Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3820/17.3T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
FALECIMENTO DE PARTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
Data do Acordão: 01/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, REPRISTINANDO A DECISÃO DA 1ª INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :  Decorridos mais de seis meses sobre a suspensão da instância, motivada pelo falecimento de uma das partes, e sem que tenha sido promovida a respetiva habilitação de herdeiros (ou requerido o que quer que fosse), impõe-se declarar a deserção da instância, nos termos do nº 1 do artigo 281º do CPC, sem necessidade da prévia audição das partes.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



O Banco Comercial Português intentou, em 23 de Fevereiro de 2017, ação declarativa comum contra AA, Massa Insolvente de AA, representada em juízo pela Senhora Administradora de Insolvência Dra. BB, CC, DD, EE, pedindo que sejam julgadas improcedentes doações feitas pela primeira ré aos demais declarando-se que o Banco autor tem direito à restituição da nua propriedade ou do usufruto dos bens doados, no que se mostrar necessário à satisfação integral do crédito que identifica.

Comprovado nos autos, a …. de Dezembro de 2018, o falecimento da ré AA, em 22 de Janeiro de 2019, foi proferido o seguinte despacho:

“Atento o falecimento da R., documentalmente nos autos, declara-se suspensa a instância, cfr. art. 270º do C.P.C..

Notifique.”

Tal despacho foi notificado às partes em 23 de Janeiro de 2019.


Em 12 de Setembro de 2019, foi proferido despacho nos seguintes termos:

“(…)

Volvidos que são mais de seis meses sem que as partes promovam o andamento dos autos, estando, portanto, parado o processo, declara-se deserta a instância nos termos do disposto no art. 281º do C.P.C..

Custas pelo A.

Registe, notifique e oportunamente arquive. ….., 12.09.2019

A Juíza de Direito”.


Na sequência e no âmbito de recurso de apelação do autor, a Relação ..., com um voto de vencido, julgando procedente o recurso, anulou o despacho recorrido e ordenou o prosseguindo dos autos com a notificação das partes para se pronunciarem sobre os pressupostos da deserção da instância.


Inconformados interpuseram os réus CC, DD, EE recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões:

1º - O presente recurso vem interposto do douto Acórdão de fls.___, datado de 7 de Maio de 2020, o qual é de Revista, nos termos dos artigos 627º, 629º nº 1 e nº 2, alínea d), 631º nº 1, 637º, 638º, nº 1, 639º, nºs 1 e 2, 671º, nº 2, alíneas a) e b), 674º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 2, 675º, nº 1, 676º, nº 1 (à contrário), e 677º, todos do C.P.C., versando sobre a parte decisória constante do mesmo.

2º - Com relevância factual para a decisão do caso em apreço, devem ser considerados os

pontos 1 a 3, constantes da decisão recorrida e que foram reproduzidos nas alegações supra.

3º - A decisão recorrida não promoveu por uma correta aplicação da lei processual, mormente dos artigos 281°, 195° e 199°, todos do C.P.C., o que fundamenta a presente Revista, tal qual permite o artigo 674º, nº 1, alíneas a) e b), do C.P.C..

4º - Com o artigo 629º, nº 2, alínea d), do C.P.C., “ampliaram-se as possibilidades de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir, pelo facto de, em regra, surgirem em ações em que, apesar de apresentarem valor processual superior à alçada da Relação, não se admite recurso de revista nos termos gerais” (Abrantes Geraldes, em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, páginas 50 e 51).

5º - A questão discutida entre o Acórdão recorrido e os dois Acórdãos fundamento é idêntica, atual e foi decisiva nos resultados obtidos em qualquer uma dessas decisões judiciais. Por

outro lado, em qualquer uma destas decisões estamos perante os mesmos elementos de facto que levaram à subsunção jurídica - interpretação e aplicação - total e efetivamente contraditórias, tendo por base a mesma norma jurídica.

6º - O presente recurso preenche, de igual forma, os requisitos do valor e da sucumbência, incidindo o mesmo sobre um Acórdão que proferiu uma decisão interlocutória quanto à relação processual constituída nos autos, que tem efeitos de caso julgado formal.

7º - Ademais, sobre a situação em apreço não se verifica dupla conforme, nem sequer existe Acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a mesma questão fundamental de Direito e ao abrigo da mesma legislação.

8º - Determina, o n° 2 do referido artigo 671° do C.P.C. que os Acórdãos que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista (b) quando estejam em contradição com outro já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou (a) nos casos em que o recurso é sempre admissível. Ora, o recurso apresentado pelos Recorrentes, segue precisamente este iter processual, ou seja, primeiramente o recurso terá por fundamento a situação prevista na alínea b) do referido normativo, e, seguidamente, caso se entenda não ser admissível por esta via, o que se admite por mera cautela de patrocínio, então o recurso é igualmente submetido tendo por base o previsto na alínea a) da citada norma legal, por referência ao artigo 629º, nº 2, alínea d), do C.P.C..

