilar do vínculo laboral, no caso vertente ela não se mostra reflectida em critérios acessórios, reveladores dessa subordinação. De onde que, não se demonstrando que a relação contratual que vigorou entre as partes haja revestido a natureza de contrato de trabalho, deveria a mesma ser tida como de contrato de prestação de serviço. Consequentemente, com a comunicação em que denunciava o contrato, a ré não procedeu ao despedimento do autor.

Parecer que não suscitou qualquer resposta às partes, que dele foram notificadas.

3.

 Sendo o recurso delimitado pelas conclusões da alegação, ao tribunal ad quem é licito conhecer apenas das matérias nelas abordadas, salvo as de conhecimento oficioso, constata-se, em face das conclusões da alegação de recurso apresentada pela recorrente, que as questões nelas suscitadas prendem-se com a aplicação, no caso, da presunção de laborabilidade estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro (conclusões 1ª a 5ª) e com o tipo de contrato (de trabalho ou de prestação de serviço) que vigorou entre o autor e a ré, no período de tempo compreendido entre 1999 e 2010, e consequências daí decorrentes (conclusões 6ª a 27ª).

Corridos os vistos legais, cumpre então decidir.

II. Dos Fundamentos

II.1  ̶  De Facto

«1. O autor é médico de profissão, estando inscrito como tal na Ordem dos Médicos Portuguesa e Espanhola – al. A) da FA.

2. Na sequência de um processo de fusão por incorporação, a ré incorporou a sociedade “BB – …, SA” – al. B) da FA.

3. A ré é uma unidade hospitalar que presta serviços de saúde, possuindo unidades/estabelecimentos situados na … (sede), …, …, … – al. C) da FA.

4. No dia 17 de Fevereiro de 1999, autor e ré (então “BB”) subscreveram o documento denominado “Acordo”, através do qual o autor se comprometeu a prestar cuidados de saúde aos clientes da ré, na área da medicina interna (especialidade do autor) – cfr. doc. que se encontra junto aos autos a fls. 25/26, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – al. D) da FA.

5. Nessa data, entre as partes foi ajustada a seguinte remuneração: a) pelas consultas realizadas pelo autor, a ré pagava 15% do seu valor, sendo que, ao fim de semana, esse valor era de 75%; b) por cada hora de permanência nas instalações da ré, esta pagava Esc. 3.5000$00 / 17,46€; c) por cada doente internado a mando do autor, a ré pagava Esc. 1.000$00 / 4,99€ por cada dia de internamento – al. E) da FA.

6. No dia 21 de Outubro de 2003, autor e ré subscreveram novo documento denominado “Acordo”, através do qual o autor se comprometeu a prestar cuidados de saúde aos clientes da ré, na área da medicina interna – cfr. doc. que se encontra junto aos autos a fls. 28/29, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – al. F) da FA.

7. Nessa data, entre as partes foi acordado o pagamento de uma remuneração mensal de 498,80 €, à qual acrescia uma componente variável, fixada nos seguintes moldes: a) pelas consultas realizadas, a ré pagava 30% do seu valor; b) pelas consultas/exames de espiriometrias a ré pagava 40% do seu valor; c) por cada check-up realizado, a ré pagava 5% do seu valor; d) pela permanência do autor nas instalações da ré aos fins-de-semana, feriados e noite, a ré pagava 17,46 € – al. G) da FA.

8. Mais ficou acordado que a área geográfica de trabalho do autor se limitaria às unidades da … e … – al. H) da FA.

9. No dia 19 de Julho de 2004, autor e ré subscreveram novo documento denominado “Acordo”, através do qual o autor se comprometeu a prestar cuidados de saúde aos clientes da ré, na área da medicina interna – cfr. doc. que se encontra junto aos autos a fls. 30/31, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – al. I) da FA.

10. No dia 21 de outubro de 2006, a atual administração da ré e o autor subscreveram o documento denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, através do qual o autor se comprometeu a prestar cuidados de saúde aos clientes da ré, na área da medicina interna – cfr. doc. que se encontra junto aos autos de fls. 32 a 37, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – al. J) da FA.

11. Da cláusula 6ª do documento referido na alínea anterior consta: “Pelos serviços prestados ao abrigo do presente contrato, a segunda contraente tem direito a receber, a título de honorários: a) 70% do valor que foi facturado pela “CC” por cada consulta realizada pela segunda contraente; b) 50% dos exames por si efectuados; c) 10% do valor dos exames de check-up por si relatados. (…) “ – al. L) da FA.

12. O autor exerceu tais funções para a ré desde 17/02/99 até 22/07/10 – al. M) da FA.

13. A ré remeteu ao autor a carta datada de 27/05/10, recepcionada pelo mesmo a 02/06, na qual constava o seguinte: “(…) Assunto: Denúncia do contrato de prestação de serviços (…) De acordo com o previsto na décima segunda do contrato de prestação de serviços outorgado no transacto dia 21 de Outubro de 2006, vimos pela presente proceder à denúncia do mesmo, com efeitos nos sessenta dias posteriores à recepção desta” – cfr. doc. de fls. 27, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – al. N) da FA.

14. O autor exercia as respectivas funções com equipamentos e meios humanos e materiais fornecidos pela ré, nomeadamente num gabinete devidamente mobilado, com equipamentos de diagnóstico e computador – al. O) da FA.

