Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10448/95.5TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÂO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: EXTINÇÃO
EXECUÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO - INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 21.ª edição, 460.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 64.
- Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Código Civil, 161.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Lições Policopiadas de 1971.72, I, 105; Obras Completas, edição da AAFDL, III Volume, 490.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª edição, 360.
- Manuel de Andrade, NEPC, 50.
- Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 415.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 66.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, 285.º, 291.º, N.º1, 297.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, N.ºS 1 E 5, 20.º, 62.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 4/2013, DE 11.1: - ARTIGO 3.º, N.º1.
LEI N.º 41/2013, DE 26.6: - ARTIGO 4.º, ALÍNEA F).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 281.º, N.º5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 186/2009, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
Nos casos em que o processo executivo se encontrava a aguardar impulso processual do exequente quando entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11.1, a contagem do prazo de extinção, previsto no artigo 3.º, n.º1 deste, deve fazer-se nos termos do n.º1 do artigo 297.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1 . Nos presentes autos de Execução para Pagamento de Quantia Certa em que é exequente AA e executada BB, foi, a dado momento, proferido o seguinte despacho:


“AA, exequente, notificado da extinção da instância por força do disposto no artº3º, nº 1 e 3, do DL nº 4/2013 de 11 de Janeiro, veio apresentar a reclamação de fls. 896, do p.p., invocando, para o efeito, que o DL 4/2013, de 11 de Janeiro, é um “ intervenção legislativa pontual destinada a solucionar alguns dos principais óbices, quais sejam a falta de impulso processual do exequente e a ausência de norma que preveja um desfecho para as execuções mais antigas nas quais, apesar das diversa diligencias efectuadas ao longo dos anos, não tenham sido identificados quaisquer bens penhoráveis até á presente data…” – vide preambulo do mencionado diploma legal, pelo que, entende que tal diploma não deve ser aplicado ao presente caso concreto, dado que, ao estabelecer a imediata extinção dos processos que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de 6 meses, independentemente da culpa deste ou de existirem outras razões que justifiquem a falta de impulso processual, o legislador é arbitrário e deixa sem protecção o direito do credor a ver realizado o seu crédito, e na medida em que, no caso concreto, estão pendentes embargos de terceiro desde Janeiro de 2004, pelo que a instância executiva se encontra suspensa quanto a esses bens a aguardar a decisão que vier a ser proferida em tal apenso.

Não obstante, refere que durante todos estes anos o exequente foi promovendo o andamento da acção executiva nomeando bens à penhora, bem como as demais diligências com vista ao apuramento de eventual património à executada, de tal forma que as diligências requeridas em Setembro de 2012 foram indeferidas por serem repetição do já requerido, pelo que nada mais podia fazer que aguardar o desfecho dos embargos de terceiros cuja improcedência ou extinção permitirá o prosseguimento da execução.

Como tal, para além de considerar que o nº3 da Lei 4/2013 contraria o direito do credor exequente ver realizado o seu crédito, direito este consagrado constitucionalmente, no art. 62º da CRP, daí, em seu entender, padecer de inconstitucionalidade material que desde já se suscita e cuja arguição se deduz, considera tratar-se de uma intolerável denegação de justiça com a qual o julgador não pode compactuar, por tal implicar, na sua óptica, que a aplicação de tal dispositivo legal ao caso concreto significa dar prevalência a critérios meramente económicos e premiar o devedor em detrimento do credor, mais aduzindo que a redução das pendências processuais não pode ser feita a qualquer preço e bem assim que a presente execução, a extinguir-se, deverá ser nos termos do art. 2º daquele diploma legal e não no seu art.3º.

Assim, a final, requer se ordene o prosseguimento da execução, promovendo-se a extinção dos embargos de terceiros, por deserção nos termos do art. 291º do CPC.


*


Pronunciou-se o M.º P.º, esgrimindo no sentido por si defendido que a intenção do legislador, ao elaborar o diploma legal em apreço (D.L. 4/2013, de 11 de Janeiro), se, por um lado, pretendeu arredar da pendência dos Tribunais os processos executivos sem possibilidade de êxito na localização e identificação de bens penhoráveis, veio, por outro, responsabilizar a entidade a quem incumba o impulso processual pela forma de actuação, quando a inércia se arraste por mais de seis meses.

