Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2118/10.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: SWAP
ERRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
CAUSA DE PEDIR
CONTRATO DE PERMUTA
TAXA DE JURO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
BANCO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
AUTONOMIA DA INSTÂNCIA DE RECURSO
INSTÂNCIA DE RECURSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO BANCÁRIO - DIREITO INSTITUCIONAL / SISTEMA FINANCEIRO EUROPEU / INSTRUMENTOS FINANCEIROS.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RECURSOS.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 252.º, N.ºS 1 E 2, 342.º, N.º 1, 437.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 259.º, 268.º, 412.º, N.º 1, 581.º, N.ºS 3 E 5, 615.º, N.º 1, E), 666.º, 674.º, N.º 3, 679.º, 682.º.
DECRETO-LEI Nº 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (RCCG): - ARTIGOS 8.º, AL. B), 9.º, N.º 2.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 74.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30 DE SETEMBRO DE 2010, WWW.DGSI.PT , PROC. N.º 3860/05.5TBPTM.E1.S1.
-DE 17 DE FEVEREIRO DE 2011, WWW.DGSI.PT, PROC. N.º 1458/056.7TBVFR-A.P.S1E DE 11 DE MAIO DESTE ANO, PROC. Nº 1961/13.5TVLSB.L1.S1.
-DE 10 DE OUTUBRO DE 2013, WWW.DGSI.PT, PROC. N.º 1378/11.5TBBCL.G1.S1.
-DE 14 DE DEZEMBRO DE 2016, WWW.DGSI.PT, PROC. N.º 219/14.7TVPRT-C.P1.S1.
-DE 12 DE JANEIRO DE 2017.
Sumário :
I - Apesar de a instância recursiva ter alguma autonomia – manifestada, por exemplo, nos pressupostos específicos de admissibilidade do recurso –, os recursos ordinários são uma continuação da instância, iniciada com a propositura da acção e que se extingue com o trânsito em julgado da decisão que lhe põe fim (arts. 259.º e 628.º do CPC), e não uma nova instância.

II - O objecto do recurso não coincide necessariamente com o objecto da acção; mas não pode ser construído, seja qual for a parte recorrente, em desrespeito dos limites ou das balizas que o conjunto formado pelo pedido e pela causa de pedir significam para toda a acção.

III - Independentemente do conceito doutrinal de causa de pedir e de saber se o CPC de 2013, no confronto com a lei anterior, veio ou não restringir o elenco dos factos que a integram, no contexto dos factos necessários à procedência da acção (cfr. arts. 5.º e 581.º, n.º 5 do CPC, correspondentes aos anteriores arts. 264.º, n.º 1, e 498.º, n.º 4), deve entender-se que a causa de pedir é integrada por factos concretos, referidos a uma previsão normativa, não se podendo considerar individualizada uma acção com a simples invocação de disposições legais e com o pedido da correspondente aplicação, com a respectiva consequência.

IV - Mais do que adoptar a estrita qualificação jurídica apresentada pelo autor como limite rígido para a identificação do “efeito jurídico” em que consiste o pedido (cfr. art. 581.º, n.º 3, do CPC), deve adoptar-se como critério o do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor.

V - Os recursos destinam-se a apreciar a decisão recorrida (sistema de revisão ou reponderação da decisão) e não a uma nova apreciação da causa (sistema do reexame da causa). Isto significa, por entre o mais, que não têm por objectivo o conhecimento de questões novas, não colocadas ao tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso.

VI - Pedindo a autora, a título principal, que fosse declarado nulo (anulado, em rigor) o (segundo) “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” celebrado com o Banco réu, reconhecendo-se que nada lhe deve, e colocando a violação do dever de a informar no âmbito do erro que invocou como fundamento desse pedido, e não como fonte possível do dever de indemnizar, a falta definitiva de prova do erro e da sua essencialidade impedem a procedência da acção e, portanto, tornam inútil prosseguir na averiguação do cumprimento do dever de informar.

VII - É certo que o recurso a contratos de adesão e à inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares é prática corrente nas relações dos bancos com os seus clientes; mas a mera referência abstracta à “Lei das Cláusulas Contratuais Gerais”, numa enumeração de vários diplomas, impede o enquadramento do dever de informação nesse âmbito, particularmente quando o contrato cuja anulação a autora pede é aquele que contém as cláusulas que definem os pontos específicos da relação com o réu e não o contrato-quadro com o qual se relaciona.

VIII - A natureza aleatória dos contratos de permuta de taxa de juro, decorrente da respectiva função, justifica a dúvida de saber se, destinando-se tais contratos a regular o risco da variação das taxas de juro, poderá ser qualificada como alteração anormal das circunstâncias não coberta pelos riscos próprios do contrato, justamente, a variação das taxas de juro, independentemente – ou não – da quantificação dessa variação e da sua repercussão no caso concreto.

IX - Para que a lei portuguesa confira o direito potestativo de resolver ou de modificar equitativamente um contrato, do qual resulta para a parte a necessidade de realizar uma ou mais prestações no futuro, invocando alteração anormal das circunstâncias (art. 437.º, n.º 1, do CC), é necessário que se prove: (i) que as circunstâncias objectivas em que ambas fundaram a decisão de contratar; (ii) se alteraram anormalmente após a realização do contrato; (iii) que essa alteração, objectiva e anormal, não está coberta pelos riscos próprios do contrato e que (iv) a exigência do cumprimento dessa prestação (ou dessas prestações) contrarie gravemente o princípio da boa fé.

X - Não podem deixar de ser considerados como factos notórios, no sentido do n.º 1 do art. 412.º do CPC, não carecendo assim, nem de alegação, nem de prova, para poderem ser considerados no processo, quer a crise financeira de 2008, quer a forte descida das taxas de juro que a acompanhou, quer a inversão que essa descida significou.

XI - Para que estes factos possam ser havidos como do conhecimento geral das pessoas medianamente informadas, não é necessário, nem o conhecimento dos contornos exactos da crise, nem a sua relação com a descida das taxas de juro, nem a causa da anterior subida; nem tão pouco ter conhecimentos que permitissem tomar como duradoura ou passageira a tendência de subida.