15. De Março de 1999 até Julho de 2010, a ré pagou ao autor as seguintes remunerações:

- Em 1999: a) Mar. 1.222€ (244.971$); b) Abr. 3.061€ (613.800$); c) Mai. 3.400€ (681.681$); d) Jun. 3.256€ (652.729$); e) Jun. 131,68€ (26.399$); f) Jul. 3.197€ (640.929$); g) Ago. 4.088€ (819.670$); h) Set. 2.039€ (408.777$); i) Out. 3.812€ (764.020$); j) Nov. 3.565€ (714.714$); l) Dez. 167,59€ (33.600$); m) Dez. 3.692€ (740.239$);

- Em 2000: a) Jan. 3.297€ (660.900$); b) Fev. 3.959€ (793.721$); c) Mar. 4.804€ (963.202$); d) Mar. 742,79€ (148.918$); e) Abr. 3.397€ (681.039$); f) Mai. 670,38€ (134.400$); g) Mai. 6.731,70€ (1.349.584$); h) Jun. 5.561,80€ (1.115.042$); i) Jun. 885,70€ (177.568$); j) Jul. 5.039,86€ (1.010.402$); l) Jul. 533,14€ (106.885$); m) Ago. 4.751.39€ (952.570$); n) Ago. 502,78€ (100.800$); o) Set. 335,19€ (67.200$); p) Set. 5.424,53€ (1.087.522$); q) Out. 4.346,51€ (871.398$); r) Nov. 3.928,84€ (787.662$); s) Dez. 4.213,51€ (844.734$);

- Em 2001: a) Jan. 3.383,48€ (678.327$); b) Jan. 164,70€ (33.000$); c) Fev. 4.724,25€ (947.128$); d) Mar. 4.389,83€ (880.082$); e) Abr. 4.713,59€ (994.991$); f) Mai. 4.557,73€ (913.742$); g) Jun. 512,67€ (1.027.603$); h) Jul. 3.777,16€ (757.254$); i) Ago. 4.754,20€ (953.133$); j) Ago. 226,62€ (45.434$); l) Set. 3.470,29€ (695.732$); m) Out. 4.590,05€ (920.223$); n) Nov. 3.528,54€ (707.409$); o) Dez. 4.300,24€ (862.121$);

- Em 2002: a) Jan. 3.682,36€; b) Fev. 5.272,27€; c) Mar. 5.526,71€; d) Abr. 5.359,29€; e) Mai. 5.461.29€; f) Jun. 4.466,77€; g) Jul. 5.358,36€; h) Ago. 4.803,34 €; i) Set. 4.811,22 €; j) Out. 4.983,14 €; l) Nov. 4.649.97; m) Dez. 5.305.38€;

- Em 2003 – a) Jan. 5.574,63€; b) Fev. 4.109,19€; c) Mar. 5.926,66€; d) Abr. 4.487,17€; e) Mai. 4.620,56€; f) Jun. 5.591,13€; g) Jul. 4.154,14€; h) Set. 5.026,98€; i) Set. 3.700,87€; j) Out. 4.303,71€; l) Out. 3.930.29€; m) Out. 332,56€; n) Nov. 997,60€; o) Nov. 1.685,04€; p) Dez. 997,60€; q) Dez. 1.186,17€;

- Em 2004 – a) Jan. 997,60€; b) Jan. 1.349,79€; c) Fev. 997,60€; d) Fev. 1.578,08€; e) Mar. 997,60€; f) Mar. 1.696,13€; g) Abr. 997,60€; h) Abr. 1.682,84€; i) Mai. 997,60€; j) Mai. 1.855,80€; l) Jun. 997,60€; m) Jun. 1.854,17€; n) Jul. 758,16€; o) Jul. 1.268,34€; p) Ago. 399,04€; q) Ago. 1.132,53€; r) Set. 399,04€; s) Set. 2.433.92€; t) Out. 399,04€; u) Out. 2.731,16€; v) Nov. 399,04€; x) Nov. 2.405,40€; z) Dez. 399,0€; w) Dez. 2.287,45€;

- Em 2005 – a) Jan. 399,04€; b) Jan. 2.375,35€; c) Fev. 399,04€; d) Fev. 3.024,74€; e) Mar. 399,04€; f) Mar. 3.197,76€; g) Abr. 399,04€; h) Abr. 2.081,42€; i) Mai. 399,04€; j) Mai. 1.794,78€; l) Jun. 399,04€; m) Jun. 1.888,22€; n) Jul. 399,04€; o) Jul. 2.476,54€; p) Ago. 399,04€; q) Ago. 1.845,56€; r) Set. 399,04€; s) Set. 1.817,35€; t) Out. 399,04€; u) Out. 2.686,35€; v) Nov. 399,04€; x) Nov. 2.455,18€; z) Dez. 399,04€; w) Dez. 1.223,92€;

- Em 2006 – a) Jan. 399,04€; b) Jan. 2.191,53€; c) Fev. 2.635,47€; d) Mar. 3.378,79€; e) Abr. 2.408,98€; f) Mai. 2.334,55€; g) Jul. 1.300,17€; h) Jul. 2.275,84€; i) Ago. 1.441,60€; j) Set. 1.582,48€; l) Nov. 399,04€; m) Nov. 1.531,25€; n) Nov. 6 2.177,80€; o) Dez. 1.948,60€;

- Em 2007 – a) Fev. 3.197,71€; b) Mar. 2.522,61€; c) Abr. 3.274,25€; d) Mai. 1.945,55€; e) Mai. 2.296,50€; f) Jul. 2.151,70€; g) Ago. 2.887,82€; h) Set. 2.584,32€; i) Out. 2.719,95€; j) Nov. 2.776,81€; l) Dez. 2.082,13€; m) Dez. 1.731,70€;

- Em 2008 – a) Fev. 2.186,02€; b) Mar. 837,34€; c) Mar. 2.290,56€; d) Abr. 1.920,87€; e) Mai. 1.983,11€; f) Jun. 2.408,05€; g) Jul. 1.854,65€; h) Ago. 2.884,37€; i) Set. 2.141,15€; j) Out. 2.649,86€; l) Nov. 2.476,89€; m) Nov. 2.708,01€; n) Dez. 2.236,45€;

- Em 2009 – a) Fev. 2.187,28€; b) Mar. 2.251,16€; c) Abr. 1.996,61€; d) Mai. 2.214,66€; e) Jun. 2.033,28€; g) Jul. 2.139,07€; h) Ago. 2.288,13€; i) Ago. 3.049,77€; j) Out. 2.985,54€; l) Nov. 2.755,38€; m) Dez. 2.195,55€;

- Em 2010 – a) Jan. 1.932,02€; b) Fev. 2.268,70€; c) Mar. 2.024,84€; d) Mai. 2.679,54€; e) Jun. 1.969,72€; f) Jul. 2.319,57€;

De todos estes pagamentos, o autor emitiu os correspondentes recibos – al. P) da FA

16. Os doentes/clientes atendidos pelo autor eram-lhe enviados pelos serviços da secretaria da ré, onde previamente se dirigiam para marcar a respectiva consulta, sendo depois reencaminhados para os vários médicos ao seu serviço (como era o caso do autor) – resposta ao facto 1º da BI.

