Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
220/2001.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA DO AUTOR, CONCEDIDA PARCIALMENTE PROVIMENTO À RÉ
Sumário :
1 . O dano biológico merece, logo porque tem lugar, tutela indemnizatória, compensatória ou ambas;

2 . A extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve, já o contempla indemnizatoriamente, ainda que noutro plano;

3 . Do mesmo modo a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla neste domínio.

4 . Pelo que a conceptualização do dano biológico não veio “tirar nem pôr” ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais.

5 . Onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos apesar da fixação da IPP ou, em casos de verificação muito rara, como aqueles em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação.

6 . Tendo o lesado 28 anos, auferindo antes do acidente €6.181,70 anuais, tendo ficado com 40% de IPP e consideradas as demais particularidades do caso, é de fixar em € 80.000 a indemnização pela perda da capacidade de ganho.

7 . É adequado o montante compensatório de € 40.000 relativamente ao danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:

I –

No Tribunal Judicial de Loures, AA intentou a presente acção declarativa de condenação contra:

BB– Companhia de Seguros, S.A.; CC e

DD.

Alegou, em síntese, que:

Em consequência de acidente de viação, cuja culpa imputa em exclusivo a CC, condutor do veículo tractor agrícola de matrícula 00-00-00, segurado na ré, sofreu danos que detalhadamente descreve.

Pediu, em conformidade:

A condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia que se vier a liquidar ulteriormente, acrescida de juros de mora até integral pagamento.

A acção foi contestada.

No despacho saneador, os réus CC e DD foram considerados partes ilegítimas e absolvidos da instância.

II -

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que:

A) – Condenou a ré a pagar ao autor € 99.215,47, acrescidos de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, vencidos desde a citação sobre € 69.215,47 e, desde a data da sentença sobre o restante, tudo até integral pagamento;

B) – Mais condenou a ré a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar, relativa à reparação dos danos sofridos no veículo dele, em consequência do acidente;

C) – Às quantias referidas em A) e B) terá de descontar-se o montante já pago pela ré, a título de reparação provisória;

D) – Absolveu a ré do demais peticionado.

III –

Apelou o autor e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu conceder parcial provimento ao recurso, condenando a ré a pagar ao autor:

                   € 194.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação sobre € 144.000,00 e desde a sentença sobre € 50.000,00, até integral pagamento;

A alteração levada a cabo deveu-se a ser fixado o montante indemnizatório de € 144.000,00 em detrimento do de € 60.000 (que se fixara na 1.ª instância), pelos danos patrimoniais futuros e de € 50.000 em detrimento do de € 30.000 (que também se fixara na 1.ª instância), pelos danos não patrimoniais.

IV –

Pedem revista autor e ré.

Como as questões levantadas se interpenetram, vamos conhecer dos recursos em simultâneo.

Conclui o autor as alegações do seguinte modo:

1- Não sendo o dano patrimonial futuro determinado, exclusivamente, com recurso a fórmulas matemáticas, mas antes sendo aplicável o critério de decisão fulcral, que é a equidade, a indemnização por danos patrimoniais abarca, não só aquela que decorre da I.P.P., mas também aquela que se reporta ao dano biológico;

2- Sustentado que está, em termos factuais, a verificação de tal dano, deve a indemnização pelo dano patrimonial futuro ser fixada em € 200.000,00 (duzentos mil euros), integrando o dano decorrente da I.P.P, único fixado pelas instâncias até ao momento, acrescido do dano biológico.

3- Não o tendo feito, o Acórdão em crise viola o artigo 483.º do Código Civil.

Concluindo a ré as respectivas alegações como segue:

1. O douto acórdão recorrido condena a Ré seguradora considerando fixados os danos patrimoniais futuros do Autor decorrentes da perda do rendimento por força da incapacidade física do lesado no valor de € 144.000,00.

2. Em face dos elementos probatórios disponíveis, deverão ter-se em consideração, para a fixação do montante devido a título de indemnização por dano patrimonial futuro, os seguintes dados:

(i) Remuneração média mensal do Autor, no valor de € 515,14;

(ii) Taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, em 5%;

(iii) Taxa anual de crescimento da prestação, em 2%.

3. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, indica estes mesmos dados como aqueles que devem ser tidos em conta no cálculo do montante de indemnização de dano patrimonial futuro.