XII - Não havendo prova dos requisitos necessários à procedência do pedido de resolução do contrato por alteração das circunstâncias, não se justifica discorrer sobre a aplicabilidade teórica do instituto a um contrato como o dos autos.

XIII - No caso, não está sequer provado o prejuízo da autora, apenas se sabe que o contrato se revelou gravoso; ao que acresce que, pedindo-se que a resolução do contrato de 2007 opere por referência à liquidação do contrato de mútuo celebrado em 31 de Agosto de 2006, era absolutamente imprescindível à procedência da acção que se fizesse a demonstração dessa relação, de forma a poder averiguar-se se o cumprimento das prestações decorrentes do contrato de permuta de 6 de Setembro de 2007, para além da liquidação daquele contrato, seria gravemente atentatório do princípio da boa fé que deve nortear a vida dos contratos.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 



1. Em 4 de Outubro de 2010, AA - Sociedade de Construção Civil, Lda. instaurou uma acção contra Banco BB, S.A., pedindo que fosse declarado que nada deve ao réu, sendo declarado nulo “o contrato de confirmação de taxa de juro celebrado em 06 de Setembro de 2007”, por erro, nos termos dos artigos 252º e segs. do Código Civil, ou, subsidiariamente, sendo decretada “a resolução do contrato de permuta de taxa de juro com os efeitos reportados à liquidação do contrato de mútuo” de 31 de Agosto de 2006, Janeiro de 2010, “nos termos do artº 437 do CC".

Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com o réu, em 31 de Agosto de 2006, um “Contrato de Mútuo com Hipoteca” e, por indicação do mesmo réu, um “Contrato Quadro para Operações Financeiras”; que, em execução deste contrato quadro, celebrou um “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”; que, em 6 de Setembro de 2007, também por sugestão do Banco, substituiu este último por um novo “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, a valer “por um período de 5 anos”, quando o vencimento do mútuo ocorreu já em Janeiro de 2010.

Ora tais contratos de permuta de taxas de juro “foram assinados sem que os seus termos e condições fosse explicados, nem fornecida nenhuma outra instrução relativamente à forma como seriam executados”, sendo que “a única informação ministrada” – de que o contrato de 2007 “conduziria (…) a um reajuste mais vantajoso das condições contratuais para a A.”, por “prevenir o risco de elevação das taxas de juro decorrentes do empréstimo à construção”“não veio a lograr os efeitos que haviam sido garantidos (antes pelo contrário…)”; o Banco agiu em abuso de direito, pretendendo prevalecer-se “da posição cimeira que detém face ao consumidor final, no que à informação e esclarecimento diz respeito”, mesmo durante a execução do contrato de 2007, em contraste com a sua boa fé; a autora celebrou o contrato de 2007 sem ter “uma vontade perfeita e esclarecida” quanto ao seu alcance, como “os legais representantes do banco não podiam ignorar”, veio a incorrer num “prejuízo trimestral de milhares de euros, prejuízo este que previsivelmente ocorrerá até ao terminus do contrato de swap, em 2012”; não tem aliás sentido que o contrato de 2007 se mantenha “após a liquidação do empréstimo à construção”, “dada a ligação de ambos os contratos”, sendo que tal manutenção “ameaça a própria estabilidade e viabilidade financeira da empresa”.

Terminou a exposição nestes termos:

“28º. Da factualidade acima apresentada resulta que a A. nunca pretendeu celebrar com o R. um contrato desta natureza e que este sabia a essencialidade do motivo que esteve na origem da formação da vontade da A.

29º. Motivo pelo qual é aplicável ao caso sub iudice as disposições contidas no artº 252º e seguintes do C.C., devendo o contrato junto como doc. 3 ser declarado nulo.

30º. Ou, se por mera hipótese não for esse o douto entendimento deste tribunal, então deve ser reconhecida à A. o direito à resolução do contrato por alteração imprevisível e anormal das circunstâncias nos termos do artº 437º do C.C.”.

O réu contestou, alegando, por entre o mais, que o contrato de permuta de 6 de Setembro de 2007 não substituiu o de 31 de Agosto de 2006, havendo portanto dois contratos desta natureza; e que ambos foram devidamente explicados à autora, em diversas reuniões, com documentos similares, autora essa que, nem contratou em erro, nem pode pretender a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, nem sequer alegou “quaisquer factos que permitam sustentar a alegada alteração de circunstâncias”, sendo certo que “a verificação de fluxos financeiros negativos para a autora não se enquadra em qualquer alteração anormal das circunstâncias”.

Descreveu os sucessivos contratos celebrados com a autora – “contrato de financiamento com hipoteca, de 31 de Agosto de 2006, com aditamentos de 20 de Maio e de 25 de Agosto de 2009, “confirmação de contrato de permuta de taxas de juro” também de 31 de Agosto de 2006, “contrato-quadro para operações financeiras”, da mesma data, “contrato de permuta de taxas de juro com data de início para 10 de Setembro de 2007”, de 6 de Setembro de 2007,“título e autorização de preenchimento de livrança-caução para responsabilidades específicas com aval” –, negou que que o contrato de permuta de 6 de Setembro de 2007 tenha substituído o de 31 de Agosto de 2006 e que não haja elucidado a autora “sobre o seu teor, finalidades e riscos, actuando em desrespeito do princípio da boa fé e dos deveres de informação e lealdade na formação dos contratos”.

Explicou ainda que entre as partes haviam sido celebradas “duas operações de permuta de taxa de juro, uma em 31 de Agosto de 2006 e outra em 6 de Setembro de 2007”; que a primeira teve como finalidade “a cobertura do risco de subida de taxa de juro e a postecipação dos encargos financeiros associados ao contrato de financiamento celebrado em 31 de Agosto de 21006”, ao passo que a segunda, “com início em 10 de Setembro de 2007 e vencimento em 10 de Setembro de 2012”, referida a uma “importância nominal de €2.000.000” e “formalizada em Setembro de 2007”, teve como “intuito [da autora] cobrir o risco de subida de taxa de juro no seu endividamento, quer junto do Banco réu, quer junto de outras instituições de crédito”, tendo havido os “fluxos recebidos e pagos pela autora referidos no documento junto” com a contestação, a fls. 114, e não se sabendo se do contrato resulta lesão para a autora, pois o prazo do mesmo só termina em Setembro de 2013”.

