Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1630/06.2YRCBR.C2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ARBITRAGEM INTERNACIONAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
FORMAÇÃO DO NEGÓCIO
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS - PROCESSOS ESPECIAIS - REVISÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS / DECISÃO ARBITRAL.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Almeida Costa , Direito das Obrigações, 11.ª edição revista e actualizada (2008), p. 246.
- Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, “Cláusulas Contratuais Gerais - Anotação ao D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro”, 1993, pp. 15-72.
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 1999, pp. 55/56.
- Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pp. 17, 175-176.
- António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1999, p. 748.
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I , 4.ª ed., 2008, p. 195.
- Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª ed., 2002, pp. 204 – 207, 446.
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- José Miguel Júdice e António Pedro Pinto Monteiro, “Do reconhecimento e execução de decisões arbitrais estrangeiras ao abrigo da Convenção de Nova Iorque –Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/2009”, “Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação”, Ano III, 2010, pp.163/164.
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- Maria Cristina Pimenta Coelho “A Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958 Relativa ao Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras”, “Revista Jurídica”, AAFDL, n.º 20, Outubro de 1996.
- Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil Português - Parte Geral, Tomo I, 3.ª ed., 2009, pp. 552/553, 598/599, 615.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4.ª ed., 2005, pp. 32, 336.
- Miguel Nuno Pedrosa Machado, “Sobre Cláusulas Contratuais Gerais e Conceito de Risco”, Separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa (1988).
- Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, p. 235.
- Paula Costa e Silva, “A execução em Portugal de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. II, 2007, p. 642.
- Sofia Martins e João Vilhena Valério, “A Nova Lei de Arbitragem Voluntária: Principais Alterações Introduzidas”, in “Actualidad Jurídica – Uría Menéndez”, n.º 32, 2012, pp. 28, 29.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 48.º, N.º2, 677.º, 721.º, 722.º, 1094.º, N.º1, 1096.º, AL. C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): ARTIGO 8.º, N.º2.
LEI N.º 31/86, LEI DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA: - ARTIGO 26.º, N.º2.
LEI N.º 63/2011, NOVA LEI DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA: - ARTIGO 55.º.
REGIME JURÍDICO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS - DL N.º 446/85, DE 25/10 (DORAVANTE, LCCG), COM AS ALTERAÇÕES DO DL N.º 220/95, DE 31/08, DO DL N.ºS 249/99, DE 07/07, E DO DL N.º 322/2001, DE 17/12: - 1.º, 5.º, 6.º, 8.º.
RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 37/94, DE 10/03: - ARTIGO 2.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE DE 10-06-1958.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25/03/99, PROC. N.º 98B835 (SUMÁRIO).
-DE 09/10/03, PROC. N.º 03B1604, 22/04/04, PROC. N.º 04B705, 02/02/06, PROC. N.º 05B3766, E DE 14/03/13, PROC. N.º 7328/10.0TBOER.L1.S1.
-DE 24/02/05, PROC. N.º 04B4826, E DE 25/05/06, PROC. N.º 06B1016.
-DE 04/10/05, PROC. N.º 05A2222.
-DE 10/05/07, PROC. N.º 07B841.
-DE 19/03/09, COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO STJ (CJSTJ), ANO XVII, TOMO 1, 2009, PP. 147- 149.
-DE 31/03/11, PROC. N.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1, 06/09/11, PROC. N.º 4537/04.4TVPRT-A.P1.S1, 16/04/13, PROC. N.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, E DE 10/12/13 PROC. N.º 12865/02.7TVLSB.L1.S1.
-DE 20/03/12, PROC. N.º 1903/06.4TVLSB.L1.S1.
(PUBLICADOS EM WWW.DGSI.PT E SUMÁRIOS DA ASSESSORIA CÍVEL DO STJ)
Sumário :

I - A Convenção de Nova Iorque, de 10-06-1958, aplica-se ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras, tendo Portugal efectuado a reserva prevista na 1.ª parte do n.º 3, do art. I, por força da qual a mesma apenas é aplicável ao reconhecimento das sentenças proferidas no território de outro Estado contratante.

II - Uma decisão arbitral estrangeira não é automaticamente exequível em território português (não constitui título executivo), sem que previamente seja submetida ao processo de revisão e confirmação pelo tribunal competente, à luz do ordenamento jurídico nacional, independentemente de estar abrangida pela Convenção de Nova Iorque de 1958.

III - À semelhança do regime aplicável às decisões judiciais estrangeiras, também as decisões arbitrais estrangeiras estão submetidas ao sistema de revisão e confirmação pelos tribunais estaduais nacionais, pelo que é sempre exigível o reconhecimento judicial de qualquer decisão arbitral estrangeira, mesmo que proferida nos termos da Convenção de Nova Iorque de 1958.

IV - As cláusulas contratuais gerais são caracterizadas por três elementos fundamentais: pré-formulação, generalidade e imodificabilidade.

V - Previamente à apreciação da validade de alegadas cláusulas contratuais gerais, à luz do regime jurídico da LCCG, tem de haver a demonstração probatória, a cargo da parte que quer beneficiar da aplicação desse regime, de que se está perante cláusulas contratuais gerais.

VI - Na negociação contratual as partes são livres de introduzir alterações ou modificações nas cláusulas propostas, tal como são livres de aceitar cláusulas – omitindo qualquer referência em contrário – e de rejeitar cláusulas – expressando a sua oposição (cf. art. 224.º e segs. do CC).

VII - Tendo uma das partes colocado à consideração da outra o texto inicial dos contratos, para esta “analisar e propor alterações”, e tendo a contraparte apresentado modificações relativamente a uma das cláusulas, não o tendo feito relativamente a outras, designadamente a cláusula contendo a convenção de arbitragem, é de concluir que a negociação que existiu relativamente a umas e outras – quer as alteradas, quer as aceites sem alteração – foi rigorosamente a mesma.

VIII - Introduzidas, no texto do contrato que lhe foi inicialmente proposto, as alterações que lhe aprouvesse e tendo apresentado essas alterações na forma de nova proposta de texto integral, é ostensivo que a parte se conformou, por livre e autónoma vontade, com o teor da cláusula relativa à convenção de arbitragem, não podendo a mesma ser classificada de cláusula contratual geral, porquanto não se reveste de uma das suas características fundamentais: a sua rigidez ou imodificabilidade.

Decisão Texto Integral:

  Recurso de revista nº1630/06.2YRCBR.C2.S1[1]



    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


        I - RELATÓRIO

            AA - ..., S.A., com sede na Av. ..., ..., ….º, Lisboa,  intentou, ao abrigo do estatuído nos arts. 1094.º e segs. do Código de Processo Civil (CPC), acção de revisão de sentença estrangeira contra BB - ..., Lda, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., Leiria, pedindo a revisão e confirmação de duas decisões arbitrais, proferidas pelo Tribunal Arbitral da CC – …., sediado em Londres[2], em 14/01/05 e em 22/04/05, respectivamente, que condenam a requerida a pagar os montantes referidos nos respectivos textos, de modo a que as mesmas sejam plenamente eficazes e exequíveis em Portugal.

Deduzida oposição, foi alegado pela requerida, em síntese, que os contratos celebrados remetem, quanto ao regime aplicável, para a DD 22[3], estando em causa cláusulas contratuais gerais que se limitou a subscrever sem conhecimento efectivo do seu teor e alcance, que igualmente não lhe foram comunicados; a invalidade das convenções de arbitragem é um facto que obsta, por interpretação dos arts. 1096.º, al. c), e 1097.º do CPC, e do art. V, n.º 1, al. a), da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (celebrada a 10/06/1958), à possibilidade de confirmação das respectivas decisões; da aplicação do direito português, e por diversos fundamentos, decorreriam para a requerida resultados mais favoráveis do que os apurados nas decisões arbitrais (art. 1100.º, n.º 2, do CPC), cujos pedidos de revisão impugna, pelo que deve a presente acção ser julgada improcedente.

Respondeu a requerente pugnando pela improcedência da oposição, pela condenação da requerida como litigante de má-fé, e pela confirmação das decisões em causa, tendo junto documentos.

A BB ofereceu novo requerimento pretendendo contraditar alguns aspectos focados na resposta à sua oposição e apresentar elementos de prova documental e testemunhal, o que, com ressalva da admissão dos documentos, foi indeferido por despacho de fls. 271, do qual agravou, após o que o Tribunal da Relação se considerou incompetente em razão da hierarquia sendo os autos remetidos ao Tribunal da comarca de Leiria onde foi proferida sentença, de fls. 552 a 558, que julgou procedente a pretensão formulada, confirmando as decisões arbitrais em causa.

Inconformada a requerida interpôs recurso, com junção de parecer, ao abrigo do art. 706.º, n.º 2, do CPC, subscrito pelo Professor Dr. Menezes Cordeiro e pelo Mestre Lacerda Barata (cf. fls. 644 a 755), e por acórdão de 24/11/09 proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por unanimidade, foi decidido “anular o despacho que sustentou a decisão de desentranhar o requerimento da ré e de indeferir a produção de prova e que determinou a subida do agravo, bem como todo o processado posterior, incluindo a sentença final e remeter os autos à 1.ª instância para proferir despacho sobre tal requerimento com a subsequente tramitação do processo” (fls. 779 a 797).

Efectuadas as pertinentes diligências probatórias, foi, a final, proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, mostrando-se verificados os requisitos legais para o efeito, nomeadamente os previstos na aludida Convenção de Nova Iorque de 1958, julgo procedente a pretensão formulada pela requerente, pelo que revejo e confirmo as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral da CC – …, respectivamente em 14 de Janeiro de 2005 e 22 de Abril de 2005, melhor descritas nos factos provados 1 e 4 e juntas aos presentes autos a fls. 7 a 68, passando as mesmas a ser plenamente eficazes e exequíveis em Portugal”, tendo as partes sido absolvidas, reciprocamente, dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé (fls. 947 a 966).

Mantendo-se inconformada, a requerida BB interpôs novo recurso de apelação, tendo a Relação de Coimbra, por Acórdão do pretérito dia 19/06/13, uma vez mais por unanimidade, decidido julgar o recurso procedente, revogando a decisão da 1.ª Instância e, consequentemente, negar o reconhecimento das duas sentenças arbitrais (cf. fls. 1095 a 1123).