Assim, entende que, se nos autos não houve impulso do processo pelo menos desde Setembro de 2012, sendo certo que já fora interrompida a instância em 14.03.2011 e que as diligências para penhora posteriormente efectuadas se mostraram infrutíferas, se encontram reunidos os requisitos legais, que levam à inexorável extinção da instância por determinação legal.

Como tal, defendendo não se vislumbrarem contornos de inconstitucionalidade material nos comandos legais aplicáveis e porque não cabe aos Tribunais sindicar a bondade e o pragmatismo da “mens legis”, contidos na legislação ordinária aplicável, pede que o requerimento de fls. 895 e ss. seja indeferido, com custas do incidente pelo exequente.


*


Apreciando e decidindo:

Como decorre dos autos, com data de 26.05.2008, os presentes autos executivos ficaram a aguardar o decurso do prazo previsto no art. 285.º, do Cód. Proc. Civil, tendo a instância sido declarada interrompida a 16.2.2009 ((cfr. fls. 834 e 835, do p.p.).

Posteriormente, sem êxito, requereu-se a penhora dos créditos de que a executada fosse titular junto do IGCP, ficando, de novo, os autos a aguardar a interrupção da instância, nos termos do despacho de 23.06.2010, quando formalmente deveriam ter era aguardado a deserção da instância, por esta ter sido já declarada interrompida e novamente interrompida a fls.873, do p.p., por despacho de 14.3.2011.

Contudo, por o exequente ter vindo requerer a penhora do crédito da executada a título de reembolso de IVA e IRS, a 31.1.12, determinou-se a prática desse acto, também sem êxito.

Posteriormente, voltou-se a requerer a penhora dos saldos bancários, que veio a ser indeferido, por se tratar de acto repetido, já praticado nos autos, ficando a aguardar-se a deserção da instância, por despacho proferido a 3.9.2012, com notificação remetida a 4.9.2012.

Assim, a 26.4.2013, a secção deu cumprimento ao disposto no art. 3.º, n.º 3, do DL 4/2013, de 11.1.

Ora, como se refere no preâmbulo desse diploma, o objectivo de tal diploma visa agilizar a tramitação das acções executivas pendentes, por forma a alcançar uma redução de pendências processuais injustificadas relacionadas a falta de impulso processual do exequente e a ausência de norma que preveja um desfecho para as execuções mais antigas nas quais, apesar das diversas diligências efectuadas ao longo dos anos, não tenham sido identificados quaisquer bens penhoráveis até à presente data, estando aqueles processos a congestionar, de forma desajustada e desproporcionada, os tribunais, assim se impedindo que as execuções sem viabilidade se arrastem ao longo dos anos nos tribunais, sem prejuízo, todavia, da possibilidade de se renovar a instância se, e quando, vierem a ser identificados bens penhoráveis.

Ao mesmo tempo, responsabiliza-se também o exequente, enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua inércia em promover o seu andamento, daí que se a extinção das mesmas.

Assim, sendo esse o seu escopo, preceitua-se no artigo 2.º, quanto à extinção da instância por inexistência de bens penhoráveis nos processos executivos anteriores a 15 de Setembro de 2003, que:

‘1 - Nos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa instaurados antes de 15 de Setembro de 2003, não se encontrando demonstrada a existência de bens penhoráveis, a instância extingue-se.

2 - A concreta identificação de bens penhoráveis pelo exequente, no prazo de 30 dias contados da data de entrada em vigor do presente diploma, obsta à extinção da instância prevista no número anterior (…)’.

Por sua vez, no art. 3.º, já quanto à extinção da instância por falta de impulso processual, refere-se que:

‘1 - Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se’.

Posto isto e tendo em conta o estado dos autos, conforme especificado, resulta que, após a notificação de fls. 886, do p.p., enviada ao exequente, na data de 4.9.12, nenhum outro impulso foi dado à execução, pelo que, tendo decorrido mais de 6 meses, desde aquela data até ao momento em que a secção deu cumprimento ao disposto no art. 3.º, n.º 1, do citado diploma, em 26.4.13, deve considerar-se, e bem, a instância extinta.