9º - A admissibilidade do presente recurso está expressamente reconhecida no douto Acórdão do S.T.J., datado de 08-03-2018, processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt, o qual é um dos Acórdãos fundamento mencionados nos presentes autos e que incide sobre uma decisão interlocutória tomada quanto à relação processual, tendo sido igualmente proferida pelo Tribunal de primeira instância numa situação factual em tudo idêntica à que se discute nos presentes autos.

10º - Relativamente a esta admissibilidade invoca-se, como Acórdão fundamento o proferido pelo S.T.J. datado de 20-09-2016, processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, o qual se junta com o presente recurso, tendo o mesmo transitado em julgado, bem como assim como segundo Acórdão fundamento o proferido pelo S.T.J., datado de 08-03-2018, processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, também transitado em julgado, cuja cópia se junta, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

11º - No que toca às situações da alínea a), caso o entendimento perfilhado seja de que tem de ser obrigatoriamente um Acórdão proferido por uma Relação, contrariamente ao fundamentado supra, então desde já se indica o Acórdão fundamento proferido pelo T.R.L., datado de 24-10-2019, processo nº 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, tendo o mesmo transitado em julgado, bem como assim com o segundo Acórdão fundamento proferido pelo T.R.P., datado de 11-04-2019, processo n° 10135/05.8TBMAI.P1, também transitado em julgado, ambos acessíveis em www.dgsi.pt., desde já se requerendo o prazo de 10 (dez) dias para efeitos da sua junção, contados após a prolação do despacho em que figure entendimento distinto.

12º - A deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência (requisito subjetivo);

e b) A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento (requisito objetivo).

13º - “A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou atººlividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores.” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, Almedina, 2018, páginas 328 e 329) (cfr., no mesmo sentido, Acórdão do S.T.J., datado de 20-09-2016, processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

14º - Era à Autora que cabia promover o competente incidente de habilitação de herdeiros, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 269º, nº 1, alínea a), 270º, 275º, 276º, nº 1, alínea a), e 351º, nºs 1 e 2, do C.P.C..

15º - Com o despacho de 21 de Janeiro de 2019 a Autora ficou bem consciente de que estava onerada com a iniciativa de dinamizar a instância e que a sua inércia processual por mais de 6 meses conduziria à deserção da instância, tendo sido por via deste despacho que as partes ficaram cientes que tinham de se pronunciar e requerer o que tivessem por conveniente

16º - A decisão recorrida, que extingue os autos, é proferida não seis meses após este despacho de suspensão da instância, mas nada menos do que após cerca de sete meses e meio, o que se verificou por negligência da Autora.

17º - O Tribunal de primeira instância, perante a situação em concreto, não estava obrigado a praticar mais qualquer diligência prévia à decisão de extinção da instância (cfr., no mesmo sentido, os doutos Acórdãos do S.T.J., datado de 18-09-2018, processo nº 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1, o datado de 05-07-2018, processo nº 5314/05.0TVLSB.L1.S2, o datado de 14-12-2016,processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, e o datado de 20-09-2016, processo nº 1742/09.TBBNV-H.E1.S1; e o douto Acórdão do T.R.P., datado de 20-11-2017, processo nº 708/11.5TTMTS-A.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

18º - Destarte, ainda que o artigo 3º do C.P.C. consagre o princípio do contraditório e o artigo 7° do C.P.C. estabeleça o dever de cooperação mútua entre os diversos intervenientes processuais, não podem estes preceitos serem usados como mecanismo de subversão da dinâmica de forças que é o processo civil ou impedir a aplicação, no domínio do processo, da máxima constante do artigo 6° do Código Civil. Mesmo no domínio processual civil, a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

19º - Face ao exposto, não podem os Recorrentes concordar com o entendimento que vai no sentido do Acórdão recorrido, em que não foi observado o dever comunicar às partes que o processo aguardava o seu impulso e para exercer o contraditório. Salvo devido respeito por opinião contrária, os autos documentam já ter sido emitido despacho de suspensão da instância e do mesmo decorre um “aviso” à necessidade de impulso processual, pelo que outro entendimento violaria o princípio do dispositivo e da igualdade de partes.

20º - No presente recurso importa clarificar as seguintes questões processuais, a saber: (i) não obrigação da audição das partes; (ii) ónus de impulso processual a cargo da Autora; e (iii) regime de reacção processual à declaração da deserção da instância.