17. Caso o doente/cliente escolhesse desde logo o autor, ser-lhe-ia então encaminhado – resposta ao facto 2º da BI.

18. O autor exerceu funções nos estabelecimentos hospitalares e de ambulatório da ré sitos na … e em …, pese embora do acordo junto aos autos a fls. 25/26 conste que também o pudesse fazer em … e no … – resposta ao facto 3º da BI.

19. O autor começou por trabalhar, pelo menos, de 2ª a 6ª feira, no estabelecimento da ….

Consta dos acordos juntos aos autos que o mesmo teria de: a) cumprir um “horário de disponibilidade, de acordo com as indicações da Direcção Clínica” da ré (Cláus. 2ª do doc. de fls. 25/26); b) cumprir um “horário a estipular pela Direcção Clínica” da ré (Cláus. 1ª-b) dos docs. de fls. 28/29 e de fls. 30/31); c) “disponibilizar horário semanal para o atendimento e tratamento de utentes” da ré (Cláus. 3ª n.º 1, a), do doc. de fls. 32 e ss.).

Da Cláus. 4ª do acordo de fls. 30/31 (datado de 19/07/04), menciona-se ainda a existência por parte do autor de um horário de trabalho de 40 horas semanais – respostas aos factos 4º e 7º da BI.

20. Em 2004, o autor trabalhou no estabelecimento da ré sito em …, por período não concretamente apurado – resposta ao facto 6º da BI.

21. Após ter trabalhado nos moldes descritos nos dois factos anteriores, o autor regressou ao estabelecimento da ré sito na …, no qual continuou a exercer as respectivas funções – resposta ao facto 8º da BI.

22. A partir de 21/10/06, já com a nova administração da ré, o autor passou a exercer funções em … (dois a três dias por semana, não se tendo apurado quais fossem) e na … (os restantes dias da semana), desconhecendo-se quais os horários pelo mesmo praticados – resposta ao facto 9º da BI.

23. Sempre que faltava, o autor tinha de comunicar previamente tal ausência (permitindo inclusive a desconvocação das marcações), constando ainda do acordo de fls. 32 e ss. que deveria posteriormente compensar as marcações existentes (cfr. Cláus. 3ª n.º 2 e 3 do citado acordo) – respostas aos factos 11º e 29º da BI.

24. O autor esteve sempre sujeito à direcção clínica da ré – resposta ao facto 13º da BI.

25. Pelo menos, a partir de Outubro de 2006, outros dois médicos começaram a dar consultas da especialidade de medicina interna, o que fez diminuir o número de consultas prestadas pelo autor (em, pelo menos 40%), bem como a retribuição até então pelo mesmo auferida (em percentagem não concretamente apurada) – respostas aos factos 15º, 17º e 34º da BI.

26. Pese embora o constante do facto anterior, o autor continuou a acompanhar os respectivos doentes – resposta ao facto 35º da BI.

27. Com o facto de ter deixado de exercer funções na ré, o autor ficou, pelo menos, desgostoso – resposta ao facto 16º da BI.

28. O autor também atendia doentes cuja consulta era paga por entidades públicas (ADSE, GNR, SAMS) – resposta ao facto 18º da BI.

29. O período durante o qual o autor prestava a sua função era fixado por acordo entre o mesmo e a ré – resposta ao facto 21º da BI.

30. O autor escreveu e dirigiu à ré as comunicações constantes dos documentos de fls. 83 – “(…) Solicitude de alteração de horário. Iniciação das consultas às 9h20, 3ªf, 5ª fª, 6ª fª”- e de fls. 84 – “Pede-se para não marcar consultas dia 5-09-08 (6ª feira)” – documentos para as quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – respostas aos factos 22º e 23º da BI.

31. O autor utilizava habitualmente o mesmo gabinete, pese embora este último também pudesse ser ocupado por outros médicos – resposta ao facto 25º da BI.

32. Os médicos que exercem funções na ré têm de manter a par a respectiva Directora Clínica dos diversos casos e pacientes que têm ao seu cuidado, comunicando as evoluções, a satisfação dos pacientes, as prescrições que realizam, etc, podendo aquela determinar procedimentos diversos dos que estejam a ser seguidos – respostas aos factos 26º, 27º e 28º da BI.

33. Ao autor esteve desde sempre atribuído um cartão magnético (de controlo de entradas e saídas) – cfr. doc. de fls. 160/161, para o qual se remete – resposta ao facto 31º da BI.

34. Entre Janeiro de 2007 e 30/11/10, o autor exerceu funções no Hospital Privado de ..., com o seguinte horário: 5ª feiras, das 09h às 12h (desde Janeiro de 2007 até 11/10/10) e 3ª feiras das 15h às 17h (desde 12/10 até 30/11/10) – cfr. doc. de fls. 187, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – resposta ao facto 32º da BI.

35. Os novos doentes da ré são encaminhados para os diversos médicos ao seu serviço, consoante as especialidades requeridas – resposta ao facto 33º da BI.

36. Caso um paciente manifestasse vontade de consultar o autor, seria encaminhado para o mesmo – resposta ao facto 36º da BI.

37. Com relação às funções exercidas pelo autor nos anos de 2003 a 2006, a ré declarou à administração fiscal o pagamento dos montantes constantes dos docs. de fls. 198 a 201, para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – facto n.º 37º.