4. Ora, ainda que se aceite, para efeitos do cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, a presunção de que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade, como fez o douto tribunal a quo, não pode, todavia, deixar de se considerar manifestamente exagerado e infundado o montante apurado por este último.

5. Refira-se aliás não se mostrar in casu líquido que o termo da vida activa do Autor se deva fixar nos 70 anos, uma vez que a idade de reforma se mantém nos 65 anos e que atenta a profissão que o mesmo exercia ao tempo do acidente - de pedreiro -, pela exigência física que a mesma encerra, normalmente não ultrapassa essa idade.

6. Tendo por base o rendimento anual bruto do Autor à data do acidente, no valor de €6.181,70 (Esc 75.700$00 de rendimento base, 14 meses por ano, acrescidos de Esc 14.960$00 , a título de subsídio de alimentação, 12 meses por ano), acrescido, a cada um dos 40 anos que restariam de vida activa ao Autor, de 2% e de 5%, a título de taxa anual de crescimento da prestação e de taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, respectivamente (e sendo certo que, relativamente à primeira destas taxas, a evolução da mesma aponta, atento o ciclo de crise estrutural dos últimos anos e previsível nos próximos para um aumento não superior a 1%), obter-se-ia o montante de cerca de €90.000,00, ou seja, inferior em cerca de €50.000,00 face ao montante fixado pelo douto acórdão recorrido a este respeito.

7. Posto o que, atentos estes factos, se não deverão fixar os referidos danos num montante excedente os €60.000,00 (considerando a idade de reforma do Autor aos 65 anos), ou os €70.000,00 (na hipótese, que se não concede, de se dever considerar o termo da sua vida activa, nos 70 anos) e, devendo, nessa medida ser revogado o douto acórdão recorrido.

8. O douto acórdão recorrido erra - salvo o devido respeito, que é muito clamorosamente quando, no cálculo do montante desses danos, o faz mediante o produto resultante da multiplicação do montante do rendimento auferido anualmente pelo Autor pelos 40 anos em que previsivelmente este manteria a sua vida activa.

9. Ao fazê-lo, parte de um princípio - manifestamente desfasado da realidade - de que o recebimento do montante resultante desse cálculo seria pago de uma só vez, antecipadamente e não, como realmente aconteceria caso o Autora tivesse continuado a auferir tal rendimento, mês após mês, durante os supra referidos 40 anos de vida activa.

10. Assim, e mesmo na hipótese igualmente previsível de que esse montante viesse a sofrer alguma actualização decorrente da inflação e de uma eventual progressão na carreira, jamais poderia ser contabilizado como o fez o douto acórdão recorrido, chegando ao exagerado valor de €144.000,00.

11. O próprio tribunal a quo apercebe-se que este tipo de cálculo pode resultar num enriquecimento sem causa por parte do lesado, razão pela qual é usual diminuir, nestas circunstâncias, o valor calculado em 20%.

12. Porém, acaba o mesmo tribunal por proceder apenas a uma redução de 10%, atendendo ao valor (muito baixo) da remuneração-base, bem como à actual conjuntura económico-financeira, marcada pela prática generalizada de taxas de juros remuneratórios, muito baixas".

13. Ora, ainda que se considerasse como taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras os 5%, o montante obtido é muito inferior àquele que é fixado pelo douto acórdão recorrido.

14. Pelo que, ainda que se admitisse dever o montante indemnizatório ser devido de uma só vez, o que por mera cautela se admite, sem porém nada conceder quanto ao que se deixou dito, não se justificaria, ainda assim, que não lhe fosse aplicável a referida redução de 20%.

15. Pelo que é forçoso concluir que o montante fixado para efeitos de dano patrimonial futuro pelo douto tribunal a quo - mesmo partindo dos pressupostos em que funda a sua tese e que se devem entender, atento o supra alegado, como não verificados - se mostra manifestamente exagerado, não devendo este montante situar-se - crê-se - jamais acima dos €70.000,00 (setenta mil euros).

16. Quanto aos danos não patrimoniais, o montante da indemnização deverá ser sempre fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil.

17. Este montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização (artigo 496.º, n.º 3), aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, tendo-se em conta as consequências morais que resultaram desses sofrimentos para os respectivos lesados e que, no caso vertente - cremos - não aconteceu.