21º - No douto Acórdão recorrido é expresso o entendimento que existe dever do Juiz determinar a audição das partes, antes de proferir despacho a decretar a deserção da instância, por forma a que seja, antes daquela decisão, apreciada e valorada a conduta da Autora, permitindo a avaliação jurisdicional para decidir se ocorreu negligência sua em promover o andamento do processo.

22º - No primeiro Acórdão fundamento - o Acórdão do S.T.J., datado de 20-09-2016, processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 -, ficou claramente afirmado posição totalmente oposta à dos presentes autos, designadamente que a falta de impulso processual é automaticamente considerado como conduta negligente da parte, inexistindo uma obrigação/vinculação do Tribunal, em face desta postura e não havendo qualquer sinal em sentido oposto, para se proceder à audição prévia das partes, tendo precisamente como propósito averiguar da negligência sobre o sujeito processual que tem o ónus de precisamente impulsionar os autos, sobretudo quando existe prévio despacho que determinou a suspensão da instância.

23º - Já no segundo Acórdão fundamento - o Acórdão do S.T.J., datado de 08-03-2018, processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 -, vem corroborar a posição defendida pelo primeiro Acórdão fundamento, indo mais longe ao sustentar que não tem o Tribunal qualquer dever de advertir a parte que a inércia da Autora, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância.

24º - Pelo que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o Acórdão recorrido contraria não só a corrente jurisprudencial dominante nos Tribunais Superiores, mas está em manifesta oposição com os dois indicados Acórdãos fundamento.

25º - Existe abundante jurisprudência, que são unânimes em afirmar que não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho a que alude o n° 4 do artigo 281° do C.P.C., não tem qualquer obrigação legal de ouvir previamente as partes, designadamente:

a) Acórdão do S.T.J., datado de 18-09-2018, processo nº 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1; b) Acórdão do S.T.J., datado de 05-07-2018, processo nº 5314/05.0TVLSB.L1.S2; c) Acórdão do S.T.J., datado de 08-03-2018, processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1; d) Acórdão do S.T.J., datado de 22-02-2018, processo nº 473/14.4T8SCR.L1.S2;e) Acórdão do S.T.J., datado de 19-09-2017, revista nº 1572/07.4TBCTX.E1.S1; f) Acórdão do S.T.J., datado de 04-05-2017, revista nº 728/08.7.TBSSB.E1.S1;g) Acórdão do S.T.J., datado de 14-12-2016, processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1;h) Acórdão do S.T.J., datado de 20-09-2016, processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1;i) Acórdão do S.T.J., datado de 01-03-2016, processo nº 106/03; j) Acórdão do T.R.L., datado de 20-02-2020, processo nº 268/16.0/8OER-A.L1-2;k) Acórdão do T.R.L., datado de 24-10-2019, processo nº 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2; l) Acórdão do T.R.L. datado de 22-01-2019, processo nº 17312/16.4T8SNT.L1-7; m) Acórdão do T.R.L. datado de 12-07-2018, processo nº 563/14.3YXLSB.L1-7; n) Acórdão do T.R.L. datado de 07-06-2018, processo nº 1807/12.1TVLSB.L1; o) Acórdão do T.R.L. datado de 220-12-2016, processo nº 3422/15.9T8LSB.L1; p) Acórdão do T.R.P. datado de 11-04-2019, processo nº 10135/05.8TBMAI.P1; q) Acórdão do T.R.P. datado de 06-02-2018, processo nº 17954/16.8T8PRT.P1; r) Acórdão do T.R.P. datado de 2º-11-2017, processo nº 708/11.5TTMTS-A.P1; s) Acórdão do T.R.E. datado de 30-05-2019, processo nº 170/17.9T8SRP.E1; t) Acórdão do T.R.G. datado de 212-09-2019, processo nº 6748/17.3T8VNF.G1; u) Acórdão do T.R.G. datado de 09-11-2017, processo nº 275/05.9TBMTR.G1; v) Acórdão do T.R.G. datado de 15-01-2015, processo nº 990/14.6T8BRG.G1.

26º - E a situação fáctica decorrente da relação processual é, em tudo, idêntica entre o que ocorre nos autos e os Acórdãos fundamento, a saber: (i) em todos os processos foi proferida decisão judicial que decretou deserta a instância e extinto o processo; sendo que (ii) o que esteve na base de tais despachos foi a ausência de intervenção processual das partes, no processo, por mais de seis meses; (iii) no Acórdão recorrido e no primeiro Acórdão fundamento a falta de impulso processual deriva do falecimento do Réu, não se tendo requerido o respetivo incidente de habilitação; (iv) os despachos que declararam extintas as instâncias não foram precedidos de qualquer convite prévio à pronúncia sobre a negligência processual; (v) que a falta desse convite ou do alerta à cominação constante do artigo 281° do C.P.C. constitui nulidade processual.

