Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
028515
Nº Convencional: JSTJ00004331
Relator: JULIO DE LEMOS
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CRIME PARTICULAR
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195406220285153
Data do Acordão: 06/22/1954
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS DE 05-07-1954; BMJ 43, 269
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1954
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 125 PAR2 PAR3 ARTIGO 399 ARTIGO 416 ARTIGO 430 PAR1 ARTIGO 431 PAR2 ARTIGO 452.
DL 35007 DE 1945/01/13 ARTIGO 1 ARTIGO 3 N2 ARTIGO 8.
D DE 1892/09/15 ARTIGO 21 PARUNICO.
CPP29 ARTIGO 7 ARTIGO 160 PAR3 ARTIGO 669.
D 12008 DE 1926/08/02 ARTIGO 11 ARTIGO 26.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1945/02/28 IN RJ ANO30 PAG137.
ASSENTO STJ DE 1943/12/07 IN DG IS 1943/12/15 IN BOL OF ANOIII PAG518.
Sumário :
O paragrafo 3 do artigo 125 do Codigo Penal e aplicavel a todos os crimes particulares.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em sessão plena:

No acordão proferido a folhas 147 deste processo decidiu-se que se, os ofendidos ou as pessoas a quem a lei confere o direito de se queixarem, ou de requererem o respectivo procedimento penal, o não fizerem dentro do prazo de um ano, extingue-se a acção criminal.
Conclusão a que chegou por se entender que a palavra queixa que se encontra no paragrafo 3 do artigo 125 do Codigo Penal envolve um sentido de iniciativa particular, e encerra por isso o mesmo significado que participação ou requerimento da parte.
Recorreu extraordinariamente desta decisão para o Tribunal Pleno, nos termos e para os efeitos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal o Excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação de Lisboa, alegando oposição com o decidido em outros acordãos proferidos pelo mesmo tribunal, e designadamente com o de 28 de Fevereiro de 1945, publicado na Revista de Justiça, ano 30, pagina 137, em que se decidiu que no caso de procedimento judicial criminal so poder ter lugar a requerimento da parte, ou seja quando se tornem necessarias a queixa e acusação, como sucede na hipotese do artigo 416 do Codigo Penal, a prescrição desse procedimento e regulada pelas disposições gerais contidas no paragrafo 2 do artigo 125 do referido Codigo. A regra estabelecida no seu paragrafo 3 e somente de aplicar quando o procedimento judicial depende apenas de queixa, ou seja, de participação ou denuncia do ofendido, como sucede nos casos previstos, entre outros, pelos artigos 399, 430, paragrafo 1, 431, paragrafo 2, e 452 do mencionado Codigo.
Foi o recurso admitido, tendo o magistrado recorrente apresentado a sua alegação tendente a demonstrar a aludida oposição; e depois de observados os tramites legais, decidiu a Secção por acordão de 29 de Abril de 1953 que existia essa oposição, e reconhecendo que os dois acordãos tinham sido proferidos em processos diferentes, pela mesma Relação, sobre a mesma materia de direito, tendo transitado em julgado o apresentado para confronto, e não susceptivel de recurso ordinario o proferido neste processo, de natureza especial por ser de injurias e difamação (assento de 7 de Dezembro de 1943), proferidos no dominio da mesma legislação, mandou-se seguir o o recurso.
Foi depois junta a alegação sobre o objecto do mesmo, no qual o Excelentissimo representante do Ministerio Publico junto da Secção Criminal, desenvolvida e doutamente, procura demonstrar que o preceito do paragrafo 3 do artigo 125 do Codigo Penal abrange tambem os crimes particulares para efeitos de prescrição, concluindo por declarar que a palavra queixa usada nessa disposição de lei exprime um pressuposto da relação juridica processual penal comum aos crimes particulares e semi- publicos, pelo que entende se deve tirar assento em que se defina que - o procedimento criminal por crimes particulares prescreve nos prazos estabelecidos na indicada disposição do Codigo Penal.
O recorrido na sua alegação manifesta-se no mesmo sentido.
Tendo o processo corrido os vistos, cumpre conhecer do recurso, a fim de resolver o conflito de jurisprudencia suscitado:
Consiste este em se determinar se o prazo de prescrição de procedimento criminal por crimes particulares e o indicado no referido paragrafo 3 do artigo 125 do Codigo Penal, ou se, para tanto, se tem de observar o seu paragrafo 2.
Ambas as orientações tem sido seguidas na doutrina e jurisprudencia, e desde ha muito que são objecto de viva discussão, tudo se resumindo na interpretação a dar as expressões "queixa do ofendido" e " direito de queixa" usadas no referido preceito de lei. E assim enquanto no acordão recorrido se atribui a palavra queixa um significado mais amplo, e a considera como envolvendo um sentido de iniciativa particular, tendo o mesmo significado que participação ou requerimento da parte, no indicado para confronto entende-se de maneira diversa, reputando-a como abrangendo so a simples denuncia ou participação em juizo, pelo que no primeiro chegou-se a conclusão de que o procedimento criminal prescrevia pelo prazo de um ano (paragrafo 3), enquanto no segundo, por este depender de acusação particular, entendeu-se que esse prazo era de cinco anos (paragrafo 2).
Se uma e outra corrente pode ser seguida baseada na interpretação de diversos principios consignados nas disposições de direito penal, tem de se procurar seguir a que se pareça mais aceitavel, tendo em vista o significado que tem sido dado a essas expressões em confronto com as outras especies criminais.
O paragrafo 2 do artigo 125 citado estabelece que " o procedimento judicial criminal prescreve passados quinze anos, se ao crime for aplicavel pena maior, passados cinco se lhe for aplicavel pena correccional, e passado um ano, se lhe for aplicavel pena que caiba na alçada do Juiz de direito em materia correccional".
Esta e a regra geral a observar, preceituando o paragrafo 3 disposições especiais para casos em que se torna indispensavel a queixa do ofendido, ou de seus parentes, dando-se a prescrição em prazos mais curtos.
Nos termos do artigo 416 do Codigo Penal não pode haver procedimento judicial pelos crimes de difamação e injuria senão a requerimento da parte quando esta for um particular.
E desta especie de crimes de que se trata, e por consequencia de natureza particular, e a dificuldade de se lhes aplicar o preceito do referido paragrafo 3 provem da expressão empregada naquela disposição legal " a requerimento da parte" não ser a mesma da ali usada.
No entanto, nos preceitos penais não existe uma orientação definida no emprego de determinadas expressões, e como muito bem demonstra o Excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica na resenha feita na sua minuta, a expressão queixa era usada para abranger todos os casos em que o exercicio da acção penal não estava confiado ao Ministerio Publico, referindo com toda a clareza as modificações que a Reforma Penal de 14 de Junho de 1884 introduziu no Codigo Penal de 1852, e que, sem duvida, alguma luz podem trazer para a apreciação do caso sub judice.
No artigo 399 substituiu a palavra queixa pela expressão, previa denuncia, fazendo o relator do projecto uma extensa exposição para justificar o emprego dessas expressões, donde se tem de concluir que a palavra denuncia era empregada em casos em que a sociedade tem interesse de punir, mas de que não toma a iniciativa por acima desse interesse haver outro a atender, e queixa para casos em que não basta a denuncia, sendo indispensavel a acusação da parte, por o prejuizo que a sociedade sofre ser insignificante.
E assim ve-se que se fazia distinção entre duas especies de crimes que se consideravam de diferente gravidade, reputando estes ultimos menos graves, o que reveste importancia para o fim em vista; e sendo a disposição do paragrafo 3 do artigo 125 do actual Codigo Penal reprodução de identica existente na legislação anterior, facilmente se ve em que casos era aplicada, visto que " queixa ", como ficou dito, era usada como significando acusação.
Mas não obstante o exposto, com a publicação deste Codigo, a questão reaparece em virtude da diversa terminologia de que se serve para efeitos de se exercer a acção penal, umas vezes exigindo-se queixa, outras querela, acusação, requerimento e denuncia a que o Decreto de 15 de Setembro de 1892 não deu uma solução precisa, visto esclarecer apenas como se poderia exercer a acção publica nesses casos ( artigo 21, paragrafo unico), em nada alterando o que anteriormente se achava assente, nem modificando qualquer norma penal existente, ainda que se possa concluir que considerou equivalentes as expressões queixa do ofendido e participação do ofendido.
De maneira que a palavra queixa, incluida no paragrafo 3, do artigo 125, tendo sido empregada de inicio como significando acusação da parte, e não sofrendo esse conceito qualquer alteração posterior, como tal e de continuar a reputar, não se podendo deste modo dizer que esta interpretação luta com as palavras do texto, por se ver bem o sentido em que essas expressões foram usadas; e nem havia razão para que crimes considerados de menos gravidade, por se entender menor o prejuizo sofrido pela sociedade, tivessem tratamento, para estes efeitos, de consequencias mais severas.
No mesmo sentido se pronuncia a Revista Legislação (ano 71, pagina 415) escrevendo "entendemos, por isso, que o paragrafo 3 do artigo 125 do Codigo Penal tanto se aplica aos crimes particulares de uma como de outra especie.
Fazemos desta maneira interpretação declarativa daquela disposição, atribuindo o mais largo sentido a palavra queixa nele empregada, isto e, o sentido de iniciativa particular, e não o sentido tecnico que lhe deu para outros efeitos o artigo 6 do Codigo de Processo Penal".
Por outro lado a acção penal e publica, competindo ao Ministerio Publico o seu exercicio (artigo 1 do Decreto- -Lei n. 35007), dependendo este de acusação particular quando a lei exige querela, acusação ou requerimento de ofendido ou de outras pessoas ( n. 2 do artigo 3), mas essa acção não pode ter lugar pela forma indicada sem a queixa inicial do ofendido (artigo 8), e o mesmo resultava do disposto no artigo 160, paragrafo 3, do Codigo de Processo Penal de maneira que, não obstante a disposição do artigo 416 do Codigo Penal, não e dispensavel, para haver procedimento judicial por estes crimes, a queixa inicial, a participação, o que tambem se ve do artigo 7 do Codigo de Processo Penal e assim não podem deixar de estar abrangidos no paragrafo 3 do citado artigo 125.
Alem do que estes crimes de difamação e injuria quando cometidos pela imprensa são considerados abusos de liberdade de imprensa (artigo 11 do Decreto n. 12.008).
Os seus efeitos são sempre mais graves e perniciosos, dada a publicidade e divulgação que podem ter, ficando para sempre essas expressões escritas, e no entanto o respectivo procedimento judicial prescreve pelo lapso de um ano ( artigo 26 do citado decreto).
Em face do exposto, os crimes desta especie acham-se sujeitos a disposição do mencionado paragrafo 3 pelo que e de manter a doutrina do acordão recorrido, e resolvendo o conflito de jurisprudencia, tira-se o seguinte Assento:

"O paragrafo 3 do artigo 125 do Codigo Penal e aplicavel a todos os crimes particulares".
Sem imposto de justiça por não ser devido.


Lisboa, 22 de Junho de 1954

Julio M. de Lemos (Relator) - Piedade Rebelo - Campelo de Andrade - Sousa Carvalho - Horta e Vale - Filipe Sequeira
- Lencastre da Veiga - Baltasar Pereira - Beça de Aragão
- Manuel Malgueiro - Jaime de Almeida Ribeiro - Roberto Martins - Jaime Tome - A. Bartolo - Jose de Abreu Coutinho
( com a declaração de que entendo que o assento deveria referir-se apenas aos crimes de injuria e difamação, acerca dos quais foram proferidos os acordãos em oposição.
E assim se tem entendido neste Supremo Tribunal ( isto e, no sentido de que o Tribunal Pleno deve limitar a sua acção a apreciação do caso sobre que houvera a oposição e não alarga-la a de casos ou hipoteses analogas).