Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2135/04.1TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: HERANÇA
SUCESSÃO LEGÍTIMA
SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
PARTILHA DA HERANÇA
ANULAÇÃO DA PARTILHA
QUINHÃO HEREDITÁRIO
INVENTÁRIO
MEAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 11/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

I - A lei remete os fundamentos da impugnação da partilha extrajudicial, a que se reporta o art. 2121.º do CC, para a teoria geral dos contratos, nomeadamente, para as regras sobre a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico em geral, e não para as regras estabelecidas para qualquer contrato em especial, designadamente, o contrato de compra e venda de pais a filhos.
II - Não sendo a autora herdeira legitimária da esposa de seu pai, cuja herança, então, ainda não tinha sido aberta, mas cujos bens foram partilhados entre os seus herdeiros, incluindo o pai, não é a mesma pessoa, directamente, interessada na partilha, não podendo participar na partilha extrajudicial ou requerer inventário por óbito da esposa de seu pai.
III - Não se tendo provado que a preterição da autora na partilha tenha sido, intencionalmente, dolosa ou determinada por má fé dos demais outorgantes, designadamente, dos réus, inexiste fundamento legal para, por esta via, impugnar a partilha extrajudicial realizada.
IV - Não se tendo demonstrado a alegada aparência de partilha, que se traduziria na divisão entre os réus e seu pai dos bens que faziam parte do património deste, no qual se continha o seu quinhão hereditário e a sua meação no casal, por óbito da esposa e mãe daqueles, recebendo o mesmo tornas em dinheiro, com as quais preencheu, inteiramente, o seu direito, a situação não se converteu num contrato de compra e venda, nem aquela partilha carecia de ser autorizada pela autora, filha não matrimonial do pai e irmã consanguínea dos réus, mas que não era herdeira da esposa de seu pai.
V - Não se havendo demonstrado os requisitos constitutivos da impugnação da partilha, ou seja, a preterição da autora na partilha, de forma, intencionalmente, dolosa ou determinada por má fé, esta goza da faculdade de, na qualidade de herdeira legitimária de seu pai, requerer inventário judicial para partilha dos seus bens, não se sujeitando ao que os restantes herdeiros, seus irmãos consanguíneos, possam, eventualmente, ter outorgado em seu prejuízo.
VI - Não se tratando, manifestamente, de uma situação de dolo instrumental, nem sequer de dolo material indirecto, inexiste fundamento legal para condenar a parte vencedora como litigante de má-fé.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :

AA, residente na Rua ..., Póvoa de Varzim, propôs a presente acção declarativa comum ordinária, contra BB, residente na Praça ..., Póvoa de Varzim, pedindo que, na sua procedência, seja decretada a anulação da escritura pública celebrada, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, no 1o Cartório Notarial, em 8 de Junho de 2000, na parte em que se faz a partilha dos bens de CC, ordenando-se que tais bens sejam divididos entre os seus três filhos, sendo 7/18 avos para DD, 7/18 para o réu e 4/18 avos para a autora [a], seja ordenada a anulação do registo, na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, e efectuado outro, nos termos e proporções acima mencionados [b] sejam remetidos aos Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim, para tomarem conhecimento desta inicial e da aludida escritura, as respectivas cópias destas [c] e sejam notificados o 1o Cartório da Secretaria Notarial e a Conservatória do Registo Predial, ambos da Póvoa de Varzim [d], invocando, para o efeito, como causa de pedir, que DD e o réu BB são filhos de CC e de sua mulher, EE, os quais eram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão geral de bens.
Por outro lado, a autora AA é filha de CC e de FF
EE faleceu, em 24 de Maio de 1999, e CC, em 7 de Agosto de 2003.
A autora soube, em 27 de Outubro de 2003, que foi lavrada a escritura pública corporizada no documento junto aos autos, sem que, intencionalmente, tenha sido informado o Notário de que existia uma irmã, ou seja, a aqui autora, procedendo-se à partilha dos bens comuns do casal e não apenas dos bens da herança.
Com efeito, na mencionada escritura e, após a habilitação de herdeiros, CC e o réu BB, seu filho, este intervindo por si e na qualidade de procurador de seu irmão, DD, e mulher deste, GG, declararam ir proceder à partilha dos bens do casal e da herança de EE, passando a fazê-lo, mediante a adjudicação ao réu de uma sepultura com o n°41, na secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, com o valor atribuído de 10 000$00, e de uma sepultura com o n°40, na 1a secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B29, com o valor atribuído de 5000$00, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B29, com o valor atribuído de 25 252$00, sendo a restante metade indivisa deste prédio urbano adjudicada a DD, e ao viúvo, CC, da torna de 26 834$66, que o mesmo declarou ter já recebido dos filhos BB e DD, mas sem que na referida escritura tivesse sido feita qualquer referência à autora.
Na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, o prédio urbano outrora sob o n°11.107, do Livro B29, da freguesia de Aver-O-Mar, encontra-se descrito sob o n°01868/011031, aí constando que o mesmo corresponde ao artigo matricial 336º e que, por força de averbamento efectuado em 24 de Maio de 2005, o respectivo valor patrimonial é de €1. 448,76.
A aquisição do imóvel em causa encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial, a favor do réu BB e de DD e mulher, GG, constando como sua causa aquisitiva a sucessão deferida em partilha, por morte de EE, que foi casada com CC, segundo o regime da comunhão geral, representando a partilha uma venda do património imobiliário de seu pai, CC, aos filhos, BB e DD.
Na contestação, o réu defende-se, na parte que ainda interessa considerar, por impugnação, contradizendo, no essencial, toda a factualidade invocada pela autora.
Na réplica, a autora conclui como na petição inicial e o réu, na tréplica, como na contestação.
DD, por si e em representação de sua mulher, GG, depois de ter revogado o mandato conferido à Exª Advogada constituída pela autora, desistiu do pedido que, conjuntamente com esta, inicialmente, formulara contra o réu, bem assim como de todos os articulados subsequentes e do pedido de cancelamento do registo da acção.
Foram admitidos, a requerimento da autora, como intervenientes principais provocados, associados do réu, os aludidos DD e sua mulher, GG.
Posteriormente, “A... – Gestão Imobiliária, SA”, na qualidade de cessionária da posição dos intervenientes DD e mulher, GG, foi jugada habilitada para os ulteriores termos da acção principal e, em substituição dos mesmos, prosseguir na sua tramitação processual.
A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e procedente e, em consequência, declarou a anulabilidade da escritura pública em causa, na parte em que se faz a partilha da meação e do quinhão hereditário dos bens pertencentes a CC, ordenando-se que os mesmos bens sejam divididos, igualitariamente, pelos três filhos, DD, BB e a autora, e ainda o cancelamento do registo feito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, e, em conformidade, absolveu o réu e interveniente DD do demais pedido.
Desta sentença, o réu BB e a habilitada “A...-Gestão Imobiliária, SA” interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, declarando a nulidade do negócio.
Do acórdão da Relação do Porto, o réu BB e a habilitada “A...-Gestão Imobiliária, SA” interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, proferindo-se decisão que, declarando, totalmente, válida a escritura, decrete a improcedência da presente acção, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
O RÉU:
1ª – O douto acórdão recorrido deve ser revogado, visto que a partilha em causa nos presentes autos observou toda a legislação que lhe é aplicável, nenhuma censura lhe podendo validamente ser feita. Na verdade,
2ª - Através da referida escritura procedeu-se à partilha dos bens que constituíam o acervo patrimonial da herança da falecida EE, tendo-se previamente procedido à habilitação dos herdeiros da falecida, e, de seguida, observando a legislação aplicável, os herdeiros desta, e só estes, pois só estes tinham legitimidade para intervir na escritura, procederam à partilha dos bens, da herança daquela falecida, fazendo as respectivas adjudicações. Deste modo,
3ª - E contrariamente ao defendido no douto acórdão recorrido, nenhuma violação ocorreu de qualquer norma legal, não podendo, portanto, a escritura em causa, ser objecto de qualquer censura, nomeadamente da nulidade decidida no acórdão recorrido. Com efeito,
4ª - A escritura em causa, o experiente e ilustre (e, infelizmente saudoso) notário que a elaborou, observou, como era seu timbre, toda a legislação aplicável, e
