Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
069170
Nº Convencional: JSTJ00008226
Relator: CAMPOS COSTA
Descritores: PARTIDO POLITICO
CANDIDATURA
APRESENTAÇÃO
PRAZOS
REGISTO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198201140691702
Data do Acordão: 01/14/1982
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1982-04-07, PÁG. 830 A 834 - BMJ Nº 313 ANO 1982 PÁG 159.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: FREITAS DO AMARAL IN DIREITO ADMINISTRATIVO E CIENCIA DA ADMINISTRAÇÃO PAG41. ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: L 14/79 DE 1979/05/16 ARTIGO 19 ARTIGO 21 N1 ARTIGO 22 N1 ARTIGO 23 N1 N2
ARTIGO 26 N2 ARTIGO 28 N2 N3 N4 ARTIGO 30 N1 N2 ARTIGO 31 N1 ARTIGO 32 N2 ARTIGO 35 ARTIGO 36 N1 ARTIGO 46 N1 ARTIGO 78 N2 ARTIGO 118 N2 ARTIGO 171 ARTIGO 173.
CCIV867 ARTIGO 562.
CCIV66 ARTIGO 279 A C D E ARTIGO 296.
CPC67 ARTIGO 144 N2.
LSQ DE 1901/04/11 ARTIGO 46 PAR1.
DL 323/70 DE 1970/07/11.
DL 450/78 DE 1978/12/30 ARTIGO 3 N1.
L 35/80 DE 1980/07/29.
Legislação Estrangeira: CPC FRANÇA ART1033.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RC DE 1980/08/26.
ACÓRDÃO RE DE 1980/08/29.
ASSENTO STJ DE 1966/11/04 IN BMJ N161 PAG229.
ASSENTO STJ DE 1971/03/16 IN BMJ N205 PAG115.
ASSENTO STJ DE 1973/12/05 IN BMJ N232 PAG37.
Sumário :
Para efeitos de apresentação de candidatos as eleições para a Assembleia da Republica nos termos do artigo 21, n. 1, da Lei n. 14/79, de 16 de Maio, os partidos politicos devem ser registados antes de se iniciar o prazo de apresentação de candidaturas, mesmo que seja domingo o primeiro dia do prazo.
Decisão Texto Integral:
I Relatorio
Marcadas as eleições da Assembleia da Republica para 5 de Outubro de 1980, a apresentação das candidaturas cabia aos partidos politicos "desde que registados ate ao inicio do prazo de apresentação de candidaturas" ( artigo 21, n. 1, da Lei n. 14/79, de 16 de Maio), inicio que teria lugar em 27 de Julho de 1980, por corresponder ao 70 dia anterior a data prevista para as eleições ( artigo 23, n. 2).
A Força de Unidade Popular apenas se registou como partido politico no dia 28 de Julho de 1980, e por isso, o Acordão da Relação de Coimbra de 26 de Agosto de 1980 considerou extemporanea a apresentação das candidaturas da FUP pelo circulo eleitoral de Viseu, com o fundamento de que os partidos politicos deviam ter efectuado a sua inscrição antes do dia 27 de Julho, apesar de o dia 27 de Julho ser um domingo.
Diversamente, o Acordão da Relação de Evora de 29 de Agosto de 1980 declarou tempestiva a apresentação da lista dos candidatos da FUP pelo circulo de Santarem, por haver entendido que os partidos politicos podiam ainda registar-se durante o dia 28 de Julho, visto ser o 1 dia util do prazo de apresentação de candidaturas.
No presente recurso para o tribunal pleno interposto pelo Ministerio Publico, a 2 Secção deste Supremo Tribunal ja se pronunciou no sentido de que os Acordãos das Relações de Coimbra e de Evora, atras indicados, foram proferidos no dominio da mesma legislação e adoptaram soluções opostas quanto ao problema da determinação do momento ate ao qual os partidos politicos devem ser registados para o efeito de poderem apresentar candidaturas quando o 70 dia anterior a data prevista para as eleições caia a um domingo (artigos 21, n. 1, e 23, n. 2, da Lei n. 14/79).