                                                                                   

2. A acção foi julgada improcedente, pela sentença de fls. 1025. Em breve síntese, entendeu-se, tendo em conta o quadro legal vigente à data relevante e que o contrato de permuta de Setembro de 2007 era semelhante ao de Agosto de 2006, que não se verificavam os pressupostos da responsabilidade in contrahendo por “ter o Banco Réu cumprido os deveres de contratação que a lei prevê e os princípios gerais da sua actividade lhe impunham, tendo explicado as características da nova operação a realizar, inexistindo quaisquer factos que nos permitam concluir que as explicações não foram percebidas ou que foram insuficientes. De igual modo, nada se apurou que permitisse alicerçar a pretensão da autora a que se reconheça que a mesma nunca quis celebrar o contrato dos autos, bem como que não chegou a apreender o alcance da operação que subscrevera, não sendo a sua vontade esclarecida”.

Considerou-se ainda que a autora não tinha feito prova da existência de “qualquer prejuízo que lhe tivesse advindo em razão do cumprimento das prestações da operação swap”, “desconhecendo-se quais os fluxos financeiros da mesma por não ter sido apresentada qualquer prova neste tocante”, não podendo portanto proceder “a sua pretensão de resolução do contrato, por alteração anormal das circunstâncias”, cujos pressupostos, no caso concreto, não estão verificados: em tese, entendeu-se que “a questão (…) há-de (…) ser aferível no âmbito do desequilíbrio entre as prestações, incertas à partida. Ou seja, o desequilíbrio na distribuição do risco contratual poderá determinar a aplicação” do artigo 437º do Código Civil. Mas, no caso, “os autos não fornecem elementos que nos permitam apurar que tenha existido uma diferenciada distribuição do risco contratual, que tenha onerado excessivamente (desequilibradamente) a A. nem que, ao invés, a prestação do Banco Réu tenha estado dentro dos valores de perda/ganho máximos que tivesse podido antecipar. Assim, não se apurou que a operação swap subscrita tenha visado estabilizar os encargos com o crédito anteriormente concedido e que tal não tenha ocorrido ou que a A. tenha sofrido prejuízos com a sua subscrição. Acresce que a crise económica e financeira que se instalou, como foi público e notório, a partir do final do 3º trimestre de 2008 (…), importando a descida acentuada das taxas de juros, ocorreu um ano volvido sobre a subscrição do swap pela A., que estava, então, em plena execução. Ora, não se apurou que (…) tal contrato tenha sofrido um anormal e repentino desequilíbrio (ou que este, a ter existido, não estivesse compensado com eventuais ganhos em momento anterior, em razão da subida das taxas de juro”.

A autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa; mas o acórdão de fls. 1405 negou provimento ao recurso, negando a impugnação da decisão de facto e confirmando a improcedência da acção.

Interessa agora recordar que este acórdão considerou:

– que a A. não afirmou “propriamente que o contrato que pretende que seja declarado nulo foi celebrado por simples adesão da sua parte”, nem se fez qualquer prova que permita situá-lo nesse domínio (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 877/12.7TVLSB.L1-A.S1);

– que nada se provou que permitisse concluir, quer “que o Banco R. não haja cumprido (…) o dever de informação que sobre ele impendia”, contrariamente ao alegado pela autora, quer, “muito menos, que a vontade da A. se encontrasse afectada por erro que recaía sobre os motivos determinantes da vontade ou sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio”;

– que o swap em causa nos autos pudesse ter-se como um “produto de pura especulação, que sempre favoreceria o Banco”, como a autora veio afirmar na apelação: “Mesmo que se admita que o produto em questão tinha uma finalidade especulativa – «podendo a especulação ser definida como a consciente e deliberada exposição às incertezas do mercado, com a intenção de alcançar um benefício económico» – não podemos asseverar que quando o contrato foi celebrado apenas seria possível perspectivar uma especulação favorecedora do R. com os inerentes prejuízos da A. e que esta estaria sempre condenada ao insucesso”. De qualquer forma, a Relação considerou que “não estamos perante um contrato de jogo e aposta pelo que as consequências apresentadas pela apelante não se verificam”;

– em especial, a Relação observou que pouco se sabe “sobre os concretos termos de ligação entre” o financiamento acordado em 31 de Agosto de 2006 (contrato de mútuo com hipoteca) “e o contrato de swap a que nos reportamos; provando-se embora que ele foi celebrado por indicação do R., não se provou que foi expressamente garantido à A. que a sua outorga seria o motivo pelo qual os encargos com aquele financiamento anteriormente contraído iriam estabilizar. De qualquer modo, o contrato de swap não foi celebrado isoladamente – existia aquele contrato de financiamento celebrado entre as mesmas partes. Todavia, o contrato de swap manter-se-ia até 10-9-2012, enquanto o contrato de mútuo tinha um prazo até 31-8-2010. Sendo certo que dos textos escritos que integram o contrato de swap nenhuma menção é feita àquele financiamento”;

– que não “é fácil entender que a descida acentuada das taxas de juro não estivesse abrangida pelos riscos próprios do contrato”, pelo que “a alteração em causa seria irrelevante”; que não foi alegado pela autora, nem provado, “ter sido fundamento do contrato de swap a circunstância de a Euribor não descer abaixo do limite mínimo nele convencionado, de se manter uma determinada conjuntura do mercado no que aos juros respeita; que, de todo o modo, “não resultou demonstrado o efectivo prejuízo sofrido pela A. – que a constituiria em parte lesada dando-lhe a possibilidade de pedir a resolução do contrato. Temos, pois, carência de factos provados susceptíveis de sustentar a pretendida resolução.”