27º - No processo n° 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 (primeiro Acórdão fundamento), pronunciou-se este Supremo Tribunal de Justiça no sentido de, tratando-se na declaração de deserção simplesmente de fazer actuar um efeito processual que, associado a certo comportamento omissivo da parte, está diretamente estabelecido na lei e que em nada se resolve numa questão de facto, numa questão de prova nem numa questão de direito material suscitada pela contraparte, nem tão-pouco numa decisão-surpresa, nada há a contraditar. Isto só não seria assim se acaso a lei determinasse que nenhum despacho relativo aos termos do processo poderia ser proferido sem uma prévia audição das partes. Mas não determina, estando ela própria recheada de hipóteses em que ao silêncio ou inação das partes se segue imediatamente (isto é, sem prévia audição das partes) a declaração judicial do efeito processual cominatório que lhe está associado.

28º - Neste mesmo sentido, o processo n° 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 (segundo Acórdão fundamento), pronunciou-se, novamente, este Digníssimo Tribunal a propósito da verificação dos pressupostos de deserção da instância, determinando, sem prejuízo do mais, que o aludido preceito não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida, notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efetivamente verificados os pressupostos que a determinam.

29º - Quer no Acórdão recorrido quer nestes dois Acórdãos fundamento a instância foi avaliada à luz do atual artigo 281° do C.P.C., pelo que a manifesta contração e oposição existente entre aquele o Acórdão recorrido e aqueles dois outros Acórdãos constitui a génese e fundamento do presente recurso, tendo em vista a manutenção do decidido pelo Tribunal de primeira instância, pois que a mesma configura - tal como nos Acórdãos fundamento – uma correta aplicação daquele normativo.

30º - Quando a doutrina e a jurisprudência se referem à natureza não automática da deserção, o que, de facto, pretendem sublinhar é que, hodiernamente, a mesma carece de ser afirmada por despacho - tal qual o foi presentemente, por via do despacho que determinou a deserção da instância, o qual se destina tão só a concluir o que naturalmente decorre dos pressupostos da deserção.

31º - A deserção da instância a que se refere o presente recurso ocorreu em 2 de Setembro de 2019, sendo que a Autora apenas impulsiona os autos em 1 de Outubro de 2019, ou seja, após a prolação do despacho que determinou a extinção dos autos (datado de 12 de Setembro de 2019 e notificado às partes em 16 do mesmo mês).

32º - O comportamento negligente que opera para efeitos do artigo 281° do C.P.C., é, como a própria norma o indica, o comportamento processual, sem necessidade de qualquer interpretação corretiva deste preceito legal.

33º - Os artigos 4° e 6º, ambos do C.P.C., proíbem que se elimine o ónus de impulso processual imposto por lei às partes.

34º - Os Acórdãos que vêm citados na decisão sob recurso estão, no essencial, de acordo com a tese defendida pelos Recorrentes, com exceção de apenas dois Acórdãos, em que os elementos de facto em discussão são totalmente distintos do que ocorre no caso em apreço.

35º - Defendeu-se também no douto Acórdão do S.T.J., datado de 14-12-2016, processo nº  105/14.0TVLSB.G1.S1, que: “se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação perentória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente”.

36º - Mas a este propósito, e em clara oposição ao Acórdão recorrido, sustenta-se no primeiro Acórdão fundamento que: “se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência”.

37º - O Acórdão recorrido está, de igual modo, em oposição com a doutrina mais relevante nesta matéria, designadamente com a posição do ilustre professor Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao douto Acórdão do T.R.G., datado de 12-10-2017, processo nº 329/13.8TJVNF.G1, no blog do IPCC (no sítio https://blogippc.blogspot.com/).

38º - Entende-se que o dever de audição prévia não se impõe como regra geral e muito menos nos casos em que tenha sido cumprido o dever de prevenção (através do despacho a suspender a instância, para que a consequência da sua inação é a da deserção da instância findo o prazo de 6 meses). E é aqui que também a decisão recorrida não colheu bem o que decorre do regime legal do artigo 281º do C.P.C., nem da interpretação largamente maioritária da jurisprudência, na medida em que não só o Tribunal de primeira instância tinha suspendido a instância, o que por si só leva a uma concreta advertência para o passo processual seguinte que não poderia ter sido ignorado pela Autora, como também essa advertência é legal, não existindo qualquer necessidade de a repisar, nem o artigo 3º, nº 3, do C.P.C, a impõe.

39º - E a Autora, como grande litigante que é (tendo pago taxa de justiça em conformidade) simplesmente não pode invocar, como o fez, o desconhecimento do regime legal da deserção.

A Autora tem a especial e acrescida obrigação de o conhecer, assim como deveria ter atentado que o Tribunal de primeira instância suspendeu os autos, logo após ter obtido conhecimento do falecimento da Ré. Porém, a nada disto a Autora deu a necessária relevância ou créditos, optando por uma postura de total inoperância e desligamento dos presentes autos, que forçosamente terá de ter as consequências já decretadas da deserção da instância.

40º - Donde não se vislumbra fundamento bastante, designadamente à luz do princípio do

contraditório ou de qualquer outro, para a prévia audição da Autora antes de proferido o despacho recorrido, com vista a conferir da sua negligência na deserção da instância.

41º - Em suma, é inevitável que só a Autora pode ser responsabilizada pela paragem do processo o que não pode deixar de ser sancionado, nos termos do referido nº 1 do artigo 281º do C.P.C., com a deserção da instância, conforme se decidiu em sede de Tribunal de primeira instância.

42º - É doutrina pacífica caber à aqui Autora o impulso processual, nomeadamente incumbe-lhe o ónus de requerer a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa da parte (artigo 351º do C.P.C.).

43º - O douto Acórdão recorrido, se bem o entendemos, justificou a falta de impulso processual por banda da Autora com o desconhecimento da mesma do dever para tal.

44º - Ao invés e em oposição, no Acórdão fundamento - o Acórdão do S.T.J., datado de 20-09-2016, processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 - que retrata uma situação factual idêntica à que ocorre nos presentes autos, impõe não só esse impulso à Autora, como ainda retrata a sua conduta processual como verdadeiramente omissiva, classificando-a como incumprimento de um dever que tem como natural consequência a determinada deserção da instância.

45º - Existe abundante jurisprudência, que são unânimes em afirmar que incumbe à Autora o ónus processual de impulsionar a instância, sob pena de ser determinada a sua deserção, designadamente:

a) Acórdão do S.T.J., datado de 05-07-2018, processo nº 105415/12.2YIPRT.P1.S1; b) Acórdão do S.T.J., datado de 22-02-2018, processo nº 473/14.4T8SCR.L1.S2; c) Acórdão do T.R.L., datado de 20-02-2020, processo nº 268/16.0T8OER-A.L1-2; d) Acórdão do T.R.L., datado de 07-06-2018, processo nº 1807/12.1TVLSB.L1; e e) Acórdão do T.R.G., datado de 12-09-2019, processo n° 6748/17.3T8VNF.G1.

46º - Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes (artigo 269º, nº 1, alínea a), do C.P.C.), resulta clarividente que a partir de então passa a recair sobre a parte (no caso a Autora) o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como o revelam os artigos 276º, nº 1, alínea a) e 351º, ambos do C.P.C.. A não ser que a parte revele dificuldades na identificação daqueles ou na obtenção da necessária documentação dentro do referido prazo de 6 meses ou de outro prazo que resulte de alguma prorrogação, o que não se verificou no caso em apreço e assim o vem reconhecido no Acórdão recorrido, verificar-se-á uma situação de inércia imputável à parte, nos termos do nº 3, com efeitos na deserção da instância, como se decidiu no primeiro Acórdão fundamento invocado.

47º - No caso dos autos, decorre do despacho proferido em 22 de Janeiro de 2019 que o ónus de averiguar os dados relativamente às partes falecidas não incumbe ao Tribunal, mas sim à parte de quem depende o impulso processual, o que resulta claramente do disposto no artigo 270º do C.P.C., que vem citado nesse mesmo despacho. Destarte, não podia o Tribunal lançar mão do poder-dever de gestão processual para se substituir à parte, a quem incumbia o ónus de impulso processual subsequente, tal como decorre do nº 2 do citado artigo 6º do C.P.C..

48º - Sem conceder, se violação houvesse dos referidos deveres, tal não podia ser conhecido pelo Tribunal a quo na medida em que esta não é uma nulidade de conhecimento oficioso e não foi, atempadamente, arguida junto daquele Tribunal de primeira instância, tal qual, aliás, foi sufragado no Acórdão fundamento proferido pelo S.T.J., datado de 08-03-2018, processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.

49º - Nos termos do artigo 195° do C.P.C., “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva constituem uma nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, sendo que a declaração de nulidade do ato, ao abrigo do n° 1 do artigo 195° do C.P.C., determina a nulidade dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, tendo, esta nulidade secundária, de ser expressamente arguida pelas partes e no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento.

50º - Ainda que se entendesse que o Tribunal de primeira instância omitiu, indevidamente, o dever de cooperação ou desrespeitou o princípio do contraditório, não poderia, tal omissão ser sindicada nos moldes pretendidos pela Autora e que mereceram acolhimento junto do Tribunal a quo.

51º - Isto porque, nesse enquadramento, o que se ataca não é, afinal, o despacho recorrido, mas a omissão de um ato processual que lhe deveria ter antecedido.

52º - Ora, as normas constantes da Secção VII, do Capítulo I, do Título I do Código de Processo Civil são passíveis de aplicação aos atos do Tribunal.

53º - No caso sob julgamento, a Autora recorreu de um despacho quando a instância já se encontrava finda desde 26 de Setembro de 2019. Quisera a Autora atacar os efeitos da deserção por força da omissão de um dever, deveria ter sindicado pela omissão de um ato processual - o pretenso dever do Tribunal em ouvir as partes -, em momento oportuno e local próprio, nos termos do artigo 195° do C.P.C., o que, assim, lhe permitiria lançar mão do efeito ablativo da nulidade que apagaria a deserção, entretanto, alegada.

54º - Todavia, na medida em que, quando confrontado com o despacho de deserção da instância, a Autora se limitou a recorrer, deixou de arguir a nulidade de omissão do ato processual por parte do Tribunal e, assim, de a poder invocar, nesta sede, como fundamente o de recurso, a referida omissão e de permitir à douta Relação sobre ela sindicar.

55º - Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Daqui resulta que, não tendo a Autora reclamado da nulidade emergente da falta de audição prévia das partes, não pode a Autora recorrer com tal fundamento.

56º - Por último, no que toca ao recurso interposto por via do previsto na alínea a) do artigo 671º, nº 1, do C.P.C., para efeitos do indicado Acórdão fundamento o proferido pelo T.R.L., datado de 24-10-2019, processo nº 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, tendo o mesmo transitado em julgado, bem como assim com do segundo Acórdão fundamento o proferido pelo T.R.P., datado de 11-04-2019, processo n° 10135/05.8TBMAI.P1, também transitado em julgado, reitera-se a este propósito tudo o que oportunamente se alegou supra nos pontos III.6, III.7, III.8 e III.9, na medida em que também todos os requisitos legais previstos e invocados encontram-se igualmente preenchidos quanto a estas decisões judiciais, nos precisos termos supra alegados e que não se repetirá por desnecessário e inútil.

57º - Em face de tudo o que vem exposto, a decisão recorrida em apreço cometeu um erro de julgamento que vicia materialmente a decisão sob recurso, por violação do disposto nos artigos 195°, 199° e 281°, todos do C.P.C., devendo a mesma ser integralmente revogada conforme consta das presentes alegações.

Termos em que, deverá ter provimento o presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, na sua parte dispositiva de que ora se recorre, a fim de se fazer a tão costumada JUSTIÇA.


Não foram apesentadas contra-alegações.


Os recorrentes vieram a juntar aos autos certidões dos acórdãos invocados como acórdãos fundamento.


Subidos os autos ao STJ, na sequência de convite do Relator aos recorrentes para especificarem qual dos acórdãos indicados escolhiam como acórdão fundamento, os mesmos vieram indicar como acórdão fundamento o acórdão do STJ de 08.03.2018, proferido no processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1.

E por despacho do Relator, foi proferida decisão no sentido da admissão da revista, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 2 do artigo 671º do CPC, por se considerar verificada a invocada contradição, a que se alude naquele preceito, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.


Dispensados os vistos, cumpre decidir:

  Atento o teor das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, e decidida que a admissibilidade da revista, a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se a deserção da instância devia ser declarada, nos termos em que o foi, na 1ª instância, sem necessidade da prévia audição das partes sobre a verificação dos pressupostos da deserção da instância.

  Para o efeito, haverá que ter em consideração os elementos factuais emergentes dos autos e referidos no relatório supra.

Conforme supra referido, tendo decorrido mais de seis meses após a notificação às partes do despacho que determinou a suspensão da instância fundada no falecimento da ré AA, sem que tivesse sido requerida a respetiva habilitação de herdeiros, a 1ª instância declarou, de imediato e sem a prévia audição das partes, a deserção da instância, ao abrigo do disposto no artigo 281º do CPC, em cujo nº 1 se estabelece que “sem prejuízo do disposto no nº 5 (ora sem interesse) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Por sua vez, a Relação (muito embora reconhecendo ser diversa e contraditória a jurisprudência sobre a matéria) seguiu o entendimento contrário, ou seja, no sentido de se impor a prévia audição das partes (e daí a revogação da decisão da 1ª instância, nos termos supra assinalados) – o que justificou nos seguintes termos:

“… abandonado o regime da interrupção, a negligência constitui agora pressuposto da deserção, implicando, de acordo com o artigo 281.º transcrito, uma apreciação judicial.

Temos assim como certo que não basta à declaração de deserção a mera constatação de que, desde a suspensão decorreu o prazo assinalado pela lei, antes importa que tenha decorrido sem utilidade, porque a parte foi negligente em promover a acção.

Em suma, a deserção da instância deve ser decretada em despacho que aprecie dois pressupostos: o decurso de prazo de suspensão e a negligência da parte em promover os termos da acção.

O ponto é saber qual o regime dessa apreciação no que à negligência concerne, nomeadamente quanto à questão que os autos colocam de necessidade de prévio contraditório para pronúncia das partes quanto à sua verificação.

E, após fazer referência a alguma jurisprudência do STJ (designadamente aquela a que adiante nos referiremos, e que seguiu o entendimento contrário), concluiu:

“Do que concluímos que o Supremo, com a indicada exceção, considera em alguns arestos necessário contraditório prévio à deserção, mesmo que tabelar pela referência ao artigo 281.º, n.º 1, e em todos os outros, com aquela exceção, julga indispensável a apreciação da situação de negligência em concreto do que decorre do processo, não bastando a mera verificação da inércia”.

Tal entendimento e decisão da Relação não logrou obter a concordância de todo o coletivo, sendo que um dos respetivos elementos lavrou voto de vencido nos seguintes termos:

“Voto vencido, por se nos afigurar que a decisão recorrida justificava ser confirmada [nos termos do projecto por nós elaborado], pois que, estando em causa a prolação de despacho de suspensão da instância com fundamento em expressa disposição legal do CPC que a impõe (ope legis) e determina [artº 270º,nº 1], decorrendo igualmente de específica norma do mesmo diploma legal [artº 276º,nº 1, alínea a)] quando e como deve cessar a suspensão decretada [necessariamente através da dedução de incidente de habilitação, a cargo da apelante]”.

É contra tal entendimento da Relação que se manifestam os recorrentes, nos termos constantes das conclusões recursórias supra transcritas.

Desde já se diga que, não obstante a divergência jurisprudencial sobre a questão em apreço, estamos inteiramente de acordo com o entendimento defendido no voto de vencido, ou seja, na linha do entendimento da 1ª instância e daquele que é defendido pelos recorrentes.

Isto, aliás, na linha daquilo que se nos afigura ser o entendimento dominante da mais recente jurisprudência do STJ.

Atento o disposto no nº 1 do artigo 281º do CPC (supra transcrito), a deserção da instância, enquanto forma da extinção da instância, tem lugar quando o processo esteja numa situação de inércia motivada pela falta de impulso processual das partes e quando essa inércia seja causada por negligência das partes em promover o regular andamento do processo, sendo que, conforme bem se considerou no acórdão do STJ de 02.05.2019 (proc. nº 1598/15.4T8GMR.G1.S2, in www.dgsi.pt) “apenas releva  a paragem imposta pela omissão no cumprimento de um ónus, ou seja, a omissão de um dever da parte que impede o normal prosseguimento dos autos” .

Na mesma linha, o acórdão do STJ de 14.05.2019 (proc. nº 3422/15.9T8LSB.L1.S2, in www.dgsi.pt); “A deserção assenta na omissão negligente da parte em promover o andamento do processo (quando apenas a ela lhe incumba fazê-lo) e na paragem da sua marcha (globalmente considerada), constituindo-se este como um resultado casualmente adequado daquela atitude omissiva.”

Por isso estamos inteiramente de acordo com o entendimento seguido no acórdão fundamento (acórdão do STJ de 08.03.2018 – processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 in www.dgsi.pt) no sentido de que “a negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.”

 

A nosso ver, é essa, claramente, a situação dos autos.

Uma vez decretada a suspensão da instância, com fundamento no falecimento de uma das partes, o prosseguimento dos autos estava dependente da respetiva habilitação de herdeiroshabilitação essa que tinha que ser promovida, não pelo tribunal, mas por qualquer das partes, e particularmente pelo autor, com interesse no prosseguimento da ação por si intentada (conforme este, na pessoa do seu mandatário, não podia deixar de saber).

O tribunal, que nada tinha a ordenar, apenas tinha que aguardar que a habilitação fosse requerida.

E, ainda que os restantes réus também o pudessem fazer, era especialmente sobre o autor que, enquanto interessado direto, recaía o ónus de promover a habilitação de herdeiros, sendo que, caso se deparasse com algum obstáculo, lhe competia disso vir a dar conhecimento ao tribunal, requerendo o que se mostrasse necessário, designadamente a concessão de novo prazo (o que, in casu, não ocorreu).

Neste sentido, vide A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração) segundo os quais, a conduta negligente se verifica “quando esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores”.

No mesmo sentido, vide (de entre outros, designadamente os citados pelos recorrentes):

- Acórdão do STJ de 20.09.2016 (proc. nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, in  www.dgsi.pt):

“I. Limitando-se a Autora a fazer juntar ao processo uma certidão de habilitação notarial dos herdeiros de réu falecido, nada promovendo em termos de incidente de habilitação de sucessores, não cumpre o ónus de impulso processual necessário a fazer cessar a suspensão da instância que havia sido declarada.

II. Não competia ao tribunal providenciar oficiosamente, com base em tal certidão, pela habilitação judicial dos sucessores.

III. Não constituindo a dita junção qualquer requerimento inicial, não podia o tribunal convidar ao seu aperfeiçoamento.

IV. Deixando a Autora de impulsionar o processo, por mais de seis meses, através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores, nem tendo apresentado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente, e que implica a deserção da instância.

V. A negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente).

VI. Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo.

VII. Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual.”

- Acórdão do STJ de 14.12.2016 (proc. nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, in www.dgsi.pt):

“I - Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.

- Acórdão do STJ de 05.07.2018 (proc. nº 5314/05.0TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt):

“I - Tendo-se indicado, no despacho determinativo da suspensão da instância, o prazo pelo qual aquela perduraria e, bem assim, que, findo o mesmo, os autos aguardariam o impulso processual do autor nos termos do art. 281.º do CPC, é de concluir que este ficou ciente de que impendia sobre si o cumprimento do ónus de impulso processual (não cabendo, pois, ao juiz o dever de ordenar o prosseguimento dos termos da causa) e das consequências que adviriam do seu inadimplemento.

II - O dever de gestão processual (art. 6.º do CPC) tem como pressuposto o cumprimento do ónus de impulso processual, ainda que este seja imposto por determinação judicial, tanto mais que a mesma encontra respaldo na lei.

III - A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes.”

- Acórdão do STJ de 18.09.2018 (proc. nº 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1, in www.dgsi.pt):

“II - Tendo, em 20-06-2016, sido proferido despacho, que foi notificado à recorrente, a declarar a instância suspensa (em virtude do óbito de uma das partes), “sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do CPC” e tendo o processo estado parado até 23-01-2017, mostram-se preenchidos os pressupostos enunciados em I, dado que, sabendo a recorrente que a sua inércia conduziria à deserção da instância, a paragem do processo por período superior a seis meses decorreu de negligência sua.

III - Nessas circunstâncias, não cabia ao tribunal ordenar o prosseguimento dos autos através de qualquer diligência, nem lhe era exigível determinar a notificação da recorrente antes de proferir o despacho a declarar extinta a instância.

- Acórdão de 02-06-2020 Revista n.º 139/15.8T8FAF-A.G1.S1, no qual tiveram intervenção dois dos elementos deste coletivo, (in Sumários dos Acórdãos Cíveis do STJ):

I - A deserção da instância, nos termos do art. 281.º, n.º 1, do CPC, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um de natureza objectiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário, e outro de natureza subjectiva, que consiste na inércia imputável a negligência das partes.

II - A parte deve promover o andamento do processo sempre que o prosseguimento da instância dependa de impulso seu decorrente de algum preceito legal ou quando, sem embargo da actuação da parte nesse sentido, recaia também sobre o tribunal o dever de cooperação exercendo o dever de gestão processual em conformidade com o disposto no art. 6.º do CPC.

III - Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da acção, o impulso processual depende exclusivamente das partes ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respectiva habilitação.

IV - O decurso do prazo de seis meses após a notificação do despacho que suspendeu a instância por óbito de alguma das partes sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus, tem como efeito a extinção da instância, por deserção, independentemente de a instância também ter sido suspensa com outro fundamento.

V - Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além destes, recai sobre a parte, em face da clareza do início do prazo de seis meses e das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação, inexistindo fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para prévia audição das partes com vista a aquilatar da sua negligência.”.


Em face do exposto, na procedência da revista, haveremos do concluir no sentido de se impor a revogação do acórdão recorrido e a repristinação do decidido na 1ª instância.

Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em revogar o acórdão recorrido e em repristinar a decisão da 1ª instância, no sentido da declaração da deserção da instância.

Custas pelo recorrido.

Lx. 12.01.2021

(Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL nº 20/2020, de 1 de maio, o Relator, que assina eletronicamente, declara que os Exmos. Conselheiros Adjuntos, abaixo indicados, têm voto de conformidade e não assinam o presente acórdão por não o poderem fazer pelo facto de a sessão, dada a atual situação pandémica, ter sido realizada por videoconferência).


Acácio das Neves (Relator)

Fernando Samões (1º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2ª Adjunta).