Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
040612
Nº Convencional: JSTJ00001377
Relator: FERREIRA DIAS
Descritores: PRETERINTENCIONALIDADE
NEGLIGENCIA
Nº do Documento: SJ199003070406123
Data do Acordão: 03/07/1990
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N395 ANO1990 PAG241
Tribunal Recurso: T J BARCELOS
Processo no Tribunal Recurso: 188/89
Data: 09/28/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR CRIM.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 18 ARTIGO 143 C ARTIGO 145 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1986/07/14 IN BMJ N339 PAG263.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/10/24 IN BMJ N340 PAG243.
ACÓRDÃO STJ DE 1985/03/06 IN BMJ N345 PAG213.
Sumário : No crime preterintencional, o evento agravante e, consequentemente, o tipo legal preterintencional, so podem ser imputados ao agente quando este tenha actuado, em relação aquele evento, com negligencia e portanto, com culpa - artigo 18 do Codigo Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:-
Mediante acusação do Digno Agente do Ministerio Publico respondeu, em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, no tribunal de comarca de Barcelos, o arguido A, casado, servente da construção civil, de 41 anos, com os demais sinais dos autos, pronunciado pela pratica de um crime de homicidio qualificado previsto e punivel pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alinea c) do Codigo Penal, tendo sido condenado, porem, pela pratica de um crime contra a integridade fisica previsto e punivel pelos artigos 145 n. 1 e 143 alinea c) do Codigo citado na pena de tres anos de prisão, em taxa de justiça de 31500 escudos e procuradoria de 3000 escudos.
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Ministerio Publico para este Alto Tribunal, motivando-a da seguinte forma:-
- O arguido praticou um crime previsto e punivel pelos artigos 145 e 143 alinea c) do Codigo Penal;
- Agiu com dolo muito intenso;
- A beneficia-lo, com alguma relevancia, vislumbra-se apenas a atenuante do bom comportamento, anterior e posterior aos factos;
- A confissão parcial não deve merecer qualquer especie de relevancia;
- De igual modo, não deve ser minimamente valorizado o seu pesar;
- A pena que lhe foi aplicada, de 3 anos de prisão, numa moldura penal de 2 a 8 anos de prisão, afigura-se-nos manifestamente benevola;
- Mais justa e melhor adequada ao comportamento do arguido e tendo em vista os fins das penas, afigura-se-nos que ao mesmo seja aplicado uma pena de 5 anos de prisão, ou, pelo menos, 4 anos e seis meses de prisão;
- Foram, assim, violados os normativos constantes dos artigos 72, 145 n. 1 e 143, todos do Codigo Penal.
Contra-motivou o arguido, concluindo em tal peça processual pela manutenção da decisão.
Uma vez o processo neste Supremo Tribunal, foi proferido o despacho preliminar.
Corridos os vistos legais, foram feitos os autos conclusos ao Excelentissimo Conselheiro Presidente da secção, nos termos e para os efeitos do artigo 421 n. 1 do Codigo de Processo Penal.
Designado dia para a audiencia, a ela se procedeu com observancia do ritual da lei.
Cumpre agora apreciar e decidir.