38. O autor apresentou as Declarações Modelo 3 / IRS, referentes aos anos de 2005 a 2007, que se encontram juntas aos autos de fls. 202 a 208 e de fls. 212 a 222, para as quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – facto n.º 38º.

39 – Com referência ao trabalho prestado pelo autor entre Outubro de 2003 e Dezembro de 2011, foram comunicados à Segurança Social os pagamentos constantes do doc. de fls. 234 a 239, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – facto n.º 39º.

Deste documento consta que o autor efectuou descontos para a segurança social nos seguintes moldes: a) como trabalhador independente – desde Janeiro de 2000 até Dezembro de 2011; b) como trabalhador por conta de outrem (sendo a aqui ré identificada como sua entidade empregadora) desde Outubro de 2003 até Outubro de 2006.

Mais resulta que, neste último período, a ré efectuou igualmente contribuições referentes ao autor a título de férias remuneradas, subsídios de férias e subsídios de Natal».

II.2  ̶  De Direito

2.1  ̶  Questão Prévia

2.1.1

Como atrás se deixou referido, em sede de contra-alegações a ré, além de pugnar pela improcedência do recurso, sustenta que a circunstância de o autor ter enviado, por correio electrónico, o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações configura a prática de um acto que a lei não admite e que, susceptível de influenciar a decisão da causa, é gerador de nulidade, nos termos do número 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil.

Carece, porém, de razão a ré recorrida.

Se não, vejamos…

2.1.2

No que releva para o caso aqui em apreciação, constata-se que, de acordo com o disposto no artigo 150º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, em vigor à data da prática do acto (14.03.2013):

«1.Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a Juízo, preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na Portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.

   

2. Os actos processuais referidos no número anterior também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:


a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição».

Por seu turno, decorre do preâmbulo da Portaria nº 1538/2008, de 30.12, que alterou e mandou republicar a Portaria nº 114/2008, de 06.02 (que regula a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica) que, a partir do dia 5 de Janeiro de 2009 passará a existir um efectivo fluxo electrónico nos tribunais judiciais de 1.ª instância (o negrito é nosso) para os processos cíveis, de família e laborais e que, entre 15 de Abril e 30 de Junho de 2009, vigorará um regime transitório, em que coexistirão as notificações em papel, enviadas por correio, e as notificações electrónicas.

Mais se acentua no preâmbulo da mencionada Portaria n.º 1538/2008, de 30.12, que «… a presente portaria ainda não regula a tramitação electrónica nos tribunais superiores (o negrito é nosso), mas a existência de um processo físico que apenas passa a conter as peças e documentos relevantes para a decisão material da causa exige que se regulem alguns aspectos relativos aos recursos».

 Matéria que o legislador veio tratar no artigo 14.º-C, que aditou à Portaria n.º 114/2008, onde estabelece, de facto, no n.º 4 que «O tribunal superior tem acesso ao processo em suporte físico que inclui, nos termos do artigo 23.º, as peças e documentos relevantes para a decisão material da causa, bem como à restante informação sobre o processo, que é remetida electronicamente, através do sistema informático CITIUS».

Sucede, porém, que a aplicação do referenciado regime jurídico, tendente à progressiva (mas ainda não concluída) desmaterialização dos processos judiciais [depois de um período transitório, situado entre 15 de Abril e 30 de Junho de 2009, destinado a permitir aos advogados, solicitadores e tribunais uma adaptação gradual ao novo sistema e de um período experimental, com termo aprazado para 4 de Maio de 2009, previsto para adaptação dos magistrados do Ministério Público aos novos procedimentos de trabalho ([1])], vigora apenas para os processos judiciais nos tribunais de 1.ª instância, mas já não nos tribunais superiores, nomeadamente nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça.

De resto, tendo o sistema informático CITIUS limitada a sua aplicação à actividade desenvolvida pelos profissionais do foro nos tribunais judiciais e à actividade neles prosseguida pelos magistrados Judiciais e do Ministério Público e funcionários nos tribunais de 1ª instância, a Portaria nº 114/2008, de 06.02, regulamentadora da tramitação processual por via electrónica, a que alude o artigo 138º-A, número 1 do Código de Processo Civil, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08 (como referido, em vigor à data da interposição do recurso), tal sistema de transmissão electrónica de dados aplica-se obrigatoriamente ao nível dos tribunais de 1ª instância, mas já não dos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal.

 De onde que, face ao estatuído nas disposições legais antes citadas, designadamente do referido artigo 150º do Código de Processo Civil, nada impedia que o recorrente utilizasse a via do correio electrónico para transmitir o requerimento de interposição e bem assim as respectivas alegações do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal.

Em resultado disto, impõe-se então concluir que da arguida nulidade não se acha ferido o acto em causa.

Passando a conhecer do recurso do autor, AA

2.2    

2.2.1  ̶   Da Lei Aplicável (presunção de laborabilidade)

Discutindo-se, como visto, no caso em apreciação, a qualificação da relação jurídica que, estabelecida entre o autor e a ré, iniciou-se em Fevereiro de 1999 e prolongou-se até 22 de Julho de 2010 [logo que, constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3º, número 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto), mantida após o início da vigência do mesmo diploma e cessada depois da entrada em vigor da Lei nº 9/2006, de 20 de Março, que alterou a redacção de vários preceitos do mesmo diploma, cessou já na vigência da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que, tendo aprovado a revisão do Código do Trabalho, entrou em vigor em 17.02.2009], importa atender, para o apontado fim, ao estatuído nos artigos 8º, número 1 da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto e 7º, número 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que, no essencial, correspondem ao artigo 9º da Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 que, tendo aprovado o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT), veio a ser revogada pelo Código do Trabalho de 2003.