Acresce que não pode servir de fundamento para a defesa que agora o exequente invoca encontrar-se pendente o apenso D, de embargos de terceiro, na medida em que, nesses autos, por despacho de fls. 108, do p.p., datado de 11.06.2007, se aguardava o decurso do prazo para a respectiva deserção, há muito decorrido.

Como tal, não podendo ignorar que esses autos se encontravam já desertos e que o fundamento para a extinção foi a falta de impulso processual, e não a inexistência de bens, só o exequente se pode queixar de, mesmo que só na data da publicação desse diploma, não ter vindo dar impulso aos autos, requerendo o seu prosseguimento quanto a esse bem ou outros.

Por outro lado, dado que o tratamento é igualitário, e se entende que não existe qualquer denegação de justiça, antes se visa impedir que se arrastem durante anos sem fim as execuções em que, ou por não existirem bens, ou por o exequente não lhes dar impulso, nenhuma justificação existe para se manterem pendentes a congestionar os tribunais, sem qualquer utilidade, por esgotado o seu fim, julga-se não padecer o diploma em análise da inconstitucionalidade arguida com os fundamentos para o efeito aduzidos.

Nestes termos, indefere-se o requerido.

Custas do incidente pelo exequente.

Notifique.”



2 . Interpôs recurso o exequente, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto confirmou o decidido.


3 . Ainda inconformado, interpôs revista excecional.

A formação competente para conhecer da admissibilidade deste tipo de revistas entendeu, porém, que:

Vista a data decisão recorrida, é de aplicar ao recurso o regime fixado pelo NCPC;

Com a ressalva, atenta a data da instauração da ação, relativa à inadmissibilidade de recursos nos casos de dupla conforme;

Não afastando esta tal admissibilidade, não cabia a ela, mas ao relator ajuizar da admissibilidade.


Este despachou no sentido da admissibilidade.


4 . Os n.ºs 1 a 5 das conclusões das alegações dizem respeito à admissibilidade do recurso.


As demais são do seguinte teor:


6 - O objecto do presente recurso consiste em decidir se a execução se mostra extinta por falta de impulso processual do exequente.

7 - O Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11/1, com entrada em vigor no dia 26/1/2013, aprovou como resulta do seu artigo 1°, "um conjunto de medidas urgentes de combate às pendências em atraso no domínio da acção executiva."

8 - O art.° 3. °, n.º 1 daquele diploma legal veio alterar, em matéria de prazos o regime então vigente, encurtando-o de 3 anos para 6 meses.

9 - No caso concreto dos presentes autos encontrava-se a decorrer o prazo de um ano a que alude o disposto no artigo 278.° do C6digo de Processo Civil ao qual se seguiria o prazo de dois anos previsto no art. 291° do mesmo diploma legal e que terminaria, apenas, em 04.09.2015, considerando a data em que foi notificada ao exequente o indeferimento da requerida penhora de saldos bancários (04.09.2012).

10 - Ou seja o processo encontrava-se sem impulso processual há cerca de 7 meses sendo que o exequente dispunha de um prazo de 3 anos para o efeito.

11 - Ora, não tendo ainda decorrido o prazo previsto no artigo 291.° do C6digo de Processo Civil, o Tribunal "o quo" não pode considerar extinta a instância com aquele fundamento (artigo 3.° DL 4/2013, de 11/01),

12 - O prazo dentro do qual é facultado ao exequente promover os termos da execução é um prazo peremptório (art.° 145.°, n.º3, do Código de Processo Civil).

13 - Alterando a nova lei prazos anteriormente estabelecidos e nela não se incluindo qualquer disposição transitória quanto à sucessão de leis no tempo, a sua aplicação não pode deixar de ser efectuada à luz das regras a que alude o disposto no n.º 1 do artigo 297.° do Código Civil.

14 - Assim, "a lei nova que encurte um prazo peremptório ou cominatório ( ... ) deve aplicar-se imediatamente aos prazos em curso, mas contando para o efeito somente o período decorrido na vigência da nova lei."

15 - O diploma em questão não contém qualquer norma transitória pelo que, na falta desta, vigora o princípio da não retroactividade da lei.

16 - Aplicando esta doutrina ao caso dos autos, concluímos que entre 26/1/2013 (data da entrada em vigor da nova lei e 26.04.2014 (data da notificação oficiosa da extinção da instância não decorreu o prazo de seis meses a que se reporta o art° 3°, da Lei n.º 4/2013).