3. A autora interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido.

Nas alegações de recurso, e deixando de lado o que respeita aos pressupostos da revista excepcional, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

(…). VI. (…) o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não valorou os depoimentos das testemunhas da recorrente da mesma forma que valorou os depoimentos das testemunhas da aqui recorrida, sem prejuízo da aplicabilidade do princípio da imediação;

VII. Com efeito, não decorre da factualidade provada que a aqui recorrida tenha prestado, por escrito, todas as informações relativas aos riscos especiais referentes ao swap em causa nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto na al. do nº 1 do artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários, mostrando-se assim violado tal dispositivo legal;

VIII. Com efeito, não foram cumpridos, como deveria, os deveres legais de informação previstos no Código dos Valores Mobiliários, por forma a assegurar que as decisões de celebrar ou não os contratos de swap tenham sido tomadas de forma devidamente esclarecida e informada;

IX. Conforme dispõe o nº 3 do artigo 29º da Directiva nº 2004/39/Código das Expropriações do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004.

X. No caso dos autos, existiu assim, deficiência de informação quanto aos concretos contratos de swap celebrados pela aqui recorrente, que deveria ter sido prestada pela recorrida;

XI. Por outro lado, o aliás douto acórdão proferido, ao pronunciar-se sobre a natureza dos contratos de swap, considerou erradamente não ser aplicável no caso concreto o instituto da alteração anormal das circunstâncias;

XI. Pelo que, salvo o devido respeito, errou na interpretação e na aplicação do disposto do art. 437º do Código Civil;

XII. Com efeito, tal instituto deveria ter sido apreciado, aplicado e considerado, julgando-se verificada a ocorrência da alteração anormal das circunstâncias ao contrato de swap de taxas de juro em causa nos autos, pelo que o acórdão a ora se coloca em crise deve ser revogado;

XIII. O instituto da alteração anormal das circunstâncias é também aplicável a contratos aleatórios, como é o caso do contrato de swap em causa nos autos;

XIV. Com efeito, apenas as variações normais e decorrentes de condições normais de mercado é que constituem riscos do próprio contrato de swap de taxas de juro;

XV. Nestes termos, em presença de variações anormais, anómalas e imprevisíveis de taxas de juros, como se verificou no presente pleito, as mesmas não estão abrangidas nas finalidades próprias dos contratos de swap de taxas de juro, tratando-se de variações sem precedentes, não originadas pelas normais regras de procura e da oferta, mas antes, estipuladas pelos Bancos Centrais, despacho forma a fazerem face ao colapso das duas economias;

XVI. Por outro lado, a descida da taxa de juros Euribor 3M foi e é um fenómeno perfeitamente anormal e imprevisto, não correspondendo a meros ciclos económicos de uma economia de mercado e dos mercados financeiros, razão pela qual deve ser entendida como uma ‘alteração anormal’, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 437º do Código Civil;

XVII. Aliás, basta atentar-se na evolução histórica de outras moedas mais antigos (do) que o próprio Euro, para se alcançar e perceber que a descida das taxas de juro, não foi uma mera descida acentuada, mas antes um fenómeno perfeitamente anómalo e patológico, que levou as taxas a níveis abaixo de 0%, ou seja, a níveis nunca vistos na economia portuguesa e até mesmo europeia.

XVII. Com efeito, a aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias a contratos de swaps de taxas de juro por força da descida anormal das taxas de juro Euribor não terá efeitos devastadores para a economia, nem para os mercados financeiros.

XIX. Pois os seus efeitos resumem-se às indemnizações que poderão os bancos que contratualizaram erradamente os contratos de swap, ter que vir a pagar aos seus clientes, como aconteceu em vários países da Europa, nomeadamente em Espanha e Inglaterra.

XX. Pelo que (…) deverá ser revogado o aliás douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (…

(…) substituindo-se por outro que julgue totalmente procedente a acção instaurada, como é de justiça”.


4. O recorrido contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista excepcional e, caso fosse admitida, a respectiva improcedência.

Deixando de lado as objecções apresentadas à admissão do recurso como revista excepcional, o recorrido veio sustentar que:

– Não podem ser apreciados “os pontos constantes da conclusão VI (referente à valorização dos depoimentos das testemunhas) e das conclusões VII, VII, IX e X das alegações da Autora/Recorrente (referentes à forma de cumprimento pelo Banco Réu dos deveres de informação, designadamente quanto a riscos especiais referentes ao swap, e à formação da decisão de contratar por parte da Autora); tais pontos devem, assim, ter-se por não escritos”, uma vez que, segundo as conclusões das alegações, “a questão em discussão nos autos” que reunirá as condições de admissibilidade da revista excepcional é apenas a da aplicabilidade ou não do instituto da alteração anormal das circunstâncias aos denominados contratos de swap de taxas de juro, nomeadamente quando está em causa um anormal e imprevisível cenário de descida de taxas de juro”;

– de qualquer forma, a recorrente não tem interesse no recurso porque, seja qual for a posição que vier a ser adoptada quanto a essa aplicabilidade, em abstracto, nunca poderia reflectir-se no caso, “pelo simples facto de a Autora/Recorrente não ter alegado quaisquer factos que permitissem sustentar a resolução”, e por se tratar de um problema “que não é uma questão jurídica geral, tudo dependendo do conteúdo de cada contrato”;

– seja como for, a “matéria provada nos autos e, em particular, o teor dos contratos celebrados ente a Autora e o Banco Réu” não permitem a resolução pretendida pela autora.


Por falecimento do relator inicial, o processo foi novamente distribuído.


5. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1) A autora é uma sociedade que se dedica à actividade de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. (A).