18. Pelo que deve ser o douto acórdão revogado quanto ao montante arbitrado por força dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil, mostrando-se justo e equitativo, no caso concreto dos autos e face ao circunstancialismo apurado, o valor de €30.000,00 (trinta mil euros).

19. O douto Acórdão recorrido viola, assim, frontalmente, o disposto nos artigos 494.º, 496.º, 562.º, 563.º e 564.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte do Código Civil.

V –

Ante as conclusões das alegações, as questões que se nos deparam consistem em saber se:

A indemnização pelos danos patrimoniais futuros deve ser majorada nos termos pretendidos pelo autor – com acrescentamento duma parcela pelo dano biológico - ou minorada conforme defende a ré;

A compensação pelos danos não patrimoniais deve ser minorada para € 30.000.

VI –

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1.      Pelas 07.50 horas do dia 27.09.2000, na Estrada Nacional 374, ao km 29.300, no lugar denominado Casal de Andrade, ocorreu um acidente em que intervieram o veículo tractor agrícola de matrícula 00-00-00, pertencente a DD e conduzido por CC, e o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 00-00-00, propriedade do Autor e por este conduzido.

2.      A Ré “BB-Companhia de Seguros, S.A” assumiu a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo tractor agrícola de matrícula 00-00-00, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00000.

3.      O Autor nasceu a 26.01.72 e é casado com EE.

4.      Desde 30 de Julho de 2001 que a seguradora Ré paga ao Autor, a título de reparação provisória, a quantia mensal de 175.000$00.

5.      FF conduzia o tractor agrícola IU por conta, no interesse e sob as ordens do seu proprietário.

6.      O tractor agrícola IU circulava na referida E.N. no sentido Cabeço de Montachique-Sete Casas e o veículo conduzido pelo autor, em sentido oposto.

7.      No referido lugar de Casal de Andrade, pelo lado esquerdo, tendo em conta o sentido do IU, entroncam na E.N. 374 as estradas que ligam aquele lugar a Fanhões e a Ribas.

8.      Esse entroncamento é visível, para o condutor que dele se aproxima, pelo menos, a 80 metros.

9.      No local do acidente, a estrada tem um traçado rectilíneo, com 7,10 m de largura, o piso, em asfalto, encontrava-se em bom estado de conservação e a faixa de rodagem estava dividida por uma linha longitudinal descontínua pintada no pavimento.

10.     O condutor do tractor agrícola circulava na hemi-faixa direita, tendo em conta o sentido de marcha que levava, e, no referido local, pretendia mudar de direcção para sua esquerda, para passar a circular na estrada que daquele entroncamento parte para Fanhões.

11.     Chegado ao entroncamento, quando o DZ conduzido pelo autor se aproximava, o condutor do tractor agrícola IU mudou de direcção para a sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, e invadiu a hemi-faixa contrária.

12.     Ao efectuar tal manobra, o condutor do tractor agrícola IU cortou a linha de trânsito ao autor e foi embater na frente e lateral esquerda do DZ.

13.     O embate ocorreu na hemi-faixa em que circulava o veículo conduzido pelo autor e a 6,10 m da berma esquerda, atento o sentido Sete Casas-Cabeço de Montachique.

14.     Após o embate, o condutor do tractor agrícola IU foi colocar o veículo a 20 m do local do acidente.

15.     No momento do acidente, era dia claro, o tempo estava bom e o piso seco.

16.     Em consequência do embate do tractor agrícola, o veículo DZ ficou danificado e o autor ficou entalado no seu interior, com as chapas e os ferros a penetrarem nas suas pernas, abaixo do joelho.

17.     Em resultado do acidente, o autor, além de hematomas, escoriações e feridas superficiais em todo o corpo, sofreu as seguintes lesões:

- Fractura cominutiva exposta da extremidade distal da tíbia esquerda;

- Rotura completa da artéria tibial posterior homolateral;

- Luxação da articulação de lisfranc do pé esquerdo;

- Fractura bimaleolar à direita. 

18.     No Hospital de Santa Maria, onde esteve internado durante uma semana para ser submetido a intervenções cirúrgicas, foram-lhe reduzidas e estabilizadas a fractura exposta da tíbia por osteotaxis e a luxação do tornozelo com 2 fios de Kirschner, e reparada (revascularizada) a artéria tibial posterior com enxerto.

19.     Já no Hospital Curry Cabral, para onde foi transferido em 04.10.2000, foi submetido a duas intervenções cirúrgicas: uma, em 09.10.2000, ao tornozelo direito (osteosíntese do tornozelo) e a segunda, em 04.04.2001, para retirar e ajustar material de osteosíntese (remoção do fixador externo).

20.     O autor esteve internado desde o dia do acidente (27.09.2000) até 13.12.2000, data em que lhe foi concedida alta hospitalar, passando, então, a frequentar, semanalmente, a consulta externa de Ortopedia do Hospital Curry Cabral.

21.     No domicílio, o autor, por ter as duas pernas infuncionais, necessitou de ajuda permanente para as actividades da vida diária.

22.     No primeiro trimestre de 2001, o autor, para tratamento, fez as viagens a Lisboa enumeradas no artigo 36.º da petição inicial.

23.     Em 23.03.2001, o autor foi, de novo, internado no Hospital Curry Cabral e no dia 4 de Abril seguinte foi submetido a uma intervenção cirúrgica em que foi removido o fixador externo e feita artrodese tíbio-társica à esquerda e osteotomia metatársica à direita.

24.     Em 04.04.2001, foi-lhe concedida alta hospitalar e prosseguiu o tratamento ambulatório domiciliário tendo em vista a sua evolução vascular e a recuperação.

25.     O autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 14.02.2002.

26.     Em virtude das sequelas das lesões sofridas, o autor ficou com uma incapacidade permanente global de 40% (nela se incluindo uma incapacidade de 10% por ser previsível um dano futuro decorrente da dismetria dos membros inferiores na sequência das fracturas sofridas), com rebate na actividade profissional de pedreiro, exigindo esforços suplementares consideráveis no seu exercício.

27.     O autor tem sofrido e continuará a sofrer dores físicas, angústia, ansiedade e desgosto.

28.     Numa escala de 1 a 7, a intensidade das dores sofridas atinge o grau 5.

29.     O autor exercia a profissão de pedreiro e, à data do acidente, trabalhava por conta do seu irmão GG.

30.     O autor auferia, mensalmente, a remuneração base de 75 700$00 e 14 960$00 de subsídio de alimentação.

31.     A esposa do autor trabalha(va) por conta de outrem durante o dia e por isso, nesse período, não pôde prestar-lhe a assistência de que ele careceu.

32.     Por sua iniciativa, a ré vinha pagando ao autor, desde Outubro de 2000, a título de reparação provisória, a quantia mensal de 75 000$00.

33.     O autor suportou as seguintes despesas relacionadas com o acidente:

- Com deslocações, € 842,74;

- Com aquisição de medicamentos e material ortopédico, € 685,16.

VII –

A argumentação do autor, concluída como se refere em IV, de que, para além da indemnização pela IPP e ainda que contendo-a, deve ser fixada indemnização pelo dano biológico, demanda uma abordagem detalhada.

O conceito de “dano biológico” “dano à pessoa”,  “dano à saúde”, “dano corporal” ou ainda “dano à integridade psicofísica” – designações que, para a maioria dos autores, se equivalem – emergiu, com particular relevância, com a sentença 184/86 do Tribunal Constitucional italiano, o qual, em interpretação dos artigos 32.º da Constituição e 2043.º do Código Civil, o considerou como um tertium genus a demandar indemnização por si, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que lhe estejam associados (podendo ver-se o texto integral no sítio da “Corte Costituzionale”).

A aceitação desta construção tem sido constante naquele país, com tradução legislativa sucessiva, como pode ver-se, detalhadamente, em A Tabela Italiana de Avaliação do Dano Corporal – Percurso Histórico, de Bisogni K., De Rosa C. e Ricci C., artigo inserido na Revista Portuguesa do Dano Corporal, Novembro de 2006, Ano XV, n.º16.

A discussão que se vai mantendo reporta-se mais à questão, específica, de saber se o dano biológico da morte imediata é ressarcível a se, com a jurisprudência nitidamente inclinada para a negativa (como, aliás, se salientou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11.1.2007, processo n.º 06B4433 disponível em www.dgsi.pt).

Em conformidade, com o entendimento sedimentado,  Marco Rossetti intitulou a sua grande obra “Il Danno Da Lesione Della Salute”, subtitulando-o de “Biologico”, “Patrimoniale” e “Morale”. Dedica longo capítulo à “La nozione di Danno Biologico”, começando (a folhas 207) pela definição constante das leis que refere. Segundo estas, o dano biológico consiste na “lesão à integridade psicofísica da pessoa, susceptível de valoração médico-legal”, sendo “independente da sua incidência na capacidade de produção de rendimento do lesado”. Ou seja, precisa aquele Autor, as características do dano biológico são:

A existência duma lesão à integridade psicofísica;

A possibilidade de valoração da existência e gravidade da lesão segundo regras e baremos médico-legais;

A irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento.

 A posição, inicialmente da jurisprudência, e, depois, da doutrina italiana, foi também objecto detalhado de análise por Armando Braga (A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 37 e seguintes).

Segundo este autor, o Tribunal Constitucional italiano, distingue o “dano-evento” e o “dano-consequência”. O dano biológico, ou dano corporal, existe sempre que tenha lugar lesão da integridade físico-psíquica, corresponde ao primeiro e demanda, logo por si, indemnização. Acrescentadamente, pode surgir o dano-consequência, que pode ser, quer patrimonial (no caso de efectivo prejuízo, nomeadamente de ordem laboral), quer moral.

VIII -

Em Portugal, com inspiração nitidamente germânica, a ressarcibilidade dos danos foi encarada no nosso Código Civil, como englobando:

Os danos patrimoniais;

Os danos não patrimoniais.

Aqueles compreendiam os danos emergentes e os lucros cessantes e todos podiam ser presentes ou futuros.

Resulta tal, fundamentalmente, dos artigos 483.º, 496.º e 564.º.

O n.º2 deste último preceito estatui que, se os danos patrimoniais futuros que sejam de indemnizar não “forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

  Em termos práticos esta remissão revelou-se pouco consentânea com a realidade. A decisão ficaria suspensa no que respeitava ao “quantum” indemnizatório, não se sabia quando viria a haver elementos para ser tomada essa “decisão ulterior” e esta podia não ser definitiva por se poderem abrir ainda várias hipóteses quanto ao futuro.

Neste quadro legal, a jurisprudência civil passou a lançar mão duma realidade que não foi pensada nem destinada a este ramo do direito, antes o sendo para o direito do trabalho. Referimo-nos à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho.

À partida, o lesado era sempre tido como “trabalhador” com o seu salário, o dano era “vertido” em incapacidade, total ou parcial, para o trabalho e, em função desta e do salário, calculava-se a indemnização.

A partir daí, foi a jurisprudência civil “adaptando” a lei à realidade que tinha que julgar.

Não sem algumas dificuldades, diga-se (aliás, segundo Yvonne Faivre, Droit Du Dommage Corporel, 4.º ed., 171, “A utilização da taxa de IPP como parâmetro de cálculo do prejuízo económico profissional é uma invenção francesa que exportámos para a Bélgica, Luxemburgo e para os países do sul: Espanha, Portugal, Itália. Em contrário os países anglo-saxões e nórdicos defenderam-se de adaptar um método tão aberrante: Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha, Irlanda, Holanda e Suécia fazem uma avaliação em concreto dos prejuízos profissionais e ignoram mesmo toda a noção de IPP”).

O próprio legislador escreveu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º352/2007, de 23.10:

“O que se torna hoje de todo inaceitável é que seja a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI)… utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avaliação de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito em que avaliação de incapacidades se pode suscitar, para colmatar a ausência de regulamentação específica que lhes seja directa directamente aplicável. Trata-se de situação que urge corrigir pelos erros periciais que implica…potencialmente geradora de significativas injustiças.”

No seguimento desta adaptação, o mencionado Decreto-Lei incluiu já uma “Tabela de Avaliação de incapacidades Permanentes em Direito Civil” e outra destinada ao ramo laboral.

Mantendo-se, em qualquer caso o que já vinha de trás, ou seja, a fixação de incapacidade para o trabalho também relativamente a realidades médico-legais que não levam a qualquer prejuízo no desempenho laboral vulgar. Entre muitos exemplos, podem-se ver-se a anquilose dum ou vários dedos, esterilidade e outras perturbações dos órgãos reprodutores, várias perturbações cutâneas e aí por diante.

IX -

No mar dessas dificuldades, a jurisprudência civil, ainda que sempre com base na TNI:

Desligou-se dos cálculos das pensões por acidente de trabalho;

Não aceitou – salvo casos esporádicos – tabelas de cálculo que foram surgindo e passou a ter como referência o cálculo dum capital que, de rendimento, proporcionasse o que deixou, teórica ou praticamente, de se auferir e se extinguisse no fim presumível de vida activa da pessoa visada, fazendo correcções para mais ou para menos, consoante as particularidades do caso;

Foi aceitando que havia lugar a indemnização, mesmo que o lesado não auferisse rendimentos do trabalho. Nestes casos, socorria-se do vencimento previsível a curto prazo (como relativamente a estudantes que se aprestavam para acabar a formação e, depois, entrar no mercado laboral) ou, à míngua de elementos de previsibilidade, do salário mínimo nacional, agora designado retribuição mínima mensal .

Do mesmo modo, nos casos em que o lesado auferisse rendimentos do seu trabalho, mas a IPP não levasse a diminuição destes – e que são muito frequentes, mesmo a regra nas incapacidades não muito elevadas -  tem-se fixado indemnização.

 “Se a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduzir em perda efectiva do rendimento do trabalho, releva o designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, justificativo de indemnização…” pode-se ler no Ac. deste Tribunal de 23.11.2006, Revista n.º 3977/06, da 7.ª Secção (disponível, como os demais que se vão referir, em www.dgsi.pt).

“As incapacidades parciais permanentes nem sempre acarretam perda da diminuição nos rendimentos profissionais do lesado, que, não obstante, continuará a ter direito a uma indemnização pelo chamado dano biológico…decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará…” – Ac. deste Tribunal de 12.10.2006, Revista n.º2461/06 – 2.ª Secção.

“O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias do dano patrimonial ou dano não patrimonial” – Ac. de 20.5.2010, processo n.º 103/2002.L1.S1;

“A lesão da integridade físico-psíquica, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, deverá sempre ser reparada, ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última” – Ac. sempre deste Tribunal de 23.11.2010, processo n.º 456/06.8TBVGS.C1.S1.

E vários outros se poderiam citar no mesmo sentido. 

X –

A Portaria n.º377/2008 conferiu ao dano biológico uma nova relevância.

Reserva a denominação de “dano patrimonial futuro” para os casos em que “ a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra”, precisando, no entanto, que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido como ofensa à sua integridade física e psíquica” (respectivo preâmbulo).

Fica ainda garantido ao lesado, quando lhe não for atribuída qualquer incapacidade permanente, o direito à indemnização por dano moral decorrente de dano estético e ou do quantum doloris, que lhe sejam medicamente reconhecidos.

XI -

Rompeu o legislador com conceitos e procedimentos que se sedimentaram ao longo de muitos anos.

Reservou o conceito de dano patrimonial futuro para os casos em que o lesado fica impossibilitado de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra.

Para os demais casos de incapacidade para o trabalho – a esmagadora maioria – reservou a expressão “dano biológico”, determinando o ressarcimento como referência, além do mais, à retribuição mínima mensal garantida (RMMG).

Precisou que, ainda que não seja atribuída qualquer incapacidade permanente, deve ser indemnizado o lesado por dano moral decorrente de dano estético e ou do quantum doloris, que lhe seja medicamente reconhecidos.

Este rompimento merece, a nosso ver crítica acerba.

Em primeiro lugar, trata-se duma Portaria.

A relação normativa hierárquica impunha um respeito pela conceptualização e até pela terminologia da lei ordinária. Em cotejo com o artigo 564.º, n.º2 do Código Civil compreende-se muito mal a limitação, para mais profunda, do conceito de danos futuros, com o surgir duma realidade a que se chama de “dano biológico”.

E, claramente, sem correspondência, com o que vinha sendo entendido e conceptualizado, quer em Portugal, quer em Itália. Tradicionalmente os casos ali designados de “danos patrimoniais futuros” encerram danos biológicos até, normalmente,  mais relevantes do que os outros.

Depois, a Portaria, como ela mesma frisa no preâmbulo, não visa a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis…”. Ora, as propostas só são “razoáveis” enquanto corresponderem ao que seria de esperar duma decisão judicial.

Como Portaria que é, há-de sempre ser tida em conta com as limitações que resultam da sua posição hierárquica e, também porque visa apenas fundamentar a apresentação duma proposta razoável de indemnização em fase não jurisdicional, em nada belisca o entendimento dos tribunais.

XII –

No entanto, o entendimento dos tribunais também carece de alguma ponderação.

Se se entende, como, a nosso ver, se deve entender, o dano biológico como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, não se pode cingir o conceito aos casos em que, tendo sido fixada IPP, não tenha lugar perda efectiva dos proventos laborais. A incapacidade para o trabalho de que resulte a perda de proventos e, bem assim, a própria morte encerram também danos biológicos.

O que se passa, é que, naqueles casos, surge o conceito com mais acutilância porque justificativo da indemnização.

E se se entende este dano como um tertium genus coloca-se a questão, primeiro, do modo como determinar a indemnização e ele correspondente e, depois, da absorção da ou pela indemnização tradicionalmente fixada em todos os casos de IPP, quer haja ou não perda de proventos e, bem assim, da ou pela compensação relativa aos danos não patrimoniais. Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, 686) refere mesmo ser este – da indemnização pelo dano biológico a se - um “caminho perigoso, pois trilhado até ao fim correr-se-ia o risco de pecuniarizar ou monetarizar o corpo ou as partes do corpo, atribuindo a cada uma um valor; a perda de um braço vale x; a perda de uma mão vale y; a perda de uma perna vale z.”

XIII -

De tudo o que vimos referindo, cremos poder assentar no seguinte:

O dano biológico merece, logo porque tem lugar, tutela indemnizatória, compensatória ou ambas;

A extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve, já o contempla indemnizatoriamente, ainda que noutro plano;

Do mesmo modo a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla neste domínio.

Pelo que a conceptualização do dano biológico não veio “tirar nem pôr” ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais (Expressamente, sobre a não indemnização autónoma do dano biológico, pode ver-se o Ac. deste Tribunal de 17.12.2009, processo n.º 340/03.7TBPNH.C1.S1, também disponível no referido sítio).

Onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos apesar da fixação da IPP ou, em casos de verificação muito rara, como aqueles em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação.

Não colhe, pois, a pretensão do autor em obter indemnização autónoma e acrescida com base no dano biológico.

……………………………

Passemos agora à questão, levantada pela ré, de minoração da quantia relativa aos danos patrimoniais futuros.

XIV –

No cálculo do dano patrimonial futuro emergente da perda da capacidade laboral, tem sido seguido – como já referimos - o entendimento, que nós também acolhemos, de encontrar um capital que, de rendimento (normalmente juros) proporcione o que, teórica ou efectivamente, deixou de se auferir e se extinga no fim presumível de vida activa da pessoa visada.

O capital assim encontrado será corrigido para mais ou para menos de acordo com as demais elementos a ter em conta, nomeadamente, a efectiva ou não perda de proventos, a antecipação do recebimento de todo o capital, a previsível evolução dos salários, das taxas de juro, da inflação e outros que ao caso couberem.

Assim se verte em aplicação prática o comando do n.º3 do artigo 566.º do Código Civil.

Considerando os proventos anuais referidos pela própria seguradora, de € 6.181,70, temos o montante correspondente aos 40% de IPP, de € 2.472,68.

Ainda que com muita variação, de acordo com as regras do mercado e face à concorrência interbancária, podemos ter como referência a taxa anual líquida de juros de 3%.

Correctivamente, há que ter em conta que, no fim de vida activa presumível do lesado, deve estar excutido o próprio capital (ainda que esteja muito distante essa data) e que este irá receber o montante total duma só vez. Por outro lado, há a considerar que, desde a data da estabilização clínica (em 2002) até à data da citação, teve lugar evolução nítida no sentido ascensional, dos rendimentos auferidos na profissão do autor e, bem assim, que a inflação, ainda que longe dos valores de outros tempos, tem assumido relevância e é previsível que a venha a mantê-la. 

Assim, tudo ponderado, fixamos a indemnização relativa a esta parcela em € 80.000.

XV –

Resta a questão da fixação da compensação pelos danos não patrimoniais.

A fixação dos montantes relativos aos danos não patrimoniais não pode ser encontrada directamente na lei. Estabelece esta apenas um “guião” no artigo 494.º, por remissão do artigo 496.º.

Assim, por força do que determina o artigo 8.º n.º3, sempre do Código Civil, em ordem, mais que justificada, ser tratado por igual o que merece igual tratamento, há que atender, com particular premência, aos valores que vêm sendo fixados pelos Tribunais, mormente por este Supremo Tribunal.

Esta atenção está muito facilitada pela publicação sucessiva de textos de acórdãos em www.dgsi.pt. Para além disso, no sítio deste Tribunal, entrando (livremente) em “Jurisprudência” e, depois, “Jurisprudência temática” encontramos uma recolha levada a cabo pela Assessoria, sobre os montantes que vêm sendo fixados como compensação pelos danos não patrimoniais.

De toda esta resenha jurisprudencial respigamos alguns casos que nos parecem poder ser cotejados com este.

Assim:

No Ac. de 27.11.2011, processo n.º 2572/07.OTBTVD.L1, fixámos a compensação relativa aos danos não patrimoniais em € 30.000 relativamente a um jovem que teve um período de tratamento particularmente penoso, com intervenções cirúrgicas, acamamento, imobilização, enjoos, dores em grau 3 numa escala até 7 e sequelas permanentes com gravidade relativa.

No Ac. de 7.10.2010, processo n.º 370/04.1TBVGS.C1, fixámos a compensação em € 50.000 relativamente a uma pessoa de 29 anos que: 

Sofreu várias fracturas e um traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7);

Esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia;

Teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas;

Ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava;

Passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso.

No Ac. de 27.5.2010, processo n.º 8629/05.4TBBRG.G1.S1, fixou-se em € 60.000 a compensação relativa a sinistrado com 16 anos que sofreu fractura basicervical do fémur esquerdo e traumatismo craniano com perda de consciência. Teve de andar de canadianas três meses e fazer fisioterapia, ficou a apresentar marcha viciosa e marcadamente claudicante, dismetria dos membros inferiores, báscula da bacia com rotação e maior saliência da anca esquerda, desvio escoliótico com dor na palpação lombar, atrofia dos nadegueiros à esquerda, atrofia da coxa e da perna esquerdas e marcada rigidez a anca esquerda. Ficou ainda com incapacidade para corrida, para se ajoelhar e adoptar posição de cócoras, dificuldade marcada na permanência de pé, alterações sexuais devido às dificuldades de posicionamento, impossibilidade de poder praticar desportos que impliquem esforço físico, sensação de tristeza, vergonha e revolta bem como frustração e medo no contacto com o sexo oposto, Tem necessidade de nova intervenção cirúrgica, de continuar a fazer fisioterapia, de adaptação automóvel para poder conduzir, não frequenta da praias pela dificuldade em caminhar na areia e pela vergonha de exibir o seu corpo, não frequenta piscinas, não participa em jogos de futebol e está impossibilitado de carregar pesos. Era alegre e extrovertido e passou a ser mal-humorado e agressivo, com pesadelos frequentes, insónias e tendências para o isolamento, lendo e escrevendo com dificuldade.

Apenas para efeitos de melhor análise do presente caso, distinguimos a fase dos tratamentos da que se seguiu à estabilização clínica.

A primeira foi particularmente relevante.

O internamento hospitalar prolongou-se por quase 3 meses, depois teve lugar necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, as intervenções cirúrgicas foram várias, a intensidade das dores foi muito elevada( de grau 5 numa escala até 7) e a incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) prolongou-se por cerca de ano e meio.

Com a estabilização clínica mantêm-se as dores e tem lugar dismetria dos membros inferiores.

Tudo numa pessoa com 28 anos à data do acidente.

Sempre sem perder de vista o que vem sendo decidido por este Tribunal – com fixação de quantias superiores para casos manifestamente mais graves - cremos como adequada a compensação de € 40.000 euros.

XVI -

Face a todo o exposto:

Nega-se a revista do autor.

Concede-se parcial provimento à da ré fixando-se em € 80.000 a indemnização pelos danos patrimoniais futuros e em € 40.000 a relativa à compensação pelos danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros nos termos fixados pela Relação.

Custas da revista do autor por ele.

Custas da da ré, na proporção do vencimento e decaimento.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2012

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Álvaro Rodrigues