Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
386/13.7T2AND.P2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO OU MODIFICAÇÃO DO CONTRATO POR ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS / CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR / PERDA DO INTERESSE DO CREDOR OU RECUSA DO CUMPRIMENTO.
Doutrina:
- Ana Prata, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Almedina, 1999;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, , Almedina, 1997, p. 345;
- Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, p. 164;
- Brandão Proença, A resolução do contrato no direito civil. Do enquadramento e do regime, Coimbra, 1996, p. 119 e ss.;
- Calvão da Silva, Sinal e contrato promessa, Almedina, 12º ed. p. 153;
- Fernando Gravato de Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009, p. 161.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 437.º E 808.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 23-09-2003, PROCESSO N.º 03A2088;
- DE 02-02-2017, PROCESSO N.º 280/13;
- DE 22-03-2018, PROCESSO N.º 10864/15;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 22335/15;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 22335 /15.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 09-05-2007, PROCESSO N.º 0731918.
Sumário :
I- A resolução do contrato promessa apenas se pode fundar no incumprimento definitivo, que não na simples mora, sendo que o incumprimento definitivo resulta da não realização da prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, ou da perda do interesse que o credor tinha na prestação – interesse esse que tem de ser apreciado objectivamente

II- O credor, para converter a mora em incumprimento definitivo, tem de interpelar o devedor, intimando-o a cumprir a prestação, dentro de prazo razoável, fixado de acordo com as circunstâncias concretas do contrato a celebrar, com a advertência, muito clara, de que a falta da prestação, no prazo estabelecido, o fará incorrer em incumprimento definitivo da obrigação

III- A interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo peremptório, suplementar, razoável e exacto para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato, se considera este definitivamente incumprido.

IV- No caso dos autos, a carta enviada pela Autora à Ré na qual invoca (sem fundamento) a resolução dos contratos promessa com base no disposto no artº 437º do CC, e lhe concede “o prazo de trinta dias para cumprir com o estipulado no número 2 do artigo 442°, findo o qual invocaremos os direitos referidos no artigo 830°, ambos do referido Código Civil”, não preenche os requisitos da interpelação admonitória prevista no artº 808º, nº 1 do CC.

V- Assim, não tendo a Ré efectuado a marcação da escritura de compra e venda, dentro daquele prazo, não incorreu em incumprimento definitivo dos contratos-promessa.

Decisão Texto Integral:

                         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça     

        

          I- Relatório:

AA Lda., com sede em Rua da .........., P..., ......., .........., instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, agora transmutada em processo comum, contra, BB Lda., com sede em.... de ...., ...., ....a, formulando os seguintes pedidos:

“A) Condenação da ré a pagar à autora o valor do sinal em dobro, no montante de € 16.000,00 por cada contrato, o que perfaz o valor global de € 32.000,00 e juros de mora vencidos desde a data da notificação para pagamento – 20-03- 2013 –, no valor de € 490,96, até integral liquidação;

B) Assim não se entendendo – o que apenas por hipótese académica se admite – pede-se a declaração de nulidade (por erro de forma) ou anulabilidade (atenta a resolução dos contratos e erro sobre o objecto negocial) dos dois contrato-promessa e, em consequência, a obrigação de restituir as quantias pagas pela autora, no valor de € 16.000,00 e respectivos juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento;

C) Condenação da ré a pagar à autora o valor correspondente aos custos com as tentativas de cobrança extrajudicial, que, por defeito, se fixam em € 250,00 e no pedido de indemnização por danos não patrimoniais que, também por defeito, se fixam em € 500,00”.

Alegou, em síntese, que entre ambas foram encetadas negociações com vista à aquisição pela Autora de um imóvel da propriedade da Ré, no qual pretendia construir um pavilhão com cerca de 700 a 800 m2, deixando a restante área disponível para no futuro expandir a área de construção, elemento que era essencial na determinação da sua vontade quanto à escolha do imóvel. Que a Ré exibiu-lhe um projecto de construção para o local, o que a levou a considerar que, no imóvel a adquirir, poderia construir aquele pavilhão e, por isso, foram assinados pelas partes dois contratos-promessa de compra e venda relativos a dois imóveis, com a entrega, a título de sinal, de dois cheques de 8.000,00 € por cada contrato. Só mais tarde verificou que a área de construção aprovada não correspondia à que lhe tinha sido indicada pela Ré, não permitindo desenvolver o projecto como pretendia. Foi, então, acordado que os cheques não seriam apresentados a pagamento. Porém, a Ré incumpriu, o que a levou a proceder, por escrito, à resolução dos referidos contratos-promessa. Após a resolução a Ré comunicou-lhe data para outorga das escrituras públicas, ao que respondeu, comunicando que não iria comparecer por considerar os contratos incumpridos. De todo o modo, os contratos não obedecem à forma legal exigida pelo artigo 410º/3 do Código Civil.

Citada, a Ré contestou, impugnando a versão dos factos alegada pela Autora e atribuindo-lhe o incumprimento dos dois contratos-promessa. Deduziu reconvenção, alegando o incumprimento contratual por parte da Autora e pedindo a declaração de resolução dos contratos com base nesse incumprimento e o consequente reconhecimento do direito de fazer seus os valores entregues a título de sinal.

A Autora replicou, mantendo a posição aduzida na petição inicial.

Realizou-se a audiência prévia com admissão da reconvenção. Foi fixado o objecto do litígio e foram elencados os temas de prova.

 Na pendência do processo, por decisão transitada em julgado, foi declarada extinta a instância reconvencional, por impossibilidade superveniente da lide, na sequência da apresentação pela Autora de um plano de revitalização e sua homologação por sentença.

Foi pronunciada sentença que julgou totalmente improcedente a acção.

Inconformada, apelou da sentença a Autora.

No Tribunal da Relação do Porto, acordaram os Juízes em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela Autora e, consequentemente, declararam a licitude da resolução por ela operada quanto aos contratos-promessa outorgados com a Ré, condenando esta a pagar-lhe o dobro do sinal, no valor global de 32.000,00 (trinta e dois mil) euros, acrescido de juros, à taxa legal, desde 20/03/2013 até efectivo pagamento. No mais confirmaram a sentença recorrida.

Do acórdão da Relação veio a Ré interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões de alegações:

“a) A 1ª instância proferiu douta sentença que julgou improcedente a acção, declarando a sem razão da autora, quanto à anulabilidade, nulidade e resolução dos contratos promessa, como a autora pretendia.

b) 9. Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, em cujas doutas alegações concluiu pela seguinte forma: O tribunal a quo deveria ter dado como provado e considerado como assente nos autos o facto de ter sido essencial na formação da vontade da autora a garantia de aprovação para os imóveis do PIP inicialmente apresentado, facto que era do pleno conhecimento da ré.

10. O tribunal a quo deveria ter dado como assente nos autos que a ré ficou de facto e definitivamente impossibilitada de cumprir com o que se tinha obrigado em tais contratos (sublinhado nosso) de promessa, julgando procedente os pedidos de restituição em dobro dos sinal pagos pela autora, ou

11. Considerando essencial o erro sobre o objecto do negócio que no nosso entendimento configura até uma situação de dolo, ter pelo menos declarado anulados tais contratos determinando a restituição à autora dos valores entretanto já pagos, ainda que em singelo.

 c) É pelas conclusões das alegações de recurso que se fixam “os limites e o alcance do recurso” – artº 639º, nº 1, não estando, porém, o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artº 5º, nº 3 do referido diploma legal.

 Poderia, assim, o Tribunal da Relação ter interpretado as normas de direito aplicáveis ao caso (o que, de resto, a recorrente não fez, violando o disposto nas als b) e c) do nº 2 do artº 639º, já referido) pela forma que entendesse ser o melhor direito mas nunca poderia ir além das alegações e das conclusões da recorrente.

d) O tribunal da Relação considerou e interpretou a carta/notificação de 23/3/2013 no sentido de uma notificação para a realização da escritura – interpelação admonitória. E como a ré/recorrida não cumpriu dentro do prazo que lhe foi fixado – 30 dias - marcação da escritura de compra e venda - considerou que a mesma entrou em incumprimento definitivo, o que teve por consequência a justificação da resolução dos contratos com a obrigação da ré de restituir em dobro o recebido, acrescido de juros. Esta foi a interpretação do douto tribunal de relação.

e) Mas não foi esta a alegação da autora, nem a conclusão que a mesma retira das suas doutas alegações de recurso: a autora não reclama nem pede assim: alega que ficou impossibilitada de cumprir os contratos na sua redação – realizar a escritura e pagar o restante do preço, como lhe competia, porque uma alegada condição que, segundo ela, foi determinante para a assinatura dos contratos e assunção do compromisso de compra e de pagamento, não foi cumprida – a alegada possibilidade de construção, nos termos supostamente pretendidos pela ré/recorrente.

 f) A PROMITENTE COMPRADORA NÃO NOTIFICOU A PROMITENTE VENDEDORA PARA QUE ESTA ESCRITURA SE REALIZASSE NO PRAZO DE 30 DIAS MAS SIM “PARA QUE A PROMITENTE COMPRADORA OBTIVESSE A AUTORIZAÇÃO DE CONSTRUÇÃO, DE ACORDO COM AS AGORA ALEGADAS PRETENSÕES DELA, PROMITENTE COMPRADORA, E REALIZASSE A ESCRITURA NESSAS CONDIÇÕES, NO PRAZO QUE LHE ASSINOU DE 30 DIAS”

g) Como bem se decidiu na douta sentença da 1ª instância, a propósito do incumprimento do contrato, que a autora/promitente compradora manteve o interesse no negócio (como se observou anteriormente, a autora/promitente compradora apenas pretendeu condicionar o negócio a autorização de determinado tipo de construção) e considerou:

 “A resolução – artº 432º e segs do Código Civil – é uma declaração mediante a qual se opera a destruição da relação contratual por vontade de um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato. Ora no caso dos autos, não provou a autora que a ré estivesse numa situação de incumprimento definitivo. O que significa que quando procederam à resolução do contrato não lhe assistia o direito de o fazer e, como consequência, o direito a peticionar a devolução do sinal em dobro, nos termos previstos pelo artº 442º, nº 2 do C. Civil.”

 h) O tribunal da Relação não teve em devida ponderação as condições que rodearam a carta de 23/3/2013, da autora, nem todo o condicionalismo implícito trazido às negociações pela autora, nem os termos da interpelação, vagos, imprecisos, que apenas remete para disposições legais, sem justificação plausível, nos termos do sumário do douto acórdão do STJ que, com a devida vénia, se transcreve: “ACSTJ de 05-05-2005 Revista 724/05”.

A Autora não apresentou contra-alegações.

II- Apreciação do Recurso:

Objecto do Recurso

 Admitido o recurso, importa fixar o seu objecto.

 Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é:

Houve incumprimento definitivo dos contratos-promessa por parte da Ré?

 Fundamentação:

A Relação considerou provados os seguintes factos:

“1.º A autora é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de engenharia, estudo, projeto, fornecimento e montagem de instalações electromecânicas e eletricidade em saneamento básico e ambiente, construção civil e empreiteiro de obras públicas, importação e exportação de equipamentos de obras públicas, importação e exportação de equipamentos de ambiente e saneamento básico;

2.º A ré dedica-se ao sector imobiliário;

3.º No decurso no ano de 2012 a autora decidiu adquirir um pavilhão ou um imóvel onde pudesse edificar um pavilhão mais adequado às suas necessidades, para aí instalar a sua sede e desenvolver a sua atividade;

4.º A Autora teve conhecimento do anúncio de venda de um terreno sito em ...., ...., ........... Contactou a ré manifestando o seu interesse na aquisição do imóvel;

A Autora deu a conhecer à Ré sobre a sua intenção de edificar um pavilhão com escritório, para armazém, mantendo a restante área disponível para, no futuro, se assim o entendesse, expandir a sua área de produção;

6.º Entre Autora e Ré foram realizadas várias reuniões, nas instalações da Autora, entre os engenheiros das duas partes;

7.º No decurso das reuniões a Ré informou a Autora de que os imóveis para venda tinham um pedido de informação prévia (PIP) entregue na Câmara Municipal de ..........;

8.º No decurso das reuniões a Ré deu a conhecer à autora o projeto constante de fls. 87 a 90 (sendo melhor a sua visualização no sistema informático CITIUS, documento juntos com o requerimento de 06-12-2013) elaborado pelo arquiteto Nuno Pereira. O projeto previa uma área de implantação de 1.470 m2 e cerca de 2.000 m2 de área de construção. O projeto reportava-se a um PIP de 2011-05-03;

9.º Os pavilhões constantes do projeto não tinham a exata configuração pretendida pela Autora, mas considerou esta que poderia adaptar a solução que tinha idealizado ou poderia ajustar a edificação constante do projeto, tendo por base as áreas de implantação nele mencionadas, sendo que a configuração pretendida pela Autora era a que consta do documento de fls. 94 a 99 (projeto elaborado pela arquiteta CC);

10.º Na sequência das reuniões estabelecidas as partes agendaram a assinatura do contrato-promessa;

11.º Com data de dia 17 de dezembro de 2012, Autora e Ré assinaram os documentos escritos, denominados de “Contrato promessa de Compra e Venda”, constantes de fls. 19 a 25, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e dos quais consta, para além do mais, o seguinte:

“(…)

Entre: BB Lda. (…) na qualidade de primeira outorgante; e

AA Lda. (…) na qualidade de segunda outorgante

Celebra-se o seguinte contrato-promessa de compra e venda, subordinado às seguintes cláusulas:

1ª A primeira outorgante é legítima possuidora de um prédio situado nos ...., freguesia de ...., concelho de .........., inscrito na matriz urbana sob o artigo 3851 e ao qual atribui o valor de 80.000.00 (oitenta mil euros);

2ª A primeira outorgante promete vender aos segundos outorgantes e estes por sua vez aceitam comprar o imóvel descrito na cláusula 1, livre de quaisquer ónus ou encargos.

3ª O preço será pago pelos segundos outorgantes à primeira outorgante, do seguinte modo:

a) Como sinal e princípio de pagamento, no acto da outorga deste contrato de promessa, entrega um cheque pós-datado para 21 de Janeiro de 2013, na quantia de 8.000.00€ (oito mil euros);

b) A restante quantia em dívida, ou seja, 72.000,00€ (…) será paga (…) no dia da outorga da escritura pública.

4ª A escritura de compra e venda que formalizará o negócio ora prometido será efectuada em nome dos segundos outorgantes, até ao dia 28 de Fevereiro de 2013.

5ª A primeira outorgante comunicará aos segundos outorgantes, o local, dia e hora e Cartório Notarial onde a mesma se realizará. (…)

10ª Todos os outorgantes declaram aceitar o presente contrato nas precisas condições em que fixa exarado e prescindem do reconhecimento presencial das assinaturas no presente contrato e vêm assim renunciar ao direito de invocar a sua nulidade por omissão desse requisito. (…)

Depois de lido por ambos os outorgantes e por estes estarem de acordo e boa fé, vai por eles ser assinado e rubricado ficando o original na posse dos segundos outorgantes. (…)”

 “(…)

Entre:

BB Lda. (…) na qualidade de primeira outorgante; e AA Lda. (…) na qualidade de segunda outorgante                                                                  

Celebra-se o seguinte contrato-promessa de compra e venda, subordinado às seguintes cláusulas:

1ª A primeira outorgante é legítima possuidora de um prédio situado nos ....s, freguesia de ...., concelho de .........., inscrito na matriz urbana sob o artigo 3852 e ao qual atribui o valor de 80.000.00 (oitenta mil euros);

2ª A primeira outorgante promete vender aos segundos outorgantes e estes por sua vez aceitam comprar o imóvel descrito na cláusula 1, livre de quaisquer ónus ou encargos.

3ª O preço será pago pelos segundos outorgantes à primeira outorgante, do seguinte modo:

a) Como sinal e princípio de pagamento, no acto da outorgam deste contrato de promessa, entrega um cheque pós-datado para 21 de Janeiro de 2013, na quantia de 8.000.00€ (oito mil euros);

b) A restante quantia em dívida, ou seja, 72.000,00€ (…) será paga (…) no dia da outorga da escritura pública.

4ª A escritura de compra e venda que formalizará o negócio ora prometido será efetuada em nome dos segundos outorgantes, até ao dia 28 de Fevereiro de 2013.

5ª A primeira outorgante comunicará aos segundos outorgantes, o local, dia e hora e Cartório Notarial onde a mesma se realizará. (…)

10ª Todos os outorgantes declaram aceitar o presente contrato nas precisas condições em que fixa exarado e prescindem do reconhecimento presencial das assinaturas no presente contrato e vêm assim renunciar ao direito de invocar a sua nulidade por omissão desse requisito. (…)

Depois de lido por ambos os outorgantes e por estes estarem de acordo e boa fé, vai por eles ser assinado e rubricado ficando o original na posse dos segundos outorgantes. (…)”;

12.º Na data da assinatura dos contratos, a Autora entregou à Ré os dois cheques, no valor de € 8.000,00 cada um, com data de 21-01-2013 (fls. 25);

13.º O artigo 3851 está descrito na CR Predial de .........., freguesia de ...., sob o n.º 0000(fls. 164-165), registado em nome da Ré;

14.º O artigo 3852 está descrito na CR Predial de .........., freguesia de ...., sob o n.º 0000 (fls. 166-167), propriedade registada em nome de DD Lda.”

15.º Após a assinatura dos contratos-promessa a Autora solicitou à arquiteta CC que analisasse o projeto e efetuasse as alterações necessárias ao reajustamento para edificação dos pavilhões que pretendia, projeto que consta de fls. 94 a 99;

16.º Só depois de 15 de janeiro de 2013, a Ré entregou à autora o levantamento topográfico dos prédios e as peças do pedido de informação prévia, constante de fls. 91 e 168;

17.º Na posse de tais documentos, dos quais consta uma área de implantação de 1.326 m2 e com a configuração visível a fls. 168, foi possível à Autora perceber que os imóveis, objeto dos contratos-promessa, não permitiam edificar a área constante do projeto que lhes foi entregue pela Ré e constante do projeto de fls. 88;

18.º Com esse facto a Autora solicitou à Ré que o contrato ficasse suspenso;

19.º Os cheques mencionados nos contratos foram apresentados a pagamento e descontados no dia 22 de janeiro de 2013 (fls. 36).

20.º Com data de 22 de janeiro de 2013, a Autora enviou à Ré o email constante de fls. 37, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta, para além do mais o seguinte: “(…) acordamos convosco a suspensão do contrato promessa até confirmação dos efectivos alinhamentos da construção que efectivamente serão aprovados e que têm forte impacto sobre a área de pavilhão permitida. Não obstante procederam V. Exas. à cobrança dos chequespós-datados (…).                                                                                                                                                                                                                                   

Mantemos o N. interesse na prossecução do contrato promessa assinado de aquisição das parcelas em causa, desde que o PIP garanta a área de construção que nos foi sugerida pelo V. estudo.”

21.º Com data de 08 de fevereiro de 2013, a Autora enviou à Ré a carta constante de fls. 38 a 41, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta, entre outras referências, o seguinte: (…) Assunto (…) Adenda ao contrato promessa de compra e venda.

No passado dia 17 de Dezembro de 2012, assinamos com Vexas dois contratos promessa de compra e venda (…). Tais contratos tiveram por base negociações anteriores, bem como o projecto que nos foi apresentado como integrando um pedido de informação prévia à Câmara (…) Na data de ontem (07 de Fevereiro) ainda não sido solicitado à CMA o referido PIP, atrasando não só esclarecimento das dúvidas sobre a implantação, mas, uma vez que mantemos o interesse no negócio tal qual inicialmente nos foi apresentado, também os N. objectivos temporais de construção e mudança de instalações. Importa pois nesta data estabelecer a suspensão dos efeitos dos contratos promessa incluindo uma alteração aos mesmos, consubstanciada numa adenda contratual tendo por base a alteração superveniente dos elementos essenciais que constituíram e foram determinantes na base negocial. Tomamos a liberdade de vos remeter uma proposta de texto que regularizará a actual situação e caso concordem, reafirmando a boa fé das partes, deverão assinar e devolver-nos (…)”

22.º Com data de 19 de março de 2013, a Autora enviou à Ré a carta constante de fls. 42, tendo por assunto, a Resolução do contrato promessa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta, para além do mais, o seguinte: (…)

Com a presente, nos termos do artigo 436º do Código Civil Português, comunicamos a Vexas a resolução dos dois contratos-promessa de compra e venda assinados no passado dia 17 de Dezembro de 2012 (…)

A resolução do contrato fundada no artigo 437º do mesmo Código Civil, invoca-se na medida em que se observam as seguintes circunstâncias que contrariam as que foram vertidas no respectivo contrato-promessa (…) e em que as partes fundaram a decisão de contratar, sendo essas circunstâncias especificamente contrárias aos efetivos interesses da AA:

. As já referidas na N. comunicação do passado dia 08 de Fevereiro;

. As que decorrem do não cumprimento da data da escritura de compra e venda que deveria ter sido realizada até ao passado dia 28 de Fevereiro;

Concedemos a Vexas o prazo de trinta dias para cumprir com o estipulado no número 2 do artigo 442º, findo o qual invocaremos os direitos referidos no artigo 830º, ambos do referido Código Civil. (…);

23.º Em maio de 2013 a Autora foi informada do teor do despacho constante de fls. 45-46 do Vereador da Câmara de .........., com data de 08-05-2013, tendo por assunto: Informação Prévia/Edificação de Armazéns, sobre os imóveis sitos em ....s – .... e relativo ao requerimento com o n.º 0000 de 2013; processo n.º 13/2013, despacho dirigido à empresa “DD Lda.” sita em Rua da ....., n.º ......, .........., cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;

24.º Do documento referido no artigo anterior consta que: “(…) que, para o terreno identificado no pedido de informação prévia e registada sob os n.ºs 0000 (…) e 8515 (…) na Conservatória do Registo Predial, é viável a apresentação de um pedido de licenciamento, no prazo de um ano, devem ser garantido o cumprimento do: - Artigo 18º: Parâmetros e dimensionamento do espaço público (….) qualquer construção deverá assegurar o estacionamento suficiente para responder às próprias necessidades (…);

25.º A Ré não aceitou os termos da adenda ao contrato-promessa proposto pela Autora;

26.º O Pedido de Informação prévia com o n.º 2013/13, consta de fls. 121 a 193 e deu entrada na Câmara Municipal de .......... em -------

27.º Desse pedido consta que a informação prévia dizia respeito à edificação de dois armazéns industriais (fls. 124);

28.º Do mesmo pedido consta que em face do PUCA (Plano de Urbanização da Cidade de ..........) para os parâmetros de dimensionamento do espaço público e relativamente às infraestruturas várias, deveria ser garantido um espaço de estacionamento com largura maior ou igual a 3 metros, sendo que no que se refere aos parâmetros urbanísticos para as zonas industriais e contrariamente ao indicado na planta de implantação, deverá ser garantido um afastamento mínimo das edificações aos limites laterais da parede de seis metros (fls. 125);

29.º Com data de 04 de junho de 2013, recebidas pela Autora em 06 de junho de 2013, a Ré enviou as cartas constantes de fls. 48 e 49 com o seguinte teor:

a)“Pela presente vimos informar que a realização do contrato prometido por escrito de 12 de Dezembro de 2012, em que V. Exas. prometeram comprar e nós prometemos vender um prédio nos ....s, na matriz sob o artigo 3851 – ...., pelo preço de € 80.000,00, está marcada para o cartório (…) em .........., para o próximo dia 13 de Junho de 2013, pelas 14.00h. V. Exas. devem apresentar os documentos para instruir a escritura – certidão comercial, IMT e demais documentos de identificação – com a antecedência necessária de 48.00 horas em relação àquele dia e hora.

Se. V. Exas. inviabilizarem a realização da escritura, tiraremos daí as devidas ilações, dando o contrato por incumprido, com as necessárias consequências (…)”

b) “Pela presente vimos informar que a realização do contrato prometido por escrito de 12 de Dezembro de 2012, em que V. Exas. prometeram comprar e nós prometemos vender um prédio nos ....s, na matriz sob o artigo 3852 – ...., pelo preço de € 80.000,00, está marcada para o cartório (…) em .........., para o próximo dia 13 de Junho de 2013, pelas 14.00h.

V. Exas. devem apresentar os documentos para instruir a escritura – certidão comercial, IMT e demais documentos de identificação – com a antecedência necessária de 48.00 horas em relação àquele dia e hora.

Se. V. Exas. inviabilizarem a realização da escritura, taremos daí as devidas ilações, dando o contrato por incumprido, com as necessárias consequências (…)”

30.º Em resposta a Autora enviou à Ré a carta constante de fls. 49-50, com data de 07 de junho de 2013, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e em que reafirmaram o conteúdo da comunicação anterior.

31.º Da carta mencionada no artigo anterior referiu ainda a Autora o seguinte:

“ (…) a isto acresce que, consultadas as certidões permanentes, verifica-se que o artigo 3582 (…) nem sequer é propriedade da BB, pelo que a mesma tem tinha legitimidade para celebrar qualquer contrato promessa, configurando o mesmo uma venda de bem alheio (…).

Face ao exposto e atenta a postura de Vexas, desde já informamos que não iremos comparecer no Cartório Notarial para celebração de escritura de compra e venda – primeiro porque os contratos foram resolvidos e a AA não tem interesse nas condições de venda propostas pela BB e segundo, porque o contrato promessa referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 3852 é nulo – ao invés iremos exigir judicialmente a restituição do sinal pago em dobro. (…)”

32.º A Autora não compareceu no dia indicado pela Ré para a outorga das escrituras de compra e venda (fls. 67);

33.º Com data de 13 de junho de 2013, a Ré enviou à Autora a carta constante de fls. 54-55, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;

34.º Da carta mencionada no artigo anterior, consta, entre outras referências, o seguinte: “(…) Uma vez resolvida a questão da viabilidade de construção, procedemos à marcação de dia e hora (…) para a realização do contrato definitivo (…).

Deste modo, considerando todo o tempo decorrido; considerando ainda que, apesar de não ser condicionante dos contratos, a viabilidade de construção para os terrenos está concedida pela CMA, o já é do vosso conhecimento há bastante tempo; e não tendo V. Exas, comparecido à realização da escritura, vimos comunicar que perdemos o interesse no negócio por falta de cumprimento da vossa parte, e assim optamos pela resolução dos contratos, o que terá como consequência, a perda do sinal entregue e a anulação das obrigações emergentes dos contratos, a partir da receção da presente (…);

35.º A Ré solicitou a alteração das áreas reais dos prédios, por requerimentos de 14-03-2013 (fls. 65 e 66);

36.º A Ré aceitou baixar o preço das vendas em 10.000,00€, o que não foi aceite pela Autora;

37.º Pelo menos desde maio de 2013, a Autora teve conhecimento de que um dos imóveis não era propriedade da Ré;

38.º A sociedade DD Lda. tem como gerente o Sr. DD, que também é seu sócio. O referido DD é sócio da gerente da Ré, tendo outorgado os contratos-promessa (fls. 19 a 14 e 134 a 137).”

III- O Direito

O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora, com fundamento no incumprimento definitivo dos contratos promessa por parte da Ré. Para o feito, considerou a Relação que a carta constante do facto provado nº 22 (embora, por lapso refira 23) constitui uma interpelação admonitória, estabelecendo o prazo cominatório de 30 dias para o cumprimento do contrato com marcação da respectiva escritura, e que, não tendo a Ré respeitado este prazo, incorreu em incumprimento definitivo do contrato.

Vejamos se ocorreu ou não esse incumprimento por parte da Ré

Resulta dos autos que a Autora, na qualidade de promitente compradora, e a Ré, na qualidade de promitente vendedora celebraram dois contratos-promessa relativos a dois imóveis. Nesses contratos ficou acordado que as respectivas escrituras de compra e venda seriam realizadas até ao dia 28 de Fevereiro de 2013, cabendo à Ré comunicar à Autora, o local, dia, hora e Cartório Notarial para a sua concretização.

Assim, no que concerne ao convencionado para a outorga da escritura, o contrato estipula a sua celebração até 28/02/2013, estando a Ré vinculada à sua marcação. Podemos dizer que esta obrigação da Ré estava sujeita a prazo certo, assim dispensando a interpelação da devedora [artigo 805°, nº 2, al. a)], já que a data limite para a celebração dos contratos prometidos já emergia da esfera jurídica da promitente-vendedora.

No entanto, após a celebração dos contratos promessa a Autora veio a ter conhecimento que os imóveis objecto do contrato promessa, não permitiam edificar a área constante do projecto que lhes foi entregue pela Ré. Por esse motivo, a Autora solicitou à Ré a suspensão dos contratos, mantendo, contudo, o interesse na sua realização, propondo uma adenda contratual tendo por base a alteração superveniente das circunstâncias (factos 20 e 21).

Posteriormente, com data de 19 de Março de 2013, a Autora enviou à Ré a carta constante de fls. 42, tendo por assunto, a Resolução do contrato promessa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta, para além do mais, o seguinte: (…)

“Com a presente, nos termos do artigo 436º do Código Civil Português, comunicamos a Vexas a resolução dos dois contratos-promessa de compra e venda assinados no passado dia 17 de Dezembro de 2012 (…)

A resolução do contrato fundada no artigo 437º do mesmo Código Civil, invoca-se na medida em que se observam as seguintes circunstâncias que contrariam as que foram vertidas no respectivo contrato-promessa (…) e em que as partes fundaram a decisão de contratar, sendo essas circunstâncias especificamente contrárias aos efetivos interesses da AA:

. As já referidas na N. comunicação do passado dia 08 de Fevereiro;

. As que decorrem do não cumprimento da data da escritura de compra e venda que deveria ter sido realizada até ao passado dia 28 de Fevereiro;

Concedemos a Vexas o prazo de trinta dias para cumprir com o estipulado no número 2 do artigo 442º, findo o qual invocaremos os direitos referidos no artigo 830º, ambos do referido Código Civil. (…);”

Do teor da carta enviada pela Autora à Ré, aquela começa por invocar como motivo da resolução dos contratos a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, alteração que, no seu entender, foi anormal e, por isso, lhe confere o direito à resolução, com fundamento no disposto no artº 437º, nº 1 do Código Civil (CC).  

No entanto, quanto a este fundamento de resolução, quer a 1ª instância, quer a Relação, entenderam não ter havido alteração anormal da base negocial, nem afectação dos princípios da boa fé contratual que justificassem a alegada resolução dos contratos. Deste modo, a ré não estava numa situação de incumprimento definitivo, quando a Autora procedeu à resolução do contrato com fundamento no artº 437º, nº 1 do CC, pelo que não tinha o direito de exigir a devolução do sinal em dobro nos termos do artº 442, nº 2 do CC.

 Resta por isso, a apreciação por parte deste STJ da decisão da Relação que julgou o incumprimento definitivo dos contratos por parte da Ré, com fundamento na interpelação admonitória com a fixação de prazo para cumprimento, através da carta remetida pela Autora à Ré em 19 de Março de 2013.

Como resulta dos autos, competia à Ré a marcação para realização da escritura de compra e venda até 28 de Fevereiro de 2013, pelo que, não tendo aquela sido marcada, a Ré estaria numa situação de mora, desde essa data.

No entanto, a mora não constitui fundamento resolutivo, mas tão só indemnizatório. A mora traduz, “não a falta definitiva (…) de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento, demora ou dilação no cumprimento da obrigação.”[1]

A resolução do contrato promessa apenas se pode fundar no incumprimento definitivo, que não na simples mora, sendo que o incumprimento definitivo resulta da não realização da prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, ou da perda do interesse que o credor tinha na prestação – interesse esse que tem de ser apreciado objectivamente.[2]

Com efeito, por regra, se as obrigações do contrato não forem cumpridas em tempo pelo devedor este incorre numa situação de mora. E o credor, para converter a mora em incumprimento definitivo, tem de interpelar o devedor, intimando-o a cumprir a prestação, dentro de prazo razoável, fixado de acordo com as circunstâncias concretas do contrato a celebrar, com a advertência, muito clara, de que a falta da prestação, no prazo estabelecido, o fará incorrer em incumprimento definitivo da obrigação[3]. Por isso, a mora transforma-se em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede. Trata-se da chamada interpelação admonitória ou interpelação cominatória que visa conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato e tem de conferir uma dilação razoável, em vista dessa finalidade, e comunicada em termos de deixar transparecer a intenção do credor.

Entendeu o Tribunal da Relação que a carta de enviada pela Autora à Ré, em 19 de Março de 2013, reúne todos os requisitos legais de uma interpelação admonitória, e como esta não cumpriu dentro do prazo fixado, de trinta dias, marcando a respectiva escritura, incorreu em incumprimento definitivo dando causa à destruição do vínculo contratual com culpa sua.

No entanto, não concordamos que esta carta preencha os requisitos necessários à operatividade da resolução dos contratos promessa em causa.

Como vem sendo defendido pela doutrina[4] e jurisprudência[5] a interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: A existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo peremptório, suplementar, razoável e exacto para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato se considera este definitivamente incumprido.

Na carta, a Autora começou por invocar a resolução dos contratos com fundamento no artº 437º do CC, por alteração anormal das circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar. No entanto, como vimos, as instâncias rejeitaram a resolução do contrato com este fundamento.

Terminando a carta desta forma: “Concedemos a Vexas o prazo de trinta dias para cumprir com o estipulado no número 2 do artigo 442°, findo o qual invocaremos os direitos referidos no artigo 830°, ambos do referido Código Civil (…)”

Ora, do teor da missiva não resulta clara e expressamente a fixação de um prazo cominatório para a realização da escritura de compra e venda.

 A Autora veio invocar a resolução do contrato por alterações das circunstâncias, nos termos do artº 437º do CC, e nesta conformidade, vem fixar o prazo de trinta dias para cumprimento do nº 2 do artº 442º do CC, findo o qual invocará os direitos referidos no artº 830º do mesmo diploma. Quer dizer, a Autora vem exigir o pagamento, no prazo de trinta dias do dobro do sinal prestado, quando este pagamento pressupõe que o contrato tenha já sido incumprido por parte da Ré (o que não sucedera). E, por outro lado, afirma que, mesmo depois de decorrido este prazo, continua a manter interesse no contrato, invocando a possibilidade de execução específica prevista no artº 830º do CC.

Ora, importa reter que o pressuposto da execução específica do contrato promessa é a mora e não o incumprimento definitivo. Sempre que haja incumprimento definitivo, não tem cabimento a execução específica[6]. Assim, quando a Autora invoca a possibilidade de execução específica, é óbvio que manifesta a vontade de ainda obter a prestação devida. Isto é, considera que houve simples atraso por parte do devedor e, por isso, admite o seu cumprimento retardado.

E tanto assim é que a Autora veio posteriormente (Maio 2013) a ser informada sobre o teor do despacho do Vereador da Câmara de .......... sobre a informação Prévia relativa à Edificação dos Armazéns a construir pela Autora (facto 23).

Por outro lado, a Ré sempre manteve a vontade de cumprir com o contrato, tendo marcado a respectiva escritura, através de carta dirigida à Autora em 4 de Junho de 2013.

Deste modo, a notificação feita pela Autora na referida carta não pode ser interpretada como a fixação de um prazo cominatório para realização da respectiva escritura. O seu sentido tem de ser interpretado de acordo com as anteriores negociações e comunicações, entre elas a carta dirigida pela Autora à Ré, em 22 de Janeiro de 2013 (facto 20), na qual refere que “Mantemos o nosso interesse na prossecução do contrato promessa assinado de aquisição das parcelas em causa, desde que o PIP garanta a área de construção que nos foi sugerida pelo V. estudo”  

Por isso, tendo em conta a posição da Autora, a notificação expressa na carta tinha por subjacente a obtenção da autorização, através do PIP, de determinada área de construção dos armazéns como condição para a realização da escritura. Condição contratual que não tendo sido provada pela Autora foi rejeitada pelas instâncias, e que se mostrava impossível de cumprir naquele prazo, uma vez que, só em Maio de 2013, a câmara Municipal de .......... veio a prestar essa informação.

Nesta conformidade, a carta, datada de 19 de Março de 2013, enviada pela Autora à Ré não preenche os requisitos da interpelação admonitória prevista no artº 808º, nº 1 do CC, pelo que não houve incumprimento definitivo por parte da Ré.

IV Decisão

Deste modo, acorda-se em conceder provimento à revista, e, repristinando-se a sentença proferida pela 1ª instância, julga-se a acção totalmente improcedente.

Custas pela Recorrida

Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

Assunção Raimundo

___________________

[1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, , Almedina, 1997, p. 345.

[2] Sobre o incumprimento do contrato-promessa, vide FERNANDO GRAVATO DE MORAIS, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009; ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Almedina, 1999.

[3] Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 19/12/2018, Revista 22335/15, 7ª secção; de 22/3 de 2018, Revista 10864/15, 1ª secção.

[4] Fernando de Gravato Morais, ob. cit.,  p. 161; Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, p. 164; Brandão Proença, A resolução do contrato no direito civil. Do enquadramento e do regime, Coimbra, 1996, pp. 119 e ss.

[5] Entre outros Revista 22335 /15 de 19-12-2018, Relator Olindo Geraldes; revista 280/13, de 0202-2017, Relatora Graça Trigo, in www.dgsi.pt.

[6] Calvão da Silva, Sinal e contrato promessa , Almedina, 12º ed. p. 153. Na jurisprudência, entre outros, acórdão do STJ de 23/09/2003, proc. 03A2088; acórdão da Relação do Porto de 9/0572007, proc. 0731918.