2) No âmbito dessa actividade a autora contraiu um financiamento junto da instituição de Crédito réu, titulado pelo "Contrato de Mútuo com Hipoteca" n.º 00…, de 31 de Agosto de 2006, dizendo-se neste que era a utilizar na "modalidade de abertura de crédito", contrato esse que foi objecto de dois aditamentos, — doc. 1, 1-A e 1-B a fls. 10 e sgs., 24 e sgs. e 30 e sgs. destes autos.(B)

3) Entre autora e réu foi ainda celebrado um intitulado "Contrato Quadro para Operações Financeiras", ao abrigo e em execução do qual foi outorgado um "Contrato de Permuta de Taxa de Juro" (lnterest Rate Swap) com a referência 109… — cf. Documentos 1, 2 e 3 juntos à PI.(C)

4) Em 06.09.2007, foi celebrado um novo "Contrato de Permuta de Taxa de Juro" (agora com a referência 4911.001), o qual foi designado "Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro".(D)

5) Entre autora e réu foi ainda celebrado "título de autorização de preenchimento de livrança-caução para responsabilidades específicas com aval — doc. 2-B junto com a PI, a fls. 57 destes. (E).

6) Os contratos mencionados em 3) e 4) supra foram celebrados por indicação dos competentes serviços do Banco réu. (1°-bi)

7) O contrato mencionado em 4) veio a verificar-se gravoso para a autora. (3º bi).

8) Previamente à celebração do contrato referido em 4) representantes do Banco R. CC, DD e EE) reuniram com representantes da A., explicando as características da nova operação a realizar, tendo acompanhado essa explicação com documento similar ao apresentado aquando da primeira operação, adaptado às condições da nova operação (artigos 20º, 21º e 23º, da contestação).

9) Nessa contratação e execução a autora sempre agiu confiando no réu e adoptando aquilo que por este lhe era indicado, considerando que o que lhes era proposto seria o que mais vantagens traria à empresa. (16º bi ).

                                                          

Tendo igualmente por referência a base instrutória oportunamente organizada, consideraram-se não provados os seguintes factos (também transcrevendo):

a) O contrato mencionado em 4) veio, incompreensivelmente e sem qualquer explicação substituir o anterior. (2º)

b) No contexto das taxas de juro que então se desenhava, o contrato mencionado em 4) acabou por estabelecer condições ainda mais gravosas para a autora. (3º bi)

c) Foi expressamente garantido à autora pelo Banco réu que a outorga deste último contrato [o mencionado em 4)] seria o motivo pelo qual os encargos com o crédito anteriormente contraído iriam estabilizar (4º bi).

d) A outorga deste conduziria a um reajuste mais vantajoso das condições contratuais para a autora, atento que o inicialmente ajustado estaria já desadaptado às condições então existentes no mercado. (5º bi ).

e) Nenhuma destas situações ocorreu (6º bi).

f) Tais contratos foram assinados pela autora sem que os seus termos e condições lhe fossem explicados, nem fornecida nenhuma outra instrução relativamente à forma como seriam executados. (7º bi).

g) O réu omitiu à autora esclarecimentos sobre a natureza, riscos e custos associados à operação em causa (8º bi).

h) Exemplo dessa omissão de esclarecimento é o facto de a autora ter contratado um swap de taxa de juro em Junho de 2007 para um período de 5 (cinco) anos assegurando uma cobertura da taxa de juro que se prolonga por mais 3 (três) anos do que o prazo que subjaz ao Contrato de Mútuo celebrado em Agosto de 2006 de Crédito, cujo vencimento ocorreu já em Janeiro de 2010 (9º bi).

i) Altura em que o Contrato de Permuta de Taxa de Juro outorgado em Agosto de 2006 estava, ao tempo, ainda em vigor. (10º bi).

j) Sendo o swap um produto financeiro de natureza complexa e não um produto de protecção do risco de taxa de juro, o banco réu não decifrou à autora a sua especial complexidade e elevado risco. (11º bi).

1) Aquando da celebração do contrato a autora não se encontrava detentora de uma vontade perfeita e esclarecida, nunca chegando a apreender totalmente o alcance de uma operação de interest rate swap. (12º bi).

m) Nem a sua forma de execução, os benefícios, os custos e os riscos que do contrato outorgado derivariam (13º pi).

n) Tal contratação sem explicações bastantes do risco incorrido pela autora gera hoje um prejuízo trimestral de milhares de euros, prejuízo este que previsivelmente ocorrerá até ao terminus do contrato de swap, em 2012. (14º bi).

o) Também durante a execução do contrato, apesar dos sucessivos pedidos feitos pela autora, o réu nunca a informou e lhe prestou assistência quanto aos cálculos subjacentes aos fluxos financeiros gerados pelo contrato e justificativos dos montantes cujo pagamento lhe era exigido. (15º bi ).

p) A autora nunca quis celebrar o mencionado contrato de permuta da taxa de Juro que, aliás, nem sequer conhecia, e cuja manutenção em vigor ameaça a própria estabilidade e viabilidade financeira da empresa (17º bi ).

q) Os legais representantes do banco réu não ignoravam, à data da assinatura do contrato, que a vontade dos legais representantes da autora não era esclarecida e que assentava noutros pressupostos. (18º).


6. São as conclusões do recurso que delimitam o respectivo objecto, não procedendo a limitação sustentada pelo recorrido nas contra-alegações.

Assim, a recorrente coloca as seguintes questões:

– deficiência de informação prestada pelo Banco réu, no que toca ao contrato de confirmação de permuta de taxa de juro cuja validade contesta, em violação do dever imposto pelo artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários e pela Directiva nº 2004/39/CE ;

– aplicabilidade ao mesmo contrato do instituto da resolução dos contratos por alteração das circunstâncias em que as partes basearam a decisão de contratar, previsto no artigo 437º do Código Civil, e verificação dos respectivos pressupostos.


7. Antes de as apreciarmos cumpre, no entanto, ter em conta o seguinte:

1º– Entende-se generalizadamente que, apesar de a instância recursiva ter alguma autonomia – manifestada, por exemplo, nos pressupostos específicos de admissibilidade do recurso –, os recursos ordinários são uma continuação da instância, iniciada com a propositura da acção, e que se extingue com o trânsito em julgado da decisão que lhe põe fim (artigos 259º e 628º do Código de Processo Civil), e não uma nova instância.