Deu o douto Tribunal Colectivo da comarca de Barcelos como provadas as seguintes realidades "De facti":-
- No dia 30 de Abril de 1988, cerca das 23 horas, o arguido encontrava-se num Cafe, sito na Urbanização de S. Jose, nesta cidade, juntamente com B, solteiro, de 19 anos de idade, natural de Paranhos, concelho do Porto, e filho de C e de D;
- Neste cafe, ingeriram quantidade de alcool não apurada, atraves de bebidas que consumiram;
- Iniciaram, neste local, uma conversa sobre animais, afirmando o B que na sua terra havia pessoas que tinham trezentas cabeças de gado;
- Por falarem alto foram convidados a sair do cafe, o que fizeram;
- Tendo o arguido seguido num tractor que ai tinha e que conduziu ate perto da clinica Senhor da Cruz, nesta cidade;
- Local onde, entretanto, chegou o B, a pe;
- O B aproximou-se, então, do arguido e disse-lhe:
"anda ca, então pensas que e mentira que ha pessoas que tem trezentas cabeças de gado, ha?;
- Tendo o arguido retorquido. "Penso sim senhor";
- Apos o que o B referiu: "olha que e verdade, ninguem e mais verdadeiro do que eu";
- E, na sequencia de tal discussão, dessa forma iniciada;
- Então se envolveram em confronto fisico;
- No decorrer do qual o arguido agrediu oB com dois marcos, atingindo-o em parte não determinada da cabeça ou do tronco, projectando-o por terra;
- Encontrando-se o B nesta posição, o arguido continuou a agredi-lo, desferindo-lhe numero de pontapes não determinado, com força;
- Atingindo-o por todo o corpo e designadamente na cabeça, encontrando-se o B prostrado no solo e sem oferecer qualquer resistencia;
- A determinado momento, o arguido disse-lhe: "levanta-te, levanta-te", sem que o B tivesse feito qualquer movimento;
- De tais agressões resultaram, na vitima, na sua cabeça, abundante hemorragia intracraniana, grande hematoma intradural que abrangia toda a região temporal esquerda e ainda a parietal do mesmo lado, conforme descrição efectuada no relatorio da autopsia de folhas 16;
- Lesões essas que determinaram, como consequencia directa e necessaria, a morte do B;
- Efectuado exame ao sangue da vitima, apresentava esta uma concentração de alcool etilico por litro de sangue, de 2,5 ml, ou 2 ml, conforme relatorio de folhas
21 a 23;
- O arguido agiu voluntaria e conscientemente;
- Tendo pretendido maltratar fisicamente o B, representando como possivel que da agressão resultasse doença particularmente dolorosa ou permanente, ou mesmo perigo para a vida, mas;
- Não obstante, conformando-se com este resultado;
- O arguido confessou parcialmente os factos apurados, fazendo-o apenas ate ao momento em que desferiu os socos, inclusive, tal se revelando de reduzido relevo para a descoberta da verdade;
- Mostra-se pesaroso pelo decesso do B;
- Tem bom comportamento moral e civil, antes e depois dos factos, sendo pessoa bem referenciada pela vizinhança;
- Demonstrava amizade e afecto pela vitima, que acompanhava frequentemente e a quem dera guarida, cerca de dois meses antes do delito;
- E de situação economica precaria, tendo mulher, domestica, e sete filhos a seu cargo, sustentando o lar com o produto do trabalho que vem desenvolvendo na construção civil, quando obtem contrato a prazo, e na confecção de cestos de verga, ou na criação de uma outra cabeça de gado; e
- E de condição social muito modesta, vivendo numa casa arruinada.
Este o complexo factico apurado e que este Supremo tem de acatar como intocavel, dada a sua qualidade de Tribunal de revista.
Descritos que foram os factos, cumpre-nos de imediato determinar o seu significado para o ambito do Direito Criminal.
Como atras se deixou ja sublinhado, o arguido foi sujeito a julgamento, pronunciado pela autoria material de um crime de homicidio qualificado previsto e punivel pelas disposições conjuntas dos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 da alinea c) do Codigo Penal.
Rezam, assim, tais mandamentos:-
- Artigo 131:-
"Quem matar outrem sera punido com prisão de 8 a 16 anos".
- Artigo 132:-
"1- Se a morte for causada em circunstancias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente a pena sera de 12 a 20 anos.
2- E susceptivel de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o numero anterior, entre outras, a circunstancia de o agente:- ................ c)- Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou futil...".
A leitura atenta dos comandos legais acabados de transcrever leva-nos a deles extrair que, na sua essencia, reside a pratica de um crime de homicidio voluntario.
Ora, para que se verifique um homicidio voluntario, mas na sua forma simples, necessario se torna que se observem dois requisitos:-
1 - que o agente, com o seu actuar, mate uma pessoa; e
2 - que tenha a intenção de tirar a vida a essa pessoa, agindo voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta e proibida e punida por lei.
Compete-nos, pois, nesta primeira etapa averiguar se tais pressupostos se observam no caso "sub judice" e, em caso afirmativo, pouco depois ao estudo da requisitabilidade inerente ao crime de homicidio qualificado de que o arguido se mostra acusado.
No que concerne ao primeiro requisito nenhumas duvidas nos assaltam no sentido da sua manifesta e patente observação.
Com efeito, firmado se mostra no processo que o arguido, no condicionalismo de tempo e lugar referenciados, quer a soco quer a pontapes causou graves lesões corporais ao B, que lhe ocasionaram directa e necessariamente a morte.
Relativamente ao segundo elemento configurante - o arguido ter tido a intenção de lhe tirar a vida - e que o requisitorio do Ministerio Publico entra em crise, acabando por se desmoronar quanto ao crime que o arguido imputou.
Na verdade, o Tribunal Colectivo, ao pronunciar-se sobre o elemento subjectivo em estudo, embora afirmando que o arguido agiu voluntaria e conscientemente, não deu como assente que, com o seu procedimento, tivesse a intenção de tirar a vida do B, mas tão so "tendo pretendido maltratar fisicamente o B, representando como possivel que da agressão resultasse doença particularmente dolorosa ou permanente, ou mesmo perigo para a vida, mas, não obstante, conformando-se com este resultado".
Afastada que foi pelo acordão apelado da intenção de matar, jamais se podera falar que o arguido praticou o crime de homicidio simples e muito menos o qualificado.
Mas se não praticou o crime de homicidio em qualquer das indicadas modalidades, que infracção tera ele perpetrado?
O Tribunal Colectivo responde-nos que cometeu, em autoria material, o crime previsto e punivel pelas disposições combinadas dos artigos 143 alinea c) e 145-1 do Codigo Penal.
"Quid juris"?
Preceituam tais dispositivos legais o seguinte:-
- Artigo 143:-
"Quem ofender o corpo ou a saude de outrem, de forma a:- ................. c)- Provocar-lhe doença que ponha em perigo a vida, doença particularmente dolorosa ou permanente, ou outra enfermidade ou anomalia psiquica grave e incuravel ou aborto....".
- Artigo 145:-
"1- Quem, em virtude de ofensa corporal ou a saude de outrem causar a morte do ofendido sera punido com prisão de 6 meses e 3 anos, no caso do artigo 142, e com prisão de 2 a 8 anos, no caso dos artigos 143 e 144...".
O crime emoldurado no artigo 145 n. 1 do Codigo Penal-
- que corresponde ao crime previsto no artigo 361 e paragrafo unico do Codigo Penal de 1886 - configura o chamado crime preterintencional, ou seja um crime em que e imputado ao seu agente uma responsabilidade para alem da sua intenção.
O exemplo de escola desta modalidade de crime e o caso de o agente ofender corporalmente outrem, sem intenção homicida, mas a consequencia das lesões causadas lhe ocasionar a morte.
O crime preterintencional não constitui uma invenção das legislações modernas.
Desde ha muito que a jurisprudencia e a doutrina o vem estudando.
Tradicionalmente defendia-se que o pensamento da responsabilidade objectiva estava presente no crime em estudo.
Eduardo Correia in Direito Criminal volume I - a pagina
439 ensina que as caracteristicas do delito em apreço são as seguintes:-
1 - A existencia de um crime fundamental doloso, de resultado ou de mera conduta;
2 - A existencia de um evento agravante que não foi abrangido pelo dolo do agente; e
3 - Uma especial agravação da pena cominada para a reunião daquele crime fundamental doloso com este evento.
Mas pergunta-se: aquele evento precisa de ser culposamente produzido para que se possa imputar ao agente e conduzir a mencionada agravação?
O mesmo professor da-nos a resposta, afirmando textualmente:-
".....A resposta tradicional e a de que tal não e preciso; basta que o evento venha a ter lugar por efeito da conduta do agente para que se lhe possa imputar.
A responsabilidade por ele e uma responsabilidade puramente objectiva. Ainda que assim fosse, porem, sempre seria de exigir - e aqui com um particular rigorismo - a adequação do nexo causal que deve ligar a conduta ao evento preterintencional.
Mas, conmhecidas por todas as injustiças contidas em qualquer imputação, a titulo de responsabilidade pelo evento e o intoleravel de tal solução em qualquer direito criminal moderno - porque não limitar tambem a imputação dos crimes preterintencionais pelo pensamento da culpa"?
E logo a seguir:-
"O evento agravante (e consequentemente o tipo legal preterintencional) so pode ser imputado ao agente quando este tenha actuado, em relação aquele evento, com negligencia e portanto com culpa".
"De tudo isto se alcança que, por um lado, existe um crime doloso - querido pelo agente (o caso das ofensas corporais) e, por outro, um evento agravante daquele, mas culposo, sem que isto possa significar que nos achamos face a dois crimes.
Quanto a nos, entendemos que existe apenas um crime doloso quanto as ofensas corporais e um evento agravante, com silhar na culpa do agente.
Os dois aspectos, como que se fundem dando origem ao crime preterintencional, sendo o seu elemento, unificador o "perigo normal, tipico, quase se poderia dizer necessario, que, para certos bens juridicos, esta ligado a pratica de certos crimes".
Explicando melhor:-
"Quem fere...deve saber que pratica acções especialmente perigosa e tem pois um particular dever de representar que, de tais condutas, pode resultar um evento mais grave e, nomeadamente a morte de alguem. Pelo que, se a consequencia tipica vem, efectivamente, a produzir-se - bem pode dizer-se que o agente actuou em relação a ela (quando as suas capacidades pessoais lhe permitiam preve-la) com uma negligencia qualificada, uma negligencia grosseira, particularmente censuravel".
Mas uma nova questão aflora a nossa atenção: ter-se-a de fazer a prova de que o agente procedeu com culpa referentemente ao evento agravante, ou tratar-se-a de uma culpa presumida, como ja foi sustentado?
O Ante-projecto do Codigo Penal de 1982, como e de todos consabido, e da autoria do Professor Eduardo Correia e dispunha no seu artigo 157 n. 1 o seguinte:- "Quem, em virtude de ofensa corporal a saude de outrem, causar por negligencia, a morte do ofendido, sera punido....".
Esta disposição que foi aprovada por unanimidade - confira Actas das Sessões da Comissão Revisora, a pagina 64 - e a proposito da qual o autor do Projecto chamou a atenção de que o normativo em causa consignava um crime preterintencional e que a imputação pressupunha a negligencia, como dela constava, o certo e que a expressão "negligencia" deixou de aparecer no Codigo Penal que presentemente nos rege.
Dai o perguntar-se se a negligencia se mantem ainda como requisito do crime preterintencional.
Seguramente que a solução tera de ser afirmativa.
Com efeito, o facto de o legislador de 1982 haver retirado a expressão "negligencia" não nos deve impressionar, pois e logico pensar que, reconhecendo-se a existencia de variadissimos casos de crimes preterintencionais, fosse mais acertado que a exigencia de tal pressuposto - a negligencia - deixasse de figurar em todos esses crimes - o que tantologico seria - e que passasse antes para a parte geral do diploma.
Ora, foi isso precisamente o que ocorreu.
Consultando a parte geral do Codigo Penal de 1982, depara-se-nos a realidade contida no seu artigo 18, que expressamente textua:-
"Quando a pena aplicavel a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação e sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a titulo de negligencia".
Quer tudo isto significar que não ha crime sem culpa e que, por isso, o evento agravante tem que ser imputado ao agente pelo menos a titulo de culpa.
Sendo assim, somos de opinião de que a culpa continua a ser exigida e, consequentemente, de ser provada a sua existencia.
Postas estas lineares considerações sobre a tematica do crime preterintencional, alias sufragadas pela Jurisprudencia e pela Doutrina mais abalizada (confira entre outros os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1984 in Boletim 339 - pagina 263, de 24 de Outubro de 1984 in Boletim 340 - pagina 243 e 6 de Março de 1985 in Boletim 345 - a pagina 213,
Figueiredo Dias in R.D.E.S. - volume XVII a pagina 264 e seguintes, Cavaleiro de Ferreira in Lições de Direito Penal a paginas 199 e seguintes e Cuelho Calon in Derecho Penal - Tomo I - a pagina 442 e seguintes), passemos, de seguida e por ela iluminados, a fazer incidir a nossa objectiva sobre o caso do pleito.
Inicialmente acusado e pronunciado pela pratica de um crime de homicidio qualificado previsto e punido pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alinea c) do Codigo Penal, como vimos, o acordão agravado acabou por condenar o arguido como autor material de ofensas corporais agravado pelo resultado, previsto e punivel pelas disposições combinadas dos artigos 145 n. 1 e 143 alinea c) do referido diploma.
Tal qualificação juridico-criminal mostra-se inteiramente correcta, como vamos demonstrar.