Manifestando a sua discordância, vem agora a requerente apresentar recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo, assim, as suas alegações (cf. fls. 1133 a 1169):

“1. Pese embora a Requerente, AA, ora recorrente, tenha lançado mão do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, proferidas pela CC, formulando pedido no sentido de as mesmas serem “plenamente eficazes e exequíveis em Portugal”, o que é certo é que, ulteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, nomeadamente através de douto Acórdão de 19/03/2009 (in CJSTJ, Ano XVII, Tomo 1/2009, páginas 147 a 149), no sentido de este processo de reconhecimento ser desnecessário nos casos em que as sentenças arbitrais hajam sido proferidas em Estado aderente à Convenção de Nova Iorque de 10/06/58 sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras;

2. No caso vertente, as sentenças cujo reconhecimento foi requerido foram proferidas no Reino Unido, país aderente àquela Convenção de Nova Iorque, pelo que, de acordo com a mais recente e moderna Jurisprudência, deverá entender-se que os reconhecimentos daquelas decisões arbitrais são desnecessários, sendo as mesmas automática e directamente exequíveis em Portugal (que é, igualmente, aderente à mencionada Convenção internacional);

3. A sujeição das decisões arbitrais em apreço ao presente processo de reconhecimento de sentença estrangeira, com vista à respectiva exequibilidade, consubstancia a violação de lei substantiva, designadamente do art. III da referida Convenção de Nova Iorque, sendo, portanto, fundamento válido para o presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 722.°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 (actual art. 764.°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPC na redacção da Lei n.º 41/2013), e constituindo a sua violação inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art. 8.° da Constituição da República Portuguesa;

4. Assim não se entendendo, considerando que se verificam, in casu, todos os requisitos formais previstos na Lei para o reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras, mal decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, ao revogar a douta decisão da 1.ª Instância, e, assim, recusar o reconhecimento das decisões revidendas;

5. Ao invés do entendimento adoptado pelo Venerando Tribunal “a quo”, aliás sem qualquer fundamento na “Matéria de facto provada”, a proposta de contrato que viria a ser objecto de assinatura pelas partes não foi apresentada pela AA, mas antes pela requerida BB;

6. Nos termos do disposto art. 233.° do Código Civil “A aceitação [de declaração negocial] com aditamentos, limitações ou outras modificações importa a rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração.”

7. De acordo com a factualidade considerada provada nos Factos n.ºs 7, 10 e 13, da “Matéria de facto provada”, terá de concluir-se que a requerente AA limitou-se a apresentar à requerida BB a proposta do “texto inicial dos acordos referidos em 7 e 10”;

8. E que recebida a proposta pela requerida BB (tornando-se, assim, a mesma, eficaz nos termos do disposto no art. 224.° do C.C.), aquela (BB) introduziu-lhe aditamentos e alterações, o que nos termos do disposto no supra transcrito art. 233.° do Código Civil tem por significado a rejeição da proposta.

9. Porém, considerando que as modificações introduzidas – pela requerida BB ao “texto inicial dos contratos” apresentado pela requerente AA – foram suficientemente precisas, esta manifestação de vontade da requerida BB (pela qual transmitiu as modificações, equivale a nova proposta (conforme disposto no referido art. 233.° do Código Civil).

10. Tal nova proposta (ou contraproposta) de texto contratual apresentada pela requerida BB, no seu próprio papel timbrado, à requerente AA, foi por esta recebida e expressamente aceite, tendo aposto, em cada um dos contratos, as respectivas assinaturas;

11. É absolutamente incontornável e inquestionável, à luz das normas jurídicas supra referidas (nomeadamente, arts. 224.°, 230.º e 233.° do Código Civil) que a nova proposta (que viria a ser a proposta final) de texto dos contratos celebrados entre as partes foi apresentada pela BB;

12. Mal decidiu, portanto, o Venerando Tribunal “a quo”, porquanto partiu de factualidade diversa da que se encontra provada, pois manifestamente considerou (erradamente) que o texto contratual subscrito pelas partes havia sido proposto pela AA, imputando-lhe toda uma série de ónus e obrigações que lhe não cabem;

13. E, igualmente, não poderá a BB vir alegar que não conhecia – já que as conhecia perfeitamente – cláusulas contratuais que fez incluir na sua nova proposta (contraproposta) que apresentou à AA, em papel timbrado da BB e que mereceu o acordo daquela, atingindo, deste modo, a perfeição dos contratos em apreço;

14. Este erro do Venerando Tribunal “a quo” – sobre a parte que efectivamente apresentou a proposta de contrato que viria a alcançar perfeição – viria a determinar novo erro de julgamento, de qualificação jurídica dos factos, respeitante à qualificação da cláusula de convenção arbitral constante dos contratos, como cláusula contratual geral.

15. A cláusula de compromisso arbitral, em apreço, não pode ser considerada cláusula contratual geral porquanto foi negociada entre as partes, sendo que tal negociação se encontra provada nos factos assentes (sustentada abundantemente na fundamentação da resposta à matéria de facto);

16. Conforme se encontra devidamente evidenciado na matéria de facto provada (nomeadamente no Ponto 13), os contratos celebrados entre a requerida (BB) e a requerente (AA), referidos nos pontos 7 e 10 da factualidade provada, foram objecto de negociação prévia, sendo que, reitera-se, foi a própria BB quem propôs a versão definitiva do texto dos contratos que as palies viriam a assinar;

17. O próprio Venerando Tribunal “a quo” refere, no douto Acórdão aqui em crise, que “Com efeito, como resulta do facto provado n.º 13 o texto inicial dos acordos referido em 7 e 10 foi proposto e enviado pela Requerente à Requerida BB para esta o analisar e propor alterações.”;

18. Se, como ocorreu (e o douto Acórdão o reconhece), o texto inicial do contrato foi apresentado pela AA à BB para esta o analisar e propor alterações, é evidente que àquela destinatária da proposta foi concedida a possibilidade de introduzir modificações sobre todo o texto da proposta;

19. No uso dessa faculdade, e no pleno exercício da autonomia da vontade, a BB viria a apresentar alterações ao texto do contrato (alterações de que deu conhecimento à AA por e-mail de 29/08/2003, que é referido a fIs. 28 do douto Acórdão sub judice, pelo qual a BB comunicou à AA o seguinte: “Junto envio o contrato com as alterações sugeridas pela BB, conforme já comentado.”);

20. Termos em que qualquer ónus da prova sobre a negociação daquela cláusula deveria – caso fosse necessário – caber à BB, que a propôs (e que portanto não pode alegar conhecimento sobre a mesma, nem pode argumentar - sob pena de incorrer em abuso de direito - que a mesma não foi negociada);

21. Os contratos em apreço (referidos nos Factos 7. e 10.) não são contratos de adesão, nem a requerida BB (que, recorde-se, é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio, nacional e internacional, de matérias primas) se limitou a subscrevê-los ou a aceitá-los;

22. Em todo o caso, de acordo com a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (nomeadamente Acórdão de 25 de Março de 1999, deverá considerar-se que “É eficaz uma cláusula com promissória arbitral aposta num contrato por mera adesão de um dos contraentes, quando se possa afirmar que o aderente não podia ignorar a referida cláusula em face das circunstâncias em que aderiu.”

23. O Venerando Tribunal “a quo” efectua um silogismo inadmissível que o levou a, erradamente (salvo o devido respeito) considerar que a cláusula contratual que constitui a convenção arbitral não teria sido objecto de negociação prévia (pela simples razão de a BB não ter apresentado modificações a essa cláusula, quando o fez relativamente a outras, conforme Facto n.° 13);

24. O douto Acórdão, na parte em que, após referir, referindo-se à cláusula de convenção arbitral, que “tal cláusula (reproduzida em ambos os contratos) (…) não foi objecto de quaisquer alterações por parte da BB, o que significa que a aceitou, em ambos os contratos, tal qual lhe foi proposta pela AA”, concluindo, de seguida, que “o mesmo é dizer, não resultou, em ambos os contratos de negociação prévia entre BB e AA” é totalmente ininteligível, contraditório e sem qualquer fundamento fáctico;

25. Ao considerar que só as cláusulas alteradas é que foram objecto de negociação prévia, o Venerando Tribunal “a quo” efectua interpretação e retira conclusões totalmente desconforme com a factualidade assente, bem assim completamente adversa às regras da experiência comum e às normas de interpretação das declarações negociais.

26. Tendo a AA colocado à consideração da BB o texto inicial dos contratos, para esta “analisar e propor alterações” (Facto n.º 13), e tendo esta apresentado modificações relativamente a umas cláusulas e não o tendo feito relativamente a outras (nomeadamente a convenção arbitral), terá de concluir-se que a negociação que existiu relativamente a umas e outras (as aceites e as alteradas) foi rigorosamente a mesma;

27. A cláusula em apreço (convenção arbitral) também não pode ser considerada cláusula contratual geral porquanto não tem uma das suas características fundamentais, consubstanciada na rigidez, ou seja, a inalterabilidade ou mera possibilidade de aceitação ou de recusa das cláusulas em bloco

28. Estando provado que a BB introduziu no texto inicial do contrato (proposto pela AA) as alterações que lhe aprouve, e apresentou as mesmas, na forma de nova proposta (art. 233.° do CC) de texto integral do contrato, erradamente decidiu, igualmente, o Venerando Tribunal “a quo” ao imputar à AA o ónus da prova de que a cláusula em apreço tinha sido negociada previamente.

29. Tendo a proposta final do contrato sido apresentada pela BB (e contendo esta diversas alterações e modificações ao texto que havia sido proposto pela AA e rejeitado pela BB) seria a esta e não à AA que caberia aquele ónus da prova.

30. Também não estamos, in casu, no âmbito de uma cláusula contratual geral porquanto não se verifica a habitual necessidade de protecção do contraente em posição negocial mais fraca, pois no caso sub judice há uma efectiva igualdade das partes, plasmada na liberdade contratual que se verificou, em exercício da autonomia da vontade, entre duas empresas que se dedicam à mesma área de negócio, e que se dispuseram a celebrar contratos de fornecimento internacional de cereais;

31. Deverá, pois, esse Supremo Tribunal de Justiça, necessariamente, de concluir que a cláusula contendo a convenção arbitral, inserta em ambos os contratos (propostos pela BB e aceites pela AA) não consubstanciam cláusula contratual geral, sendo as mesmas absolutamente válidas e eficazes entre as partes contratantes, aqui recorrente e recorrida;

32. Mesmo que se entenda (sem conceder) estarmos perante uma cláusula contratual geral e que (o que não se concebe) a proposta de contrato que viria a ser assinada tivesse sido apresentada pela AA (já que, ao invés, o foi pela BB), teríamos de concluir, em face da matéria assente e das regras da experiência comum, que a BB tinha pleno conhecimento do conteúdo daquela cláusula e a aceitou, pelo que terá de ter-se por devidamente cumprido o dever de comunicação e informação;

33. Em qualquer caso, e ao invés do decidido pelo Venerando Tribunal “a quo”, a norma contratual em apreço não poderá ser considerada inválida e/ou excluída nos termos do artigo 8.° da LCCG;

34. Tendo sido, como foi, a BB quem, havendo rejeitado a proposta de texto contratual apresentado pela AA, apresentou uma nova proposta, nos termos do disposto no art. 233.° do C.C., contendo modificações relativamente ao texto inicialmente proposto pela AA, e tendo esta nova proposta sido aceite pela AA terá de presumir-se, inilidivelmente, que a BB conhecia o teor e o alcance das suas propostas negociais.