17 - Por outro lado, à data em que foi declarada a extinção, não tinha ainda decorrido o prazo a que alude o n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo Civil.

18 - Ao confirmar a extinção instância com o fundamento em que o fez, o Tribunal "a quo" fez uma aplicação retroactiva do citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, quando o mesmo não tem qualquer disposição transitório que preveja a sua aplicação retroactiva.

19 - De acordo com o disposto no artigo 12.º n.º 1 do Código Civil a lei só dispõe para o futuro, a menos que lhe seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador, o que não se verifica no caso do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, e em particular do seu artigo 3°.

20 - Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

21 - O art. 3° do D.L. 4/13 interpretado no sentido de que na contagem do prazo de 6 meses deverá ter-se em conta não só o tempo decorrido deste a sua entrada em vigor mas também o anteriormente decorrido padece de inconstitucionalidade.

22 - Se a aplicação retroactiva de uma lei implica a violação de direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, então tal retroactividade deverá ser considerada inconstitucional.

23 - Ao estabelecer a imediata extinção dos processos que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de 6 meses, independentemente da culpa deste ou de existirem outras razões que justifiquem a falta de impulso processual, o legislador impõe ao exequente uma situação de facto inelutável, altamente violadora dos seus direitos de crédito.

24 - Na verdade, se à data da entrada em vigor do diploma em questão o prazo de 6 meses já se havia completado o exequente nada pode fazer para evitar a extinção da instância!

25 - Tal extinção impõe-se-lhe de surpresa e de forma arbitrária sem que nada possa fazer para a evitar!

25 - Resulta evidente que a interpretação do D.L. 4/2013 tal como foi feita pelo Tribunal de primeira instancia e sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto constitui uma intolerável denegação de justiça violadora do art. 20° da CRP.

27 - No mesmo modo, a norma em questão, aplicada de forma retroactiva como in casu viola o direito do credor exequente ver realizado o seu crédito, direito este consagrado constitucionalmente, no art. 62° da CRP.

28 - Pelo que, padece de inconstitucionalidade material que desde já se suscita e cuja arguição se deduz.

29 - Ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" violou e fez uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3.° e 7.° do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro e bem ainda do disposto nos artigos 12.° e 297.° do Código Civil e do disposto nos artigos 287.° e) e 285.° e 291.º do Código de Processo Civil e dos arts 20° e 62° da CRP.

TERMOS EM QUE DEVE SER O PRESENTE RECURSO JULGADO PROCEDENTE, E NESSA CONFORMIDADE SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO…


Não houve contra-alegações.


5 . Ante as conclusões das alegações, a questão que se nos depara consiste em saber se, para contagem do prazo fixado no artigo 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11.1, não deve ser tido em conta o tempo decorrido até à entrada em vigor de tal normativo.


6 . Pela Relação foi  considerado o seguinte constante dos autos:


A) Em 23.06.2010, foi proferido despacho na presente execução no qual se determinou que os mesmos aguardassem o decurso do prazo previsto no artigo 285º do CPC.

B) Tal despacho foi notificado à ilustre mandatária do Exequente em 01.09.2010.

C) Sem que tenham sido proferidos quaisquer outros despachos ou praticados outros actos processuais foi em 14.03.2011 foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Declaro a instância interrompida nos termos do art.285º do CPC e para efeitos do art.291º do mesmo diploma.”

D) Tal despacho foi notificado à ilustre mandatária do Exequente em 15.03.2011.

E) Em 31.12.2012 foi pelo Exequente junto ao processo um requerimento no qual o mesmo veio nomear à penhora os créditos que a executada detenha sobre o Estado, designadamente a título de reembolso do IVA e do IRS, mais se requerendo a notificação para o efeito da DGI.

F) Em 22.02.2012 foi proferido despacho que ordenou que se procedesse à penhora e notificação nos termos requeridos.

G) Cumprido o mesmo em 05.03.2012 o qual foi objecto de resposta datada de 27.03.2012 na qual se informa que não havia sido possível proceder à penhora requerida por não existir à data em nome da executada qualquer crédito susceptível de ser penhorado.

H) Do teor de tal informação foi a ilustre mandatária do Exequente notificada em 17.04.2012.