Encontra-se assente nos autos que o arguido, no condicionalismo de tempo, lugar e modo aludidos:-
- envolveu-se em confronto fisico com o B, no decurso do qual:-
- o agrediu com dois socos, atingindo-o em parte não determinada da cabeça ou do tronco, projectando-o ao solo;
- e estando prostrado por terra, continuou a maltrata-lo, desferindo-lhe numero de pontapes não determinado, com força, acertando-lhe em todo o corpo e designadamente na cabeça;
- de tais agressões resultaram na vitima, na sua cabeça, abundante hemorragia intracraniana, grande hematoma intradural que abrangia toda a região temporal esquerda e ainda a parietal do mesmo lado, conforme descrição efectuada no relatorio de autopsia, lesões essas que determinaram, como consequencia directa e necessaria, a morte doB; e
- O arguido agiu voluntaria e conscientemente, tendo apenas pretendido molestar fisicamente o B, mas representando como possivel que da agressão cometida resultasse doença particularmente dolorosa ou permanente, ou mesmo perigo para a sua vida, conformando-se não obstante com esse resultado.
Perfectibilizados se encontram, assim, todos os predicados exigidos pela lei penal para a observação do delito de que nos ocupamos, concretizados:-
- na existencia de uma ofensa corporal grave na pessoa de outrem;
- produzida atraves de meios gravemente perigosos -
- socos e pontapes, estes deferidos na cabeça da vitima-
- com a virtualidade bastante, segundo a experiencia comum, para poder vir a causar doença particularmente dolorosa ou permanente, ou mesmo perigo para a vida do ofendido, como, alias, sucedeu; e
- finalmente, a intenção por parte do arguido de agredir a mesma corporalmente, mau grado, referentemente as consequencias que da agressão decorreram, as haver representado como possiveis e, não obstante, com esses resultados se ter conformado, salvo quanto a morte.
Constituiu-se, assim, o arguido autor material de um crime de ofensas corporais agravado pelo resultado, previsto e punivel pelas disposições combinadas dos artigos 145 n. 1 e 143 alinea c) do Codigo Penal.
Operada a subsunção dos factos a sua dignidade criminal, e chegada a hora da determinação da pena a aplicar.
Dispõe a este proposito o artigo 72 do Codigo Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, por-se-a em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigencias de prevenção de futuros crimes e todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Os limites minimo e maximo da pena aplicavel, em abstracto, situam-se em 2 e 8 anos de prisão.
Elevado se mostra a ilicitude do facto cometido pelo arguido e extremas foram as suas consequencias.
O modo de execução do facto - atraves de numero não determinado de pontapes, com força, por todo o corpo e designadamente na cabeça, encontrando-se o ofendido prostrado no solo, sem oferecer qualquer resistencia e em nada contribuindo para tal agressão - bem como os motivos determinantes da conduta do arguido em larga medida o desabonam, configurando-o como uma pessoa violenta.
Intenso se mostra o dolo (dolo directo) com que o arguido relativamente as ofensas corporais actuou e quase não menos elevada se evidencia a culpa (quanto ao evento agravante).
Confessou o arguido parcialmente os factos apurados, fazendo-o apenas ate ao momento em que descarregou os socos, inclusive, tal se manifestando de reduzido relevo para a descoberta da verdade.
Deu sinais de pesaroso pelo decesso do B.
Apresenta bom comportamento moral e civil, antes e depois dos factos, sendo pessoa bem referenciada pela vizinhança.
Demonstrava amizade e afecto pela vitima, que acompanhava frequentemente e a quem dera guarida, cerca de dois meses antes do delito.
E de situação economica precaria, tendo mulher, domestica, e sete filhos a seu cargo, sustentando o lar com o produto do trabalho que ven desenvolvendo na construção civil, quando obtem contrato a prazo, e na confecção de cestos de verga, ou na criação de uma outra cabeça de gado.
E de condição social muito modesta, vivendo numa casa arruinada.
Ora, fazendo uma profunda meditação sobre as indicadas componentes de facto, somos de parecer de que a pena que melhor se ajusta a censura etico-juridica do criminoso comportamento do arguido e a de quatro anos e seis meses de prisão, que ora se lhe aplica, alterando a que lhe foi aplicada pelo Tribunal Colectivo de Barcelos.
No demais, nenhuma censura se nos oferece fazer ao decidido.
Desta sorte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça conceder provimento ao recurso interposto pelo ilustre Magistrado do Ministerio Publico e, consequentemente, alterar o acordão recorrido, nos termos sobreditos, e confirmando-o no restante.
O recorrido pagara de taxa de justiça 3 Ucs e de procuradoria 1/3 dessa taxa.
Ferreira Dias,
Maia Gonçalves,
Jose Saraiva,
Frederico Carvalhão.