De facto, estabelece o primeiro dos referidos normativos (o do artigo 8º, número 1 da Lei nº 99/2003, de 27.08)[2] que, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho de 2003 os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

Por seu turno, dispõe o segundo dos mencionados preceitos (o do artigo 7º, número 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro) que, sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente Lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida Lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

Assim, não se prefigurando no caso sub judice qualquer das situações especificamente previstas nos artigos sequentes ao artigo 7º da Lei nº 7/2009, de 12.02 e não perdendo de vista que a relação jurídica em análise iniciou-se em Fevereiro de 1999 e cessou em 22 de Julho de 2010, conclui-se que ao mesmo caso aplica-se o regime jurídico instituído no Código do Trabalho de 2009, salvo quanto às condições de validade do contrato ou aos efeitos de factos ou situações totalmente passados antes de 17 de Fevereiro de 2009.

Daí que, quando o Código do Trabalho de 2009 (tal qual sucedia no Código de Trabalho de 2003) regula os efeitos de determinados factos, como expressão de uma valoração dos factos que estiveram na sua origem, se entenda que apenas se aplica aos novos factos.

De que decorre que a presunção de laboralidade [que, estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, deriva do pressuposto de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento de um dos cinco requisitos[3]   os previstos nas alíneas a) a e) do mesmo normativo  ̶ , o que  traduz uma valoração dos factos que importam essa presunção] só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas iniciadas ou constituídas após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, o que vale por dizer após 17 de Fevereiro de 2009.

Assim, não se extraindo da matéria de facto dada como provada que tivesse havido uma modificação essencial na configuração da relação jurídica que existiu entre o autor e a ré a partir de 17 de Fevereiro de 2009, para efeitos de qualificar a relação jurídica que, estabelecida entre as partes, vigorou entre Fevereiro de 1999 e 22 de Julho de 2010, há que recorrer ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT)[4], não se aplicando então, no caso, a presunção de laborabilidade, estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho de 2009.

Mas ainda que se entendesse (o que, como mais adiante se verá que não sucede) que com a celebração do contrato de 21.10.2006 (denominado de “contrato de prestação de serviços”) houve, relativamente aos contratos antes celebrados entre as partes (os de 17.02.1999, 21.10.2003 e 19.07.2004, designados de “Acordo”) uma alteração essencial na configuração da relação jurídica até aí existente entre a ré e o autor, para que este pudesse beneficiar da presunção de laboralidade, ora do artigo 12º do Código do Trabalho de 2003 (em vigor à data da celebração do dito contrato de 21.10.2006) sempre seria indispensável que se verificasse o preenchimento cumulativo dos requisitos exigidos na mencionada norma, como bem consideraram as instâncias e bem assim a ré recorrida.

Improcedem, em consequência, as conclusões 1ª a 5ª da alegação do recurso de revista.

2.2.2  ̶   Da qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes

A.

De harmonia com o disposto no artigo 1º da LCT (que, como adiante se verá, veio reproduzir a expressão literal do artigo 1152º do Código Civil), contrato do trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

Por sua vez, o Código Civil, estabelecendo, no artigo 1152º, que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta, preceitua, no artigo 1154º, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outa certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Sendo, como bem se vê, a prestação de serviço uma figura próxima do contrato de trabalho, tem constituído entendimento da doutrina e da jurisprudência que o elemento caracterizador do último (do contrato de trabalho) é a subordinação jurídica, o que vale por dizer, segundo Abílio Neto[5], «a relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização do dador do trabalho», de modo que o trabalhador se integra, de algum modo, em maior ou menor escala, no círculo de esfera de domínio ou autoridade de uma entidade patronal, sendo suficiente que esta possa dar-lhe ordens, dirigir ou fiscalizar o seu serviço, não se exigindo que de facto e permanentemente o faça».

E, para Menezes Cordeiro[6], a subordinação jurídica «analisa-se, em termos técnicos, numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra a direcção, o dever de prestar em que está incurso».

Subordinação jurídica que, caracterizadora do contrato de trabalho, decorre, justamente, do poder de direcção que a lei atribui à entidade empregadora (artigo 39º, número 1 da LCT) e a que corresponde o dever de obediência por parte do trabalhador [artigo 20º, número 1, alínea c) da LCT] e que, exigindo a mera possibilidade de existência de ordens, instruções ou direcção, pode até não se evidenciar em cada momento do exercício de determinada relação de trabalho, de sorte que, não raras vezes, aparentemente transmite a ideia da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e constantes da entidade empregadora, como ocorre, sobretudo, em actividade que, por natureza, impõem a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

Diferentemente do que sucede no contrato de trabalho, no contrato de prestação de serviço o devedor/prestador compromete-se a realizar ou obter um determinado resultado, que efectiva por si, com autonomia, logo sem interferências, sem sujeição a ordens, instruções ou direcção de execução da outra parte.

Porém, como repetidamente se tem considerado, a multiplicidade de situações susceptíveis de verificação, dificultando muitas vezes a subsunção dos factos à noção de trabalho subordinado, impõe que, no limite, se recorra a métodos aproximativos, fundados na interpretação de indícios. É, de facto, o que acontece nos casos em que o trabalho é desempenhado com elevada margem de autonomia técnica e científica, como, por exemplo, no domínio das profissões liberais.

Âmbito em que, como salienta Monteiro Fernandes[7], «…para haver subordinação jurídica basta um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato). A verificação da existência de subordinação traduz-se, empiricamente, num juízo de possibilidade e não de realidade».

Método aproximativo que permite concluir pela verificação (ou não) de uma situação de subordinação jurídica, fazendo intervir indícios reveladores dos elementos que se têm como caracterizadores da mesma, tais sejam os indícios negociais internos [v.g. designação conferida ao contrato; vinculação a horário de trabalho; prestação da actividade em local definido pelo empregador; modalidade de retribuição (em resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho); direito a férias e a subsídios de férias e de Natal; incidência dos riscos ligados ao exercício da actividade desenvolvida sobre o trabalhador; inserção do trabalhador na estrutura organizativa da unidade de produção; recurso a colaboradores por parte de quem desempenha a actividade em causa; existência de controlo externo quanto ao modo de prestação da mesma actividade; obediência a ordens e instruções ou sujeição à disciplina da empresa] e os indícios negociais externos (v.g. relativos ao universo dos beneficiários a quem a actividade é prestada; a observância dos regimes fiscais, de Segurança Social e de seguro obrigatório; a sindicalização do prestador da actividade)[8] .

Não obstante a importância de que se reveste o mencionado método, aceite pela doutrina e pela jurisprudência, importa reter que o valor daqueles indícios possui um valor muito relativo, de onde que o juízo a elaborar é sempre um juízo de globalidade, como refere Monteiro Fernandes[9].

De todo o modo, nos termos do estatuído no artigo 342º, número 1 do Código Civil, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, designadamente que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da mesma e que se encontra integrado na estrutura da empresa do empregador.

B.

Feitas estas considerações e revertendo ao caso em apreciação, constata-se, em face da matéria de facto dada como provada, que entre a ré CC – Hospitais Portugueses, S. A. (que, na sequência de um processo de fusão por incorporação, passou a incorporar a sociedade “BB    …, S.A.”), e o autor, que é médico, foram celebrados quatro contratos, sendo três, denominados  de “Acordo”, pela referida sociedade incorporada na ré, em 17.02.1999, 21.10.2003 e 19.07.2004, e um último, designado de “Contrato de Prestação de Serviços”, já pela ré, em 21.10.2006. 

Durante os 11 anos em que exerceu para a ré a sua actividade laboral, o autor i) fê-lo sempre em locais a ela pertencentes e mediante a utilização de equipamentos, materiais e meios humanos da mesma; ii) auferiu mensalmente remuneração (pese embora tivesse havido meses em que, por razões que se ignoram, tal não sucedeu, designadamente em Agosto de 2003, Outubro de 2006, Janeiro de 2008, Janeiro e Setembro de 2009 e Abril de 2010); iii) sempre dispôs de um cartão magnético (de controlo de entradas e saídas) que lhe foi atribuído pela ré; iv) sempre esteve sujeito à direcção clínica da ré; v) apresentou, no que concerne aos anos de 2005 a 2007, as declarações Modelo 3/IRS, sendo que, com respeito ao trabalho que prestou entre Outubro de 2003 e Dezembro de 2011, foram comunicados à Segurança Social os pagamentos realizados pela ré, tendo-se feito constar que efectuou descontos para a Segurança Social: a) como trabalhador independente desde 2000 até Dezembro de 2011; b) como trabalhador por conta de outrem (da ré) desde Outubro de 2003 até Outubro de 2006, tendo neste último período de tempo efectuado, igualmente, contribuições a título de férias remuneradas e subsídios de férias e de Natal.

Sufragando, porém, do entendimento acolhido pelo tribunal de 1ª instância, o tribunal recorrido, convocando para o efeito a fundamentação vertida na sentença proferida naquele, considerou que a relação existente entre o autor e a ré não podia ser qualificada de contrato de trabalho, explicitando, na parte mais significativa, esse seu juízo nos seguintes termos:

«Ora, o trabalhador recorrente, não logrou provar, como lhe competia (ao contrário do que alega) os elementos de facto constitutivos da relação laboral, nomeadamente, aqueles que consubstanciam a citada subordinação jurídica.

Na verdade, conforme resultou provado, o A. recorrente exerceu a sua actividade para a ré durante cerca de 11 anos, sempre em locais pertença da mesma e com equipamentos, materiais e meios humanos daquela; recebia a remuneração mensalmente e estava sujeito à direcção clínica da Ré, tendo a obrigação de cooperar com os demais profissionais da casa e de cumprir as regras técnicas e administrativas vigentes.

No entanto, não se apurou o controlo da sua assiduidade, mas apenas que, quando faltava, o autor devia avisar previamente por forma a que as consultas agendadas pudessem ser desmarcadas e que deveria compensar tais ausências. E também não resultou provado que tais ausências tivessem de ser justificadas ou que, das mesmas, pudesse resultar alguma consequência para o autor, designadamente, em termos disciplinares.

No que concerne ao horário do A., apurou-se que o mesmo era fixado por acordo e face às disponibilidades do autor e da ré, ao invés de ser imposto por esta àquele.

Acresce que, o facto de o A. ser portador de um cartão magnético, sem mais, também não nos leva a concluir pelo controlo do horário por parte da ré.

Quanto à remuneração paga pela Ré ao A., a mesma teve uma componente fixa e outra variável nos 2º e 3º contratos mas, nos 1º e 4º era fixada de acordo com o número de consultas/exames, com o número de horas de permanência, com o número de pacientes, recebendo o A. à percentagem e emitindo os respectivos “recibos verdes”, estando em consonância colectado nas Finanças como trabalhador independente.

Acresce que, pelo menos, a partir de Outubro de 2006, o A. não auferia subsídios de férias e de Natal, sendo que, a sua contribuição social como trabalhador subordinado da Ré, apenas ocorreu até àquela data e, como se refere na sentença recorrida <<(…) o mesmo nada peticionou na presente acção por conta dos subsídios de férias ou de Natal referentes ao período posterior a Outubro de 2006). Nada se apurou quanto à existência de férias remuneradas>>.

Mais resulta da matéria de facto apurada que os médicos da ré (e não também o A.) têm de manter a par a respectiva Directora Clínica dos diversos casos e pacientes que têm ao seu cuidado, comunicando as evoluções, a satisfação dos pacientes, as prescrições que realizam, etc, podendo aquela determinar procedimentos diversos dos que estejam a ser seguidos.

Por outro lado, o A., a partir de Janeiro de 2007 passou a trabalhar para outra entidade, pelo que, inexistia exclusividade do mesmo, bem como dependência económica em relação à Ré; o mesmo está colectado como trabalhador independente desde Janeiro de 2000 e, a partir de Julho de 2004, passou a ter a obrigação de possuir um seguro de cobertura de riscos profissionais.

Concluímos, assim, à semelhança do que foi feito na sentença recorrida que o A. não logrou provar, como lhe competia, que se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, sendo que, conforme consta da sentença recorrida «mesmo a considerar-se que, até Outubro de 2006, o autor exercia a sua actividade em regime de subordinação jurídica, considerando que, entre as partes, foi celebrado um novo e último contrato no qual foram alterados os pressupostos nos quais assentavam a base do acordado, sempre se teria de analisar todo o circunstancialismo fáctico (e subsequente enquadramento jurídico) face à lei então vigente (CT/03)».

Estamos, desta forma, perante um contrato de prestação de serviços e, consequentemente, quando a Ré comunicou ao A. a denúncia do mesmo, não procedeu a qualquer despedimento.

Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido quando concluiu pela existência de um contrato de prestação de serviços e pela improcedência de todos os pedidos, nomeadamente, os dependentes da verificação de uma relação laboral».

Subscrevendo, no essencial, as considerações acabadas de transcrever, não podemos deixar de concordar com o juízo decisório formulado pelas instâncias que, como se viu, concluíram no sentido de que o autor não logrou provar que a actividade que desempenhou para a ré, no referenciado lapso de tempo, consubstancia um contrato de trabalho subordinado.

Efectivamente, julgamos, também, que o autor (a quem incumbia fazer, nos termos do disposto no número 1 do artigo 342º do Código Civil) não conseguiu demonstrar com a necessária segurança e certeza que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, antes tudo apontando no sentido de que a relação que entre ambos existiu configura um contrato de prestação de serviço.

Senão vejamos…   

C.

Relativamente ao horário de trabalho e consequente controlo da assiduidade, constata-se que, tendo variado ao longo da execução dos contratos o ajustado a propósito pelas partes, uma coisa é certa: nada de concreto tendo sido apurado quanto ao exacto horário praticado pelo autor, sabe-se que era definido de comum acordo e de harmonia com as disponibilidades das partes, de onde que do lado da ré nunca houve qualquer imposição quanto ao seu cumprimento e, mais do que isso, não se provou que esta controlasse a assiduidade do autor ou que este tivesse de justificar as suas faltas e, muito menos, que, se não o fizesse, daí resultaria uma qualquer consequência.

Antes, provou-se apenas que, quando faltava, o autor devia avisar previamente, por forma a possibilitar a desmarcação das consultas agendadas e compensar as suas ausências.

Com respeito à circunstância de, durante cerca de 11 anos, o autor ter exercido a actividade médica em locais pertencentes à ré, usando os seus equipamentos, materiais e meios humanos, é bem verdade que, se tal resulta compatível, em igual medida, quer com o trabalho subordinado quer com a prestação de serviço, a natureza da actividade exercida pelo autor e o tipo de serviços prestados pela ré impunham que assim acontecesse.

E isto porque, estando a ré naturalmente equipada de instalações, apetrechos, consumíveis e meios humanos adequados ao bom desempenho da actividade que prossegue, como se disse no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2012, prolatado no Processo nº 2187/07.3TTLSB.L1.S1, da 4ª Secção, seria, no mínimo, caricato que a ré obrigasse os médicos a executarem o seu trabalho em condições diversas das que existiam, o que vale por dizer a proporcionarem, com óbvio dispêndio para os prestadores, instalações, equipamentos, consumíveis, etc.

Depois, no que concerne à forma de remuneração do trabalho prestado pelo autor à ré, não deixando de ser também verdadeiro que ela era processada e paga com periodicidade mensal, certo é que, além de ter sido variável, quer quanto ao montante quer quanto à modalidade de pagamento, ela registou mutações ao longo da execução dos diversos contratos celebrados entre as partes.

Assim, enquanto no 2º e 3º contratos a remuneração era constituída por uma parte fixa e uma parte variável, durante a execução do 1º e 4º contratos ela foi fixada de acordo com o número de consultas ou exames realizados pelo autor ou com o número de horas de permanência deste nas instalações da ré ou ainda com o número de doentes internados, recebendo o prestador uma percentagem dos montantes em que importavam tais actos médicos. Quer isto dizer, de harmonia com o resultado, daí a sua variabilidade, o que é característico do contrato de prestação de serviço, como também é o facto de, com referência a esses pagamentos, o autor emitir os chamados “recibos verdes” ou a circunstância de ter estado colectado, desde 2000 até Dezembro de 2011, nas Finanças, como trabalhador independente.

E não deixa igualmente de ser verdade que o facto do processamento e do pagamento dos serviços prestados ocorrer com periodicidade mensal carece de qualquer relevo para efeitos de caracterização da relação laboral como trabalho subordinado, visto que, se tal forma de retribuição não é exclusiva deste, ela também decorria do ajustado entre as partes (como sucedeu no 2º contrato).

E, se no âmbito da regular, adequada e previsivelmente eficiente gestão da estrutura empresarial da ré (que, recorde-se, trata-se de um hospital) resulta compreensível, e até justificável, a existência de normas e instruções procedimentais destinadas aos profissionais de saúde que, independentemente do respectivo vínculo, nela desempenham a sua actividade, as normas e instruções dirigidas ao autor e bem assim a circunstância de os médicos da ré (e não também o autor, relativamente ao qual nada se apurou a respeito) terem de manter informada a Directora Clínica sobre os casos e pacientes, não permitem concluir no sentido da existência de uma qualquer dependência hierárquica do autor em relação à ré ou que esta fiscalizava o modo como aquele efectuava o trabalho. Daí que tal concreto condicionalismo não seja, efectivamente, de molde a indiciar que a ré estaria interessada em obter algo mais do que o resultado do trabalho do autor.

Por outra via, cumpre ainda observar, no que tange a este aspecto, que o autor não logrou também provar que estivesse sujeito ao poder disciplinar da ré em caso de inobservância de quaisquer ordens, instruções ou directivas e bem assim de regras técnicas e administrativas, o que se reveste da maior importância para efeitos de caracterização da relação de trabalho.