Neste Tribunal, o representante do Ministerio Publico e de opinião de que se deve tirar assento que consagre a necessidade de os partidos ja estarem registados antes do inicio do prazo para a apresentação das candidaturas.
II - Fundamentos
2.1- Nota introdutoria:
Não são apenas de agora, nem exclusivo do mundo forense portugues, os inumeros problemas que tem preocupado os juristas acerca do modo de contar os prazos.
Apesar da natural exiguidade de assentos tirados anualmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, basta atentar que, entre nos, nos ultimos 15 anos tres deles debruçaram-se precisamente sobre esse tema: o Assento de 4 de Novembro de 1966 ( Boletim do Ministerio da Justiça, n. 161, paginas 229), que mandou observar a artigo 562 do Codigo Civil de Seabra no computo do prazo estabelecido no artigo 46, paragrafo 1, da Lei de 11 de Abril de 1901; o Assento de 16 de Março de 1971 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 205, paginas 115), que prescreveu a transferencia para o primeiro dia util seguinte ao encerramento da secretaria judicial do termo do prazo para se pedir a anulação ou suspensão de deliberações sociais, e o Assento de 5 de Dezembro de 1973 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 232, pagina 37), segundo o qual a contagem do tempo de cumprimento da pena de prisão fixado em meses e feita nos termos da alinea c) do artigo 279 do Codigo Civil.
A profunda divisão que se cavou nos tribunais franceses a respeito de saber se os prazos de caducidade seria aplicavel o artigo 1033, alinea 3), do Codigo de Processo Civil (que prolonga para o primeiro dia util qualquer prazo de processo que finde em dia feriado ou num sabado) levou Michel Vasseur (Revue Trimestrielle de Droit Civil, 49, n.
4, pagina 472), a reconhecer: "La jurisprudence n'en saurait etre incriminee. Le probleme est d'ordre legislatif."
Para evitar mais duvidas e disparidades de tratamento, os Codigos Civis alemão e suiço optaram pela via de firmar regras unitarias sobre o computo dos prazos mais ou menos completas ( Vaz Serra,
Boletim do Ministerio da Justiça, n. 105, paginas 244), nesta linha de orientação se havendo tambem inspirado os artigos 279 e 296 do nosso Codigo Civil.
Não obstante, aqui e alem-fronteiras, as hesitações permanecem, constituindo o preço inevitavel da diversificada legislação que a vida moderna obriga a publicar todos os dias.
Não deve, por conseguinte, causar surpresa que, mesmo em assunto de tamanha magnitude como o atinente as eleições para a Assembleia da Republica, uma contradição de julgados haja brotado.
2.2- Interpretação do artigo 21, n. 1, da Lei n. 14/79, de 16 de Maio.
Segundo o artigo 23, ns. 1 e 2, da Lei n. 14/79, a apresentação de candidaturas pelos orgãos competentes dos partidos politicos deve fazer-se entre os 70 e os 55 dias anteriores a data prevista para as eleições, perante o juiz do circulo judicial, com sede na capital do circulo eleitoral. E como o artigo 21, n. 1, estipula que "as candidaturas são apresentadas pelos partidos politicos, isoladamente ou em coligação, desde que registados ate ao inicio do prazo de apresentação de candidaturas", suscita-se a questão de saber se o artigo 21, n. 1, autoriza que a inscrição no Supremo Tribunal de Justiça de um partido ocorra no proprio dia em que se inicia o prazo de apresentação de candidaturas ou se, pelo contrario, o registo do partido politico ja deve estar feito quando se inicia esse prazo.
Para o Acordão da Relação de Evora de 29 de Agosto de 1980 a expressão "ate ao inicio do prazo de apresentação de candidaturas" deve ser interpretada no sentido literal, que inclui o proprio dia do inicio da entrega das candidaturas, porque, se outro tivesse sido o intuito do legislador, ter-se-ia utilizado a frase "desde que registados antes do inicio do prazo de apresentação de candidaturas".
Considere-se, antes de tudo, o significado gramatical da expressão.
A Grande Enciclopedia Portuguesa e Brasileira informa que a proposição ate serve para indicar limite, ponto alem do qual se não passa, tanto no tempo como no espaço ou nas acções.
Isto não basta, no entanto, para que se fique a conhecer o limite concreto no tempo ou no espaço que a preposição pretende exprimir, tudo dependendo do modo como se encontra redigida a frase e do contexto em que a proposição se insere. Assim, a frase "era moço de 12 ate 13 anos" (Gaspar Correia Lendas da India) esta longe de querer rejeitar a eventualidade de o moço ja haver completado os 13 anos. Diferentemente, quando Alves Redol relata, no romance Avieiros, que Linda "esteve para sair, caminhando na escuridão ate ao rio" não teve certamente em vista que, nesse passeio nocturno, a Linda chegasse a mergulhar os pes na agua do rio.
Em sintonia com estas passagens da literatura nacional, na linguagem corrente a preposição ate pode igualmente proporcionar a frase os dois sentidos expostos. Assim, quando alguem refere o proposito de regressar de uma viagem ate dia 20 pode querer exprimir a ideia de que o regresso se efectuara ou ate as 24 horas do dia 19, ou mesmo durante o dia 20. Que a frase comporta perfeitamente os dois sentidos demonstra-o a circunstancia de o seu significado poder ser reforçado pelo aditamento dos adverbios inclusive ou exclusive, consoante esteja planeado ou não que o regresso possa ter lugar no proprio dia 20.
Ja nas Ordenações Afonsinas (III, titulo 19, paragrafo unico) se dizia "e recresce duvida ao julgador, se aquele dia, em que se acaba o dito termo, se entendera inclusive, ou exclusive, que quer tanto dizer como se compreendera em o dito termo ou não".
Por isso, se o artigo 21, n. 1, da Lei n. 14/79 facultasse a apresentação das listas dos candidatos pelos partidos politicos "registados ate ao dia do inicio do prazo de apresentação de candidaturas", tal ainda poderia revelar a intenção de permitir a inscrição dos partidos no proprio dia do inicio do prazo de candidaturas, e tanto que a frase bem podia ser aditado o vocabulo inclusive.
Nesta linha de raciocinio, quando o artigo 9 da mesma Lei n. 14/79 proibe os candidatos que sejam presidentes das camaras municipais de exercer as respectivas funções "desde a data da apresentação de candidaturas e ate ao dia das eleições", quer patentear seguramente que a incompatibilidade afecta o proprio dia das eleições.
Simplesmente, o artigo 21, n. 1, prescreve coisa bem diversa ao estabelecer a obrigação de os partidos se constituirem "ate ao inicio do prazo de apresentação de candidaturas" - frase de sentido tão diferente da que autorizasse o registo dos partidos ate ao dia do inicio do prazo das candidaturas quando e certo que o texto do artigo 21, n. 1, nem sequer comporta que, gramaticalmente, se lhe adite o adverbio inclusive.
Reconhece-se, em todo o caso, que, do ponto de vista literal, o artigo 21, n. 1, tambem consentiria que os partidos se registassem na fase inicial do prazo de entrega das candidaturas.
Essa fase inicial e que não poderia restringir-se ao 1 dia do inicio do prazo, ja que a letra do artigo 21, n. 1, o não permite de modo algum. Se o texto se não refere ao periodo de tempo dia, nem a qualquer outro, com que base se poderia autorizar a inscrição dos partidos no 1 dia do inicio do prazo, e não no 1 minuto, ou na 1 hora, ou mesmo na 1 semana do prazo de apresentação de candidaturas?
Por outras palavras: o artigo 21, n. 1, alude ao inicio do prazo, não indicando, porem, qualquer lapso de tempo respeitante a essa fase inicial, e, por isso , do ponto de vista do elemento literal, não ha possibilidade de se interpretar o artigo 21, n. 1, como facultando o registo dos partidos apenas no 1 dia do inicio do prazo, e não no 1 minuto, na 1 hora, ou ate na 1 semana.
Mais ainda: como o prazo de entrega das candidaturas e de 15 dias (artigo 23, n. 2), a analise granmatical do artigo 21, n. 1, conduziria a faculdade de os partidos se registarem no n. 2, no n. 3, no 4 dia, ou seja, durante aquele periodo de tempo que pudesse ainda estar compreendido na fase inicial do prazo.
Abdallah pode certamente dizer: "Se os mensageiros dos levantados não chegarem ate o anoitecer, não falemos mais nisso" (Herculano, em "O Alcaide de Santarem", Lendas e Narrativas, 2. edição, I, pagina 8).
Não se concebe, todavia que a lei fixe um termo ad quem com vocabulos ou expressões, tais como anoitecer ou fase inicial do prazo. Na verdade, o termo ad quem de um prazo ha-de ser traduzido sempre por um momento determinado. Materia que tem a haver, efectivamente, com a atribuição de direitos ou a sua recusa, um termo ad quem não pode ser expresso por um periodo de tempo um tanto vago, indefinido e incerto.

Em contrario podera alegar-se que, sendo a palavra inicio sinonima de principio, o inicio do prazo de apresentação de candidaturas, a que alude o artigo 21, n. 1, corresponde ao 1 dia desse prazo, porquanto o artigo 279, alinea a), do Codigo Civil prescreve que o termo referido ao principio do mes ou do ano se entende reportado, respectivamente, ao 1 dia do mes ou do ano, não havendo razão que impeça a submissão dos prazos previstos na legislação eleitoral as regras interpretativas constantes do artigo 279 do Codigo Civil (confere n. 2.3.1).
A objecção não fica, porem, sem resposta.
Antes de mais, o artigo 279 alinea a), apenas declara o que se deve entender por principio do mes e do ano. Logo, e ate pela circunstancia de a alinea a) haver omitido o significado da expressão principio da semana [apesar de se tratar de um lapso de tempo especialmente comtemplado nas alineas c) e d) do mesmo artigo 279], não se pode inferir que, no pensamento da lei, o principio de um prazo corresponda ao 1 dia do prazo.
Acresce que a alinea a) preve a hipotese de o termo se referir ao principio do mes e do ano. Ora, a situação regulada no artigo 21, n. 1, e algo diversa, na medida em que esta norma não autoriza que os partidos efectuem o seu registo no inicio do prazo das candidaturas, mas, antes, ate ao inicio desse prazo.
Por consequencia, do ponto de vista da letra do artigo 21, n. 1, mas sem ignorar o traço fundamental de precisão que deve caracterizar um termo ad quem, ha-de convir-se que os partidos politicos não podem apresentar candidatos as eleições desde que o seu registo haja ocorrido depois de iniciado o prazo das candidaturas.
A Relação de Evora adverte, contudo, que a proibição de os partidos se constituirem no proprio dia do inicio do prazo apenas seria concebivel caso a lei declarasse que o registo dos partidos devia ter lugar antes do inicio do prazo de apresentação de candidaturas.
Semelhante entendimento esbarra logo com o artigo 22, n. 1, da Lei n. 14/79, ao preceituar que "as coligações de partidos para fins eleitorais [...] devem ser comunicadas ate a apresentação efectiva das candidaturas [...] a Comissão Nacional de Eleições". Embora o artigo 22, n. 1, pudesse realmente declarar que "as coligações de partidos para fins eleitorais [...] devem ser comunicadas antes da apresentação efectiva das candidaturas", a preferencia pelo emprego da preposição ate, e para mais logo no artigo imediato, corrobora de algum modo a interpretação atribuida ao artigo 21, n. 1. Efectivamente, pode dizer-se que a proposição ate foi usada nos artigos 21, n. 1, e 22, n. 1, com o mesmo significado, na medida em que o artigo 22, n. 1, tambem utilizou a preposição para revelar que a comunicação a Comissão Nacional de Eleições devia proceder um momento muito preciso - o da apresentação efectiva das candidaturas.
A interpretação gramatical do artigo 21, n. 1, harmoniza-se, de resto, com a sua ratio legis.
Que razão ponderosa tera levado o legislador a exigir que os partidos se constituam ate ao inicio do prazo de apresentação de candidaturas, não se contentando com o sistema de a personalidade juridica dos partidos ser adquirida ate a apresentação efectiva das mesmas candidaturas?
Na escolha dos candidatos a deputados, nenhum partido pode olhar, exclusivamente, para o seu seio e para o perfil dos seus candidatos. Como não pode deixar de ser, cada partido tem de tomar em consideração as demais forças concorrentes e o peso politico dos outros eventuais candidatos em cada circulo eleitoral. So o conhecimento de quais os partidos que existem no Pais e de qual a projecção politica dos possiveis candidatos rivais possibilita a cada partido uma elaboração cuidada e conscienciosa das listas dos seus proprios candidatos.
Esta a razão por que o artigo 21, n. 1, faz depender o direito de um partido apresentar candidatos da circunstancia de o partido se encontrar constituido ate ao inicio do prazo de candidaturas, e não ate a apresentação efectiva da respectiva lista de candidatos.
Sendo assim, como logo no 70 dia anterior a data das eleições qualquer partido pode indicar os seus candidatos, a razão de ser do artigo 21, n. 1, aconselha que, nesse dia, cada um dos partidos ja saiba quais são as restantes forças politicas que podem apresentar candidatos a deputados, e, por isso, os partidos ja devem estar registados na altura em que se inicia o prazo de candidaturas.
Concretizando: como o prazo de entrega das listas de candidatos se iniciou a 27 de Julho, para fins do artigo 21, n. 1, os partidos politicos deviam ter obtido o seu registo ate ao fim do dia 26 de Julho.
2.3- Se a inscrição dos partidos politicos pode ser diferida quando o dia de inicio do prazo de candidaturas seja um domingo.
Por ser domingo o dia 27 de Julho de 1980, o acordão da Relação de Evora sustenta que, mesmo que o registo dos partidos tivesse de ocorrer antes de inicio do prazo de candidaturas, a solução teria, no caso concreto, de ser diferente, devido ao preceituado nos artigos 296 e 279, alinea e), do Codigo Civil e no artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil, na redacção do então vigente Decreto-Lei n. 323/70 de 11 de Julho.
Esta nova faceta do problema determina que a atenção incida, separadamente, sobre os artigos 296 e 279, alinea e), do Codigo Civil e sobre o artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil.
2.3.1- Se os artigos 296 e 279, alinea e), do Codigo Civil são aplicaveis no caso vertente.
O acordão da Relação de Evora aplica a legislação eleitoral o disposto no artigo 279, alinea e), do Codigo Civil, em razão de o artigo 296 prescrever a observancia das regras constantes do artigo 279 quanto aos prazos e termos fixados por lei.
Contrariando a posição assumida pela Relação de Evora, podia raciocinar-se: como o Codigo Civil e um diploma de direito privado, o artigo 296 so pode ter tido o intuito de sujeitar as regras do artigo 279 os prazos e termos fixados por norma de direito privado; seria, na verdade, deveras estranho que um diploma de direito privado se arrogasse explicitamente o papel de disciplinar outros ramos de direito.
Não merece censura esta possivel objecção ao acordão da Relação de Evora.
A proposito, de-se a palavra a Freitas do Amaral (Direito Administrativo e Ciencia da Administração, edição de 1978, paginas 41 e 42): "O facto de se dizer, e esta certo que a solução dos casos omissos do Direito Administrativo não deve, em nenhum caso, ser procurada nas soluções de direito privado não impede que por vezes suceda encontrar-se, no Codigo Civil ou noutros diplomas de direito privado, normas aplicaveis a um certo numero de problemas de direito administrativo. Porque? Porque, por vezes, alguns diplomas de direito privado contem principios gerais do direito, que são comuns, quer ao direito privado quer ao direito publico. E, doutras vezes, acontece mesmo que, por defeito do legislador, ha diplomas de direito privado que estabelecem principios gerais do direito publico. Não deveria ser assim, mas por vezes o legislador aproveita um diploma de direito privado para estabelecer um principio de direito publico".
Foi o que se passou com o artigo 296 do Codigo Civil, que intencionalmente incorreu na tecnica defeituosa de submeter as regras do artigo 279 os prazos e termos fixados por lei de qualquer especie.
Durante os trabalhos preparatorios do Codigo Civil foi, efectivamente, sentida a necessidade de firmar regras unitarias sobre a contagem dos prazos (Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, ns. 50, paginas 92, 105, pagina 242, e 107, pagina 249), havendo-se na oportunidade destacado que, no direito alemão, "as regras dos paragrafos 187 a 193 valem, não so para o direito privado, mas tambem [...] para todas as esferas do direito, valem, como diz o paragrafo 186, para os prazos e termos contidos nas leis, resoluções judiciais e negocios juridicos, em especial tambem para [...] o direito politico" (Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 50, pagina 93).
Pires de Lima e Antunes Varela ( Codigo Civil Anotado, 2 edição, ano I, pagina 250) tambem reconhecem que, merce do artigo 296, as normas do artigo 279 se aplicam "tanto no campo do direito privado como no direito publico", e outro não foi o entendimento do Assento de 5 de Dezembro de 1973 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 232, pagina 37) ao ordenar a aplicação da alinea c) do artigo 279 do Codigo Civil a contagem da pena de prisão fixada em meses - materia que não ultrapassa a orbita do direito publico.
Tecnica defeituosa, sem duvida, a de, em diploma de direito privado, se traçar o regime de outros ramos de direito: mas, de qualquer modo, orientação preferivel a adoptada na Italia, onde a disciplina do computo do tempo estabelecida no Codigo Civil a respeito da prescrição e forçada a alargar-se a todos os casos em que o computo do tempo tenha relevancia juridica (Santoro - Passerelli, Teoria Geral do Direito Civil, tradução de Manuel de Alarcão, pagina 87).
Face ao exposto, por ora pode dizer-se que, em caso de duvida e na falta de disposição em contrario, o artigo 279 se aplica aos prazos referidos na legislação eleitoral. Assim, por exemplo, deve ser observada a regra, prescrita na alinea b) do artigo 279, de se não incluir o dia em que ocorre o evento a partir do qual o prazo começa a correr.
Onde o acordão da Relação de Evora claudica e na parte em que, com assento no artigo 296, faz intervir no debate a regra do artigo 279, alinea e), segundo a qual o prazo que termine em domingo ou dia feriado se transfere para o primeiro dia util. Apesar de ser domingo o dia do inicio do prazo das candidaturas, a invocação do artigo 279, alinea e), não se compreende de nenhum jeito.
Na realidade, no que toca ao prazo de apresentação de candidaturas, a alusão ao artigo 279, alinea e), e de todo descabida, porque a alinea e) so manda transferir para o primeiro dia util os prazos que terminem aos domingos, sendo certo que na hipotese foi o "dies a quo" que caiu a um domingo.
No que respeita ao prazo para a inscrição dos partidos politicos, o artigo 279, alinea e), tambem se não pode aplicar pela razão muito singela de esse prazo haver findado a um sabado, dia da semana a que a alinea e) se não refere. Ainda que, por força do artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil, devesse ser adiado o termo do prazo para o registo dos partidos, não era o artigo 279, alinea e), que devia ser chamado a colação, mas unica e exclusivamente o artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil, visto neste se preceituar: "quando o prazo para a pratica de determinado acto termine ao sabado, tranfere-se o seu termo para o primeiro dia util seguinte".

2.3.2- Se o artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n. 323/70, se pode aplicar na hipotese concreta.
Mais perturbador se revela o seguinte raciocinio da Relação de Evora: havendo o prazo de registo dos partidos terminado no sabado anterior ao domingo em que se iniciava o prazo das candidaturas, por imperativo do artigo 144, n. 3, o registo dos partidos devia ser transferido para o primeiro dia util seguinte, ou seja, para a segunda-feira 28 de Julho, data em que efectivamente a FUP obteve o seu registo no Supremo Tribunal de Justiça como partido politico.
Não obstante a sua aparente valia, o argumento e de rejeitar.
O n. 3 do artigo 144, subordinado como esta ao seu n. 1, apenas se reporta aos prazos judiciais (neste sentido, Sa Carneiro, Revista dos Tribunais, ano 89, pagina 192). Ora, para Alberto dos Reis (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 81, pagina 38) o prazo judicial ou processual pressupõe necessariamente que ja existe um processo, sendo função do prazo judicial regular a distancia entre dois actos do processo. Nesta conformidade, quem adira a doutrina de Alberto dos Reis não podera invocar o artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil, porque o prazo firmado na lei para o registo dos partidos politicos não visa regular a distancia entre dois actos do processo. Alias, verdadeiramente, os partidos não estão sujeitos a qualquer prazo para se constituirem, uma vez que a todo o momento podem ser registados. Sucede, apenas, que, por força do artigo 21, n. 1, o acto de apresentação de candidatos a deputados pelos orgãos competentes dos partidos politicos depende de um requisito essencial: os partidos devem mostrar-se registados antes do dia em que se inicia o prazo de candidaturas, ainda que esse dia seja um domingo.
Admitindo-se, ao inves, que ha um prazo judicial sempre que o termo ad quem respeite a acto a praticar em juizo, nem assim se tera encontrado apoio seguro para submeter ao artigo 144, n. 3, o prazo de registo dos partidos que pretendam indicar candidatos as eleições para a Assembleia da Republica.
Sem falar ja que, no sabado 26 de Julho de 1980, os partidos politicos ainda podiam obter o seu registo no Supremo Tribunal de Justiça, visto as secretarias judiciais so terem passado a encerrar aos sabados a partir do dia 30 de Julho desse ano (confere artigo 3, n. 1, do Decreto-Lei n. 450/78, de 30 de Dezembro, na redacção da Lei n. 35/80, de 29 de Julho), uma disposição da Lei n. 14/79 impede que o terminus do prazo seja transferido do sabado para o primeiro dia util, ao abrigo do artigo 144, n. 3, ainda que porventura tal sabado fosse dia feriado ou caisse em periodo de ferias judiciais (artigo 279, alinea e), do Codigo Civil).
Na ideia dos juizes que subscrevem o Acordão da Relação de Coimbra de 26 de Agosto de 1980 e do magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo, essa disposição seria o artigo 171 da
Lei n. 14/79, do teor seguinte: "Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços publicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horario normal dos competentes serviços ou repartições".
Parece, no entanto, evidente que o transcrito preceito nenhuma influencia exerce no tema equacionado, ja que o artigo 171 visou unicamente antecipar para o termo do horario normal das repartições publicas determinados prazos que, ao abrigo do artigo 279, alinea c), do Codigo Civil, so findariam as 24 horas do ultimo dia dos respectivos prazos [alinea c) que, no dizer de Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 100, paginas 87 e 367, igualmente funciona quando o prazo for de um certo numero de dias].
Julga-se ser o artigo 173 da Lei n. 14/79 o preceito que não autoriza que o dies ad quem assinalado no artigo 21, n. 1, seja protelado, quer ao abrigo do artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil, quer mesmo do artigo 279, alinea e), do Codigo Civil.
Certo que o artigo 173 diz simplesmente que "ficam revogados todos os diplomas ou normas que disponham em coincidencia ou em contrario com o estabelecido na presente lei"; o seu alcance e, todavia, bem mais profundo do que a letra do artigo deixa transparecer, sob pena de ser havido como tautologico.
Com efeito, a possibilidade de, a coberto do artigo 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil ou do artigo 279, alinea e), do Codigo Civil, o registo dos partidos so ter lugar no primeiro dia util subsequente ao sabado violaria frontalmente o comando do artigo 21, n. 1, da Lei n. 14/79, segundo o qual os partidos politicos ja devem estar registados quando se inicia o prazo de entrega das candidaturas. Ora, para evitar o diferimento dos prazos (e eventualmente outros resultados) e que o artigo 173 surgiu.
A tese da inaplicabilidade dos artigos 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil e 279, alinea e), do Codigo Civil ao prazo que os partidos usufruem para apresentar candidatos a deputados harmoniza-se, de resto, com a filosofia em que se apoiou o calendario das varias operações do acto eleitoral. E uma constante da Lei n. 14/79 a fixação, muito precisa e concreta, de curtos prazos, que se sucedem uns aos outros, desde que o Presidente da Republica marca a data das eleições com uma antecedencia minima de 80 dias (artigo 19, n. 1) ate a altura em que o tribunal da relação decide, no prazo de 48 horas, os recursos atinentes a irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento (artigo 118, n. 2) ou em que a Comissão Nacional de Eleições aprecia a regularidade das receitas e despesas de cada partido politico, no prazo de 60 dias a partir da proclamação oficial dos resultados das eleições (artigo 78, n. 2).
Como se pode ver de todos os seus preceitos (confere, entre outros, os artigos 23, n. 2, 26, n. 2, 28, ns. 2, 3 e 4, 30, ns. 1 e 2, 31, n. 1, 32, n. 2, 35, 36, n. 1 e 46, n. 1), houve da parte da Lei n. 14/79 um grande rigor na indicação do dies a quo e do dies ad quem dos prazos e no modo como se fez a coordenação dos diversos actos no tempo, a fim de evitar sovrapposizioni, inversioni, accavalamento di atti o per garantire la possibilita di difesa e la lealta del contradittorio od evitare che il processo si prolunghi all`infinito (Enrico Redenti, Diritto Processuale Civile, edição de 1949, anoI, paginas
161 e 162).
Desta sorte, a impossibilidade de se observar o disposto nos artigos 144, n. 3, do Codigo de Processo Civil e 279, alinea e), do Codigo Civil quanto ao prazo estabelecido no artigo 21, n. 1, da Lei n. 14/79 não constitui mais do que mero reflexo de um diploma naturalmente impregnado do proposito de evitar, na medida do possivel, um alargamento dos prazos nele firmados. Se assim não fosse, a realização das eleições na data escolhida pelo Presidente da Republica poderia ate ser facilmente posta em causa, merce, por exemplo, da invocação de um qualquer justo impedimento mais longo (artigo 146 do Codigo de Processo Civil) ou de certo acto dever ser adiado para o primeiro dia util subsequente as ferias judiciais atento o disposto no artigo 279, alinea e), do Codigo Civil.
III - Decisão sobre o conflito de jurisprudencia.
Funcionando em plenario, o Supremo Tribuna de Justiça lavra o seguinte assento:
Para efeitos de apresentação de candidatos as eleições para a Assembleia da Republica, nos termos do artigo
21, n. 1, da Lei n. 14/79, de 16 de Maio, os partidos politicos devem ser registados antes de se iniciar o prazo de apresentação de candidaturas, mesmo que seja domingo o 1 dia do prazo.

Lisboa, 14 de Janeiro de 1982

Americo Fernando de Campos Costa - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - Abel Vieira de Campos Carvalho Junior -
- Manuel Arelo Ferreira Manso - Manuel dos Santos Victor -
- Antonio Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior - Anibal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - Antonio Furtado dos Santos - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte Real - Sebastião de Barros e Sa Gomes - Amilcar Moreira da Silva - Jose Henriques Simões - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo -
- Orlando de Paiva Vasconcelos Carvalho - Jose Luis Pereira - Manuel do Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Augusto Victor Coelho - Mario de Brito - Jose dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca -
- Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - João Fernandes Lopes Neves - Antero Pereira Leitão.