35. Ao invés do erradamente decidido pelo Venerando Tribunal “a quo”, a convenção das partes acerca do foro e forma de resolução de litígios, é plenamente lícita, válida e eficaz;

36. Ainda que se entendesse (sem conceder) que teriam sido as propostas de contrato da AA a serem subscritas (que, como vimos, não foi o que ocorreu) e que aquelas normas contratuais (que consubstanciam compromisso arbitral) pudessem ser classificadas como cláusulas contratuais gerais, teríamos de considerar, desde logo, que a BB aceitou aquela cláusula, expressamente, e após análise, em ambos os contratos;

37. O dever de informação, tal como estipulado no artigo 6.° da LCCG, apenas diz respeito a informações de que, com toda a probabilidade, a outra parte não dispõe, nem têm meios de obter.

38. A BB não solicitou quaisquer esclarecimentos sobre o conteúdo da cláusula de compromisso arbitral – em boa verdade a mesma daqueles não necessitava –, o que, juntamente com os factos de a BB não ter proposto qualquer alteração à mesma e de a ter incluído nos textos contratuais que, no seu próprio papel timbrado, fez imprimir e submeter à assinatura, leva a concluir o seu pleno conhecimento e aceitação;

39. A questão do “declaratário normal” não se coloca, pois a BB é uma sociedade comercial experimentada no negócio internacional de cereais, dedicando-se a esse negócio como seu objecto principal, estando habituada a celebrar negócios semelhantes aos que aqui estão em causa.

40, A apreciação acerca do cumprimento do dever de informação - sem que se conceda que tal dever incumbia à AA - terá de ser efectuada tomando em consideração o caso concreto e atendendo ao grau de informação do contratante, bem assim como a extensão da informação deverá depender das circunstâncias, a analisar caso a caso;

41. Ao invés do erradamente concluído – aliás, sem qualquer fundamento fáctico – pelo Venerando Tribunal “a quo”, a BB sempre esteve plenamente ciente do compromisso arbitral e quis convencioná-lo;

42. A BB sabia perfeitamente o que era a CC e como funcionavam os processos de arbitragem junto daquela entidade, daí que tenha exortado a AA a instaurar o processo quando se verificou a eventualidade de incumprimento do primeiro contrato por parte daquela;

43. O Tribunal “a quo” desprezou ainda o facto de o segundo contrato – o referido no Ponto 10. da Matéria de facto provada – ter sido celebrado em 2 de Janeiro de 2004, quando já em 22 de Outubro de 2003 a BB havia exortado a AA a avançar com o processo de arbitragem na CC, o que constitui mais do que confirmação que conhecia perfeitamente aquela forma de resolução de conflitos;

44. As sentenças arbitrais sub judice [que mais não fazem senão reconhecer e aplicar o princípio de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (pacta sunt servanda)] estão perfeitamente de acordo e são totalmente compatíveis com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, pelo que preenchem todos os requisitos legais para serem reconhecidas;

45. Ao decidir conforme decidiu, o Venerando Tribunal "a quo" violou, entre outras do Mui Douto suprimento desse Venerando Tribunal, as normas do Artigo III da Convenção de Nova Iorque de 10/06/58 sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, do Artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, dos arts. 224.°, 230.° e 234.° do Código Civil, dos arts. 1.°, 6.° e 8.° da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 220/95 de 31-08 e pelo Decreto-Lei n.º 249/99 de 7-07) e dos arts. 1094.° e 1096.° do Código de Processo Civil.

A requerida/recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido (fls. 1219 a 1246).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



As conclusões insertas no final das alegações da autora/recorrente, constituindo as balizas definidoras do objecto do recurso - cf. arts. 684.°, n.° 3, e 690.°, n.°s 1 e 3, do CPC-, suscitam as seguintes questões, por ordem de precedência lógica:

A) Necessidade do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, ao abrigo da Convenção de Nova Iorque, de 10/06/1958;

B) Se ocorreu processo negocial prévio à assinatura da convenção de arbitragem e erro na qualificação jurídica daquela convenção como cláusula contratual geral;

C) Na eventualidade de se considerar que se está perante cláusula contratual geral, cumprimento do estatuído nos arts. 6.º e 8.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG).

II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

A matéria de facto dada como assente nas instâncias, ponderando, já, as alterações que a Relação aí introduziu (cf. fls. 1115 a 1117), é a seguinte:

1 – Por sentença de 14/01/2005, proferida pelo Tribunal Arbitral da CC –…, com sede em Londres, foi a requerida BB - ..., Lda. condenada a pagar à requerente AA - ..., S.A.:

- a quantia de 9.620.000,00 USD (nove milhões e seiscentos e vinte mil dólares americanos), correspondente na data da propositura da acção (05/04/2006) a € 7.888.400,00 (sete milhões, oitocentos e oitenta e oito mil e quatrocentos euros);

- juros sobre este montante à taxa de 5,5% (cinco e meio por cento) por ano, composto de três em três meses, a partir de 03/12/2003 até recepção integral do pagamento;

- as despesas legais razoáveis, incorridas com a apresentação do presente pedido de indemnização;

- os encargos e as despesas inerentes à arbitragem, mais 100 GBP de preparo para designação de árbitro.

2 - A requerida BB foi devida e regularmente citada para esta arbitragem, na qual viria a ser proferida a Sentença arbitral n.º 13-283B, de 14/01/2005, supra referida, mas não interveio na mesma nem nomeou árbitro próprio.

3 - Da sentença arbitral referida em «1» não foi interposto recurso e transitou em julgado.

4 - A requerida BB – ..., Lda., foi igualmente condenada, por sentença proferida pelo referido Tribunal Arbitral da CC – …, proferida em 22/04/2005, a pagar à requerente AA – ..., S.A.:

- a quantia de 3.156.700,00 USD (três milhões e cento e cinquenta e seis mil e setecentos dólares americanos), correspondente na data da propositura da acção (05/04/2006) a € 2.588,494,00 (dois milhões, quinhentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e noventa e quatro euros);

- juros sobre o montante de 3.156.700,00 USD à taxa de 5,5% (cinco e meio por cento) por ano, a partir de 14/04/2004 até à data do recebimento pela AA do pagamento da indemnização especificada;

- os encargos e as despesas inerentes a esta arbitragem, incluindo o preparo de 100,00 GBP pago pela AA quando pediram a designação de um árbitro em nome da BB.

5 - A requerida BB foi devida e regularmente citada para esta arbitragem referida em «4», na qual viria a ser proferida a Sentença arbitral n.º 13-315, de 22/04/2005, mas não interveio na mesma nem nomeou árbitro próprio.

6 - Da sentença arbitral referida em «4» não foi interposto recurso e transitou em julgado.

7 – Com data de 01/09/2003 foi celebrado entre a requerente e a requerida um acordo escrito, em papel com o timbre da BB, na língua inglesa, através do qual a requerida vendia à requerente 100.000 toneladas métricas de feijão de soja amarelo brasileiro, ao preço de USD $ 240,00 por tonelada métrica.

8 – No referido acordo consta, para além do mais, uma última cláusula com o seguinte teor, de acordo com a tradução para a língua portuguesa:

«CONTRATO Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com DD 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC».

9 – O acordo referido em «7» foi objecto da referida sentença arbitral de 14/01/2005.

10 - Com data de 02/01/2004 foi celebrado entre a requerente e a requerida um outro acordo escrito, em papel com o timbre da BB, na língua inglesa, através do qual a requerida vendia à requerente 25.000 toneladas métricas de feijão de soja amarelo brasileiro, ao preço de USD $ 240,00 por tonelada métrica.

11 – No acordo referido no facto anterior consta, para além do mais, uma última cláusula com o seguinte teor, de acordo com a tradução para a língua portuguesa:

«CONTRATO. Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com DD 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC».

12 – O acordo referido em «10» foi objecto da referida sentença arbitral de 22/04/2005.

13 – O texto inicial dos acordos referidos em 7 e 10 foi proposto e enviado pela requerente AA à requerida BB, para esta o analisar e propor alterações, tendo a BB remetido à Requerente este texto contratual assinado por si, o qual foi depois também assinado pela Requerente, apenas amputado ou acrescentado em relação ao texto remetido pela Requerente, das seguintes palavras ou segmentos de texto:

a) No que respeita ao contrato de 01/09/2003:

Amputado de «Insurance Policy Certificate» e «FGIS Certificate(s)» que constavam da cláusula intitulada «DOCUMENTS»;

Amputado de «Final at discharge or…», «All final at discharge or…» e «Final at discharge or…» que figuravam nas cláusulas intituladas, respectivamente, «WEIGHT», «QUALITY» e «SAMPLING AND ANALYSIS»;

Amputado da segunda alternativa iniciada pelas palavras «USD 243.00 per Mt…» mencionada na cláusula intitulada «PRICE»;

Amputado da sigla «C.I.F» mencionada na cláusula intitulada «PARITY», designação substituída no contrato por «C&F»;

Amputado de «Insurance Policy Certificate» e «FGIS Certificate(s)» que constavam da cláusula intitulada «DOCUMENTS»;

b) No que respeita ao contrato de 02/01/2004:

Acrescentado de «2004» na cláusula intitulada «COMMODITY SPECIFICATIONS»;

Alterado na sua totalidade quanto à cláusula «CUANTITY»;

Substituição na cláusula intitulada «WEIGHT» do texto proposto «Final at discharge or at loading from vessel/barges as per certificate issued by first class control entity, at buyer´s option and account » pelo texto « Final at loading as per certificate issued by first class control entity, at Buyers option and account»;

Amputado de «All… at discharge or…» e «…discharge or…» e acrescentado de «…on the vessel…», na cláusula intitulada «QUALITY»;

Amputado de «…at discharge or…» na cláusula intitulada «SAMPLING AND ANALYSIS»;

Amputado da cláusula intitulada «SURVEYING AT LOADING» na sua totalidade;

Acrescentado de «C&F LISBON» na cláusula intitulada «PRICE»;

Amputado da segunda alternativa iniciada pelas palavras «USD 243.00 per Mt…» mencionada na cláusula intitulada «PRICE»;

Substituição do primeiro e segundo parágrafos da cláusula intitulada «PARITY» em que o texto proposto foi «C.I.F. Free Out Lisbon, Portugal;

Discharge port can be Setubal by agreement between sellers and buyers if carrying vessel is suitable to (L.O.A. max. 205  metres and draught max 10 metres)» pelo texto «C&F free out, Lisbon or Setubal ports (Portugal) to be declared  by buyer till five days before ETA Portugal»;

Substituição da parte final do texto da cláusula intitulada «INSURANCE» em que o texto proposto foi «…a first class E.U. or Switzerland Insurence Company previous accepted by buyers», por «Companhia de Seguros Fidelidade».

Acrescentado de «…and to be accepted by buyer» na parte final da cláusula proposta denominada «TYPE OF VESSEL»;

Substituição no primeiro parágrafo do texto da cláusula intitulada «PAYMENT» das palavras «…in Portugal, to be declared by AA…» pelas palavras «…to be declared by Buyer…»;

Acrescentado de «4 (four)» no primeiro item da cláusula intitulada «DOCUMENTS»;

Amputado de «US Analysis and Certificate(s) of Quality», «Insurance Policy Certificate» e «FGIS Certificate(s)» que constavam da cláusula intitulada «DOCUMENTS»;

Amputado da cláusula intitulada «PERFOMANCE BOND»;

Acrescentado de «…sent… any of the parts…/fax or e-mail…» no terceiro item da cláusula intitulada «OTHER CONDITIONS».

14 – Através de e-mail enviado a 22/10/2003, às 16,09 horas a requerida comunica à requerente, para além do mais, o seguinte: «Deste modo sugiro que avance com o processo junto da CC, com a possibilidade de, no desenrolar dos acontecimentos se poder suspender a acção, caso se concretize o fornecimento por parte da EE».

15 – Nas datas em que foram proferidas as referidas sentenças arbitrais a AA era membro da CC e a BB não o era, nem nunca o foi.

DE DIREITO

           

A) Necessidade do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, ao abrigo da Convenção de Nova Iorque, de 10/06/1958.

A encabeçar o seu recurso, a recorrente começa por aduzir que, não obstante ter lançado mão do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, proferidas pela CC, formulando pedido no sentido de as mesmas serem “plenamente eficazes e exequíveis em Portugal”, certo é que, subsequentemente, o STJ exarou o Acórdão de 19/03/09[4], no sentido deste processo (de reconhecimento) ser desnecessário nos casos em que as sentenças arbitrais hajam sido proferidas em Estado aderente à Convenção de Nova Iorque de 10/06/1958 – como é o caso do Reino Unido –, pelo que deverá entender-se, segundo a mais recente e moderna Jurisprudência, que os reconhecimentos daquelas decisões arbitrais são desnecessários, sendo as mesmas automática e directamente exequíveis em Portugal (que é, igualmente, aderente à mencionada Convenção internacional).

A recorrida respondeu a este segmento do recurso elencando cinco motivos: a competência do tribunal está fixada por despacho transitado em julgado, existindo caso julgado formal; é pacífico na doutrina e na jurisprudência que os tribunais de 1.ª instância são competentes para decidir os processos de confirmação de decisão arbitral estrangeira; ainda que assim não se entendesse, admitindo-se que a questão da validade da cláusula compromissória devesse ser suscitada na fase de oposição à execução, nunca se estaria perante uma desnecessidade absoluta de confirmação da validade das decisões arbitrais, mas antes de transferência dessa confirmação para aquela fase; a inutilidade da lide só é causa de extinção da instância quando tenha natureza superveniente, o que não é o caso; por fim, a título subsidiário, a invocação, nesta sede, de alegada violação da lei substantiva constituiria abuso do direito.

Observemos a questão em apreço.

A decisão arbitral estrangeira é uma decisão arbitral[5] que, à luz do Direito Internacional Privado de um determinado Estado, apresenta conexão com uma ordem jurídica externa, carecendo de ser reconhecida, na ordem jurídica interna, para produzir o mesmo efeito de caso julgado de uma decisão nacional e ter eficácia executiva[6].

No Acórdão do STJ, de 19/03/09, indicado pela recorrente, considerou-se, em epítome, que sendo Portugal signatário na Convenção de Nova Iorque de 1958, e apontando esta, no seu art. III, que as sentenças arbitrais estrangeiras não estejam submetidas a condições de execução mais exigentes que aquelas que são impostas às decisões arbitrais nacionais, então, sendo dispensado o processo de reconhecimento prévio para estas decisões, também as decisões arbitrais estrangeiras devem estar isentas do processo de reconhecimento[7].

Que saibamos, a jurisprudência perfilhada neste aresto é isolada, não teve nem precedentes nem sucessores conhecidos, indo contra a doutrina e a jurisprudência maioritárias (e consolidadas) sobre este assunto, conforme se demonstrará.

A Convenção de Nova Iorque de 1958, como ressuma do seu art. I, n.º 1, aplica-se ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras, tendo Portugal, a par de outros países como a França, Reino Unido e Estados Unidos da América, feito a reserva prevista na 1.ª parte do n.º 3 daquele preceito I, por força da qual aquele pacto internacional apenas é aplicável ao reconhecimento das sentenças proferidas no território de outro Estado contratante – cf. art. 2.º da Resolução da Assembleia da República n.º 37/94, de 10/03[8].

A respeito das formas de concessão de eficácia executiva às sentenças arbitrais, existem dois modelos: um que sujeita qualquer decisão arbitral, independentemente da sua origem nacional ou estrangeira, a um procedimento de concessão de exequatur, não a equiparando a decisão judicial; outro, que equipara as decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais nacionais às decisões judiciais desse mesmo Estado, sujeitando as decisões arbitrais estrangeiras aos procedimentos a que são submetidas as decisões exaradas por tribunais judiciais estrangeiros[9] – Portugal segue este segundo modelo, tal como resulta dos arts. 48.º, n.º 2, e 1094.º e segs. do CPC, do art. 26.º, n.º 2, da antiga Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86), e, agora, do art. 55.º da nova Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011).

Ou seja, em Portugal, as decisões arbitrais estrangeiras, à semelhança das decisões proferidas por tribunais judiciais estrangeiros, estão submetidas a um procedimento de revisão e confirmação, para, subsequentemente, poderem ser executadas[10].

Detendo-nos na análise do art. III da Convenção de Nova Iorque – relativo ao procedimento de reconhecimento e concessão de execução às sentenças arbitrais estrangeiras –, é relevante dar por reproduzidos os ensinamentos de Luís de Lima Pinheiro: “Os trabalhos preparatórios da Convenção demonstram que a intencionalidade normativa não é a de assegurar uma equiparação das sentenças estrangeiras às sentenças nacionais mas a de garantir que o processo de reconhecimento das sentenças estrangeiras não é sensivelmente mais oneroso que o estabelecido para as sentenças nacionais. Ora, isto pressupõe que o reconhecimento das sentenças “nacionais” depende de um processo prévio e não é aplicável quando tal não se verifica.

Quando atribui às sentenças arbitrais “nacionais” a mesma eficácia que a sentença de um tribunal judicial de 1.ª instância, o legislador português pressupõe que a arbitragem, porque realizada em Portugal, está sujeita às directrizes da ordem jurídica portuguesa sobre o regime jurídico da arbitragem. Isto não se verifica com as sentenças arbitrais “estrangeiras”, razão por que o seu reconhecimento deve depender de um controlo prévio por um tribunal judicial português.

Portanto, segundo a interpretação correcta do preceito, um Estado que não sujeita o reconhecimento das sentenças “nacionais” a um processo prévio não está impedido de sujeitar o reconhecimento das sentenças arbitrais “estrangeiras” a um regime processual especial ou ao regime processual aplicável em geral ao reconhecimento das sentenças estrangeiras. Uma vez que o legislador português não fez acompanhar a ratificação da Convenção de Nova Iorque de qualquer indicação sobre o regime processual aplicável, o reconhecimento fica sujeito ao regime processual dos arts. 1094.º e segs. do CPC.

A segunda parte do art. 3.º, porém, tem um sentido útil mesmo nos Estados contratantes em que o reconhecimento das sentenças “nacionais” não depende de um processo prévio. Com efeito, o preceito determina também que à execução das sentenças arbitrais abrangidas pela Convenção não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas. Estes Estados contratantes tanto podem reconhecer automaticamente os efeitos de decisões arbitrais “estrangeiras” nos mesmos termos que as “nacionais”, como subordinar o reconhecimento de efeitos e/ou a força executiva a um processo prévio, estabelecido exclusivamente para as sentenças estrangeiras[11].

O mesmíssimo entendimento foi suportado por Maria Cristina Pimenta Coelho: “Apesar de o art. 1094.º do CPC ressalvar o que se ache estabelecido em tratados, não me parece crível que o Estado português aceitasse que as sentenças arbitrais objecto da Convenção fossem executadas tal como uma sentença nacional. Penso, no entanto, que o art. III não impõe uma solução tão radical: o que se pretende é que no seu conjunto o reconhecimento e execução de uma sentença arbitral estrangeira não sejam sensivelmente mais dificultados do que o reconhecimento e execução de uma sentença nacional, o que leva a crer que o artigo foi pensado para situações em que se exige também para as sentenças nacionais um processo de reconhecimento. Se, porém, não se exige tal processo para que as sentenças nacionais tenham força executiva não devemos retirar do art. III que igual tratamento deve ser dado às sentenças estrangeiras. Penso, assim, que o processo especial de revisão de sentenças estrangeiras poderá aplicar-se às sentenças arbitrais abrangidas pela Convenção tanto mais que o art. III remete para as regras de processo do país onde se pretende obter o reconhecimento e execução”. [12]

Já mais recentemente, em expressa anotação ao supramencionado Acórdão do STJ, de 19/03/09, José Miguel Júdice e António Pedro Pinto Monteiro registam: “Entendemos que uma sentença arbitral estrangeira – proferida ou não ao abrigo da CNY – não é automaticamente exequível em Portugal. Será sempre necessário um processo prévio de revisão e confirmação (nos termos dos artigos 1094.º e ss. do CPC), de forma a poder ser executada no nosso País. (…) [N]ão devemos cingir-nos apenas à letra do artigo III da CNY.

No fundo, deparamo-nos aqui, em última análise, com um problema de interpretação. A este propósito, e como se sabe, a interpretação “não deve cingir-se à letra da lei” (artigo 9.º do Código Civil). Com efeito, além do elemento gramatical (texto ou letra da lei), teremos de ter sempre em conta o elemento racional ou teleológico (ou seja, a razão de ser da lei, a ratio legis, o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma), o elemento sistemático (o contexto da lei, devendo ter-se em atenção as outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda) e o elemento histórico (compreende toda a matéria relacionada com a história do preceito).

Ora, atendendo a todos estes elementos, não temos dúvidas em afirmar que o artigo III da CNY não dispensa um processo prévio de revisão e confirmação da sentença arbitral estrangeira, de forma a poder ser executada em Portugal[13]

Também a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal milita no sentido da necessidade de reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, incluindo as subsumíveis na Convenção de Nova Iorque, para terem plena validade no ordenamento jurídico nacional (cf., entre outros, os Acórdãos de 09/10/03, Proc. n.º 03B1604, 22/04/04, Proc. n.º 04B705, 02/02/06, Proc. n.º 05B3766, e de 14/03/13, Proc. n.º 7328/10.0TBOER.L1.S1[14]).

Ou seja, é pacífico que uma sentença arbitral estrangeira não é automaticamente exequível em território nacional português (isto é, não constitui título executivo), sem que previamente seja submetida ao processo de revisão e confirmação pelo tribunal competente, à luz do ordenamento jurídico indígena, independentemente de estar abrangida pela Convenção de Nova Iorque de 1958.

Acresce, também, que é este o sentido que agora decorre, inequivocamente, do art 55.º da nova Lei da Arbitragem Voluntária (inserido no Capítulo X – Do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras) (Lei n.º 63/2011), ao dispor: “Sem prejuízo do que é imperativamente preceituado pela Convenção de Nova Iorque de 1958, sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, bem como por outros tratados ou convenções que vinculem o Estado português, as sentenças proferidas em arbitragens localizadas no estrangeiro só têm eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, se forem reconhecidas pelo tribunal estadual português competente, nos termos do disposto no presente capítulo desta lei”.

Nas palavras de Sofia Martins e João Vilhena Valério: “Contrariamente ao que acontecia com a LAV, a qual não fazia qualquer referência ao reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, a nova LAV vem prever regras específicas relativas ao processo de reconhecimento, retirando assim a aplicação do art. 1094.º e ss. do Código de Processo Civil ao reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras e dedicando todo o seu Capítulo não só ao reconhecimento mas também à execução de sentenças estrangeiras”[15].

Resumindo, é incontestável que, em correspondência com o regime que decorre para as decisões judiciais estrangeiras, também as decisões arbitrais estrangeiras estão submetidas ao sistema de revisão e confirmação pelos tribunais estaduais nacionais – sendo o regime processual previsto para a revisão destas decisões, até à aprovação da nova LAV, pela Lei n.º 63/2011, além do mais, o previsto nos arts. 1094.º e segs. do CPC[16] e após essa aprovação o previsto nos arts. 55.º e segs. da nova LAV –, o que denota que é sempre exigível o reconhecimento judicial de qualquer decisão arbitral estrangeira, designadamente se proferida nos termos da Convenção de Nova Iorque de 1958, para que a mesma possa ser executada em Portugal.

Considera-se, pelo exposto, improcedente esta 1.ª questão do recurso.

B) Se ocorreu processo negocial prévio à assinatura da convenção de arbitragem e erro na qualificação jurídica daquela convenção como cláusula contratual geral.

Nesta segunda questão, diz a recorrente AA que, ao invés do entendimento adoptado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a proposta de contrato, que viria a ser objecto de assinatura pelas partes, não foi apresentada por ela, mas antes pela recorrida BB. Assim, segundo a factualidade considerada provada nos factos n.ºs 7, 10, e 13, ter-se-á de concluir que a recorrente se limitou a apresentar à recorrida a proposta do texto inicial dos acordos ali relatados, e que, recebida a proposta, a BB introduziu-lhe aditamentos e alterações, as quais foram suficientemente precisas, correspondendo essa manifestação de vontade a nova proposta (art. 233.° do Código Civil - CC). Esta nova proposta de texto contratual, apresentada pela recorrida, no seu próprio papel timbrado, à AA, foi por esta expressamente aceite, tendo aposto, nos contratos, as respectivas assinaturas, sendo inquestionável, à luz das normas jurídicas vertidas nos arts. 224.°, 230.º e 233.° do CC, que a nova proposta (que viria a ser a proposta final) de texto dos contratos celebrados entre as partes foi apresentada pela BB.

Mais indica que esta não pode vir alegar desconhecimento das cláusulas contratuais que fez incluir na sua nova proposta (contraproposta) que apresentou à AA, sendo evidente que a cláusula da convenção de arbitragem[17] não pode ser qualificada de cláusula contratual geral, porquanto foi negociada entre as partes. Termina referindo que, no caso sub judice, há uma efectiva igualdade das partes, plasmada na liberdade contratual que se registou, em exercício da autonomia da vontade, entre duas empresas que se dedicam à mesma área de negócio e que se dispuseram a celebrar contratos de fornecimento internacional de cereais, pelo que necessariamente se terá de concluir que a cláusula da convenção arbitral, inserta em ambos os contratos, não consubstancia cláusula contratual geral, sendo absolutamente válida e eficaz entre as partes contratantes.

A este respeito, consignou-se no Acórdão da Relação de Coimbra, ao proceder à análise da matéria de facto impugnada, designadamente a redacção do facto provado n.º 13, que alterou:

Não há dúvida de que a primeira versão do contrato foi confeccionada pela Requerente AA, pois foi esta que enviou o texto à BB./ Também não há dúvida que a recorrente BB analisou esta primeira versão do contrato, pois propôs alterações que foram aceites pela AA, como resulta do e-mail (de 29/08/2003) acima mencionado./ Porém, comparando a versão contratual enviada pela requerente, que se encontra a fls. 219 a 222, inclusive, com o contrato assinado por ambas as partes, datado de 1 de Setembro de 2003, verifica-se que são ambos praticamente idênticos” (pág. 31 do acórdão, a fls. 1110 dos autos).

E, depois, na pág. 32: “(…) Quanto a estas partes do contrato, que foram suprimidas, poder-se-á dizer que houve negociações entre as partes, pois as alterações existem e comportam esse significado./ Porém, a questão que tem de ser colocada é esta: houve também negociação relativamente à última cláusula do contrato com o teor «All other terms and conditions, not in contradiction with the above, as per DD 22, with arbitration in London as per CC 125 rules» («Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com DD 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC»)?/ A convicção acerca deste ponto é negativa, por esta razão: não há qualquer referência, nos documentos juntos aos autos, sobre a existência de negociação acerca do teor desta cláusula./ Se não há qualquer referência na correspondência trocada entre as partes e a cláusula não sofreu, como não sofreu, de facto, qualquer alteração no seu teor, em relação ao modelo de contrato remetido pela AA à BB, então não é possível afirmar que tal cláusula resultou de negociação./ É que, tal negociação não existiu; pelo menos, nenhum indício existe de que tenha havido negociação entre as partes sobre essa cláusula./ Sendo assim, na resposta a dar a esta matéria factual, apenas tem de constar que a requerente AA propôs o texto contratual inicial e remeteu-o à BB, para esta analisar e propor alterações e esta remeteu-o de volta assinado e apenas amputado dos itens acima referidos./ Face à documentação existente foi isto o que ocorreu e nenhuma outra prova implica outro entendimento.

Por fim, ao proceder à subsunção jurídica da matéria, escreveu-se no aresto sindicado: “(…) A segunda questão consiste em saber se a cláusula «All other terms and conditions, not in contradiction with the above, as per DD 22, with arbitration in London as per CC 125 rules» («Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com DD 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC»), que consta de ambos os contratos é uma cláusula contratual geral./ A resposta é afirmativa./ Com efeito, como resulta do facto provado n.º 13 «O texto inicial dos acordos referidos em «7» e «10» foi proposto e enviado pela Requerente à Requerida BB, para esta analisar e propor alterações…». / As alterações propostas pela BB foram as indicadas no facto provado n.º 13 entre as quais não se encontra a cláusula em questão, que é a última, quer no «contrato modelo» proposto pela AA, quer em ambos os contratos depois firmados entre as partes./ Ora, tal cláusula (reproduzida em ambos os contratos «All other terms and conditions, not in contradiction with the above, as per DD 22, with arbitration in London as per CC 125 rules») não foi objecto de quaisquer alterações por parte da BB, o que significa que a aceitou, em ambos os contratos, tal qual lhe foi proposta pela AA, o mesmo é dizer, não resultou, em ambos os contratos de negociação prévia entre BB e AA./ Chegava-se à mesma conclusão pela aplicação da regra do ónus da prova que consta do n.º 3 do artigo 1.º do RCCG, onde se dispõe que «O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recais sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo»./ Por conseguinte, mesmo que não se tivesse provado que a cláusula em causa, constante de ambos os contratos, tinha sido subscrita sem ter existido negociação prévia sobre ela, a regra do ónus da prova que incide sobre a AA e que esta não superou, levaria à conclusão de que tal cláusula não tinha sido objecto de negociação prévia./ Estamos, pois, perante uma cláusula contratual geral que cai sob a alçada normativa do RCCG aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro” (págs. 45/46 do acórdão, fls. 1117 e verso dos autos).

Salvo o devido respeito pela posição expendida pelos senhores desembargadores, discordamos desta leitura jurídica da matéria de facto, sendo patente que o tema recursivo em debate circunscreve, sem margem para quaisquer dúvidas, o âmago da revista, e define o perímetro do recurso.

Verificados os factos provados, insertos nos n.ºs 7 e 10, apura-se que, com as datas de 01/09/2003 e 02/01/2004, foram celebrados entre a AA e a BB (recorrente/recorrida) dois acordos escritos, em papel com o timbre da BB, em língua inglesa, através dos quais esta vendia, à AA, as quantidades de 100.000 e 25.000 toneladas métricas de feijão de soja amarelo brasileiro, respectivamente, pelo preço de USD $ 240, por tonelada métrica. Mais se apurou – cf. facto provado n.º 13 – que o texto inicial dos acordos referidos em 7 e 10 foi proposto e enviado pela requerente AA à requerida BB, para esta o analisar e propor alterações, tendo a BB remetido à requerente este texto contratual assinado por si, o qual foi depois também assinado pela requerente, apenas amputado ou acrescentado, em relação ao texto remetido pela requerente, das palavras ou segmentos de texto acima transcritos sob as alíneas a) e b) do ponto 13 dos factos provados.

Por seu turno, em ambos os acordos constava, para além do mais, uma última cláusula com o seguinte teor, segundo a tradução em língua portuguesa: “CONTRATO Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios com o acima estipulado, serão de acordo com DD22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC” (cf. factos n.ºs 8 e 11).

Importa salientar, por fim, que quedaram por ficar demonstrados os seguintes factos, invocados pela recorrida BB:

- A requerida limitou-se a subscrever as cláusulas constantes dos acordos referidos em 7. e 10. dos factos provados sem que tivesse um efectivo e concreto conhecimento do seu teor e alcance.

- Em parte, a BB limitou-se a transcrever cláusulas recebidas da EE WWC, sem real conhecimento do seu conteúdo.

- Quer a DD 22, quer a CC 125 são de difícil acesso: para seu conhecimento é necessário contactar as respectivas associações e adquirir, precedendo factura pro forma, os textos respectivos.

- Aquando da celebração dos referidos acordo a requerida desconhecia o teor quer da CC 125, quer da DD 22 (cfr. decisão da matéria de facto a fls. 953).

Recapitulada a matéria pertinente, avaliemos a questão apresentada, sendo certo que, diferentemente do raciocínio da Relação, para a 1.ª instância a cláusula relativa à convenção de arbitragem em apreço não se configurava como uma cláusula contratual geral.

A interpretação de declarações negociais consubstancia “matéria de facto na medida em que se trata de averiguar o que as partes quiseram dizer. Será matéria de direito, sujeita à fiscalização do tribunal de revista, quando se trate de averiguar se as instâncias fizeram correcta interpretação e aplicação dos critérios legais cabíveis, como os constantes do art. 236.º ”[18]. Por isso mesmo, a indagação da vontade cristalizada pelos contraentes, nas suas respectivas declarações negociais, em face do quadro legal substantivo pertinente – inserto, em especial, nos arts. 236.º a 238.º do CC –, constitui matéria de direito que o STJ, por força do disposto nos arts. 721.º e 722.º do CPC, está vinculado a conhecer[19].