Em face disto, não resulta pois segura a integração do autor na estrutura da ré e, como tal, a sujeição directa da actividade que desempenhava às orientações por aquela definidas e bem assim a sua responsabilidade disciplinar em caso de inobservância das ordens e instruções que, porventura, recebesse da direcção clínica.

Depois, no que se reporta à exclusividade (que, como se sabe, podendo constituir indício da existência de uma relação de trabalho subordinado, não é essencial à sua caracterização), desconhecendo-se, de facto, se entre 1999 e 2006 o autor trabalhou para outras entidades, certo é que, estando colectado, nas Finanças, como trabalhador independente desde Janeiro de 2000, a partir de Janeiro de 2007 e até 30.11.2010 passou a trabalhar para outra entidade, mais precisamente para o Hospital Privado de ....

Já no que concerne ao pagamento de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal (que também não constitui um indício específico do trabalho subordinado, uma vez que nada impede que, no âmbito de um contrato de prestação de serviço, as partes estabeleçam uma retribuição e acordem no sentido de o seu pagamento ser realizado em prestações mensais, incluindo prestações adicionais por ocasião das férias e do Natal), não deixa de ser verdade que, se a partir de Outubro de 2006, pelo menos, o autor não auferiu subsídios de férias e de Natal, tão pouco se apurou o que quer que fosse quanto a férias remuneradas.

Porém, como ponderaram as instâncias, o autor nunca terá reclamado o pagamento dessas prestações, embora não pudesse ignorar, face ao seu nível cultural, a obrigatoriedade de que, a ser devido, o mesmo se revestia e a alteração que, a esse respeito, se registara relativamente ao lapso de tempo compreendido entre Outubro de 2003 e Outubro de 2006, ocasião em que a ré procedeu a tais contribuições.

Circunstancialismo que (como se entendeu no citado acórdão de 09.02.2012 do Supremo Tribunal de Justiça) induz a considerar que o autor, conhecedor da sua situação em relação à ré, conformou-se com tal e aceitou a configuração dessa situação como prestação de serviço.

Isto, por um lado.

Por outra via, no que tange aos indícios de carácter formal ou externos, cabe ponderar que, a partir de Julho de 2004, o autor passou a ter a obrigação de possuir um seguro de cobertura de riscos profissionais, o que é mais consentâneo com o contrato de prestação de serviço do que com o contrato de trabalho subordinado, onde os riscos devem, realmente, estar abrangidos por seguros de acidentes de trabalho efectuados pela entidade empregadora.

Não havendo notícia de que o autor estivesse integrado numa qualquer estrutura sindical, em matéria de regimes fiscais e de Segurança Social, importa reter, entre o mais que para trás ficou referido, que aquele (que, enquanto exerceu a sua actividade para a ré, sempre emitiu “recibos verdes”) efectuou descontos para a Segurança Social: a) como trabalhador independente, de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2011; b) como trabalhador por conta de outrem (sendo a aqui recorrida identificada como sua empregadora), desde Outubro de 2003 até Outubro de 2006.

Apreciando, então, globalmente os indícios que emergem da relação contratual estabelecida entre o autor e a ré, impõe-se concluir que não se apuraram factos suficientes que permitam caracterizar a mencionada relação como de trabalho subordinado, quando é certo que era ao autor que competia, nos termos do artigo 342º, número 1 do Código Civil, fazer a prova dos factos necessários para configuração da exigível situação de subordinação jurídica, que é elemento constitutivo do contrato de trabalho.

Improcedem, em consequência, as conclusões 6ª a 27ª da alegação do recurso de revista.

III. Decisão

Termos em que, negando-se a revista, se confirma o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Anexa-se sumário (artigo 713º, nº 7 do Código de Processo Civil)



Lisboa, 2 de Dezembro de 2013


Isabel São Marcos (Relatora)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha

________________________
[1] Confira-se preâmbulo da Portaria n.º 1538/2008, de 30.12 e artigo n.º 29.º do mesmo diploma.
[2] Que acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo, contido no artigo 12º do Código Civil.
[3] Diversamente do que sucedia no domínio do Código do Trabalho de 2003 em que, como bem decorre do seu artigo 12º, se exigia o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos nas alíneas a) a e) da referida norma.
[4] De conferir, no mesmo sentido e entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2010, Processo nº 482/06.7TTPRT.S1; de 20.01.2010, Processo nº 462/06.2MTS.S1; de 22.04.2009, Processo nº 3618/08; de 09.12.2012, Processo nº 2178/07.3TTLSB.L1.S1; de 06.03.2013, Processo nº 3247/06.2TTLSB.L1.S1; de 14.02.2013, Processo nº 2549/07.5TTLSBL1.S1; de 20.10.2011, Processo nº 9/11.9YFLSB; de 31.01.2012, Processo nº 121/04.0TTSNT.L1.S1; de 19.04.2012, Processo nº 30/08.4 TTLSB.L1.S1; de 08.05.2012, Processo nº 539/09.2TTALM.L1.S1; de 30.01.2013, Processo nº 572/09.4CBR.C1.S1,todos da 4ª Secção.

[5] Contrato de Trabalho, suplemento do BMJ, 1979, p.170.
[6] Manual do Direito do Trabalho, p. 535.
[7] Direito do Trabalho, 12ª edição, p.142.
[8] De conferir, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2010, Processo nº 4401/04.7TTLSB.S1; de 16.01.2008, Processo nº 2713/07; de 12.09.2012, Processo nº 247/10.4TTVIS.C1.S1; de 12.10.2011, Processo nº 2852/06.1TTLSB.L1.S1; de 14.04.2010, Processo nº 1348/05.3TTLSB.S1; de 06.03.2013, Processo nº 3247/06.2TTLSB.L1.S1; de 08.06.2011, Processo nº 700/08.7TTMTS.P1.S1; de 20.10.2011, Processo nº 9/11.9YFLSB; de 25.01.2012, Processo nº 805/07.1TTBCL.P1.S1.
[9] Direito do Trabalho, 12ª edição, Coimbra, p. 145.