I) Em 17.07.2012 o mesmo Exequente veio apresentar novo requerimento no qual veio nos termos do disposto no art.º 861º-A, nº6 do CPC, nomear à penhora os saldos de quaisquer depósitos, à ordem ou a prazo, fundos, títulos ou outros produtos financeiros, nomeadamente PPR de que a Executada seja titular ou co-titular junto de instituições bancárias.

J) Tal requerimento foi então objecto de despacho de indeferimento no facto do mesmo ser repetição do já antes requerido e ordenado nos autos, mais se ordenado que o processo aguardasse nos termos do despacho antes proferido em 14.03.2011 e já antes aqui referido.

L) Tal despacho foi notificado à ilustre mandatária da Exequente em 04.09.2012.

M) Nada mais tendo sido requerido ou ordenado no processo em 26.04.2014 procedeu-se à notificação oficiosa da mesma ilustre mandatária do Exequente nos termos e para os efeitos do disposto no nº3 do art.º3º do D.L. nº4/2013 de 11 de Janeiro, dando a conhecer à mesma que a presente instância se tinha por extinta.

N) Através de requerimento junto ao processo em 09.05.2013 veio o exequente reclamar da mesma notificação no qual e em suma defende e requer o seguinte:

O) A não aplicação aos autos do disposto no art.º 3º da Lei nº4/2013;

P) Ao invés a aplicação ao caso das regras do art.º2º da mesma lei;

Q) Pede que seja ordenado o prosseguimento da presente execução, mais se promovendo a extinção dos embargos de terceiro por deserção, tudo nos termos do disposto no art.º291º do CPC.

R) Por despacho datado de 13.05.2013 foi ordenado que os autos fossem feitos com vista ao MºPº para se pronunciar sobre a antes citada reclamação e solicitada a apresentação do processo de embargos de terceiro.

S) O Digno Magistrado do MºPº pronunciou-se então pelo indeferimento da mesma reclamação.

T) Foi então que em 22.05.2013 foi emitido o despacho objecto do presente recurso.

U) Já do processo de Embargos de Terceiro autuados sob a letra D) em nos quais é embargante CC, resulta o seguinte:

V) Em 7.03.2006 por requerimento conjunto subscrito pelo embargante CC e pelo embargado AA, foi nos termos do art.º279º, nº4 do CPC, requerida a suspensão da instância pelo prazo de 30 dias.

X) Em 27.10.2006 foram os autos remetidos à conta.

Z) A 19.12.2006 foi proferido despacho que determinou que os autos aguardassem o decurso do prazo previsto no art.285º do CPC.

A1) Em 21.02.2007 veio o Embargado juntar requerimento no qual dá a conhecer que não foi obtido qualquer acordo com vista a compor o litígio em apreço, mais solicitando o prosseguimento dos autos.

A2) A 19.03.2007 emitiu-se despacho no qual se consignou que cabendo o impulso processual ao Embargante os autos teriam que aguardar o já antes ordenado decurso do prazo previsto no art.285º do CPC.

A3) Tal despacho foi notificado às partes em 20.03.2007, nada tendo sido entretanto requerido.

A4) Em 11.06.2007 foi proferido despacho que declarou interrompida a instância mais determinando que os autos aguardassem nos termos e para os efeitos do disposto no art.º291º do CPC.

A5) A 06.08.2007 foi junto ao processo novo requerimento subscrito pelo embargado AA, no qual se solicita que os autos sejam julgados improcedentes por caducidade do direito de acção do Embargante, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 332º, nº2 do Código Civil e 353º do Código de Processo Civil.

A6) Em 18.12.2007 foi proferido despacho que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo Embargado no supra citado requerimento de 06.08.2007 e condenou o mesmo nas respectivas custas.

A7) Tal despacho foi notificado às partes em 20.11.2007.

A8) Remetido o processo à conta e realizadas diligências no sentido da cobrança das custas a cargo do Embargado acabou por ser proferido despacho datado de 22.04.2008 no qual se considerou relevante o facto do mesmo gozar do benefício do apoio judiciário e por isso nada mais se ordenou a tal propósito.

A9) Com data de 23.04.2009 foi o processo arquivado após necessário visto, sendo que a partir da daí nada mais foi requerido ou ordenado.


7 . Na vigência do Código de Processo Civil, a instância era interrompida “quando o processo estiver parado mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento” e a instância deserta, “independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos” – artigos 285.º e 291.º, n.º1.


No artigo 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11.1, o legislador enxertou um regime especial nos seguintes termos:

Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se. 


 Justificando-o, no preâmbulo, do seguinte modo:

“Ao mesmo tempo, pretende-se responsabilizar o exequente, enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua forma de actuação no processo.

Dependendo os resultados da execução em grande medida da rapidez com que o processo é conduzido, a inércia do exequente em promover o seu andamento não pode deixar de legitimar um juízo acerca do interesse no próprio processo. Assim sendo, se as execuções estiverem paradas, sem qualquer impulso processual do exequente, quando este seja devido, há mais de seis meses, prevê-se que as mesmas se extingam, pois como já atrás se explicitou, importa que os tribunais não estejam ocupados com acções em que o principal interessado aparenta, pela sua inércia, não desejar que o processo prossiga os seus termos e se conclua o mais rapidamente possível.”


Este Decreto-Lei foi revogado pelo artigo 4.º, alínea f) da Lei n.º 41/2013, de 26.6, estando agora em vigor o n.º5 do artigo 281.º do NCPC que dispõe:

No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.


8 . Conforme a alínea L) do elenco factual, o despacho de indeferimento a que se reporta foi notificado à Ilustre Mandatária da Exequente em 4.9.2012.

O Decreto-Lei n.º 4/2013 foi publicado em 11.1. e entrou em vigor em 26 seguinte.


Quando entrou em vigor não tinham decorrido os seis meses exigidos por este preceito.


Então, das duas uma:

Ou releva o tempo decorrido até tal entrada em vigor e aquando da notificação de 26.4.2014 (referida em M) já estava completado aquele prazo;

Ou não releva e não estava.


9 . A extinção da instância executiva pode ter:

Conteúdo material;

Conteúdo apenas processual.


Além estão os casos em que na origem da extinção está a extinção da obrigação exequenda e aqui os casos em que, na origem da extinção estão razões adjetivas.

O primeiro caso, dá origem a caso julgado material e no segundo apenas a caso julgado formal (cfr-se, a este propósito, Castro Mendes, Obras Completas, edição da AAFDL, III Volume, 490, Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª edição, 360 e Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 415).


A extinção que aqui se discute não encerra qualquer tomada de posição sobre o conteúdo material do processo executivo.

“A verdade é que a deserção é uma das causas de extinção da instância e só desta; os efeitos que produz só se reflectem directamente na relação jurídica processual, sem produzir qualquer efeito no direito material controvertido” (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 66). “Os efeitos que a deserção produz só se reflectem directamente na relação jurídica processual, sem produzir qualquer efeito no correspondente direito material” (Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 21.ª edição, 460).  

Se a extinção da instância aqui em apreciação – que constitui uma forma de deserção – não tem, como não tem, efeito material, fica afastada, logo à partida, a violação do artigo 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que garante o direito à propriedade privada.


10 . O texto do n.º1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 4/2013, enquanto se refere aos “processos…que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses” parece apontar para a ideia de que se reporta aos prazos já decorridos aquando da sua entrada em vigor.

De certo modo, o texto do preâmbulo que supra transcrevemos, também aponta para tal ideia.

Só que esta não pode, a nosso ver, ser aceite.

O artigo 2.º da Constituição, ao referir que a Republica Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado, além do mais, no respeito e na garantia da efetivação de direitos, encerra o chamado princípio da confiança.

Ora, se relativamente a exequente que tem o processo pendente e garantia legal dum prazo em que está assegurada essa pendência, a lei “ex abrupto” impõe a extinção da instância, está a trair toda uma confiança legitimamente criada. Mesmo não estando em causa a relação exequenda, sempre se decretaria a perda de toda uma tramitação e se imporia que tudo voltasse ao ponto de partida.

Na linguagem do Tribunal Constitucional (Ac. n.º186/2009, disponível no sítio do próprio Tribunal) estamos perante “uma afectação inadmissível, demasiadamente onerosa, de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos”; tanto mais que, ainda que compreensível, a modificação introduzida não visa salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, antes correspondendo a compromisso assumido “no quadro do programa de assistência financeira” (início do preâmbulo do dito Decreto-Lei).

A violação do princípio da confiança que esta interpretação encerraria atinge inerentemente o princípio do acesso ao direito, consignado no artigo 20.º da Lei Fundamental, mais especificamente nos seus números 1 e 5.


Por outro lado e situando-nos já no domínio do direito infraconstitucional, não podemos deixar de reparar que uma interpretação puramente literal do texto daquele n.º1 do artigo 3.º, só consideraria abrangidos os casos em que à data da entrada em vigor de tal preceito já tivessem decorrido mais do que os seis meses ali referidos. Só esses processos se “encontravam a aguardar o impulso processual.” Para futuro e até à vigência do aludido n.º5 do artigo 281.º do NCPC os seis meses não relevariam. O que nos parece inaceitável.     


11 . Não determinando a extinção da instância o tempo decorrido, de mais de seis meses, até à entrada em vigor da Lei Nova, coloca-se a questão do aproveitamento ou não de tempo que, sem perfazer tal duração, tenha decorrido antes de tal entrada em vigor.

A argumentação – muito pertinente, aliás – que esteve na base do dito Decreto-Lei n.º 4/2013 esgotou-se, quanto ao que agora importa, na profunda alteração da duração do prazo. O que, em termos práticos, era de três anos passou para seis meses.

O legislador não quis ir mais além e não fixou o “dies a quo”. Quando é certo que relativamente às normas processuais, mormente no capítulo delicadíssimo da contagem dos prazos, é frequente, ou mesmo quase regra, a tomada de posição sobre o regime transitório.


12 . Assim procedeu, de modo até circunstanciado, com o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 329.º-A/95, de 12.12.

A abrangência desta estatuição não alcança, porém, o presente caso, uma vez que ali só se coteja, como Lei Nova, tal normativo.


13 . Não encontrando lei processual específica que disponha para o nosso caso, temos de pensar que a interpretação das normas processuais, salvo casos de exceção, não deixa de obedecer às regras gerais que o Código Civil traçou a propósito da interpretação das leis.

Vale aqui, assim, o artigo 12.º e, bem assim, o artigo 297.º, n.º1, ambos deste Diploma Legal. 

Este entendimento corresponde ao que referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 64.

Já tendo, outrossim, escrito Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Código Civil, 161:

“Sobre este problema de direito transitório temos um preceito expresso no actual Código Civil, o artigo 297.º, que se refere a quaisquer prazos e não apenas àqueles que acabámos de mencionar... As soluções fixadas pelos artigos 297.º e 299.º representam soluções geralmente defendidas pela doutrina, já com base nos princípios gerais de direito transitório, já com fundamento em razões de equidade ou de prática conveniência. Por isso, parece que podemos dizer destes dois preceitos que eles formam, com os artigos 12.º e 13.º, um conjunto de regras de validade geral sobre os conflitos de leis no tempo.”

Sufragando o recurso ao artigo 297.º, n.º1 relativamente aos prazos processuais também Manuel de Andrade (NEPC, 50).

Tendo Castro Mendes deixado escrito (Direito Processual Civil, Lições Policopiadas de 1971.72, I, 105);

“Na falta de disposições transitórias específicas … recorre-se à solução do problema em teoria geral do direito, solução que é aplicável ao direito processual civil, e que consta hoje dos artigos 12.º (leis inovadoras) e 13.º (leis interpretativas) do Código Civil.”


14 . Considerando aplicável o n.º1 do artigo 297.º aludido, temos que o artigo 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 41/2013, de 11.1, já é aplicável ao prazo que estava a decorrer conducente à deserção.

Ou seja, o prazo desta cede perante o novo prazo (com a ressalva que se vai referir).

      Mas o novo prazo só se conta a partir da data da entrada em vigor daquele preceito, a menos que, segundo a lei velha, falte menos tempo para se completar.

Esta última hipótese não se verifica aqui, pelo que temos o prazo de seis meses contados deste 26.1.2013. Que não tinha decorrido quando foi levada a cabo a notificação da alínea M do elenco factual. A reclamação que teve lugar – antes de decorridos os seis meses assim contados – interrompeu a contagem destes e merece provimento.


15 . Face a todo o exposto, concede-se a revista, determinando-se a não extinção do processo executivo.


Custas pela executada.


Lisboa, 2.10.2014

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista