Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S2774
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: EMÉRICO SOARES
Nº do Documento: SJ200301290027744
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 12235/01
Data: 03/20/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

No Tribunal do Trabalho da Comarca de Lisboa, A, nos autos melhor identificado, propôs acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B, com sede à Rua ... Alfragide, 2720-093, Amadora, pedindo a condenação desta Ré a:
a) Pagar ao autor a importância correspondente ao valor das retribuições que aquele deixou de auferir desde 07.10.98 (data do despedimento) até à data da sentença, calculadas pelo valor mensal de esc. 2.224.338$00;
b) Pagar ao autor juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições que deixou de auferir;
c) Reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo se até à data da sentença aquele optar pela indemnização de antiguidade prevista no art. 13. do Dec-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, para tanto alegando, fundamentalmente, que sendo o A., desde 1/1/89, trabalhador subordinado da Ré, tendo desde 1.1.97 a categoria de FW3 - Quadro Superior - com a retribuição média mensal de 2.224.338$00, foi despedido pela Ré em 7.10.98; que porém o despedimento de que foi alvo é ilícito por inexistirem os fundamentos invocados e não estarem preenchidos os requisitos exigidos pelos arts. 2 e 3 do Dec-Lei n. 400/91, de 16-10, e não terem sido realizadas as diligências probatórias requeridas pelo autor e expressamente aceites pela ré, o que equivale à não audição do autor para o efeito de comunicação a que se refere o art. 4, n. 1, do mesmo diploma.
Contestou a Ré a acção fazendo-o por excepção e por impugnação.
Excepcionando, alega que o Autor aceitou o despedimento promovido pela Ré, recebendo e dispondo da quantia que a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho foi pela Ré depositada na sua conta bancária, através da qual a Ré pagava os seus salários.
E, impugnando, contraria os factos aduzidos pelo Autor na sua petição inicial, concluindo pela improcedência da acção e que, na eventualidade da sua procedência, ser o A. condenado a pagar à Ré a quantia de 17.424.800$00 mais juros vincendos desde a condenação até efectivo pagamento e da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829-A do Cód. Civ..
Respondeu o A. à matéria exceptiva deduzida pela Ré, concluindo pela improcedência da excepção.
A fls. 717, foi proferido o despacho saneador com a afirmação genérica de verificação dos pressupostos da validade e regularidade da instância, seguindo-se-lhe a elaboração da especificação e do questionário, que foram objecto de reclamações por parte do A. e da Ré, sendo parcialmente atendida a da Ré e desatendida a do A.
Entretanto apresentou a R. articulado superveniente (fls. 128/129) no qual, alegando ter tido, supervenientemente conhecimento de que o A. exerce uma actividade profissional conclui que, no caso de proceder a tese do A. quanto à ilicitude do seu despedimento e de lhe serem devidas quaisquer remunerações há que deduzir a estes os montantes das importâncias relativas aos rendimentos de trabalho nos termos do art. 13, n. 2, al. a) do Dec-Lei n. 64-A/89.
Respondeu o A. a esse articulado superveniente (fls. 149/150) concluindo pela irrelevância da matéria nele alegada pela Ré.
Após a realização duma peritagem, realizou-se o julgamento, findo o qual respondeu-se ao questionário elaborado nos termos constantes do despacho de fls. 786 a 792, que motivaram as intervenções das partes que se acham registadas na acta de fls. 793 a 794, e determinaram uma rectificação da resposta dada ao quesito 17.
Seguiu-se a prolação da sentença, de fls. 795 a 813, que, face à procedência da excepção deduzida pela Ré, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido formulado pelo Autor.
Inconformado, levou o A. recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo douto acórdão de fls. 895 a 907, desatendeu a apelação e confirmou a decisão recorrida.
Ainda inconformado, traz o Autor recurso dessa decisão da Relação para este Supremo Tribunal, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. O recorrente opôs-se formalmente ao despedimento tanto no decurso do processo instaurado para o efeito, como no momento em que dele tomou conhecimento;
2. Na data em que lhe foi anunciada a intenção da recorrida proceder ao depósito bancário da compensação pelo despedimento, comunicou-lhe por escrito, que o fazia por sua exclusiva conta e risco, e que a entrada daquele dinheiro na sua conta bancária nada tinha a ver com qualquer concordância da sua parte em o receber;
3. O facto do recorrente ter guardado o depósito da compensação noutro banco, em contas de que também era titular, mantendo sempre nestas contas valor igual ou superior ao da compensação, só por si, não permite presumir que recebeu a referida compensação.
4. Perante a factualidade provada e circunstâncias concretas da movimentação da quantia depositada a título de compensação, nada nos autos permite concluir que o trabalhador a recebeu para efeitos de se considerar ter aceite o despedimento.
5. Pelo que a excepção alegada na contestação deveria ter sido julgada improcedente por não provada.
6. Por outro lado, o recorrente provou que em momento algum aceitou o despedimento de que foi alvo.
7. A presunção estabelecida no art. 23, n. 3 do Dec-Lei n. 64-A/89 de 27 de Fevereiro é ilidível por ser esta a interpretação que melhor se harmoniza com os princípios jurídico-constitucionais dominantes no Direito Laboral para acautelar a parte mais débil economicamente na relação de trabalho.
8. Caso contrário, aquele preceito legal traduzir-se-ia numa pressão inadmissível sobre o trabalhador, impedindo-o de recorrer a Tribunal para reagir contra um despedimento eventualmente ilegal, tendo como contrapartida uma quantia pecuniária, depositada unilateralmente pela entidade patronal contra a vontade do trabalhador, sem qualquer controlo jurisdicional ou administrativo.
9. Ao considerar-se aquela presunção "jure et de jure" foram claramente violadas as garantias constitucionais de segurança no emprego e direito ao trabalho consagradas nos arts. 53 e 58 da Constituição da República Portuguesa.
10. O douto Acórdão recorrido, violou, pois, por errada interpretação e aplicação o disposto no art. 23, n. 3, do Dec-Lei n. 64-A/89 de 27 de Fevereiro e nos arts. 53 e 58, da CRP, devendo, por isso, ser revogado, baixando o processo às Instâncias para julgarem o pleito de acordo com os factos provados.
Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida, no mesmo sentido manifestando o Dgmo. Procurador-Geral Adjunto o seu entendimento no seu douto parecer que se acha a fls. 949 a 959.
Colhidos que se mostram os legais vistos cumpre apreciar e decidir tendo em conta que as únicas questões que a Recorrente levanta nas conclusões da sua alegação que, como se sabe, delimitam, em princípio o objecto do recurso - arts. 684, n. 3 e 690, n. 1, do Cód. Proc. Civ., prendem-se com saber se a facticidade apurada permite concluir que o Autor aceitou a compensação pela cessação da sua relação de trabalho e se a interpretação que na decisão recorrida se fez do art. 23, n. 3 do Dec-Lei n. 64-A/89 ofende "as garantias constitucionais de segurança no emprego e direito ao trabalho consagradas nos arts. 53 e 58 da Constituição da República.
É a seguinte a matéria de facto dada como apurada pelo Tribunal recorrido, que acolheu, sem alterações a que havia sido fixada pelo Tribunal da 1ª Instância:
A. O A. foi contratado em 1-1-89 para prestar a sua actividade sob a autoridade e direcção da R.
B. Ultimamente e desde 1-1-97, tinha a categoria de FW3 Quadro Superior.
C. O A. auferia da R. o vencimento base de 1.524.670$00 (14 vezes por ano) e subsídio de renda de casa de 88.500$00/mês.
D. A R. pagava ao A. um seguro de assistência médica e medicamentosa.
E. A R. proporcionava ao A. refeições a custo reduzido e um automóvel para utilização em serviço e para deslocações particulares, sendo por conta da R. os custos de manutenção do veículo e de combustível (com excepção do gasto em viagens particulares ao estrangeiro).
F. A R. comunicou ao A. consoante carta documentada a fls. 25, datada de 2-10-98, que na sequência do processo de despedimento por inadaptação que lhe fora instaurado decidira fazer cessar o contrato de trabalho que, desde 1-1-89, ligava à R.
G. Em 6-8-98 a R. enviara ao A. a carta documentada a fls. 32-34, informando-o de que «perante a forma como exercia as funções que lhe foram confiadas, tornou-se impossível a subsistência da relação de trabalho, por clara incapacidade de atingir os objectivos que fixou e foram aceites pela administração», tendo, nessa carta, o A. sido convidado a deduzir oposição à cessação do seu contrato de trabalho e oferecer meios de prova.
I . O A. respondeu através da carta documentada a fls. 3, 41, datada de 24-8-98.
J. Datada de 31-8-98, o A. enviou à R. a comunicação documentada a fls. 42.
L. Em 1-9-98, o A. requereu verbalmente a consulta do processo disciplinar, o que lhe foi recusado com a argumentação constante do auto de inquirição de fls. 43-44.
M. O A. enviou à R. a comunicação escrita, datada de 2-9-98 e documentada a fls. 47-48.
N. A R. respondeu ao A. nos termos da carta documentada fls. 49-50, datada de 9-9-98.
O. O A. enviou à R. a carta datada de 10-9-98, documentada a fls. 51.
P. Em 11-9-98 o A., através do seu Exmo. mandatário, afirmou ao instrutor do processo que, se a R. quisesse, poderia ouvir por sua iniciativa as testemunhas arroladas pelo A., sendo que sobre este não impendia qualquer obrigação legal de apresentar, além de que o A. entendia que em face dos docs. juntos e do depoimento prestado pelo sr. C, estavam esclarecidos os factos que fundamentavam a oposição à cessação do contrato de trabalho.
Q. Em 8-10-98, o A. enviou à R. a carta documentada a fls. 53, da qual consta: que o A. não concorda nem aceita o despedimento; que a transferência do pagamento que a Ré menciona na sua carta corre por conta e risco da R. e que o facto desse dinheiro ter entrado na conta do A. nada tem a ver com qualquer concordância do A. em o receber.
R. A administração da R. atribuiu ao A. «novas funções na área das fábricas», a partir de 1-11-97, nomeando o eng. D para chefiar a Unidade de Negócios de Electrodomésticos, conforme circular documentada a fls. 54.
S. O A. deixou de desempenhar o cargo de chefia da Unidade de Negócios de Electrodomésticos desde 31-10-97.
T. O A. passou, a partir da data referida em R), a estar colocado na fábrica Indelma, continuando sob a autoridade, direcção e fiscalização da R. e recebendo desta a respectiva remuneração.
U. Em Fevereiro de 1998, estava prevista na B a transferência do A. para uma fábrica do grupo B, no Brasil transferência que, contudo, não se veio a concretizar, o que o A. foi informado em Julho de 1998.
V. A partir daí, a R. encetou negociações para revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo.
X. A R., enquanto o A. estava ao seu serviço, pagava-lhe os salários, por depósito na conta n. 25122419 do BCP.
Z. A R. procedeu ao depósito, na referida conta bancária, da quantia de 17.428.800$00, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
A'. - O A. procedeu ao levantamento daquela quantia da sua conta bancária referida em x.
B'. - No dia da inquirição das testemunhas por si arroladas o A. apresentou a testemunha C.
C'. - O A. não apresentou qualquer outra testemunha.
D'. - Não foram juntos ao processo pela R. os documentos que o A. requerera na sua resposta aludida em I), sob a alínea B) desta.
E'. - O A. em Julho de 1999, passou a ser sócio gerente da sociedade «E Consultores de Negócios e Gestão, Lda.». sociedade que tem por objecto a consultadoria para os negócios e a gestão, desenvolvimento de actividades de estudo, avaliação, projectos, implantações, assistência operacional e representações de marcas, nesse âmbito desenvolvendo o A. a sua actividade profissional.
F'. - A R. pagava ao A., pelo menos uma vez por ano, uma verba equivalente a um mês de ordenado e que era denominada de «prémio especial sem previdência».
G'. - O benefício pecuniário que o A. retirava do seguro referido em D) era de 5.000$00 mensais.
H'. - O benefício pecuniário que o A. retirava das refeições aludidas em E) era de 10.000$00 mensais.
I'. - No que respeita à utilização do veículo automóvel aos custos de manutenção e combustível do mesmo, tais benefícios atingiam o valor de 83.100$00 mensais.
J'. - O depoimento de parte de F requerido pelo A., no âmbito do processo a que se reportam os autos, foi realizado por escrito, dada a ausência deste do país, tendo sido o seu teor o de fls. 91.
L'. - Por funcionários da Direcção de Recursos Humanos da R. foram procurados mas não foram encontrados documentos correspondentes aos referidos em D).
M'. - O A. passara a exercer as funções de Director da Unidade .... de Negócio de Electrodomésticos a partir de 1-10-89.
N'. - Foi referido ao A. a necessidade de proceder à introdução de novos métodos de desenvolvimento do negócio com recurso às modernas tecnologias de marketing, o que este aceitou com grande entusiasmo por se considerar especialmente preparado e vocacionado para a introdução e implementação de tal tipo de tecnologias.
O'. - Para tal desiderato fez questão o A. de proceder a alterações no quadro de pessoal da referida Unidade de Negócio para assim melhor a adaptar à sua forma de trabalho.
P'. - Tais alterações implicaram a saída de cinco pessoas.
Q'. - Esta medida foi pelo A. considerada essencial para a introdução e desenvolvimento das novas tecnologias, pois, em seu entender, implicavam modificações profundas nas funções de Director da Unidade de Negócios de Electrodomésticos e no próprio funcionamento desta unidade de negócio.
R'. - A cada unidade de negócio cabe tomar as iniciativas que julgue necessárias ao desenvolvimento do negócio que lhe está cometido, nomeadamente a concepção e implementação de estratégias, processos e métodos que conduzam ao sucesso do mesmo.
S'. - Cada unidade de negócio na pessoa do seu Director, in casu o A., é responsável por todos os colaboradores que a integram, incluindo as acções de formação e aperfeiçoamento profissional, dando instruções sobre a melhor forma de atingir os resultados previamente propostos e acordados com a Administração.
T'. - Na sequência do referido nos quesitos anteriores foram propostos pelo A. para a Unidade de Negócios de Electrodomésticos e aceites anualmente pela Administração, em reuniões para o efeito ocorridas, os Volumes de Vendas e Resultados Operativos a seguir indicados (embora essas propostas e aceitação não constassem de documento escrito assinado pelo A. e pela Administração da R. ou de qualquer acta) e foram atingidos os resultados também indicados no quadro infra:
1.89/90 90/91 91/92 92/93 93/94
a) Volume de vendas
Plano 4.438 4.225 4.570 4.850 4.500
Atingido 3.349 3.939 4.869 4.658 4.448
b) Resultado operativo
Plano 20,00 27,0 6,0 44,10 4.448
Atingido 47,8 4 4 -132,0 -56,0
2. Anos 94/95 95/96 96/97
a) Volume de vendas
Plano 4.500 4.750 4.700
Atingido 4.250 4.691 4.057
c) Resultado operativo
Plano 7,0 27 38
Atingido -152,0 -276 -233
Nota: Valores em milhares de contos.
U'. - Quando das reuniões para verificação do cumprimento dos objectivos, afirmava habitualmente o A. que a situação ia melhorar.
V'. - A R., a fim de obter um outro posto de trabalho para o A. compatível com a sua categoria profissional, planeou a transferência aludida em U).
X'. - No local referido em T) o A. adquiria formação, apetrechamento técnico, com vista às funções que iria desempenhar na fábrica aludida em U), encontrando-se ali como forma de preparação para o cargo que nesta fábrica ia desempenhar.
Z'. - Na R. não existia disponível um posto de trabalho para o A., atentos o seu perfil, formação e experiência, considerando que o A. se integrava no grupo dos «Quadros Superiores», Nível de Função FW3.
A''. Constando do «Plano» de 1996/97 o valor de 4.700.00$00 contos, relativo ao volume de vendas (incluindo serviços de assistência técnica), ao longo do ano foram sendo feitas previsões sobre qual iria ser esse volume de vendas, no final do ano económico (que começava em 1-10 e terminava em 30-9) essa previsão - de qual iria ser o volume de vendas (V-ist) - correspondia a 3.950.000 contos, sendo 3.450.000 propriamente para as vendas e 500.000 para a assistência técnica.
B''. Também nos anos anteriores para além dos valores constantes dos «Planos» e respeitantes ao volume de vendas, ao longo do ano iam sendo feitas previsões sobre os valores que seriam atingidos.
C''. A má qualidade de alguns modelos de máquinas de lavar roupa B - fabricadas em Espanha- obrigou suspensão das vendas desses modelos por três meses e provocou danos de imagem.
D''. A introdução do novo sistema informático (SAP) causou, durante algum tempo, falhas nas entregas aos clientes.
E''. O encerramento de negócios da electrónica de consumo reduziu a facturação.
F''. A falhada introdução do negócio multimédia impediu o crescimento esperado das vendas.
G''. No dia 9-10-98, o A. procedeu ao levantamento de 24.000.00$00 (nos quais se incluía a quantia referida em Z) e A') que transferiu da conta referida em X) para a conta n.º 000/60049/481.8 do BES (conta Poupança BES 100% onde foi creditada em 13-10-98; esta conta saldou em 16-10-98, por transferência para a conta n.º 007/60049/000.6 (da qual o A. é 1º titular); desta última conta foram transferidos para a conta n. 36.850 da sucursal de Londres do BES (da qual o A. é também, 1º titular) 101.010.000$00; com data valor de 29-6-99 for transferido desta conta o montante de 24.000.000$00 para a já referida conta n. 007/60049/000.6; em 2-10-99 o A. constituiu a conta n.º 007/64173/480.5 (BES 100%) onde creditou a quantia de 17.424.800$00, tendo após sido recebidos nessa conta, apenas, os juros entretanto vencidos; esclarece-se que o A. deslocou os valores supra mencionados para a sucursal do BES em Londres na ocasião em que ele próprio foi para Inglaterra com perspectivas de aí desenvolver actividade profissional.
H''. Pelas funções aludidas em E), o A., até ao mês de Janeiro de 2000, auferiu uma remuneração mensal de 95.700$00, passando a partir dessa data a remuneração a ser de 63.800$00.
Esta facticidade, que não foi minimamente posta em causa pelas partes, impõe-se a este Supremo Tribunal em obediência ao disposto nos arts. 85, n. 1 do Cód. Proc. Trab. (1981) e 729, n. 1 do Cód. Proc. Civ., sendo que não se vislumbra que ocorra caso excepcional, previsto no n. 2 do art. 722 do Cód. Proc. Civ., que permita a sua alteração ou que se verifique a necessidade de devolver o processo ao Tribunal recorrido para o efeito de ampliação da decisão de facto.
É, pois, com esse material factício fixado que se hão-de resolver as concretas questões que neste recurso se levantam e que mais acima ficaram enunciadas.
A primeira delas consiste em saber se a matéria de facto, apurada é permissiva do entendimento de que o Autor, recebeu a compensação pela cessação da sua relação laboral com a R. ora Recorrida com a consequência de ter aceite o seu despedimento.
Os factos a ter aqui em conta são os referidos nos pontos U., V., X., Z., A' e G". E, assim, temos, em síntese, que, tendo a ora Recorrida, a partir de Julho de 1998, encetado negociações com o ora Recorrente para a cessação, por mútuo acordo, da relação laboral entre eles existentes, aquela procedeu ao depósito na conta bancária do Recorrente - que era utilizada pela patronal para o pagamento dos seus salários - da quantia de 17.428.800$00, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho. O Recorrente procedeu ao levantamento dessa importância, movimentando essa quantia, efectuando várias deslocações interbancárias da mesma, inclusive para uma conta do recorrente na sucursal de Londres do BES.
Não obstante isto, sustenta o Recorrente que estes factos não são suficientes para deles se concluir pela aceitação, por parte dele, dessa quantia compensatória. Até porque, diz, ao ser confrontado com os motivos alegados pela Ré para fazer cessar o contrato de trabalho, por carta de 24.08.98 enviada à Ré, o Autor opôs-se ao anunciado despedimento, oposição que confirmou na carta que enviou à Ré, de 10-09-98. E tendo-lhe a Ré comunicado o despedimento por carta de 02-10-98, em 08-10-98 o Autor comunicou-lhe que "não concorda nem aceita o despedimento, que a transferência que a ré menciona na sua carta corre por conta e risco da ré e que o facto desse dinheiro ter entrado na conta do autor nada tem a ver com qualquer concordância do autor em o receber".
Não põe o Recorrente em causa que a questão em apreço, em atenção à data em que ocorreram os factos, deve ser perspectivada em harmonia com o disposto no n. 3 do art. 23 do Dec-Lei n. 64-A/89 de 27-2 (LCCT), na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n. 32/99, de 18-05, segundo a qual o recebimento pelo trabalhador da compensação a que se refere o n. 1 do mesmo artigo vale como aceitação do despedimento. O que contesta é que os factos apurados autorizem a concluir que houve, da sua parte, aceitação do montante compensatório do despedimento que a Recorrida, como sua entidade patronal, depositou na sua conta bancária.
Mas, sem quebra do respeito devido, não lhe assiste razão.
Na verdade, se a entidade patronal efectuou o depósito, na conta do Autor - na mesma em que habitualmente depositava os seus salários - da quantia compensatória da cessação do contrato de trabalho, comunicando-lhe que o fazia a título de compensação por despedimento por sua inadaptação ao posto de trabalho (Dec-Lei n. 400/81, de 16-10), e o Autor não só não devolveu essa importância à procedência, nem a manteve inerte na conta onde fora depositada, mas antes, a movimentou transferindo-a de conta em conta da sua titularidade, outra não podia ser, efectivamente, a conclusão senão a de que o Recorrente exerceu actos de domínio e de disposição sobre o respectivo dinheiro e que, portanto, aceitou essa compensação. E isto, não obstante ter comunicado à Recorrida que não aceitava o despedimento e que o depósito feito ficava por conta e risco da mesma Recorrente.
Até porque se nos afigura contraditório dizer-se, por um lado, que o dinheiro fica por conta e risco da Recorrida e, pelo outro, movimentar-se esse mesmo dinheiro de conta em conta, da titularidade do Recorrente, e até para uma outra, em sucursal do Banco situado no estrangeiro.
Como se disse, dispunha ao tempo o n.º 3 do art. 23º da LCCT que o recebimento da compensação vale como aceitação, do despedimento, resultando deste normativo que recebida pelo trabalhador a compensação, já não podia o mesmo, questionar a ilicitude do despedimento. Assim o recebimento da compensação fazia presumir, "juris et de jure" (1), a aceitação do despedimento.
Colocadas as coisas nestes termos, nenhuma contradição existe entre dar-se como provado que o Autor "recebeu" a compensação que o a Ré depositou na sua conta e também, simultaneamente que o mesmo autor comunicou não aceitar o seu despedimento. Pode entender-se que, contra o regime legal então vigente o Autor, não obstante ter recebido a dita compensação, pretendia por em causa a licitude do despedimento. Só que tal não lhe permitia o disposto no n.º 3 art. 23º da LCCT na redacção vigente ao tempo dos factos.
Aliás, cumpre notar que o "recebimento" da compensação consubstancia matéria de facto (2), da competência das instâncias que ao Supremo Tribunal, como tribunal de revista, não cabe sindicar (art. 85, n. 1 do Cód. Proc. Trab. e 729, n. 1 do Cód. Proc. Civ.), salvo no estrito limite previsto no n. 2 do art. 722, do Cód. Proc. Civ.. Ora acontece que as Instâncias, partindo de alguns dos factos concretamente apurados, deles extraíram a ilação de que o Autor efectivamente recebeu o montante compensatório que a Ré depositara na sua conta bancária. Essa ilação, por traduzir matéria de facto, não pode ser contrariada pelo Supremo Tribunal, uma vez que, sendo embora aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação interposta para a Relação, o art. 726 do Cód. Proc. Civ. expressamente exceptua o que se estabelece no art. 712.
Assim não nos merece censura a solução dada pelas instâncias à excepção peremptória suscitada na contestação pela Ré, ora Recorrida.
Mas será que, como a Recorrente afirma, a interpretação que se fez do n. 3, do art. 23 da LCCT ofende as "garantias constitucionais de segurança no emprego e direito ao trabalho consagradas nos arts. 53 e 58 da Constituição da República Portuguesa.?
Tal como sobre esta questão se pronunciou o Tribunal Recorrido, também, temos como certo que a afirmada violação dos referidos preceitos constitucionais não ocorre, pois não vemos como é que, se o Autor voluntariamente "recebeu" a indemnização destinada a compensar a cessação da sua actividade laboral, por despedimento, atribuindo a lei a esse "recebimento", como consequência, a impossibilidade legal de, simultaneamente, o trabalhador questionar a ilicitude do despedimento, se pode sustentar que a aplicação desse preceito legal ao caso concreto viola as referidas normas constitucionais de segurança no emprego e do direito ao trabalho. O citado normativo (n. 3 do art. 23 da LCCT, na redacção anterior à Lei n. 32/99) apenas atribui a um acto voluntário do trabalhador, traduzido no recebimento da indemnização compensatório pelo despedimento), a consequência de aceitação do mesmo despedimento, e por conseguinte da cessação da relação laboral, sendo que tal cominação de modo algum põe em causa a segurança do emprego e o direito ao trabalho. Para o trabalhador a tal cominação se furtar bastar-lhe-á rejeitar a dita indemnização. Se a recebe terá de se sujeitar às consequências que a lei atribui a esse seu acto: a aceitação do despedimento e a cessação da relação laboral.
Pelo que se conclui que não ocorrem as invocadas inconstitucionalidades.
Por conseguinte, na improcedência do recurso nega-se a revista.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido. (fls. 816).

Lisboa, 29 de Janeiro de 2003
Emérico Soares
Ferreira Neto
Manuel Pereira.
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(1) Ver Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 110. E Ac. STJ de 17-06-98, proferido no processo n. 220/97 da 4ª Secção.
(2) Cfr. Ac. STJ de 16-02-2000, na Revista 20/99-4 Secção.