5ª - Procedeu como sempre o fez em centenas de partilhas notariais em que interveio: atribuindo aos bens imóveis a partilhar os respectivos valores matriciais e respeitando a vontade de todos os outorgantes, a quem sempre explicava, como nesta explicou, tal como se refere na parte final da escritura, o seu conteúdo, que todos os outorgantes, maiores e capazes, acharam conforme a sua vontade. Em suma:
6ª - Todos os contraentes, viúvo da falecida e filhos desta, quiseram que o prédio urbano pertencente à herança da falecida EE fosse adjudicado aos dois filhos desta, e, com toda a legitimidade, os herdeiros da falecida, e só eles, porque só eles poderiam intervir na escritura, assim o fizeram, na observância e respeito por toda a legislação aplicável. Por conseguinte,
7ª - E por não ter havido violação de qualquer preceito legal, não pode a escritura em causa ser declarada nula, pois a ser declarada nula esta escritura, com fundamento de que a partilha foi efectuada, como praticamente todas o são, com base no valor matricial dos imóveis a partilhar, então aplicando este perigosíssimo critério, muito poucas das milhares de escrituras de partilhas se salvarão, o que acarretaria uma totalmente inaceitável insegurança no seio de todo o notariado e do universo de pessoas que, necessariamente, a ele se socorre, dada a segurança e solidez que todos associam aos actos notariais, em que, mais uma vez se repete, a lei é observada e respeitada.
A HABILITADA A... – GESTÃO IMOBILIÁRIA, SA
1ª - Assertivamente, na sua parte decisória, começa o Acórdão revidendo, por reconhecer expressamente, o erro da aplicação do direito, à matéria de facto dada como assente;
2a - Apesar do assertivo reconhecimento, de que não se tratou de uma partilha em vida, com as inerentes doações, condição sine qua non daquela, o Acórdão revidendo, já influenciado pelo seu pensamento e decisão final, continua a referir-se a uma "partilha em vida";
3ª - O contrato, que está em causa e que resulta da matéria de facto assente é, uma "Partilha por morte", da cônjuge mulher, daquele CC, à qual, são habilitados, e nela intervêm como interessados, o cônjuge viúvo e os herdeiros legitimários da de cujus, aquele cônjuge e os filhos desta;
4a - A qual respeita o disposto nos artigos 2010º, a), n°1, 2133º, n°1, 2139º, 2157º e 2159º todos do C.C.;
5a - Partilha essa por óbito da de cujus, cônjuge mulher daquele CC, EE, da qual a A./Recorrida, não é filha, e por isso não é, nem herdeira legítima, muito menos legitimaria, e portanto não é interessada;
6a - Porém, a reminiscência de "partilha em vida", na conclusão da não aceitação da solução jurídica da sentença apelada da 1a instância, conduziu os Srs Juízes Desembargadores, por caminhos ínvios, na busca de uma solução de direito, que ao fim e ao cabo, desse o mesmo resultado, ou seja, a anulação da partilha;
7ª - Não se descortina, no emaranhado, quer da causa de pedir, quer dos pedidos constantes da p.i., qualquer fundamento, que pudesse ter em vista, o almejado objectivo que o Acórdão revidendo, num lampejo inóspito, vislumbrou ou vislumbra;
8a - A A. Recorrida nunca perspectivou tal solução jurídica, como, bem pelo contrário, reduziu-a e circunscreveu-a objectivamente, à situação de "partilha em vida" e de "ter sido preterida enquanto herdeira legitimaria, daquele CC";
9a - Os herdeiros, daquela falecida EE ...porque estavam de acordo, procederam estes, nos termos do art. 2102º do C.C. e do Cod. do Notariado, à partilha extrajudicial, conforme resulta da escritura pública a que se referem os n°s ... da matéria de facto dada como assente;
10a - Prevê a lei, em secção específica, a "V", os meios relativos à impugnação da partilha, a que se referem os arts 2121º, 2122º e 2123º do CC;
11ª - Nenhuma outra norma havendo, sobre a impugnação da partilha, temos de nos cingir, no presente caso, ao disposto no art. 2121º do C.C., que nos remete para a parte geral, da impugnação dos contratos;
12a - Regressivamente, e em inequívoca demonstração, do pensamento da afinal "partilha em vida", exarou-se erradamente, no Acórdão, o seguinte preconceito, que de legalidade, nada possui: "Com a escritura titulando a partilha do património do casal composto pelo CC e pela então falecida EE, ficou totalmente fora da herança, a filha do 1o, ora autora e sua herdeira legitimaria, conhecia de todos os intervenientes, dado que o CC veio entretanto a falecer";
13a - Decidiu o Acórdão revidendo, com base nas ditas reminiscências e confusão da "partilha em vida" que: "Se o negócio realizado entre as partes se mostra formalmente válido, o seu conteúdo, atenta não só contra a ordem pública mas também contra os bons costumes ";
14a - Serve de justificação a tal falsa conclusão, obviamente resultante de falsa premissa, no silogismo que compõe o raciocínio, ao concluir-se: "A questão sombria reside justamente no valor (irrisório) atribuído aos imóveis e no facto de as tornas terem sido "atribuídas" ao meeiro CC, pessoa de 87 anos e, que viria a falecer com a idade de 90 anos.";
15a - Com a morte do CC, o que está em causa é uma nova relação jurídica, ou seja, a sucessão hereditária deste e a partilha do seu acervo patrimonial;
16a - Recusando essa realidade jurídica, e de caso pensado, o Acórdão revidendo trouxe à colação uma "questão sombria", ou seja, o valor atribuído aos bens, no contrato de partilha por óbito daquela EE;
17a - De acordo com os usos e costumes, por ser facto público e notório, que seguramente os Senhores Juízes Desembargadores, subscritores do Acórdão não ignoram, cem por cento das escrituras de doação, partilha em vida e partilha post mortem, realizadas antes de 1 de Janeiro de 1989, eram feitas com base nos valores mínimos passíveis de serem atribuídos aos bens, ou seja, com base nos valores matriciais;
18ª - A comprová-lo estão, milhões de escrituras dos séculos XIX e XX, quer no Arquivo do Tombo, quer nos Arquivos Distritais, a demonstrar essa realidade tal como o estão, as sisas pagas pelas diferenças de tornas, tudo, com o mero intuito, de todos os interessados intervenientes em pagarem o menor valor de sisa, de imposto de selo e de emolumentos notariais;
19a – Era público e notório e fazia parte dos usos e costumes que, na realidade, e para efeitos do negócio da partilha entre os interessados, os prédios fossem avaliados pelos louvados, pelo seu valor real e os interessados, na partilha entre si, atribuíssem os valores reais e pagassem as tornas realmente devidas para preenchimento dos quinhões e meações, pelos referidos valores reais, que nada tinham a ver, com os valores declarados nas escrituras, e que titulavam quer as doações, quer as partilhas em vida, quer as partilhas post mortem;
20a - Muitos, se não todos, os Venerandos Juízes Conselheiros serão testemunhas, dos acordos feitos nos inventários, então orfanológicos, depois de menores, e até nos facultativos, da procura intensa, do acordo extrajudicial, para evitar as custas elevadas, as sisas e os impostos sucessórios;
21ª - Durante os séculos XIX e XX, ninguém se lembrou que, fazer isso, ou seja, atribuir os valores matriciais, atentava contra a ordem pública, a moral ou fosse ofensivo dos bons costumes;
22a – Dúvidas não há, como resulta expressamente do teor da escritura pública, que titula o contrato de partilha por óbito daquela EE, que para efeitos da outorga da mesma, as partes quiseram, de livre e espontânea vontade, atribuir ao imóvel, o respectivo valor matricial, para, com base no mesmo e no atribuído aos demais procederem à celebração daquela escritura;
23a - E, ao contrário do referido no Acórdão revidendo, fizeram-no apenas e tão só, para efeitos formais, ou seja, para efeito da escritura, para pagarem os mínimos valores de sisa, imposto de selo, emolumentos notariais e registrais;
24a - No princípio legal da liberdade contratual, as partes celebraram o negócio jurídico relativo ao contrato de partilha por óbito da falecida EE, pelo seu valor real e justo, mas formalmente, ou seja, no título formal do mesmo, declararam os valores mínimos legais;
25ª - Estamos perante uma simulação relativa dos valores atribuídos, com a única intenção de lesar o Estado, que não qualquer terceiro, que pudesse ter interesse no indicado negócio, mormente qualquer credor daquele CC, muito menos qualquer interessado na partilha, pela simples razão de não haver, nenhum outro interessado na partilha por óbito daquela EE;
26a - Não está determinado, nem consta da matéria de facto, dada como provada, qual o valor que os interessados, no negócio da partilha por óbito da EE, atribuíram ao bem imóvel em causa, já que, o que temos, é apenas o valor atribuído na escritura pública, que formalizou aquele negócio do contrato de partilha, o que, salvo melhor opinião, são coisas completamente diferentes;
27a - Decidiu o Acórdão revidendo, "entrar em seara alheia" e fazer a prova que aquela não fez, tecendo as seguintes considerações: "O imóvel composto por casa destinada a habitação, com dependências e quintal, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-o-mar, concelho da Póvoa de Varzim, foi atribuído o valor de vinte e cinco mil e duzentos e cinquenta e dois escudos, ou seja cerca de €125, o que não podem restar dúvidas não corresponde ao seu valor real, principalmente se tivermos em conta que a freguesia de Aver-o-mar, se situa na orla marítima, no enfiamento da praia da Póvoa de Varzim, onde os prédios de construção são de sobremaneira valorizados, como é do conhecimento público";
28a - Ao Supremo Tribunal cabe sindicar e ajuizar, sobre a leitura que o Tribunal recorrido fez da mesma, para fazer o seu enquadramento, na solução de direito aplicável, ou que entendeu ser a aplicável;
29a - O Tribunal recorrido, alegando tratar-se de facto de conhecimento público, atribuiu faculdades, ou, se não mesmo, aditou matéria de facto, que não só não foi dada como provada, e que, nem sequer pode subsumir, àquilo que entende ser de conhecimento público, e aplicável ao caso concreto;
30a - A pronúncia constante do Acórdão revidendo, na parte acima transcrita, em que se estriba em generalidades, que justifica como sendo do conhecimento público, não as pode sufragar, como sendo aplicáveis ao imóvel em causa, por não conhecer a realidade física do mesmo;
31ª - Da matéria de facto provada, sob o n°8, resulta que o imóvel composto de "casa de habitação com dependências e quintal" tem a mísera área coberta de 34m2 - equivalente a um T-O, dependências com 18m2, e um quintal com 133m2, ou seja, estamos a falar de uma parcela de terreno com apenas 185m2;
32a - Como se tal não bastasse e ao contrário do referido Acórdão, tal prédio, não se situa junto à praia, antes confronta, pelo Nascente, com a EN 13 - Porto - Valença, pelo que está sujeita a uma faixa non aedificandi, que abrange a totalidade da área do prédio, ou seja, não tem, face à lei das servidões, de protecção das Estradas Nacionais e Internacionais, qualquer capacidade construtiva;
33a - A "casa" e "anexos", só existem, por já serem muito antigos - art.336 - inscrito na matriz em 1937, para além de distar da orla marítima cerca de 1 km;
34a - O Acórdão revidendo, no seu fértil imaginário, sobrevaloriza, intencional e artificialmente, o imóvel, para um valor indefinido que o mesmo, não tem, com único objectivo de fazer aplicar, como aplicou, o disposto no n°2 do art. 280º do C.C., quando, na realidade, não há no aludido contrato de partilha, qualquer violação da ordem pública ou qualquer ofensa aos bons costumes;
35a - Não se vislumbra, onde, quando e como, a partilha por óbito daquela EE, pode atentar contra os bons costumes, e muito menos porque é que as pessoas dos filhos daquela, por lhes ter sido adjudicado o imóvel e terem pago as tornas devidas ao seu pai, cônjuge meeiro e herdeiro e o terem deixado continuar a viver na casa, tenham, por esses factos, deixado de ser pessoas honradas, integras e bem intencionadas.
36a - O Acórdão revidendo, na sua fundamentação é ofensivo da honra e consideração seja daquele falecido CC, seja dos filhos interessados na partilha por óbito daquela EE, porquanto nenhum nexo de causalidade adequada existe entre o negócio subjacente àquela partilha e a expectativa da autora à legítima por óbito daquele CC;
37a - Não é pelo facto de os interessados naquela partilha por, óbito da mulher e mãe EE, terem feito constar do título formal, ou seja, a escritura pública, a declaração de atribuir ao bem imóvel, o seu valor matricial e terem procedido às operações da partilha com base nesse valor, à semelhança dos milhares de escrituras iguais, outorgadas antes de 1 de Janeiro de 1989 que daí decorre que na realidade os interessados não tenham procedido á partilha pelo valor real e efectivo do imóvel;
38a - O acto é verdadeiro e foi o livremente querido pelas partes, quanto ao seu conteúdo material. Porém, simultaneamente quiseram simular os valores declarados, para prejudicar o Estado, que não diminuir, fosse por que meio fosse, o valor real dos direitos daquele CC;
39a - Todos os intervenientes quer em escrituras de partilha por morte, quer em escritura de partilha em vida, quer em escrituras de doação, nas quais declararam atribuir aos imóveis partilhados e doados os valores matriciais, são pessoas desonestas, incorrectas e de má fé, que, por esse facto atentaram contra a ordem pública e os bons costumes;
40a - O Acórdão revidendo, introduziu ao abrigo do instituto do conhecimento oficioso, matéria de facto nova, que está em contradição com a matéria de facto dada como assente e provada e atenta contra a matéria de facto dada como não provada violando literalmente as regras da repartição do ónus da prova, nos termos do art. 342 do C.C. e subtraindo aos recorrentes o direito ao contraditório nos termos do n° 3 do art. 3º e do princípio da igualdade das partes nos termos do art. 3-A, ambos do C.P.C.;
41a - O Acórdão revidendo, ao usar como usou, o instituto do conhecimento oficioso relativamente a factos que não constam dos autos e que estão em oposição à matéria de facto dada como provada, não só proferiu decisão que está em oposição àquela matéria de facto, como conheceu de questão (de facto) de que não podia tomar conhecimento e proferiu condenação em objecto e por fundamentação que está em total divergência com a dos pedidos formulados pela autora pelo que é nulo nos termos das als. c), d) e e) do n°1 do art.668º do C.P.C..
Nas suas contra-alegações, a autora sustenta que os recursos apresentados pelo réu e pela habilitada devem improceder, na sua totalidade, condenando-se os recorrentes, por abuso de direito e objectiva má fé, em multa e indemnização, reconhecendo-se a efectiva responsabilidade pessoal e directa dos respectivos mandatários nos actos correspondentes, com conhecimento à Ordem dos Advogados, e oficiando-se à Conservatória do Registo Predial e à Câmara Municipal.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1. CC e EE casaram um com o outro, no dia 21 de Agosto de 1936, segundo o regime da comunhão geral de bens – A).
2. Os réus DD e BB são filhos de CC e de EE, tendo nascido, respectivamente, em 16.11.1937 e, em 21.08.1936 – B).
3. A autora AA nasceu, em 13 de Setembro de 1946, sendo filha de CC e de FF - C).
4. EE faleceu, em 24 de Maio de 1999, data em que se dissolveu o casamento, referido em A) - D).
5. CC faleceu, em 7 de Agosto de 2003, no estado de viúvo de EE - E).
6. No dia 8 de Junho de 2000, foi outorgada a escritura pública de habilitação e partilha, exarada de folhas 1 verso a folhas 4 do Livro de notas para escrituras diversas n° E – 153, do 1o Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, na qual CC, na qualidade de cabeça de casal da herança de sua mulher, EE, declarou o falecimento da esposa e que sucederam a esta, como únicos e universais herdeiros, ele próprio e os filhos: BB e DD - F).
7. Na escritura, mencionada em F), e após a habilitação de herdeiros, acima descrita, CC e BB, este intervindo por si e na qualidade de procurador de DD e mulher, GG, declararam ir proceder à partilha dos bens do casal e da herança de EE, passando a fazê-la mediante:
a) - a adjudicação a BB de uma sepultura com o n°41, na secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, e de uma sepultura com o n° 40, na 1a Secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n° 11.107, do Livro B29;
b) - a adjudicação a BB de uma sepultura com o n° 41, secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, com o valor atribuído de 10 000$00, e de uma sepultura com o n° 40, 1a. Secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, com o valor atribuído de 5.000$00, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n° 11.107, do Livro B 29, com o valor atribuído de 25 252$00;
c) - a adjudicação a DD da outra metade
indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B 29;
d) - a adjudicação ao viúvo CC da torna de 26834$66,
que o mesmo declarou ter já recebido dos filhos BB e DD de asílio - G).
8. DD e mulher, GG
Basílio, em 15 de Maio de 2000, haviam nomeado e constituído seu bastante procurador, BB, conferindo-lhe, entre o mais, poderes para os representarem em inventários e com os demais interessados proceder à partilha extrajudicial dos bens da sua mãe e sogra, EE, recebendo o quinhão que lhes ficar a pertencer em quaisquer espécies, receber a primeira citação e quaisquer notificações, concordar ou não com a partilha, formação de lotes e respectivos valor e tudo o mais que consta no artigo 1352°, do Código do Processo Civil Português, pagar ou receber tornas - H).
9. Na escritura, referida em F) e G), não é feita qualquer referência à
autora AA - I).
10. Na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, o prédio urbano outrora sob o n°11.107, do Livro B 29, da freguesia de Aver-O-Mar, encontra-se descrito sob o n°01868/011031, aí constando que o mesmo corresponde ao artigo matricial 336º e que, por força de averbamento efectuado em 24 de Maio de 2005, o respectivo valor patrimonial é de €1. 448,76 - J).
11. A aquisição do prédio, identificado em J), encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial, a favor dos réus, BB e DD e mulher, GG, através da cota G-1 (ap.9/011031), ali constando como causa aquisitiva a sucessão deferida em partilha, por morte de EE, que foi casada com CC, na comunhão geral - L).
12. Na escritura, mencionada em F) e G), não interveio a filha legitimaria de CC, AA – 1º.
13. O prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do livro B 29, aquando da celebração da escritura, mencionada em F) e G), era no valor aqui não concretamente apurado, de cerca de €50 000,00 - 2º.
14. O que consta da escritura, mencionada em F) e G), cujo teor no mais se dá aqui por reproduzido – 3º.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da nulidade ou da anulabilidade da escritura de habilitação e partilha.
II – A questão da condenação dos recorrentes em litigância de má-fé.

I. DA INVALIDADE DA PARTILHA

A autora, com a presente acção, pretende que se decrete a anulação da escritura pública em que se fez a partilha dos bens do casal constituído por CC, seu pai, e sua esposa, EE, juntamente com os bens deixados pelo falecimento desta, ordenando-se que tais bens sejam divididos entre os três filhos daquele, incluindo a autora, sua filha, mas não da esposa, invocando como causa de pedir que os réus e seu pai procederam à partilha dos bens de sua mãe e esposa e, seguidamente, à partilha da meação dos bens do casal do pai da autora e dos demais réus com a esposa daquele e mãe destes, omitindo, intencionalmente, e, de má fé, a existência da pessoa da autora e, sem o seu consentimento, adjudicaram as respectivas verbas e o pai recebeu tornas, o que consubstancia uma venda de pais para filhos, que é anulável, nos termos do disposto pelo artigo 877º, nºs 1 e 2, do Código Civil (CC).
Assim sendo, na presente acção de anulação, a autora invocou como causa de pedir a anulação da venda de pai para filhos, sem o consentimento dos demais, e a preterição da sua presença na partilha extrajudicial realizada, atento o preceituado pelos artigos 877º, nºs 1 e 2 e 2102º, nº 1, do CC, e 498º, nº 4, do CPC.
A anulação da partilha extrajudicial pode ser alcançada, por meio de acção judicial instaurada por algum dos interessados contra os restantes, julgada procedente, por sentença transitada em julgado.
Neste caso, a partilha é declarada inválida, na sua totalidade, ficando destruída RLJ, Ano 82º, 409..
Mas, sendo a partilha extrajudicial um verdadeiro contrato (2) , “só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos”, por força do disposto pelo artigo 2121º, do CC.
Assim sendo, esta norma do artigo 2121º, do CC, remete para a teoria geral dos contratos, nomeadamente, para as regras sobre a nulidade e a anulabilidade dos negócios jurídicos em geral, constantes dos artigos 285º e seguintes, do CC, e não para as regras estabelecidas para qualquer contrato em especial (3) .
Dispõe o artigo 877º, do CC, no seu nº 1, que “os pais… não podem vender a filhos…, se os outros filhos… não consentirem na venda;..”, acrescentando o respectivo nº 2 que “a venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos… que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes”.
O artigo 877º, acabado de transcrever, constitui uma ressalva à regra geral da liberdade da venda, ou seja, da liberdade contratual, contida no artigo 406º, nº 1, o que inibe, dada a sua natureza excepcional, a sua aplicação analógica ao contrato de partilha extra-judicial, mas não fecha as portas à respectiva interpretação extensiva, atento o preceituado pelo artigo 11º, todos do CC.
Consistindo a razão justificativa do artigo 877º, do CC, a previsão da existência de simulação na venda de pais a filhos, com a consequente exigência do consentimento do outro ou dos outros filhos, sob pena da presunção «iuris et de iure» da existência de simulação (4) , esta só se verifica, no caso do contrato de compra e venda, sendo certo que, em qualquer outra hipótese negocial, devem ser articulados os respectivos factos integradores e formulado o correspondente pedido, o que não chegou a acontecer, de modo completo e satisfatório, na presente acção.
A isto acresce que, quer na hipótese da partilha efectuada com adjudicação de todas as verbas aos filhos matrimoniais do viúvo, cujo direito de tornas foi, totalmente, preenchido em dinheiro, como aconteceu, quer na hipótese conjecturável da venda do direito e acção da herança do pai aqueles, seria a mesma a consequência pratica verificada, isto é, o pai da autora ficaria, tão-só, com dinheiro, que é o bem material, na pratica, mais, facilmente, dissipável.
A autora apenas tinha a expectativa legítima de poder vir a herdar alguns dos bens pertencentes a seu pai, no caso de os mesmos existirem, à data da sua morte, não sendo admissível a aplicação do disposto pelo artigo 877º, do CC, ao caso em apreço, através da via da interpretação extensiva (5) .
Deste modo, não tem aplicação à partilha extra-judicial o preceituado pelo artigo 877º, do CC, a propósito da venda de pais a filhos (6) .
Ora, exigindo-se o acordo unânime de todos os interessados para se proceder à partilha extra-judicial, como decorre do estipulado pelo artigo 2102º, nº 1, do CC, estes poderão atacar o acto, nomeadamente, impugnando-o, nos termos do disposto pelo artigo 2121º, ambos do CC, quando tenham sido derrogadas normas imperativas (7) .
Deste modo, importa saber quem são os “interessados”, de cujo acordo depende a realização da partilha extra-judicial, atento o estipulado pelo artigo 2102º, nº 1, do CC.
Na verdade, só os herdeiros podem requerer a partilha, porquanto, de acordo com o preceituado pelo artigo 2101º, nº 1, do CC, “qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver”, razão pela qual o artigo 1327º, nº 1, a), reafirma que “têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário….os interessados directos na partilha”, o que se compagina com o disposto no artigo 1340º, nº 2, b), ambos do CPC, que impõe ao cabeça-de-casal que, ao prestar declarações, “identifique os interessados directos na partilha”.
Assim sendo, as pessoas, directamente, interessadas na partilha são, em princípio, o cônjuge meeiro do inventariado e o herdeiro ou herdeiros deste último, para além do usufrutuário de quota da herança, que se encontra equiparado a herdeiro.
Por outro lado, são pessoas com interesse directo na partilha, embora já não «pessoas directamente interessadas na partilha», propriamente ditas, em conformidade com o que resulta do estipulado pelo artigo 1341º, nº 1, do CPC, “…os legatários, os credores da herança e, havendo herdeiros legitimários, os donatários”.
A autora era filha e, logo, herdeira legitimaria de CC, cuja herança, então, ainda não tinha sido aberta, porquanto o mesmo continuava vivo, mas não já do «de cujus» EE, que foi esposa daquele, cujos bens foram partilhados entre os seus herdeiros, nos quais, obviamente, não se incluía a autora.
Por isso, a autora, por não ser «pessoa directamente interessada na partilha», não poderia participar na partilha extra-judicial ou requerer inventário, por óbito da esposa de seu pai, atento o estipulado pelo artigo 2102º, nº 1, do CC.
Por seu turno, estipula ainda o artigo 1388º, nº 1, do CPC, que “salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada”.
Efectivamente, o dolo ou a má fé tornam impugnável, não só a partilha judicial, como, igualmente, a partilha extrajudicial.
E o dolo na partilha pode verificar-se, por variados modos, nomeadamente, pela ocultação do exacto valor da herança ou pela realização de manobras tendentes a fazer crer no baixo ou alto valor de certos bens partíveis (8) .
Porém, a autora não demonstrou, conforme vinha perguntado nos vários pontos pertinentes da base instrutória, que “os outorgantes da escritura…ocultaram ao Notário,…, que CC era também pai de AA?” [1º], que “o valor real do prédio urbano…, aquando da celebração da escritura, era de 100000,00€?” [2º], que “a partilha realizada na escritura…foi efectuada pelos outorgantes para alienar o património imobiliário de CC e mulher à revelia de AA?” [3º], que “BB pressionou o irmão DD para lhe enviar do Brasil a procuração…com o fito de, após a escritura de habilitação e partilha, vender a terceiros o prédio urbano…, pelo seu valor real, apondo na escritura de compra e venda o valor patrimonial de forma a entregar a DD metade deste último valor”? [4º] e que “CC, à data da celebração da escritura…sofria de estado adiantado de Alzheimer, com perda total de memória”? [5º], respectivamente.
Assim sendo, não se tendo provado que a preterição da autora na escritura de partilha tenha sido, intencionalmente, dolosa ou determinada por má fé dos demais outorgantes, designadamente, dos réus, inexiste fundamento legal para, por esta via, impugnar a partilha, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2121º e 285º e seguintes, do CC.
Mas, por outro lado, não se tendo provado a alegada aparência de partilha, que se traduziria na divisão entre os réus e seu pai dos bens que faziam parte do património deste, no qual se continha o seu quinhão hereditário e a sua meação no casal, recebendo tornas em dinheiro, com as quais preencheu, inteiramente, o seu direito, a situação não se converteu num contrato de compra e venda, nem aquela partilha carecia de ser autorizada pela autora, filha não matrimonial de CC, e irmã consanguínea dos réus, mas que não era herdeira da esposa de seu pai.
Não se verificam, portanto, os pressupostos legais determinantes da anulabilidade da escritura de partilha, na parte em que se efectuou a partilha da meação e do quinhão hereditário dos bens pertencentes a CC, nem da sua nulidade, por violação dos princípios da ordem pública decorrentes de normas imperativas da sucessão legitimaria.
De todo o modo, não se havendo demonstrado os requisitos constitutivos da impugnação da partilha, ou seja, a preterição da autora na partilha, de forma, intencionalmente, dolosa ou determinada por má fé, goza esta da faculdade de, na qualidade de herdeira legitimaria do aludido CC, requerer inventário judicial para partilha dos seus bens, não se sujeitando ao que os restantes herdeiros, seus irmãos consanguíneos, possam, eventualmente, ter outorgado em seu prejuízo, por analogia com a situação contemplada pelo artigo 1389º, do CPC [composição da quota ao herdeiro preterido em precedente inventário], atendendo ainda ao estipulado pelos artigos 2102º, nº 1, do CC, e 1327º, nº 1, a), do CPC (9) .

II. DA LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ DOS RECORRENTES

Sustenta a autora, nas suas contra-alegações, que os recorrentes devem ser condenados, por abuso de direito e objectiva má fé, em multa e indemnização.
Diz-se litigante de má fé, segundo o disposto pelo artigo 456º, nº 2, do CPC, quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [a)], tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [b)], tiver praticado omissão grave do dever de cooperação [c)] ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso, manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [d)].
A má fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que os artigos 266º, nº 1, 266º-A e 456º, nº 2, c), todos do CPC, impõem às partes.
Quando a parte está de boa fé ou convencida de que lhe assiste razão, cumpre a exigência, de natureza ética, que a ordem jurídica impõe a quem litiga em juízo.
Não obstante a parte ter obtido ganho de causa, importa enfatizar que foi, entretanto, revogado o nº 3, do artigo 456º, do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 180/96, de 25 de Setembro, que disciplinava que a parte vencedora pode ser condenada como litigante de má-fé, mesmo na causa principal, quando tenha procedido com dolo instrumental”.
Ora, não se tratando, manifestamente, de uma situação de dolo instrumental, nem sequer de dolo material indirecto, inexiste fundamento legal para condenar a parte vencedora como litigante de má-fé (10) .
Assim sendo, não se condenam os recorrentes como litigantes de má fé, não importando apreciar, igualmente, a responsabilidade pessoal e directa dos respectivos mandatários nos actos correspondentes, ou dar conhecimento do teor deste acórdão à Ordem dos Advogados.

CONCLUSÕES:

I – A lei remete os fundamentos da impugnação da partilha extra-judicial, a que se reporta o artigo 2121º, do CC, para a teoria geral dos contratos, nomeadamente, para as regras sobre a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico em geral, e não para as regras estabelecidas para qualquer contrato em especial, designadamente, o contrato de compra e venda de pais a filhos.
II - Não sendo a autora herdeira legitimaria da esposa de seu pai, cuja herança, então, ainda não tinha sido aberta, mas cujos bens foram partilhados entre os seus herdeiros, incluindo o pai, não é a mesma pessoa, directamente, interessada na partilha, não podendo participar na partilha extra-judicial ou requerer inventário por óbito da esposa de seu pai.
III - Não se tendo provado que a preterição da autora na partilha tenha sido, intencionalmente, dolosa ou determinada por má fé dos demais outorgantes, designadamente, dos réus, inexiste fundamento legal para, por esta via, impugnar a partilha extra-judicial realizada.
IV - Não se tendo demonstrado a alegada aparência de partilha, que se traduziria na divisão entre os réus e seu pai dos bens que faziam parte do património deste, no qual se continha o seu quinhão hereditário e a sua meação no casal, por óbito da esposa e mãe daqueles, recebendo o mesmo tornas em dinheiro, com as quais preencheu, inteiramente, o seu direito, a situação não se converteu num contrato de compra e venda, nem aquela partilha carecia de ser autorizada pela autora, filha não matrimonial do pai e irmã consanguínea dos réus, mas que não era herdeira da esposa de seu pai.
V - Não se havendo demonstrado os requisitos constitutivos da impugnação da partilha, ou seja, a preterição da autora na partilha, de forma, intencionalmente, dolosa ou determinada por má fé, esta goza da faculdade de, na qualidade de herdeira legitimaria de seu pai, requerer inventário judicial para partilha dos seus bens, não se sujeitando ao que os restantes herdeiros, seus irmãos consanguíneos, possam, eventualmente, ter outorgado em seu prejuízo.
VI - Não se tratando, manifestamente, de uma situação de dolo instrumental, nem sequer de dolo material indirecto, inexiste fundamento legal para condenar a parte vencedora como litigante de má-fé.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder as revistas do réu BB e da habilitada “A... – Gestão Imobiliária, SA” e, em consequência, na improcedência da acção, absolvem os réus, incluindo a cessionária habilitada, dos pedidos contra si formulados.

Custas da revista, a cargo da autora.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Novembro de 2010
Helder Roque (Relator) *
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
_________________________

(1) RLJ, Ano 82º, 409.

(2) Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, XI, 104; Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, Almedina, 4ª edição, reimpressão, 2001, 568.

(3) Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, Almedina, 4ª edição, reimpressão, 2001, 568; Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 3ª edição renovada, Coimbra Editora, 2002, 243 e nota (617); Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, 1998, 198.

(4) STJ, de 25-3-1982, BMJ nº 315, 256.
(5) STJ, de 15-2-1977, BMJ nº 264, 206.
(6) Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, Almedina, 4ª edição, reimpressão, 2001, 568; STJ, de 4-7-1995, CJ (STJ), Ano III, T2, 157; e STJ, de 15-2-1977, BMJ nº 264, 206, citado.

(7) Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 3ª edição renovada, Coimbra Editora, 2002, 109 e nota (303).

(8) Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, XI, 109 e 113.
(9) Em sentido semelhante, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, XI, 109, 120 a 122, mas com a oposição de Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, Almedina, 4ª edição, reimpressão, 2001, 569.

(10) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 1981, 264.