Isto dito, numa primeira análise da factualidade vertida nos autos, pode afiançar-se que nos confrontamos com dois acordos negociais, celebrados em momentos temporais distintos, inseríveis na categoria dos nomeados contratos comerciais internacionais, porquanto celebrados entre entes empresariais (sendo irrelevante, para este fim, o facto de se tratar de duas sociedades comerciais portuguesas), envolvendo distintos ordenamentos jurídicos, actuando o princípio da autonomia da vontade com grande amplitude: “estes operadores do comércio internacional agem num espaço transnacional, em que se desenvolveram regras, princípios e modelos de regulação autónomos em relação às ordens jurídicas estaduais singularmente consideradas. Os litígios emergentes destes contratos são normalmente resolvidos através da arbitragem e alguns sistemas, entre os quais se conta o português, estabelecem regras especiais para a arbitragem que põe em jogo interesses de comércio internacional (…), designadamente quanto à determinação do Direito aplicável”.[20] Por sua vez, pode asseverar-se que nos deparamos, mais especificamente, com dois contratos de compra e venda internacional: “São aqueles em que a troca de uma mercadoria por um quantitativo pecuniário surge economicamente ligado a um transporte de mercadoria de um país para outro país”[21].

Cumpre, em todo o caso, reflectir sobre o processo formativo dos negócios jurídicos em análise, nos quais foram incluídas as convenções de arbitragem, recordando-se que a requerida/recorrida invocou que os contratos celebrados remetem, em relação ao regime aplicável, para a DD 22, tratando-se de cláusulas contratuais gerais que se cingiu a subscrever sem efectivo conhecimento do seu teor e alcance, que não lhe foram comunicados, daí decorrendo a invalidade das convenções de arbitragem e a sua exclusão dos contratos (arts. 5.º, 6.º e 8.º, als. a) e b) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - DL n.º 446/85, de 25/10), facto que obsta, por interpretação do art. 1096.º, al. c) do CPC e do art. V, n.º 1, al. a), da Convenção de Nova Iorque de 1958, ao pretendido reconhecimento das decisões arbitrais.

No Acórdão deste Supremo Tribunal, de 20/03/12, Proc. n.º 1903/06.4TVLSB.L1.S1, desta conferência e relator, tivemos o ensejo de escrever: “O contrato consubstancia um acordo vinculativo, assente, em teoria, sobre duas ou mais declarações de vontade – oferta/proposta, de um lado; aceitação, do outro – contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses, implicando que essas declarações de vontade sejam confluentes e exequíveis. A proposta constitui fase necessária de qualquer processo tendente à formação de um contrato, consubstanciando a declaração feita por uma das partes, a qual, uma vez aceite pela outra, dará lugar ao aparecimento do contrato, devendo reunir três requisitos essenciais: deve ser completa, deve revelar uma intenção inequívoca de contratar, e deve revestir a forma requerida para o negócio em jogo”.

Por outro lado, conforme aí exarámos: “Compete distinguir, no processo de formação contratual, as fases negociatória e decisória, comportando a primeira as conversações tendentes à eventual conclusão do contrato e à definição do seu conteúdo – que decorre desde o início das negociações até à emissão da proposta contratual –, e a segunda fase que se manifesta desde a emissão da proposta contratual até à conclusão do contrato, com a sua aceitação, estando as partes sujeitas neste iter negocial ao princípio de boa fé[22].

A proposta contratual, enfatiza-se, tem de reunir os seguintes elementos: a) deve ser completa; b) deve ser inequívoca e firme; e, c) deve respeitar as exigências de forma. A completude da proposta traduz-se na abrangência de todos os pontos a integrar no futuro contrato, incluindo quer os aspectos que devam, necessariamente, ser precisados pelos contratantes (tais como, a identidade das partes, o objecto a vender, o montante do preço), quer os que, embora supríveis pela lei, através de normas supletivas, as partes entendem definir segundo a sua autonomia (cf. art. 405.º do CC). A proposta deve, igualmente, revelar uma intenção inequívoca de contratar, inexistindo proposta quando a declaração do proponente seja feita em termos dubitativos ou hipotéticos, e deve ser firme, uma vez que a sua simples aceitação dá lugar ao aparecimento do contrato, sem que ao declarante seja dada nova oportunidade de exteriorizar a vontade. Deve, por fim, revestir a forma requerida para o contrato de cuja formação se trate: a forma do contrato mais não é do que a forma das declarações em que ele assente[23].

A par desta forma de negociar, em que impera a autonomia da vontade contratual, tal como deflui do art. 405.º do CC, temos, por sua vez, o fenómeno da contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais.

Como adverte Nuno Pinto Oliveira: “O paradigma do contrato negociado – de um contrato conformado através do diálogo entre pessoas livres e iguais – deve adaptar-se a uma realidade económica e jurídica em que há contratos não negociados (contratos de adesão). O conteúdo dos contratos de adesão é conformado unilateralmente: uma das partes define as cláusulas do contrato e a outra ou as aceita ou recusa”[24].

António Pinto Monteiro, ao debruçar-se sobre as cláusulas contratuais gerais, aduz: “A liberdade da contraparte fica praticamente limitada a aceitar ou rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente das «condições gerais» não está disposto a alterá-las ou a negociá-las. Se o cliente contratar, terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrem, no exercício de um law-making power de que este, de facto, desfruta, limitando-se aquele, pois, a aderir a um modelo prefixado”[25].

Na mesma linha, Ana Prata, empregando a expressão “contrato de adesão”[26], menciona que este se pode caracterizar “como aquele cujo conteúdo clausular é unilateralmente definido por um dos contraentes que o apresenta à contraparte, não podendo esta discutir qualquer das suas cláusulas: ou aceita em bloco a proposta contratual que lhe foi feita, ou a rejeita e prescinde da celebração do contrato”[27].

O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais surgiu no ordenamento jurídico nacional com o DL n.º 446/85, de 25/10 (doravante, LCCG), o qual viria a sofrer algumas alterações, por força da Directiva n.º 93/13/CE, do Conselho, de 05/04, atinente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, através do DL n.º 220/95, de 31/08, sendo ainda objecto de duas novas alterações legislativas introduzidas pelos DL n.ºs 249/99, de 07/07, e 322/2001, de 17/12.

O âmbito de aplicação da LCCG é definido no seu art. 1.º[28]:

1. Às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.

2. O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.[29]

3. O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo[30].

Carlos Ferreira de Almeida concretiza que a “elaboração prévia tem de significar elaboração inicial, única e completa das cláusulas contratuais por uma das partes, isto é, comunicação por um dos eventuais contraentes ao outro, logo no início do processo de formação do contrato, de um projecto completo de clausulado contratual, de tal modo que se compreenda não ficar para o destinatário outra alternativa além da adesão, no essencial, a esse projecto ou da sua recusa em bloco”[31].

É de acentuar que as cláusulas contratuais gerais se caracterizam, todavia, não só pela pré-formulação (ou elaboração prévia), mas também pela sua generalidade e imodificabilidade. Citando Almeno de Sá: “Os dois primeiros elementos estão intimamente interligados: a pré-formulação deve ser realizada para uma série de contratos ou para uma generalidade de destinatários. (...) O que releva é, pois, a finalidade intencionada com a pré-formulação, o propósito de uma utilização reiterada ou múltipla.

 Pode falar-se, a propósito do outro elemento, de imodificabilidade ou rigidez, com o que se pretende significar que as condições não se destinam a ser negociadas individualmente, mas antes a ser aceites sem discussão pela contraparte, que não terá, por isso, possibilidades de modelar o respectivo conteúdo. A lei acentua, assim, logo na sua redacção originária, o elemento da falta de negociação individual: nos termos do art. 1.º, a lei só se aplica a cláusulas contratuais que a contraparte do utilizador «se limite a subscrever ou aceitar»”[32]

Recapitula-se, em substância, as cláusulas contratuais gerais são proposições pré-elaboradas que disponentes ou destinatários indeterminados se limitam a oferecer ou a assentir[33], caracterizando-se pela sua rigidez, ponderando que são elaboradas sem prévia negociação individual, de tal modo que sejam recebidas em bloco por quem as subscreva ou aceite, não tendo os intervenientes possibilidade de conformar o seu teor, metendo nelas alterações[34].

O que é efectivamente de ponderar é a possibilidade, ou não, de nos contratos firmados haver a hipótese de uma das partes inserir mudanças ao clausulado exposto.

Por seu turno, como menciona Menezes Cordeiro: “A exigência de falta de prévia negociação é um elemento necessário e autónomo, que deve ser invocado e demonstrado”[35].

Tal como vertido no Acórdão do STJ, de 10/05/07, Proc. n.º 07B841, cabe ao aderente demonstrar que se está perante um contrato de adesão, de acordo com as regras gerais do ónus da prova constantes do art. 342.º do CC. Conforme aí se expendeu, a razão de ser desse ónus é compreensível: “Em todas as cláusulas contratuais, a parte a quem não agradasse o respectivo cumprimento, invocava que as cláusulas dum contrato que lhe não convinham haviam sido redigidas, sem negociação prévia e com características de indeterminação e, só por aí, atirava para cima da contraparte ónus de prova terríveis, cominados com o afastamento das mesmas cláusulas. Na prática, um modo fácil de não cumprir, legalmente, contratos. O que também é inaceitável”.

Destarte, previamente à apreciação da validade das alegadas cláusulas contratuais gerais à luz do regime jurídico da LCCG, tem de haver a demonstração probatória, a cargo da parte que quer beneficiar da aplicação desse regime (com vista, em especial, a obter a declaração de invalidade dessas cláusulas), de que se está em terreno próprio destas, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC.

Na mesma linha, vejam-se também, entre outros, os Acórdãos do STJ de 24/02/05, Proc. n.º 04B4826, e de 25/05/06, Proc. n.º 06B1016.

Registados estes ensinamentos, e revertendo à situação em litígio, verifica-se que ambos os contratos outorgados surgiram no culminar de um processo negocial, tal como assinalado supra, não advindo de qualquer imposição apriorística de um clausulado rígido e imutável por parte da AA à BB – recorde-se, a este propósito, a troca de e-mails entre as partes (indicados na motivação de facto da sentença da 1.ª Instância), tendo mediado 8 dias entre o envio do texto inicial, em 21/08/03, e a celebração do acordo final, com data de 01/09/03[36].

Isto dito, regressando aos factos apurados, constantes dos aludidos pontos n.ºs 7 e 10 – averiguados, ainda, à luz do facto n.º 13 –, é incontestável que, contrariamente ao remate do Acórdão recorrido, não estamos perante cláusulas contratuais gerais., nem a recorrida provou factualidade a tal conducente.

Nada disto se registou no caso analisado: o que assomou da matéria de facto provada é que o texto dos acordos referidos em 7 e 10 foi proposto e enviado pela AA à BB, para esta o analisar e propor alterações, tendo a BB remetido à AA o texto contratual assinado por si, o qual foi depois também assinado pela AA, amputado ou acrescentado em relação ao texto inicial de algumas palavras ou segmentos de texto.

Diz a Relação, muito singelamente, que “as alterações propostas pela BB foram as indicadas no facto provado n.º 13, entre as quais não se encontra a cláusula em questão, que é a última, quer no «contrato modelo» proposto pela AA, quer em ambos os contratos depois firmados entre as partes”, daí extraindo que se está perante uma cláusula contratual geral.

Parece que o raciocínio do Tribunal da Relação é o de considerar como cláusula contratual geral toda aquela que seja proposta por uma parte à outra e seja aceite sem qualquer reparo adicional, ainda que todo o restante teor do contrato seja alterado e modificado.

Discorda-se desta conclusão, sendo manifesto que os contratos, no seu todo, foram negociados pelas partes, não sendo a circunstância da BB não ter proposto qualquer alteração na cláusula referente à convenção da arbitragem que a convola numa cláusula contratual geral.

Aliás, não deixa de ser algo estranho que a própria Relação afirme que o texto dos acordos referidos em 7. e 10. foi proposto pela requerente à requerida para esta o analisar e propor alterações, e depois se diga que, como entre as alterações propostas pela requerida BB não se encontra a cláusula relativa à convenção de arbitragem, tal significa que “não resultou, em ambos os contratos de negociação prévia entre a BB e AA” (pág. 46 do Acórdão). Trata-se de um raciocínio que não acompanhamos, nem respeita as premissas lógicas do arrazoado trazido ao aresto.

Com efeito, se o Acórdão reconhece que o texto inicial do contrato foi apresentado pela AA/recorrente à BB/recorrida para esta o analisar e propor alterações, é evidente que lhe foi conferida a possibilidade de introduzir as modificações que entendesse e reputasse de úteis. É nisto que se traduz a negociação prévia à celebração do contrato definitivo.

Se no uso dessa faculdade, e no pleno exercício da autonomia da vontade, a BB veio apresentar alterações à proposta inicial, das quais deu conhecimento à contraparte, pelo e-mail de 29/08/03, referido na pág. 28 do acórdão, é ostensivo que o contrato foi negociado.

Extrair do facto da recorrida não ter proposto alterações à cláusula contratual que constitui a convenção arbitral a conclusão de que a mesma não foi objecto de negociação, é desconhecer que na negociação as partes são livres de introduzir alterações ou modificações nas cláusulas, tal como são livres de aceitar cláusulas – omitindo qualquer referência em contrário – e de rejeitar cláusulas – expressando a sua oposição.

Ao considerar que só as cláusulas alteradas é que foram objecto de negociação prévia, o Acórdão recorrido efectua uma leitura das declarações negociais desconforme às premissas legais dos arts. 224.º e segs. e 236.º e segs. do CC – atinentes à perfeição da declaração negocial e à sua interpretação –, retirando conclusões  que são contrárias à factualidade assente, ao mesmo tempo que obnubila a factualidade não provada, que a BB alegou e acabou por não demonstrar, consubstanciando, precisamente, aquela argumentada falta de negociação e conhecimento do clausulado relativo à convenção de arbitragem, mormente que se tenha limitado a subscrever as cláusulas constantes dos acordos referidos em 7. e 10. sem que tivesse um efectivo e concreto conhecimento do seu teor e alcance; que, em parte, se tenha limitado a transcrever cláusulas recebidas da EE WWC, sem real conhecimento do seu conteúdo; que quer a DD 22, quer a CC 125 são de difícil acesso e para seu conhecimento é necessário contactar as respectivas associações e adquirir, precedendo factura pro forma, os textos respectivos, o que, finalmente, aquando da celebração dos referidos acordo a requerida desconhecia o teor quer da CC 125, quer da DD 22. Nada disso ficou provado, sendo inequívoco que o ónus de prova esses factos impendia precisamente sobre a requerida/recorrida.

Aliás, há um outro facto adicional (facto provado n.º 14) que não mereceu no Acórdão recorrido qualquer referência e que se nos afigura assaz impressivo quanto ao perfeito conhecimento do teor da cláusula relativa à convenção arbitral que se traduziu no e-mail enviado pela BB à AA, em 22/10/03, sugerindo-lhe para avançarcom o processo junto da CC, com a possibilidade de, no desenrolar dos acontecimentos se suspender a acção, caso se concretize o fornecimento por parte da EE”.

Mais, para se chegar à conclusão de se estar perante um contrato de adesão ou cláusulas contratuais gerais, tem de se olhar para o contrato na sua globalidade e para o respectivo processo genético de formação do negócio, bem como para a familiaridade já existente entre os outorgantes.

Destarte, tendo a recorrente colocado à consideração da recorrida o texto inicial dos contratos, para esta “analisar e propor alterações” (facto n.º 13), e tendo esta apresentado modificações relativamente a umas cláusulas, não o tendo feito relativamente a outras, designadamente a convenção arbitral, é de concluir que a negociação que existiu relativamente a umas e outras – quer as alteradas, quer as aceites sem alteração – foi rigorosamente a mesma.

Acresce ainda, que detendo-nos na cláusula relativa à convenção de arbitragem, não se antolha que a mesma possa ser apodada de cláusula contratual geral, porquanto não se reveste de uma das características acima assinaladas como sendo fundamental: a sua rigidez ou imodificabilidade. Com efeito, reitera-se, estando provado que a BB introduziu no texto inicial do contrato – proposto pela AA – as alterações que lhe aprouvesse e tendo apresentado as ditas alterações de modo preciso na forma de nova proposta de texto integral (art 233.º do CC) é ostensivo que se conformou, por livre e autónoma vontade, com o teor daquela cláusula.

Não se escamoteie, a terminar, que estamos perante duas sociedades comerciais, em plano de perfeita igualdade contratual, que celebraram (pelo menos) dois contratos de comércio internacional, com uma dilação temporal de sensivelmente quatro meses, não sendo tal facto negligenciável para devida contextualização dos acordos em análise que a recorrida era, inclusive, a entidade vendedora.

Esquecer o processo negocial que teve lugar em relação ao conteúdo de ambos os contratos e afirmar que uma cláusula isolada é geral porque supostamente não negociada, é escamotear que em todos os negócios contratualizados no dia-a-dia das empresas há uma infinidade de cláusulas que são propostas e aceites, sem qualquer sugestão ou advertência adicional, ao lado de outras tantas que são modificadas, alteradas e introduzidas pela contraparte, sem que daí advenha que aquelas primeiras cláusulas sejam apodadas de contratuais gerais e subsumíveis ao regime jurídico constante da LCCG.

Concluindo, as cláusulas contratuais acordadas pelas partes, em especial a relativa à convenção de arbitragem, não são cláusulas contratuais gerais, a que se aplica a disciplina da LCCG, concordando-se inteiramente com o vertido na sentença da 1.ª instância ao exarar que a “requerida teve oportunidade de sugerir também alterações quanto à referida cláusula de convenção de arbitragem (como sugeriu em relação a outras cláusulas) ou até proposto a sua eliminação, o que não fez, pelo que aceitou expressamente, e após negociação prévia, tal cláusula”.

Em consonância com o exposto, julga-se procedente esta 2.ª questão do recurso de revista.

C) Na eventualidade de se considerar que se está perante cláusula contratual geral, cumprimento do estatuído nos arts. 6.º e 8.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG)

Considerando a decisão da questão anterior, está prejudicado o tratamento autónomo desta questão, apenas se adiantando, em todo o caso, que tal como vertido no Acórdão do STJ, de 25/03/99, Proc. n.º 98B835 (sumário): “É eficaz uma cláusula compromissória arbitral aposta num contrato por mera adesão de um dos contraentes, quando se possa afirmar que o aderente não podia ignorar a referida cláusula em face das circunstâncias em que aderiu”.



Aqui chegados, atendendo ao art. 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – de acordo com o qual as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português –, é manifesto que o processo de revisão e confirmação de sentenças arbitrais estrangeiras em apreço obedeceu, como se sublinhou supra (A), às regras estabelecidas pela Convenção de Nova Iorque de 10/06/1958 sobre o reconhecimento de decisões arbitrais estrangeiras (bem como às normas constantes dos arts. 1094.º segs. do CPC que não contrariem o estabelecido naquela Convenção).

Nessa medida, não tendo sido postas à consideração deste Tribunal de Revista quaisquer outras questões que bulam com o processo de revisão e reconhecimento operado na 1.ª Instância – que, aliás, não foi, sequer, objecto de recurso de apelação –, operou-se caso julgado material sobre tal matéria, estando essa decisão já transitada em julgado (cf. art. 677.º do CPC).

Concluindo, face a tudo o que vem dito, procedem as conclusões recursivas da recorrente, indicadas em B), sendo de revogar o Acórdão da Relação e repristinar a decisão da 1.ª Instância.



Sumariando, conforme estatuído no nº 7 do art. 713.º do CPC:

I - A Convenção de Nova Iorque, de 10/06/1958, aplica-se ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras, tendo Portugal efectuado a reserva prevista na 1.ª parte do n.º 3, do art. I, por força da qual a mesma apenas é aplicável ao reconhecimento das sentenças proferidas no território de outro Estado contratante.

II - Uma decisão arbitral estrangeira não é automaticamente exequível em território português (não constitui título executivo), sem que previamente seja submetida ao processo de revisão e confirmação pelo tribunal competente, à luz do ordenamento jurídico nacional, independentemente de estar abrangida pela Convenção de Nova Iorque de 1958.

III - À semelhança do regime aplicável às decisões judiciais estrangeiras, também as decisões arbitrais estrangeiras estão submetidas ao sistema de revisão e confirmação pelos tribunais estaduais nacionais, pelo que é sempre exigível o reconhecimento judicial de qualquer decisão arbitral estrangeira, mesmo que proferida nos termos da Convenção de Nova Iorque de 1958.

IV - As cláusulas contratuais gerais são caracterizadas por três elementos fundamentais: pré-formulação, generalidade e imodificabilidade.

V - Previamente à apreciação da validade de alegadas cláusulas contratuais gerais, à luz do regime jurídico da LCCG, tem de haver a demonstração probatória, a cargo da parte que quer beneficiar da aplicação desse regime, de que se está perante cláusulas contratuais gerais.

VI - Na negociação contratual as partes são livres de introduzir alterações ou modificações nas cláusulas propostas, tal como são livres de aceitar cláusulas – omitindo qualquer referência em contrário – e de rejeitar cláusulas – expressando a sua oposição (cf. art. 224.º e segs. do CC).

VII - Tendo uma das partes colocado à consideração da outra o texto inicial dos contratos, para esta “analisar e propor alterações”, e tendo a contraparte apresentado modificações relativamente a uma das cláusulas, não o tendo feito relativamente a outras, designadamente a cláusula contendo a convenção de arbitragem, é de concluir que a negociação que existiu relativamente a umas e outras – quer as alteradas, quer as aceites sem alteração – foi rigorosamente a mesma.

VIII - Introduzidas, no texto do contrato que lhe foi inicialmente proposto, as alterações que lhe aprouvesse e tendo apresentado essas alterações na forma de nova proposta de texto integral, é ostensivo que a parte se conformou, por livre e autónoma vontade, com o teor da cláusula relativa à convenção de arbitragem, não podendo a mesma ser classificada de cláusula contratual geral, porquanto não se reveste de uma das suas características fundamentais: a sua rigidez ou imodificabilidade.


III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e revogar o acórdão recorrido e, repristinando a decisão da 1.ª Instância, julgar procedente a pretensão da recorrente, reconhecendo e confirmando as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral da CC – …, em 14/01/2005 e em 22/04/2005, respectivamente, passando as mesmas a ser plenamente eficazes e exequíveis em Portugal.

As custas processuais ficam a cargo da requerida/recorrida.

                Lisboa, 18/02/14

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

_______________________
[1]   Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Trata-se de uma associação privada que dispõe de um sistema de arbitragem institucionalizado.
[3] Associação com sede em Londres que prepara modelos de contratos que coloca à disposição dos seus associados, referindo-se o nº 22 à venda de grão de soja amarelo sul-americano.
[4] Publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ (CJSTJ), Ano XVII, Tomo 1, 2009, págs. 147- 149.
[5] No ordenamento jurídico português, à data dos factos aqui em debate, a arbitragem voluntária era regida pela Lei n.º 31/86, de 29/08 (LAV), cujo art. 39.º revogou a parte relativa ao tribunal arbitral voluntário prevista nos arts. 1511.º a 1524.º, do Livro IV, Título I, do CPC, e em cujo art. 1.º se previa que, em determinados casos, as partes podem submeter a solução de um litígio, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros. Posteriormente, foi aprovada a nova Lei da Arbitragem Voluntária, através da Lei n.º 63/2011, de 14/12.
[6] Cf. Luís de Lima Pinheiro, “Arbitragem Transnacional – A Determinação do Estatuto da Arbitragem”, 2005, págs. 283-288.
[7] É o seguinte o sumário deste aresto, tal como publicado naquela Colectânea: “I. Em função do estabelecido na Convenção de Nova Iorque sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, Portugal reconhece e executa sentença arbitral prolatada noutro estado contratante nos termos das regras adoptadas no ordenamento jurídico nacional. II. Como a decisão arbitral exequenda versa sobre direitos privados e foi proferida por Estado aderente àquela Convenção, à luz do princípio da equiparação, no sistema jurídico português é conferida eficácia executiva à decisão arbitral estrangeira sem necessidade da sua revisão e confirmação”.
[8] A Resolução n.º 37/94 de 10/03, aprovou, para ratificação, a Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, a qual foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/94, de 08/07, com a formulação da seguinte reserva: “(…) no âmbito do princípio da reciprocidade, Portugal só aplicará a Convenção no caso de as sentenças arbitrais terem sido proferidas no território de Estados a ela vinculados". Por sua vez, a Convenção entrou em vigor, em Portugal, no dia 16/01/95, conforme Aviso n.º 142/95, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Já o Reino Unido ratificou a Convenção em 24/09/75, com início da vigência em 23/12/75. No Parecer junto dá-se notícia de a sua aplicação haver sido regulada pelo Arbitration Act 1975 inglês.
[9] Neste sentido, veja-se Paula Costa e Silva, “A execução em Portugal de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. II, 2007, pág. 642.
[10] Sobre o regime da nova Lei de Arbitragem e os fundamentos de recusa, veja-se Luís de Lima Pinheiro, “Direito Internacional Privado”, vol. III, 2ª ed. , págs. 564 a 576.
[11] In “Arbitragem Transnacional – A Determinação do Estatuto da Arbitragem”, págs. 298/299, depois retomados e actualizados no “Direito Internacional Privado” antes citado, págs. 590/592.
[12]A Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958 Relativa ao Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, “Revista Jurídica”, AAFDL, n.º 20, Outubro de 1996.
[13]Do reconhecimento e execução de decisões arbitrais estrangeiras ao abrigo da Convenção de Nova IorqueAnotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/2009”, “Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação”, Ano III, 2010, págs.163/164.
[14] Todos os acórdãos citados ao longo deste aresto estão publicados, em texto integral, em http://www.dgsi.pt/jstj, com excepção do último acima mencionado inserto nos Sumários da Assessoria Cível deste Tribunal.
[15]A Nova Lei de Arbitragem Voluntária: Principais Alterações Introduzidas”, in “Actualidad Jurídica – Uría Menéndez”, n.º 32, 2012, pág. 28.
Na pág. 29 da mesma obra, estes autores aduzem: “Ao contrário do disposto no CPC, e numa postura de claro pro-enforcement bias inspirado, nomeadamente, pela Convenção de Nova Iorque, a nova LAV prevê que o reconhecimento só pode ser recusado se a parte contra a qual este é solicitado apresentar prova da verificação de algum dos fundamentos de recusa do reconhecimento previsto no art. 56.º da nova LAV”.
[16] O art. 1094.º, n.º 1, do CPC (na versão anterior ao novo CPC, aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06), passou a ter a seguinte redacção, após a Lei n.º 63/2011: “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.
[17]A convenção de arbitragem designa-se “compromisso arbitral”, quando respeita a um litígio actual e “cláusula compromissória”, quando se reporta a litígios eventuais, emergentes de uma determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual (cf. Ac. do STJ de 04/10/05, Proc. n.º 05A2222).
[18] Galvão Telles, “Manual dos Contratos em Geral”, 4.ª ed., 2002, pág. 446.

[19] Entre outros, os Acs. do STJ de 31/03/11, Proc. n.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1, 06/09/11, Proc. n.º 4537/04.4TVPRT-A.P1.S1 (desta conferência e relator), 16/04/13, Proc. n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, e de 10/12/13 Proc. n.º 12865/02.7TVLSB.L1.S1, (desta conferência e relator).
[20] Luís de Lima Pinheiro, “Direito Comercial Internacional”, 2005, pág. 60.
[21] Luís de Lima Pinheiro, op. cit. na nota anterior, pág. 38.
[22] Neste sentido, cf., outrossim, Galvão Telles, obra citada na nota 18, pág. 204-207, e Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 4.ª ed., 2005, pág. 336.
[23] Acompanha-se, de perto, Menezes Cordeiro, “Tratado do Direito Civil Português - Parte Geral”, Tomo I, 3.ª ed., 2009, págs. 552/553.
[24]Princípios de Direito dos Contratos”, 2011, pág. 235.
[25]Cláusula Penal e Indemnização”, 1999, pág. 748.
[26] Tem sido controvertida, na doutrina, a utilização das expressões “cláusulas contratuais gerais” ou “contratos de adesão”. Cf., entre outros, Miguel Nuno Pedrosa Machado, “Sobre Cláusulas Contratuais Gerais e Conceito de Risco”, Separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa (1988), e Inocêncio Galvão Telles, “Das Condições Gerais Dos Contratos e Da Directiva Europeia Sobre As Cláusulas Abusivas”, O Direito, Ano 127.º (Julho/Dezembro de 1995).
[27]Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, pág. 17.
[28] Refere Menezes Cordeiro: “A lei das cláusulas contratuais gerais visou uma aplicação de princípio a todas as cláusulas – artigo 1.º/1: o artigo 2.º especifica que elas ficam abrangidas independentemente: – da forma da sua comunicação ao público; tanto se visam os formulários como, por exemplo, uma tabuleta de aviso ao público; – da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem; – do conteúdo que as enforme, isto é, da matéria que venham a regular; – de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros. A exigência da falta de prévia negociação é um elemento necessário e autónomo, que deve ser invocado e demonstrado” – cf. “Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral”, Tomo I, 2009, pág. 615.
[29] O n.º 2 do art. 1.º da LCCG foi aditado pelo DL n.º 249/99, de 07/07.
[30] O n.º 3 do art. 1.º da LCCG, segundo Ana Prata, op. cit., “faz recair o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo; o mesmo é dizer que, se o predisponente das cláusulas pretender a aplicabilidade de uma delas (ainda que de uma única cláusula se trate), que a contraparte conteste, terá, desde logo e antes da apreciação da sua validade, para a não ver submetida às restrições deste diploma, de provar que ela foi efectivamente negociada e acordada” – pág. 172. E, clarifica a autora: “É evidente que, na sua aplicação, esta norma relativa ao ónus da prova da negociação pode ter resultados diferentes quando se trate de cláusulas contratuais gerais e de contratos de adesão individuais. Na primeira hipótese, pode dizer-se (..:) que a padronização do conteúdo contratual constitui uma espécie de presunção de que a(s) cláusula(s) não foi(ram) negociada(s); no segundo, sendo o contrato único, pode o tribunal duvidar da alegação do aderente de que não existiu negociação do contrato. Neste último caso, das duas, uma: ou é o aderente a invocar a invalidade da cláusula por força do regime deste diploma, e terá de provar a falta de negociação, que não é ostensiva; ou é o predisponente a invocar a cláusula e o aderente a contestá-la com fundamento neste Decreto-Lei, e não há razão – apesar de não ser aparente que o contrato não foi negociado – para afastar esta norma sobre ónus da prova: este impende sobre o sujeito que invoca a estipulação; não há, com base no formulário ou modelo contratual, qualquer presunção ou evidência que beneficie o aderente, mas também não há motivo para afastar o regime aqui definido” – págs. 175/176.
[31] In “Contratos I ”, 4.ª ed., 2008, pág. 195.
[32] In “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 1999, págs. 55/56.
[33] Almeida Costa é eloquente: “[O]s sucessivos clientes apenas decidem contratar ou não, sem que nenhuma influência prática exerçam na modelação do conteúdo do negócio. O dilema é este: ou se aceitam as cláusulas preestabelecidas, ou fica-se privado do bem ou serviço pretendido”, in  “Direito das Obrigações, 11.ª edição revista e actualizada (2008), pág. 246.
[34] Cf. Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, “Cláusulas Contratuais Gerais - Anotação ao D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro”, 1993, págs. 15-72, e António Menezes Cordeiro, op. cit., págs. 598/599. Na mesma linha, cf. Luís Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 4.ª ed., 2005, pág. 32.
[35] Cf. “Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral”, Tomo I, pág. 615, onde se cita o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/1996 (CJ XXI, págs. 84/86), no qual se decidiu – e bem – que o facto de um contrato ter sido outorgado com base num impresso pré-formulado constitui elemento insuficiente para provar que se tratava de um contrato de adesão.
[36] Vejam~se o e-mail enviado a 21/08/03 pela AA à BB, com um anexo, em língua inglesa, do texto inicial do acordo, com data de 21/08/03 que acabou por ser outorgado com data de 01/09/03, e que é referido no facto provado 7 (doc. de fls. 218 a 222), o e-mail enviado a 29/08/03 pela BB à AA (doc. de fls. 195), o e-mail enviado a 29/08/03 pela AA à BB (doc. de fls. 223), o e-mail enviado a 29/08/03 pela BB à AA confirmando o fecho do negócio (doc. de fls. 223), e o e-mail enviado a 01/09/03 pela AA à BB pedindo o envio do contrato assinado: Agradeço que nos envie, em dois exemplares, o contrato nestas condições, que lhe será devolvido, depois de assinado por nós” (doc. de fls. 223).