Essa integração revela-se em inúmeros pontos de regime, dos quais interessa agora recordar, em especial, a referência, ao longo de toda a instância, ao pedido ou pedidos e à causa ou causas de pedir oportunamente formulados na acção, ou a necessidade de observar as regras de oportunidade de alegação de factos e de eventual preclusão, e das restrições que implica quanto à alegação, em recurso, de factos novos ou de factos supervenientes.

Muito embora o objecto do recurso não coincida necessariamente com o objecto da acção, como é evidente, a verdade é que não pode ser construído, seja qual for a parte recorrente, em desrespeito dos limites ou das balizas que o conjunto formado pelo pedido e pela causa de pedir significam para toda a acção;

2º– Independentemente do conceito doutrinal de causa de pedir e de saber se o Código de Processo Civil de 2013, no confronto com a lei anterior, veio ou não restringir o elenco dos factos que a integram, no contexto dos factos necessários à procedência da acção (cfr. artigos 5º e 581º, nº 5, correspondentes aos anteriores artigos 264º, nº 1 e 498º, nº 4), a verdade é que a causa de pedir é integrada por factos concretos, referidos a uma previsão normativa, não se podendo considerar individualizada uma acção com a simples invocação de disposições legais e com o pedido da correspondente aplicação, com a respectiva consequência;

3º– Todos sabemos que provoca nulidade a condenação em mais ou em coisa diferente do que o autor pediu (artigo 615º, nº 1, e) do Código de Processo Civil, regra aplicável em todas as instâncias: cfr. artigos 666º e 679º do mesmo Código de Processo Civil); e que, mais do que adoptar a estrita qualificação jurídica apresentada pelo autor como limite rígido para a identificação do “efeito jurídico” em que consiste o pedido (cfr. 3 do artigo 581º do Código de Processo Civil), se deve adoptar como critério o do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor (cfr. por todos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016, jwww.dgsi.pt, proc. nº 219/14.7TVPRT-C.P1.S1).

Entende-se assim que não importa nulidade da sentença a anulação de um contrato, numa acção em que o autor peça a declaração de nulidade; mas que já excede os limites da validade da sentença a condenação numa indemnização por violação de um contrato, ou por responsabilidade pré-contratual, por exemplo, quando o autor pediu que se decretasse a respectiva nulidade ou ainda, agora numa perspectiva quantitativa, decretar a resolução de um contrato ab initio, destruindo totalmente os efeitos produzidos, quando o autor pediu a resolução parcial, referida a um momento substancialmente relevante para o juízo sobre o próprio fundamento da resolução;

4º– Também se sabe que, entre nós, os recursos se destinam a apreciar a decisão recorrida (sistema da revisão ou reponderação da decisão) e não a uma nova apreciação da causa (sistema do reexame da causa). Isto significa, por entre o mais, que não têm por objectivo o conhecimento de questões novas, não colocadas ao tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso, como a jurisprudência tem repetida e uniformemente observado (cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 30 de Setembro de 2010. www.dgi.pt., proc. nº 3860/05.5TBPTM.E1.S1);

5º – Não há controvérsia quanto à natureza e conteúdo do contrato cuja invalidade a autora pretende seja declarada nesta acção, razão pela qual se toma como assente tratar-se de um contrato de permuta de taxa de juro com o conteúdo constante do documento junto aos autos com a petição inicial, a fls. 59, datado de 6 de Setembro de 2007, designado por “Contrato de Permuta de taxa de Juro”. Transcreve-se do acórdão recorrido a parte que releva para avaliar o respectivo conteúdo:

«Assim, a fls. 101, encontramos o documento denominado de «Contrato de Permuta de Taxa de Juro», celebrado entre a A. e o Banco R.. Ali é referida a importância nominal de 2.000.000,00 €, a data de início de 10 de Setembro de 2007 e de vencimento de 10 de Setembro de 2012, mencionando-se quanto aos termos do contrato:

«O Banco paga ao Cliente no final de cada período trimestral entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a importância Nominal.

Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a importância Nominal):

- 4.53% caso a Euribor 3 meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja igual ou inferior a 5.35%; ou

- a taxa de juro Euribor 3 meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) deduzida de uma bonificação de 0,20% caso contrário».

Declarando-se sob a epígrafe «Racional do Contrato»:

«O contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga uma taxa de juro fixa, caso a Euribor 3 meses desça, se mantenha ou suba moderadamente durante o período de vida do contrato e desde que não ultrapasse em cada trimestre a Barreira.

Se a Euribor 3 meses subir fortemente, superando relativamente a qualquer trimestre a Barreira, o Cliente terá um ganho no contrato nesse trimestre, correspondente à bonificação. No caso de a Euribor 3 meses descer ou se manter estável, o cliente registará, em princípio, uma perda financeira no respectivo trimestre, dado a taxa de juro a pagar pelo Banco ao Cliente ser então inferior à taxa de juro a pagar pelo Cliente ao Banco.

Relativamente a este acordo está documentado nos autos (fls. 59 e seguintes) a «Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juros (lnterest Rate Swap)», referência 4911.001, datada de 6 de Setembro de 2007, em que novamente surge como data de início 10 de Setembro de 2007, data de vencimento 10 de Setembro de 2012 e importância nominal a de 2.000.000,00 €, reafirmando-se o demais, designadamente a taxa fixa de 4.530% e a Barreira de 5.350%».

 

8. Na acção em que se integra o presente recurso, recorde-se, a autora pediu, a título principal, que o “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” celebrado com o Banco réu em 6 de Setembro de 2007 fosse declarado nulo, reconhecendo-se que nada lhe deve.

Como causa de pedir, e referindo-se expressamente aos artigos “252º e seguintes do C.C.”, a autora alegou erro sobre “a essência e as consequências do contrato”, provocado por falta de informação do Banco réu, que a levou a contratar garantindo que “os encargos com o crédito anteriormente constituído” (contrato de mútuo de 31 de Agosto de 2006) iriam ser reajustadas de forma mais vantajosa para si.

