Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
785/21.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: CONFISSÃO JUDICIAL
VALOR PROBATÓRIO
ARTICULADOS
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Uma declaração confessória constante dos articulados de uma ação tem um valor probatório restrito a esse processo, não tendo relevância probatória fora dele.
Decisão Texto Integral:

Requerente: AA

Requeridos: BB

                      CC

                                              

                                               *

I - Relatório

A Requerente propôs ação espacial de prestação de contas contra os Requeridos, pedindo que estes apresentem contas relativamente à administração da herança aberta por óbito de DD, falecido em ...OUT2003 e da herança aberta por óbito de EE, falecida em ...SET2011, até 2MAI2017.

Foi proferida sentença que condenou BB a prestar contas da administração que fez dos bens de DD e EE entre 15SET2011 e 22JAN2013, tendo absolvido a Requerida do pedido.

Nessa sentença julgou-se como facto provado (n.º 4) que após o falecimento de EE, em ...SET2011, o Requerido administrou bens que integravam a herança desta e de DD, até 10ABR2014.

A Autora interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação, tendo impugnado a decisão que fixou a matéria de facto quanto ao seu ponto n.º 4, defendendo que a redação a dar a tal ponto e em resultado da análise da relevante prova dos autos deverá ser a seguinte: os réus administraram bens que integravam a herança de DD, após o falecimento deste em ...OUT2003 e até transito em julgado da partilha referida no ponto 2., ocorrido em 2-5-2017 e também administraram bens que integravam a herança de EE, após o falecimento desta em ...SET2011 e até transito em julgado da partilha referida no ponto 2., ocorrido em 2-5-2017.

O Tribunal da Relação proferiu acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação, tendo alterado a sentença da 1.ª instância, fixando-se que o Réu está obrigado a prestar contas da administração das heranças relativamente ao período que decorreu entre 3.10.2003 e 02.05.2017, ressalvado o período de 23.01.2013 e 10.04.2014.

Neste acórdão alterou-se a redação do ponto 4 dos factos provados que passou a ser a seguinte: o Requerido administrou bens que integravam a herança de EE e de DD, desde 29 de outubro de 2003 até 2 de maio de 2017.

Deste acórdão recorreu o Requerido para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações de recurso do seguinte modo:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que, revogando a decisão de 1.ª instância, e com especial incidência na decisão proferida sobre a matéria de facto, veio a condenar o Réu na obrigação de “prestar contas da administração das heranças identificadas nos autos entre o decorrente de 3 de outubro de 2003 e 2 de maio de 2017 (ressalvado o período de 23 de janeiro de 2013 a 10 de abril de 2014”.

2. Da análise preconizada pelo Tribunal da Relação no acórdão proferido, resulta que o mesmo fez errada aplicação das regras de direito probatório material, ao considerar que uma suposta confissão judicial prestada num processo deve valer fora dele, ainda que considerada como confissão extrajudicial, atribuindo-lhe, desta forma, uma força probatória especial em instância diversa daquela em que foi produzida.

3. Com tal entendimento, incorreu o douto Tribunal da Relação na violação do disposto nos artigos 352.º, 355, n.ºs 1, 2 e 3, 356.º, n.º 1, e 358.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, bem como, do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil.

4. À luz dos termos em que vem sustentado o acórdão recorrido, assente, nomeadamente, na recuperação de várias declarações processuais deduzidas fora dos presentes autos,

5. Designadamente

a. “requerimento dirigido pelo mandatário do réu ao processo de inventário para partilha das heranças de DD e EE [Processo judicial n.º 2107/12.... – Juízo Local Cível ... – Juiz ...], constante da referida certidão judicial (...)”;

b. “teor dos documentos convocados pela Recorrente e que constituem fls. 17 a 20 da certidão citius ...18 de 12.11.2021”, extraída dos autos com o n.º de processo 2107/12....;

c. “requerimento enviado pelo réu e subscrito pelo seu mandatário referente a prestação de contas evidenciadas no anexo que a ele se junta e relativas aos anos de 2011 a 2017 apresentado no processo 2107/12.....”;

d. “Certidão refª citius ...68 de 4.10.2021 também extraída dos mesmos autos e na qual consta uma carta datada de 25-05-2016”.

6. Sendo que, nenhum elemento probatório produzido nos presentes autos veio a ser ponderado pelo Tribunal a quo, já que, sobre estes, nenhum juízo valorativo foi por aquele emitido.

7. Foi, de resto, entendimento do douto Tribunal a quo que, por se tratarem de declarações processuais invocadas fora dos presentes autos, deveriam as mesmas ser encaradas como confissão extrajudicial e, dessa forma, beneficiar de um efeito probatório pleno.

8. Não obstante a manifesta dependência por declarações processuais proferidas fora do âmbito do respetivo processo, foi o douto Tribunal da Relação ávido a socorrer-se das mesmas para, por esta via, derrubar por completo o que pelo Tribunal de 1.ª instância havia sido apreciado.

9. Esticando, entre processos judiciais distintos e com distintas questões de mérito, elementos que figuram naqueles outros autos como declarações processuais.

10. De tal modo que, manteve o Tribunal recorrido a quase repetição integral do rol documental que havia sido apresentado nos autos com o n.º de processo 2107/12.....

11. À luz do estatuído nos artigos 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3 do CPC, poderá o Supremo Tribunal pronunciar-se sobre os factos provados se existir erro das instâncias na apreciação das provas.

12. Erro esse traduzido na violação das normas que fixam o seu valor – como bem aponta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/04/2005.

13. A confissão “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, nos termos do artigo 352.º do CC.

14. Podendo a natureza processual da confissão oscilar entre judicial ou extrajudicial, certo é que “a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo” – n.º 3 do artigo 155.º do CC.

15. O reconhecimento de determinada realidade factual feita num determinado processo visa, tão-só, os efeitos práticos que daí advêm, mas sempre dentro do processo onde é proferida a confissão.

16. Compreende-se a limitação dos efeitos da confissão judicial ao processo onde a mesma é produzida, porquanto, ao reconhecer a realidade de certo facto, o confitente apenas tem em vista a situação que está em discussão e que pode condicionar ou orientar o sentido desse reconhecimento.

17. Neste sentido, ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA que “(...) a parte pode ter confessado (renunciado a discutir ou a contestar a realidade do facto), tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adotado atitude diferente se outros valores estivessem em causa.”

18. Importa, assim, não perder de vista que as declarações em causa constam de documentos destinados ao processo de inventário, que visavam dotar aquele dos elementos obrigatórios e necessários à sua tramitação.

19. Com estes documentos, procurou-se, de um ponto de vista meramente formal, instruir aqueles autos de inventário com os documentos que eram necessários.

20. Em todo o caso, esta “confissão espontânea produzida em articulado”, como a designa o Tribunal recorrido, vale apenas dentro do processo onde foi proferida, não podendo – nem devendo – ser extrapolada para os presentes autos,

21. Onde, aqui sim, se encontra sujeita a discussão uma questão em tudo diferente daquela que deu origem ao processo n.º 2107/12...., ou aos seus apensos.

22. De tal maneira que, não podendo as declarações proferidas naquele outro processo serem extrapoladas para a presente ação, não podem também ser aqui dotadas da força probatória plena que o Tribunal da Relação erradamente lhes confere.

23. Não pode a Autora prevalecer-se nestes autos das declarações processuais supra elencadas e que vêm, de resto, apontadas no acórdão recorrido, para, somente através destas, considerar um putativo reconhecimento do Réu.

24. Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/12/2015, proferido no âmbito do Processo n.º 3039/12.0TBVIS.C1, onde se esclarece que “refira-se, desde logo, que a confissão judicial prestada num processo não vale fora dele, nem mesmo como confissão extrajudicial (Ac. RC., 23.07.1985: CJ, 85,4º-64) (...)”.

25. Ou o que, com o mesmo posicionamento, vem afirmado nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/06/1973: BMJ, 228.º-261; do Tribunal da Relação do Porto, de 09/04/1981: CJ, 81, 2.º-118; ou do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/07/1985: CJ, 85, 4.º-64.

26. Onde, mais do que a profusa afirmação de que “as confissões feitas em determinada ação só valem dentro dela”.

27. Se retira, ainda, que “a confissão, formalmente válida e eficaz, expressamente feita num processo, sobre a existência de um contrato de arrendamento, só vale como confissão judicial no processo em que foi proferida, noutro processo, nem sequer pode ser havido como confissão extrajudicial”.

28. Também com recurso ao argumento da interpretação sistemática decorrente dos artigos 356.º e 358.º do CC, se apreende o princípio intransponível de que a confissão em determinado processo não vale para todo e qualquer outro processo.

29. É o que, aliás, decorre da leitura atenta do art.º 356.º, n.º 1 do CC.

30. Nem o princípio da aquisição processual (art.º 413.º do CPC), ou o princípio da eficácia extraprocessual das provas (art.º 421.º do CPC), habilitam o Tribunal a, sem mais, dar como provados factos que assim podem ter sido dados numa outra ação.

31. Quanto mais a dar factos como provados num processo, tendo apenas por base declarações proferidas no âmbito de outro processo.

Termos em que se conclui pela admissão e procedência do presente recurso e,por via dele:

a. pela revogação do acórdão recorrido, com recuperação da decisão proferida em 1.ª instância, na medida em que, por não produzir eficácia a alegada confissão produzida pelo réu em processo judicial distinto, deve a questão de mérito ser agora apreciada em conformidade com as regras de direito probatório e de valoração dos elementos da prova presentes nos autos, em respeito com o disposto no artigo 355.º do CC;

b. ou, assim não se entendendo, pela remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para que, agora em conformidade com as regras de direito probatório e de valoração dos elementos da prova presentes nos autos, se proceda a nova apreciação da questão de mérito.

A Requerente respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

                                               *

II – Do objeto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre a este tribunal pronunciar-se sobre o valor no presente processo de declarações confessórias produzidas em articulados noutros processos que correram termos entre as mesmas partes.

                                               *

III - Os factos

Neste processo foram considerados provados pelo acórdão recorrido os seguintes factos, após alteração da redação do ponto 4:

1. A Requerente AA e o Requerido BB são ambos filhos e únicos herdeiros do casal formado por DD e EE, falecidos, respetivamente, em ...OUT2003 e ...SET2011.

2. Em virtude dos preditos óbitos, correu termos processo de inventário para pôr termo à comunhão, sob o nº 2107/12...., no Juízo Local Cível ...-Juiz ..., já sentenciado e findo.

3. Por apenso ao processo acabado de referir [apenso C], correu termos uma ação de prestação de contas relativa ao período de 23JAN2013 a 10ABR2014, na qual o Requerido foi condenado a prestar contas à Requerente, por causa do exercício das funções de cabeça de casal nesses autos, a qual se mostra sentenciada e finda.

4. O Requerido administrou bens que integravam a herança de EE e de DD, desde 29 de outubro de 2003 até 2 de maio de 2017

                                               *

IV. O direito aplicável

1. O litígio

Na presente ação especial de prestação de contas, a Requerente pretendia que os Requeridos prestassem contas relativamente à administração da herança aberta por óbito de DD, falecido em ...OUT2003 e da herança aberta por óbito de EE, falecida em ...SET2011, até 2MAI2017.

A sentença da 1.ª instância condenou BB a prestar contas da administração que fez dos bens de DD e EE entre 15SET2011 e 22JAN2013, tendo absolvido a Requerida do pedido.

Para esta limitação temporal das contas a prestar pelo Requerido foi decisivo ter-se considerado provado que este apenas administrou os bens das heranças de DD e de EE, após o falecimento desta, em ...SET2011, até 10ABR2014, tendo já sido condenado noutro processo a prestar contas da administração dessas heranças no período de 23JAN2013 a 10ABR2014.

Impugnada a prova deste facto no recurso de apelação, o Tribunal da Relação alterou aquele facto, o qual passou a ter a seguinte redação: o Requerido administrou bens que integravam a herança de EE e de DD, desde 29 de outubro de 2003 até 2 de maio de 2017.

Esta alteração foi decisiva para que o Tribunal da Relação tivesse julgado parcialmente o recurso de apelação, tendo condenado o Requerido a prestar contas da administração das heranças relativamente ao período que decorreu entre 3.10.2003 e 02.05.2017, ressalvado o período de 23.01.2013 e 10.04.2014.

O Tribunal da Relação fundamentou do seguinte modo a alteração da redação do facto n.º 4:

(...)

I. No que à prova documental respeita, toda ela constituída por documentos não impugnados, vejamos:

I.1 Convoca a Recorrente o requerimento dirigido pelo mandatário do réu ao processo de inventário para partilha das heranças de DD e EE, constante da referida certidão judicial no qual ele expressamente diz, no ponto 10º, o seguinte: “Deve ser nomeado cabeça de casal o requerente BB, apesar da interessada FF ser a mais velha dos dois herdeiros, e atendendo que o requerente vem exercendo aquele cargo, desempenhando as inerentes funções e guardando a respetiva documentação desde o óbito de seu pai aqui primeiro inventariado e ainda porque tem vivido com os falecidos pais desde sempre e até à sua morte.”

APRECIANDO

O valor probatório das declarações processuais fora do âmbito do respetivo processo, está fixado no artigo 355º nº 2 do CC. Sobre esta matéria ver acórdão do STJ de 03 Novembro RICARDO COSTA pr. 8902/18.1T8LSB.L1.S1: “As declarações constantes de articulado apresentado em processo judicial diverso, com identidade das partes em litígio e intervenção efetiva nos processos em causa, feitas por mandatário, devem considerar-se como confissão extrajudicial, por exclusão de partes oferecida pelos artigos 355.º, nºs 3 e 4, do CC, e tendo em conta o artigo 356.º, n.º 1, do CC (confissão espontânea produzida em articulado), beneficiando de força probatória plena quando são invocadas extraprocessualmente, tendo em conta a interpretação sistemática e racional dos arts. 421.º, n.º 1, do CPC, 355.º, n.º 3, e 358.º, n.º 2, 2.a parte, do CC, em ligação com os artigos. 356.º, n.º 1, e 46.º do CPC”.

Isto posto, da declaração referida consta expressamente que “o requerente vem exercendo aquele cargo, desempenhando as inerentes funções e guardando a respetiva documentação desde o óbito de seu pai aqui primeiro inventariado”, pelo que não poderá deixar de se ter como assente que o Requerido efetivamente exerceu a administração da herança desde novembro de 2003 atento a que o seu pai faleceu em 29.out.2003.

Isto mesmo é reforçado pelo teor dos documentos convocados pela Recorrente e que constituem fls. 17 a 20 da certidão citius ...18 de 12.11.2021, extraída dos autos de prestação de contas nº 2107/12....

Apreciando estes documentos constata-se que se trata de manuscritos sem assinatura com diversos nomes, moradas e artigos matriciais de prédios seguidos dos 12 meses do ano preenchidos com diversas verbas e totais as quais são identificáveis como contas.

No início de cada um dos 4 documentos datilografado encontra-se sucessivamente 2004 até 2007 inclusive.

Ora, valor probatório dos escritos sem assinatura é apreciado livremente pelo juiz. Efetivamente, se da “veracidade da assinatura resulta, em principio, a veracidade do texto do documento (…) não quer isto dizer que o documento a que falte a assinatura seja desprovido de qualquer valor; não terá certamente a eficácia que teria se tivesse sido assinado, mas sempre constituirá um coeficiente probatório a apreciar livremente pelo tribunal” J.M: Gonçalves Sampaio in A Prova Por Documentos Particulares 2ª ed Almedina pg 128

Isto posto, o teor de tais documentos (inscrição de verbas numéricas antecedidas pela identificação de imóveis e de nomes reportados aos anos de 2004 a 2007 nos teros preditos sustentam complementarmente a declaração confessória aludida no ponto I.1, servindo (ainda que desnecessariamente em face da natureza da confissão) para reforçar aquele juízo probatório.

II

Requerimento enviado pelo réu e subscrito pelo mandatário referente a prestação de contas evidenciadas no anexo que ele junta e relativas aos anos de 2011 a 2017 apresentado no processo 2107/12....:

APRECIANDO.

Ora, este documento em que o Réu apresenta contas referentes aos anos 2011-2017 terá de valorar-se em relação a tais anos como constituindo o reconhecimento pelo mesmo que praticou atos de administração das heranças, aqui valorado de acordo com os artigos 355.º, nºs 3 e 4, do CC, e 356.º, n.º 1, do CC (confissão espontânea produzida em articulado), e tendo em conta a interpretação sistemática e racional dos arts. 421.º, n.º 1, do CPC, 355.º, n.º 3, e 358.º, n.º 2, 2.a parte, do CC, em ligação com os artigos. 356.º, n.º 1, e 46.º do CPC, como referido supra, pelo que não poderá deixar de se ter como provado que o Requerido efetivamente exerceu tais funções de administração das heranças nos referidos anos de 2011 a 2017.

III

Finalmente convoca a documentação constante das certidões judiciais ref citius todas de 4.10.2021 a saber:

III.1 Certidão refª citius ...68 de 4.10.2021 também extraída dos mesmos autos e na qual consta uma carta datada de 25-05-2016, que é constituída por uma declaração assinada pelo Réu que lhe foi dirigida e na qual este refere à autora que “aguarda que a Autora assuma o cargo para o qual foi nomeada e que é ele que tem vindo a assegura a gestão corrente da herança (…)”.

Também aqui estamos na presença de uma declaração confessória extrajudicial, porquanto se trata de declaração sua dirigida diretamente à Autora em relação a tais factos devendo como tal retirar-se daqui que o réu efetivamente, pelo menos até 25 de maio de 2016, assegurou a gestão corrente da herança.

Donde que se trata de meio de prova concorrente para a convicção positiva sobre os factos probandos, em discussão (administração das heranças nos anos de 2003 a 2017)

Já no que respeita a.

Certidão refª citius ...70 relativa a um recibo de prémio de seguro em nome da inventariada EE com data de 28-04-2016

Certidão refª citius ...74 recibo de pagamento de IUC de 2015

Certidão refª citius ...76 recibo de IMI de 2014

Certidão refª citius ...78 recibo de pagamento de IUC de 2014

Certidão refª citius ...80 recibo de IMI de 2013…

111.7 Certidão refª citius ...83 fatura da Leroy de 7-08-2013 em nome da inventariada EE …

Certidão refª citius ...67 fatura em nome da inventariada de 10-09-2013.

Certidão refª citius ...72 documento da CGD indicativo do preço anual de aluguer de cofres

Certidão refª citius ...76 recibo de energia elétrica relativo a abril de 2014 em nome do inventariado DD

Certidão refª citius ...79 documento sem data dirigido pela Autora na qualidade de cabeça de casal ao Requerido a instá-lo à entrega de documentos.

III.12. Certidão refª citius ...80 documento datado de 19-07-2016 dirigido ao cabeça de casal da Direção Municipal das Finanças e do Património dirigido ao cabeça de casal da herança a reclamar o pagamento de despesas com a limpeza de terrenos e logradouros.

APRECIANDO:

São documentos autónomos que em si mesmo apenas documentam o que consta dos mesmos, não constituindo um elemento probatório decisivo para a prova dada a sua singularidade e considerando o que aqui está em causa (atos continuados de gestão).

Chegados aqui podemos concluir que a prova documental analisada e ponderada é suficiente para declarar provado que o Requerido administrou a herança dos pais desde o óbito deste até ao trânsito da sentença de partilha que conforme documento junto a estes autos (certidão de fls…) ocorreu em 2-05-2017.

Fica consequentemente prejudicada a apreciação da prova testemunhal convocada neste segmento do recurso.

O Requerido pretende que o Supremo Tribunal de Justiça revogue a alteração da redação do ponto 4 dos factos provados efetuada pelo Tribunal da Relação, com o fundamento que essa alteração resultou de se ter, erradamente, entendido que uma declaração confessória efetuada noutro processo, tem também força probatória plena neste processo, tendo valorado com essa força probatória duas declarações confessórias do Requerido extraídas de outros processos judiciais.

Se o Supremo Tribunal de Justiça, em princípio, não pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, é, contudo, possível que o recurso de revista tenha por objeto um erro do Tribunal da Relação na determinação da força de determinado meio de prova (artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

O acórdão recorrido considerou que as declarações confessórias do Requerido, no sentido de ter administrado as heranças do seu pai desde a morte deste e de, posteriormente, ter também administrado a herança da sua mãe, após esta ter também falecido, constantes de requerimento apresentado no inventário por morte dos seus pais e de articulado apresentado noutro processo de prestação de contas, nos quais, em ambos os processos, era também parte a Requerente, tinham força probatória plena, pelo que contribuíram, conjuntamente com outra prova documental, para que o Tribunal da Relação tenha alterado a redação do facto n.º 4.

A Recorrente entende que tais declarações confessórias, porque efetuadas noutros processos, não podem ser valoradas nesta ação, pelo que lhes foi conferida uma relevância indevida.

Quid iuris, quanto à força probatória extraprocessual das declarações confessórias escritas nos articulados de uma outra ação judicial em que participem as mesmas partes?

2. A questão de direito probatório

Na 1.ª parte, do artigo 421.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, consta que os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3, do artigo 355., do Código Civil, o qual dispõe que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo.

A história deste preceito revela-nos informações importantes para a interpretação do seu conteúdo.

Foi o Código de Processo Civil de 1939 que introduziu no seu artigo 526.º regras sobre a possibilidade de valoração de provas produzidas noutro processo. Sob o título valor extraprocessual das provas, dispunha expressamente no § 1.º - as confissões feitas nos articulados podem ser opostas noutro processo, depois de no corpo do artigo se admitir o valor extraprocessual dos depoimentos (quer os de parte, quer os de testemunhas [1]) e dos arbitramentos.

O Código de Processo Civil de 1961, no preceito correspondente àquele (o, n.º 2, do artigo 522.º), manteve a disposição que as confissões feitas expressamente nos articulados podem ser opostas noutro processo, limitando-se a esclarecer, consagrando a doutrina que vinha sendo já perfilhada [2], que este aproveitamento da prova por confissão apenas se aplicava às confissões expressamente feitas nos articulados e não às admissões, por acordo tácito, dos factos alegados pela parte contrária.

O Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, que introduziu modificações no texto do Código de Processo Civil de 1961, de modo a compatibilizar a lei processual com o conteúdo no novo Código Civil, entretanto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, alterou a redação do referido artigo 522.º, a qual deixou de ter qualquer referência às confissões efetuadas pelas partes nos articulados (foi eliminado o que constava do n.º 2, deste artigo), mantendo-se apenas o valor extraprocessual dos depoimentos e arbitramentos produzidos num processo, agora, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil.

Foi esta a redação que transitou para o artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013, tendo-se substituído apenas o termo “arbitramentos” por “perícias”.

A questão que se coloca é a de saber se, com a alteração promovida pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, as confissões feitas nos articulados deixaram de ter qualquer valor extraprocessual, ou se passaram a estar abrangidas pela referência aos “depoimentos” aos quais se continuou a conferir valor extraprocessual, valendo também para elas o regime do artigo 355.º, n.º 3, do Código Civil, ou seja, fora do processo não têm o valor de uma confissão judicial, mas devem ser valoradas como confissão extrajudicial, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil.

Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, depois de descrever o regime dos artigos 426.º, § 1.º, do Código de Processo Civil de 1939, e 522.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961 [3], manifestou dúvidas sobre a manutenção da possibilidade de uma confissão efetuada num processo poder ser valorada noutro processo, tendo incluído no articulado do respetivo anteprojeto sobre matéria probatória com a anotação de “duvidosa” a norma de que a confissão feita num processo só vale noutro processo, como extrajudicial, sem distinguir a confissão em depoimento de parte e a confissão nos articulados.

Escreveu Vaz Serra que parece de exigir que a confissão seja feita no próprio processo em que é invocada: se tiver sido feita num processo anterior, mesmo que entre o confitente e o seu atual adversário, não valeria como confissão judicial no processo atual, pois, pode acontecer que tal confissão tenha sido feita tendo em vista apenas o que no processo se discutia. Será, pois, no novo processo, uma simples confissão extrajudicial e, porventura, nem tanto, dada a mesma razão (sublinhado nosso) [4].

No anteprojeto saído da 1.ª Revisão Ministerial, manteve-se no artigo 314.º, n.º 2, aquela norma, tida por Vaz Serra como “duvidosa”, acabando a mesma, no entanto, por ser substituída no texto saído da 2.ª Revisão Ministerial pela determinação que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo  [5].

Pires de Lima e Antunes Varela [6] retomando as razões das dúvidas expostas por Vaz Serra, na anotação feita ao artigo 355.º do Código Civil, adiantaram que a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciado a discutir ou a contestar a realidade do facto), tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adotado atitude diferente se outros valores estivessem em causa.

A leitura do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, e agora do artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013, quanto à questão acima exposta, não tem sido esclarecedora, quer na doutrina, quer na jurisprudência.  

Anselmo de Castro [7]  entendeu que, com a nova redação dada ao artigo 522.º, a eficácia das provas produzidas num processo em outro processo contra a mesma parte, ficou restrita ao depoimento de parte, arbitramento e prova testemunhal, deixando de se aplicar às confissões feitas nos articulados, como sucedia na redação original do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961. Quanto a estas o Código Civil, artigo 355.º, veio restringi-las ao processo respetivo, com exceção das feitas em procedimento preliminar ou incidental (procedimento cautelar) a que se haja recorrido.

Também Manuel de Andrade [8] sustentou que a confissão que antes do novo Código Civil podia, quando feita nos articulados, ser invocada noutro processo, atualmente só pode ser invocada no processo em que foi obtida (artigo 355.º, n.º 1, do cód. Civil).

Embora Luso Soares [9] também entendesse que a previsão do artigo 522.º, após a reforma promovida pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, deixou de abranger a prova por confissão nos articulados, sustentou que esta devia ser considerada como confissão extrajudicial – assim preceitua o n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil – o seu valor está regulado e estabelecido nos n.º 2, 3 e 4 do artigo 358.º do mesmo diploma.

Lebre de Freitas [10] também defendeu que ao estatuir-se que a confissão só vale como judicial neste processo (C.C. artigo 355-3), a lei não pretende excluir a eficácia extraprocessual da confissão judicial, mas sim afirmar que só como confissão extrajudicial ela pode ser invocada fora do processo em que é produzida, isto é, em obediência aos requisitos e com a produção dos efeitos da confissão extrajudicial. Assim, para este autor, resulta que a norma do artigo 522 do Código de Processo Civil, é aplicável, contra o que à primeira vista poderia inculcar a expressão “depoimentos e arbitramentos” não só à confissão resultante de prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal e à espontaneamente feita em articulado. Esta interpretação extensiva da nova redação do artigo 522.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil de 1961, foi posteriormente reafirmada pelo mesmo autor [11], relativamente ao artigo 421.º do Código de Processo Civil atual, embora reconhecendo-se que é controvertido se este preceito abrange a confissão produzida em articulado. Em obra conjunta com Isabel Alexandre [12], apenas se refere que é discutível se o artigo 421.º do Código de Processo Civil abrange a declaração confessória produzida em articulado.

Rui Pinto [13] concorda com Lebre de Freitas no sentido do termo “depoimento” utilizado no artigo 421.º do Código de Processo Civil, poder também abranger as declarações confessórias constantes dos articulados.

Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [14] referiram, ambiguamente, que o Código Civil (artigo 353.º, 3 e 358, 4) veio alterar a solução estabelecida na lei processual, tendo-se eliminado, em consequência disso, a referência ao artigo 522.º à prova por confissão, não esclarecendo o sentido da alteração ocorrida.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça encontramos a mesma indefinição relativamente ao valor extraprocessual das declarações confessórias constantes dos articulados após a revisão do Código de Processo Civil de 1961, operada pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967.

Em acórdão de 12-10-2006, proferido no Processo n.º 2587/06 (Rel. Alberto Sobrinho) [15], entendeu-se que uma declaração constante de acordo sobre o destino da casa de morada de família junto a um processo de divórcio, não podia ser invocada, com o valor de uma confissão, numa posterior ação de reivindicação entre as mesmas partes, com o argumento de que segundo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto), tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adotado atitude diferente se outros valores estivessem em causa.

No acórdão de 11.11.2010, proferido no processo n.º 154/1995 (Rel. Ferreira de Sousa), inédito, decidiu-se da mesma forma, não se reconhecendo qualquer eficácia extraprocessual a uma confissão tácita ocorrida nos articulados de uma anterior ação declarativa entre as mesmas partes, invocando-se também como argumento a mesma anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 355.º do Código Civil.

Já no acórdão de 29.03.2011, proferido no processo n.º 3277/07 (Rel. Azevedo Ramos), inédito, considerou-se que podia ser livremente valorada declaração confessória proferida em articulado de uma anterior ação entre as mesmas partes.

No acórdão de 21.06.2011, proferido no processo n.º 1884/06 (Rel. Sousa Leite), inédito, mais uma vez não se reconheceu qualquer eficácia extraprocessual a uma confissão expressa constante de uma anterior ação declarativa entre as mesmas partes, com fundamento em que a força probatória especial de que goza a confissão judicial limita-se ao processo em que foi efetuada, dessa forma se circunscrevendo a relevância da confissão da parte que a proferiu, apenas aos interesses que, na referida ação, se encontram em jogo.

No acórdão de 10.07.2012, proferido no processo n.º 3817/05 (Rel. Fernandes do Vale), igualmente não se reconheceu qualquer eficácia extraprocessual a uma declaração de quitação emitida em processo executivo anterior entre as mesmas partes, invocando-se, mais uma vez, a referida citação da anotação de Pires de Lima e Antunes Varela.

No acórdão de 19.06.2014, proferido no processo n.º 424/2001 (Rel. Sérgio Poças), inédito, já se considerou, citando-se o acórdão de 29.03.2011, acima referido, que a declaração confessória feita nos articulados de um processo de insolvência constitui um elemento de prova de livre apreciação numa outra ação declarativa.

No acórdão de 30.11.2014, proferido no processo n.º 2420/11 (Rel. Serra Baptista), voltou a entender-se que uma declaração confessória inserida numa transação efetuada pelas partes em ata não vale noutro processo, já que a parte pode ter confessado, renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto, tendo apenas em vista os interesse que estão em jogo naquele processo.

Contudo, o recente acórdão de 03.11.2021, proferido no processo n.º 8902/18 (Rel. Ricardo Costa), aderindo expressamente à opinião de Lebre de Freitas acima exposta, entendeu que as declarações constantes de articulado apresentado em processo judicial diverso, com identidade das partes em litígio e intervenção efetiva nos processos em causa, feitas por mandatário, devem considerar-se como confissão extrajudicial, por exclusão de partes oferecida pelos arts. 355.º, n.os 3 e 4, do CC, e tendo em conta o art. 356.º, n.º 1, do CC (confissão espontânea produzida em articulado), beneficiando de força probatória plena quando são invocadas extraprocessualmente, tendo em conta a interpretação sistemática e racional dos arts. 421.º, n.º 1, do CPC, 355.º, n.º 3, e 358.º, n.º 2, 2.a parte, do CC, em ligação com os arts. 356.º, n.º 1, e 46.º do CPC.

3. A nossa solução

A decisão desta revista impõe-nos uma tomada de posição nesta querela, sendo necessário encontrar-se uma leitura coerente do artigo 421.º do Código de Processo Civil, com o regime da confissão, designadamente com o disposto no artigo 355.º, n.º 3, do Código Civil, uma vez que foi o regime da confissão introduzido pelo Código Civil de 1966 que determinou as alterações ao artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, as quais fixaram o conteúdo das normas atualmente em vigor nesta matéria. Isso exige não só iluminar a história daquelas alterações, como também ponderar as razões que, atualmente, podem justificar as diferentes soluções apontadas.

Não oferece dúvidas que a opção legislativa quer do Código de Processo Civil de 1939, quer da versão original do Código de Processo Civil de 1961, foi a de admitir que as confissões expressas feitas nos articulados de uma ação pudessem ser opostas noutro processo ao confitente, exatamente com o mesmo valor probatório que elas tinham no processo onde foram emitidas, ou seja uma força probatória que a lei designava como plena (artigo 2412.º do Código de Seabra), com o significado de pleníssima, uma vez que não admitia prova do contrário [16].

No entanto, aquando da aprovação do novo Código Civil, como vimos, suscitaram-se dúvidas sobre o acerto da extensão da força probatória de uma confissão efetuada nos articulados de uma ação a outras ações, uma vez que em cada processo o comportamento das partes nos articulados obedece a estratégias que têm em vista os interesses que estão em jogo apenas nesse processo, não se justificando, por isso, uma extensão do efeito de uma confissão nos articulados a outros processos. Foi esta a razão que, confessadamente, suscitou dúvidas a Vaz Serra sobre a proposta de considerar que a confissão feita num processo vale noutro processo, como extrajudicial, e que motivou que na 2.ª Revisão Ministerial do Anteprojeto do Código Civil se substituísse a norma sobre o alcance do valor probatório das confissões judiciais, passando estas apenas a valer no próprio processo onde foram emitidas, como se evidencia da anotação autorizada de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 355.º do Código Civil.

Dispõe este artigo, numa redação muito próxima da que resultou da 2.ª Revisão Ministerial:

1. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial.

2. Confissão judicial é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária.

3. A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na ação correspondente.

4. Confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial.

Como acima se revelou, a redação da 1.ª parte, do n.º 3, resultou deliberadamente de uma opção legislativa, não só oposta àquela que constava do n.º 2, do artigo 522.º, do Código de Processo Civil de 1961, como igualmente contrária à possibilidade da confissão judicial poder valer noutro processo como confissão extrajudicial, ou seja, não com a força probatória pleníssima que vale no próprio processo onde é emitida, mas com a força probatória plena ou bastante, consoante os casos, conforme fixa o artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, como, com dúvidas, se propunha no Anteprojeto de Vaz Serra. Daí que a interpretação do disposto nos n.º 3 e 4 do transcrito artigo 355.º do Código Civil, em conjugação com o disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, após a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, assim como do atual artigo 421.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 2013, no sentido da confissão judicial poder valer noutro processo como extrajudicial, resulta numa subversão das opções do legislador histórico.

Quando se diz na primeira parte do n.º 3, do artigo 355.º, do Código Civil, que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo, limita-se o alcance probatório dessa confissão, sem que se lhe confira um estatuto diferente fora do processo. Por ser proferida num processo ela é, em qualquer caso, uma confissão judicial, pelo que, não sendo efetuada de um modo diferente desta, sem uma previsão específica da lei, não lhe pode ser reconhecida eficácia extraprocessual.

É, precisamente, essa previsão específica que atualmente consta do artigo 421.º do Código de Processo Civil, o qual, como vimos, reproduz de perto o disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, que visou compatibilizar o Código de Processo Civil de 1961, com o recém aprovado Código Civil, que entrou em vigor em 01.06.1967.

O referido Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, alterou a redação do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, eliminando o conteúdo do seu n.º 2, onde se dispunha que as confissões feitas expressamente nos articulados podem ser opostas noutro processo e manteve no n.º 1 que os depoimentos e arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, e acrescentando-lhe a expressão, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil, com o significado de não obstante o artigo 355.º, n.º 3, do Código Civil, dispor que a confissão feita num processo só vale como confissão judicial nesse processo, ou seja que, excecionalmente, uma declaração confessória produzida num depoimento de parte pode ter eficácia extraprocessual [17].

A eliminação do n.º 2, do artigo 522.º, do Código de Processo Civil de 1961, em conjugação com o aditamento da referida expressão à primeira parte do n.º 1, do mesmo artigo, são reveladores que a opção do legislador de 1966/1967 foi a de deixar de conferir qualquer eficácia extraprocessual às declarações confessórias constantes dos articulados, mantendo essa eficácia, mas agora cingida às declarações confessórias produzidas em depoimento de parte.

E essa opção legislativa manteve-se com a reprodução do disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, no artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013.

E esta solução, desejada pelo legislador de 1966/1967 e que se mantém no disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, é ainda a que melhor se adequa às significativas diferenças que existem entre uma confissão feita nos articulados e uma confissão efetuada em depoimento de parte, como iremos demonstrar.

Na verdade, uma confissão feita nos articulados, é habitualmente feita por mandatário da parte com meros poderes gerais forenses (artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Se é compreensível que um advogado para poder efetuar uma defesa eficaz dos interesses do seu mandante não pode estar limitado, em sede de definição do conteúdo dos articulados, não sendo, excecionalmente, exigível que disponha de poderes especiais para, em nome do seu mandante, confessar factos nessas peças processuais, em tais confissões, a intensidade da regra da experiência de que não se mente contra o próprio interesse encontra-se consideravelmente debilitada, o que explica que o legislador permita que elas possam ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente [18].

 Já o depoimento de parte, desde logo, tem carater pessoal (artigo 452.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não podendo ser prestado por mandatário constituído. E, antes de começar o depoimento, o tribunal faz sentir ao depoente a importância moral do juramento que vai prestar e o dever de ser fiel à verdade, advertindo-o ainda das sanções aplicáveis às falsas declarações (artigo 459.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), obrigando-o depois a prestar o depoimento sob juramento (artigo 459.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Enquanto no depoimento de parte, o legislador procurou reunir o maior número de garantias que as declarações nele prestadas, incluindo as confessórias, traduzissem, efetivamente, a verdade dos factos, relativamente às confissões constantes dos articulados, o legislador, impossibilitado de impor as mesmas garantias, revelou a consciência da possibilidade de as mesmas poderem não corresponder à realidade.

Assim, se em nome do princípio do dispositivo, com forte influência no processo civil, se justifica que as confissões de factos nos articulados não deixem de ter efeitos probatórios pleníssimos nesse processo, a fragilidade que, nessas situações, apresenta a regra da experiência de que não se mente contra o próprio interesse, não aconselha que se extrapole tais confissões para outros processos, mesmo atribuindo-lhe menor força probatória, até porque o espírito do princípio do dispositivo já não tem aqui qualquer aplicação, uma vez que estamos perante a prova a efetuar num outro processo, em que os interesses em jogo são distintos.

Justifica-se, pois, que uma declaração confessória prestada num depoimento de parte possa ter uma valia extraprocessual, podendo ser valorada num outro processo entre as mesmas partes, enquanto que uma declaração confessória constante dos articulados de uma ação tenha um valor probatório restrito a esse processo, não tendo qualquer valor extraprocessual.

 

4. A decisão do caso concreto

O acórdão recorrido, na parte em que decidiu a impugnação da fixação da matéria de facto, alterando a redação do ponto 4 dos factos provados, o que foi decisivo para a procedência do recurso de apelação, reconheceu força probatória plena a declarações, que considerou confessórias, constantes de articulados apresentados pelo mandatário do Requerido noutros processos judiciais.  Apesar de na fundamentação dessa decisão, o acórdão recorrido ter também valorado outros documentos, o reconhecimento daquela força probatória àquelas declarações foi considerado na decisão de alterar a redação do referido ponto 4 dos factos provados.

Conforme acima se concluiu, a confissão de factos nos articulados de um processo efetuada pelo mandatário da parte não tem eficácia extraprocessual, pelo que não poderia ser reconhecida a essas declarações qualquer relevância na prova do facto n.º 4.

Tendo sido indevidamente valoradas as referidas declarações constantes de articulados de outros processos na decisão sobre a impugnação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância e tendo essa decisão determinado o desfecho do recurso de apelação, deve ser anulado o acórdão recorrido, de forma a permitir que se proceda a nova apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sem que sejam valoradas tais declarações.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em anular o acórdão recorrido, devendo proceder-se a nova apreciação do recurso de apelação, tendo em consideração a impossibilidade de valoração das declarações acima analisadas.

                                               *

Custas do recurso pela Requerente.

                                               *

Notifique.

Lisboa, 19 de janeiro de 2023

João Cura Mariano (Relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

__________

[1] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, 1950, pág. 344.
[2] Vide PAULO CUNHA, Processo Comum de Declaração, 2.º vol., Tipografia Augusto Costa, 1944, pág. 67, ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 348, e MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1956, pág. 206, nota 3.
[3] Provas, no B.M.J. n.º 110, pág. 199-200.
[4] Ob. cit., pág. 254 e 255.
[5] Textos que podem ser consultados em RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, segundo o Código Civil de 1966, vol. V, ed. do autor, 1969, pág. 98
[6] Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 316.
[7] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, pág. 304.
[8] Noções Elementares de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1993, pág. 220.
[9] Direito Processual Civil, Almedina, 1980, pág. 446.
[10] A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 322-324.
[11] A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, 2017, pág. 258-259, nota 56.
[12] Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, pág. 234, tal como já sucedia com a 1.ª ed. da mesma obra (pág. 417) realizada em colaboração com Montalvão Machado e Rui Pinto, em anotação ainda ao artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961.
[13] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 634.
[14] Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 494, nota 3.
[15] Acessível em www.dgsi.pt., tal como todos os arestos em que neste acórdão não se refira o local de publicação.
[16] Vide CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, vol. XIII, Coimbra Editora, 1939, pág. 590-592.
[17] Vide a anotação de RITA BARBOSA CRUZ ao artigo 355.º do Código Civil, em Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 832.
[18] LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., pág. 306.