A título subsidiário, a autora pediu que lhe fosse reconhecido “o direito à resolução do contrato por alteração imprevisível e anormal das circunstâncias nos termos do artº 437º do C.C.”, “com efeitos reportados à liquidação do contrato de mútuo” de 31 de Agosto de 2006, que, segundo alega no artigo 14º, se venceu em Janeiro de 2010.

Não alegou, todavia, factos concretos para consubstanciar esta invocação de alteração imprevisível e anormal das circunstâncias, com concretas repercussões no concreto contrato de permuta.


9. Ambas as instâncias julgaram improcedente o pedido de declaração de nulidade com fundamento em erro; com efeito, é ostensivo que não se provaram os factos necessários ao preenchimento de erro sobre os motivos (252º, nº 1 do Código Civil) ou sobre as “circunstâncias que constituem a base do negócio” (252º, nº 2 do Código Civil), como facilmente se verifica relendo as listas de factos provados e não provados.

Neste recurso, a recorrente insiste na violação do dever de informação prescrito pelo artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários e pela Directiva nº 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004; no entanto, a falta definitiva de prova do erro e da sua essencialidade impedem, desde logo, a procedência do pedido de declaração de nulidade – anulação, em rigor – com fundamento em erro.

Note-se, aliás, que a afirmação de que a Relação não valorou devidamente a prova testemunhal, quando avaliou do cumprimento ou incumprimento do dever de informação, não tem relevância neste recurso, no qual é inadmissível o controlo da decisão de facto, quando assente em provas sujeitas à regra da livre apreciação – cfr. nº 3 do artigo 674º e nº 2 do artigo 682º do Código de Processo Civil.

Sempre se recorda, todavia, que, como as instâncias observaram, não é aplicável ao caso dos autos o citado artigo 312º, aditado ao Código dos Valores Mobiliários por um diploma que entrou em vigor em momento posterior ao da celebração do contrato de 6 de Setembro de 2007, o Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, e que transpôs a referida Directiva nº 2004/39/CE.

O que naturalmente não significa que, face à lei anterior, o Banco Réu não estivesse especialmente obrigado a informar a autora sobre o conteúdo e alcance do contrato, quanto mais não seja nos termos do artigo 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção vigente à data do contrato, ou do princípio geral da boa fé que deve nortear também a formação dos contratos (artigo 227º do Código Civil), entendido à luz das circunstâncias dos concretos contraentes dos autos e da respectiva capacidade de formação esclarecida da vontade de contratar; não está em causa, no entanto, nenhum pedido de indemnização por incumprimento de tais deveres.

Como ainda recentemente se observou no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Janeiro de 2017, num caso ao qual também se não aplicavam as alterações introduzidas no Código dos Valores Mobiliários pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007, a propósito da obrigação de informação do intermediário financeiro relativamente ao produto ou serviço que oferece, e da consequência da respectiva inobservância – responsabilidade civil –, “A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento activo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como as suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico jurídica, simples, directa e eficaz (A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2006, pág. 291).” (www.dgsi.pt, proc. nº 428/12.3TCFUN.L1.S1). Referindo-se às alterações introduzidas no Código dos Valores Mobiliários pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007, ver, a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Junho de 2005, www.dgsi.pt, proc. nº 1880/10.7TVLSB.L1.S1: «O dever de informação a cargo do intermediário financeiro inclui "todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada" (artigo 312.º CVM), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros (alínea d) do mesmo preceito), aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (alínea e) do mesmo artigo 312.º, bem como a alínea j) do n.º 1 do artigo 312.º-C e alínea a) do n.º 2 do artigo 312.º-E). E deve-o fazer de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (artigo 7.º CVM), para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 312.º-A CVM.»

No entanto, ao propor a acção, a autora colocou a violação do dever de informar no âmbito do erro que invocou como fundamento do pedido de declaração de nulidade do contrato, e não como fonte possível do dever de a indemnizar. Não provados os respectivos requisitos, não cabe prosseguir na averiguação do cumprimento de tal dever.

Sempre se acrescenta, todavia, que se poderia perguntar se a alegação de incumprimento da obrigação de informação não deveria ser analisada no âmbito do regime definido para as cláusulas contratuais gerais, pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, sabendo-se que a falta de informação adequada conduz à exclusão do contrato concreto da cláusula afectada (art 8º, al. b)) e que da exclusão, se provocar “uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé” (nº 2 do artigo 9º) pode resultar a nulidade do contrato (assim, os acórdãos de 17 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 1458/056.7TBVFR-A.P.S1e de 11 de Maio deste ano, proc. nº 1961/13.5TVLSB.L1.S1).

A resposta só pode ser negativa. Diferentemente do caso apreciado por este acórdão de 11 de Maio, não foram alegados nem provados factos que permitissem enquadrar em tal regime o concreto contrato dos autos. Lendo a petição inicial, verificamos que apenas no seu artigo 11º se refere tão somente o seguinte: “Manifestação notória da violação do dever de boa fé negocial, nomeadamente dos deveres específicos de informação, lealdade e segurança consagrados no Código Civil Português, na Lei da Concorrência, na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, na Lei de Defesa do Consumidor e particularmente no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e nos Avisos emanados do Banco de Portugal, a cujo cumprimento o Banco BB, SA se encontra adstrito”.

Tal referência abstracta é manifestamente insuficiente para o efeito. Sendo certo que o recurso a contratos de adesão e à inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares é prática corrente nas relações dos bancos com os seus clientes, como observa o acórdão recorrido, não é menos certo que o contrato cuja nulidade a autora pretende que seja decretada é aquele que contém as cláusulas que definem os pontos específicos da relação com a autora, como sejam o montante do capital nominal ou a definição das taxas de juro concretamente relevantes, e não o contrato quadro com que o mesmo se relaciona.


10. A recorrente insurge-se ainda contra o acórdão recorrido por ter indevidamente entendido que o regime da resolução por alteração das circunstâncias, definido nos artigos 437º e segs. do Código Civil, não é aplicável a contratos de permuta de taxa de juro, como o dos autos.

É certo que o acórdão recorrido exprimiu reservas a essa aplicabilidade, em abstracto; mas acrescentou que, de qualquer modo, se verificava “carência de factos provados susceptíveis de sustentar a pretendida resolução”, tal como entendera a 1ª instância.

Ora, nas alegações da revista, a recorrente não cuida de demonstrar que a base de facto alegada e apurada no processo sustenta a procedência do pedido que formulou subsidiariamente: resolução do contrato de permuta de taxa de juro, de 6 de Setembro de 2007, “com efeitos reportados à liquidação do contrato de mútuo” de 31 de Agosto de 2006, “nos termos do artº 437º do C.C.”; antes expõe longamente doutrina sobre essa aplicabilidade, em abstracto.

Na verdade, a natureza aleatória dos contratos de permuta de taxa de juro, decorrente da respectiva função, justifica a dúvida de saber se, destinando-se tais contratos a regular o risco da variação das taxas de juro, poderá ser qualificada como alteração anormal das circunstâncias não coberta pelos riscos próprios do contrato, justamente, a variação das taxas de juro, independentemente – ou não – da quantificação dessa variação e da sua repercussão no caso concreto. Cfr., sobre este ponto, a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 1378/11.5TBBCL.G1.S1, que se pronunciou no sentido afirmativo, exigindo, todavia, que a alteração ocorrida cause, no concreto contrato que esteja em apreciação, “um grande e profundo desequilíbrio” de prestações, um prejuízo não tolerável para uma das partes.

Todavia, e como observa o recorrido, se os factos provados não forem suficientes para se poderem considerar preenchidos os demais requisitos exigidos, torna-se inútil discorrer sobre aquela aplicabilidade teórica; razão pela qual não se tratará de tal problema, sem antes verificar se merece censura a conclusão de ambas as instâncias.

Em termos simplificados, e como todos sabemos, para que a lei portuguesa confira o direito potestativo de resolver ou de modificar equitativamente um contrato, do qual resulta para a parte a necessidade de realizar uma ou mais prestações no futuro, invocando alteração anormal das circunstâncias (nº 1 do artigo 437º do Código Civil), é necessário que se prove (1) que as circunstâncias objectivas em que ambas fundaram a decisão de contratar (2) se alteraram anormalmente após a realização do contrato, (3) que essa alteração, objectiva e anormal, não está coberta pelos riscos próprios do contrato e que (4), a exigência do cumprimento dessa prestação (ou dessas prestações) contrarie gravemente gravemente o princípio da boa fé.

Na falta de prova de qualquer dos requisitos, a pretensão improcede, por caber ao interessado o ónus da respectiva prova (nº 1 do artigo 342º do Código Civil).

É pois diferente da possibilidade de pedir a anulação do contrato com fundamento em erro sobre a base do negócio, ou, em geral, sobre os motivos, pedida nesta acção a título principal, desde logo pela localização temporal do desconhecimento invocado e pela natureza unilateral e subjectiva do erro. Assim, a improcedência deste pedido com fundamento em insuficiência de facto não impede, em abstracto, a procedência do pedido de resolução.


11. Não podem deixar de ser considerados como factos notórios, no sentido do nº 1 do artigo 412º do Código de Processo Civil, não carecendo assim, nem de alegação, nem de prova, para poderem ser considerados no processo, quer a crise financeira de 2008, quer a forte descida das taxas de juro que a acompanhou, quer a inversão que essa descida significou. Não é necessário, para que estes factos possam ser havidos como do conhecimento geral das pessoas medianamente informadas, nem o conhecimento dos contornos exactos dessa crise, nem a sua relação com a descida das taxas de juro, nem a causa da anterior subida; nem tão pouco ter conhecimentos que permitissem tomar como duradoura ou passageira a tendência de subida.

Admite-se assim, sem curar de saber se uma crise económica, em geral ou como a de 2008, pode ser considerada como causa relevante de alteração das circunstâncias, que, objectivamente, a tendência de subida das taxas de juro dos empréstimos bancários possa ser havida como integrando essas circunstânciasnão relevando, para este efeito, motivações subjectivas do réu, por exemplo. Como sabemos, muito embora não esteja provada a relação entre os dois contratos, está assente que entre as partes desta acção tinha sido celebrado um mútuo na modalidade de abertura de crédito, em execução quando foi celebrado o contrato de permuta de taxas de juro de 6 de Setembro de 2007 (pontos 2 e 4 dos factos provados e ponto c) dos não provados), no âmbito do qual cabia à autora o pagamento de juros, naturalmente.

Não consta dos factos provados qual foi o saldo resultante da compensação dos movimentos a débito e a crédito de ambas as partes, durante o tempo de vida do contrato de 6 de Setembro de 2007, apesar de terem sido juntos ao processo documentos que os indicam (cfr. fls.114); é no entanto possível proceder ao respectivo cálculo. O que não é possível é saber se, no contexto das relações contratuais entre as partes – nas quais o contrato de 6 de Setembro de 2006 se inseria, segundo ambas alegaram, embora com versões diferentes –, resultaria um encargo para a autora cuja exigência se pudesse haver (ou não) como gravemente lesiva das regras da boa fé. Têm assim razão as instâncias, quando dizem não estar provado o prejuízo da autora; apenas vem provado que o contrato se revelou gravoso para a mesma (ponto 7 dos factos provados).

Ao que acresce, decisivamente, que, pedindo a autora que a resolução do contrato de 2007 opere por referência à liquidação do contrato de mútuo celebrado em 31 de Agosto de 2006, era absolutamente imprescindível à procedência da acção que se fizesse a demonstração dessa relação, de forma a poder averiguar-se se o cumprimento das prestações decorrentes do contrato de permuta de 6 de Setembro de 2007, para além da liquidação daquele contrato, seria gravemente atentatório do princípio da boa fé que deve nortear a vida dos contratos.

Confirma-se assim inteiramente o juízo de improcedência vindo das instâncias.


12. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 08 de Junho de 2017


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego