Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1442
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
JOGADOR PROFISSIONAL
ACTO ADMINISTRATIVO
INSCRIÇÃO
TRANSFERÊNCIA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
Nº do Documento: SJ200307030014427
Data do Acordão: 07/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1605/02
Data: 10/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : 1. A Federação Portuguesa de Futebol assumia, no triénio de 1986 a 1988, a natureza de mera pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública.
2. Nessa altura, os seus actos actividade de inscrição de jogadores com vista à sua participação nas competições futebolísticas nacionais eram de natureza administrativa.
3. O acto administrativo praticado pela Federação Portuguesa de Futebol, consubstanciado na inscrição do jogador N'Dinga Mbote pelo Vitória de Guimarães na época futebolística de 1986/1987 violou a lei, com a consequência da sua anulabilidade, por o certificado internacional daquele jogador não haver dado entrado nos serviços da primeira até ao dia 30 de Abril de 1987.
4. A entrada nos serviços da Federação Portuguesa de Futebol do certificado internacional do jogador N'Dinga no dia 29 de Maio de 1987 dispensava a apresentação de novo certificado com vista à inscrição daquele jogador para a época futebolística de 1987/1988.
5. A rigidez dos processos de inscrição de jogadores na Federação Portuguesa de Futebol, coenvolvida pela realidade dos clubes e os princípios da boa e da economia processual, inexigiam que o Vitória de Guimarães reiniciasse um novo processo de inscrição, com transferência, do jogador N'Dinga Mbote, porque já estavam em poder da primeira os documentos justificativos dessa inscrição para a época futebolística de 1987/1988, tendo em conta que, na época anterior, ele exerceu de facto, ao serviço daquele clube, a sua actividade futebolística.
6. Ponderando, além do mais, que os impressos de inscrição de jogadores inseriam as expressões primeira inscrição, revalidação da inscrição e inscrição com transferência, a vontade dos representantes do Vitória de Guimarães ao pedir a revalidação da inscrição de N'Dinga Mbote para a época futebolística de 1987/1988, e a dos representantes da Federação Portuguesa de Futebol no sentido de a revalidar conforme documentação em seu poder, entre ela o certificado internacional, devem interpretar-se no sentido de pedido e de aceitação da inscrição daquele jogador para essa época.
7. A ilegalidade da inscrição de N'Dinga Mbote pelo Vitória de Guimarães na época futebolística de 1986/1987 não afectou a legalidade da sua inscrição por aquele clube na época futebolística de 1987/1998.
8. Inexistia fundamento legal para que a Federação Portuguesa de Futebol, pelo facto de N'Dinga Mbote ter jogado pelo Vitória de Guimarães no jogo realizado no dia 15 de Maio de 1988 com a Associação Académica de Coimbra, tivesse punido o primeiro com a conversão da vitória em derrota e perda de dois pontos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
A Associação Académica de Coimbra intentou, no dia 8 de Novembro de 1993, contra a Federação Portuguesa de Futebol, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe 710.000.000$ e juros à taxa legal a contar da citação, com fundamento no forjamento, pelo secretário-geral da última, de um certificado internacional de transferência do jogador A, na ilegalidade da sua participação no campeonato português, no alinhamento irregular dele pelo Sport Clube de Guimarães na época de 1987/1988, na derrota que este clube lhe infligiu no dia 15 de Maio de 1988, na ilegalidade da consideração desses dois pontos a favor do vencedor, na descida à II Divisão Nacional de Futebol apesar de ter ficado com os mesmos pontos dos dois clubes que se posicionaram imediatamente, nas perturbações que ao tempo todos esses factos e os processos deles decorrentes causaram aos seus dirigentes, no empobrecimento progressivo derivado da falta de receitas e na dificuldade em regressar à I Divisão Nacional de Futebol.
A ré invocou em contestação a insindicabilidade judicial das decisões estritamente desportivas por violação de normas de natureza técnica ou disciplinar, a incompetência do tribunal em razão da matéria e do território, a prescrição do direito de crédito exigido, a regularidade da inscrição do referido jogador, a inexistência de nexo de causalidade entre a perda do jogo e a descida de divisão e entre esta e o prejuízo invocado pela autora, e esta replicou a negar as excepções e a reafirmar o anteriormente articulado.
Foi concedido à autora o apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e do pagamento de custas.
Julgada procedente a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão do território, agravou a ré do despacho que o julgou competente e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente com fundamento na regularidade da inscrição de A.
Apelou a Associação Académica de Coimbra, a Relação declarou a improcedência do recurso de agravo e a procedência do recurso de apelação, e condenou a ré a pagar-lhe € 748.196,80 por perda de receitas de bilheteira, € 27.746,70 por não recebimento de receitas da ré, € 498.797,90 por danos patrimoniais e o liquidando em execução de sentença relativamente a receitas das transmissões televisivas directas e dos resumos dos jogos, do totobola, da publicidade nas camisolas dos atletas, da diminuição de receitas de quotizações mensais de sócios, de quotas complementares e bilhetes, com juros desde a citação.
A ré interpôs recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões de alegação:
- ao condenar a recorrente no pagamento de indemnização por danos morais não peticionada, fê-lo em quantidade superior ao e objecto diverso do pedido e conheceu de questão de que não podia conhecer, pelo que ocorre a nulidade do acórdão das alíneas d) e e) do nº. 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil;
- a inscrição de A na época futebolística de 1986/1987 só tinha de ser arquivada a partir de 30 de Abril de 1987 e não foi afectada de nulidade por não ter ofendido qualquer disposição legal;
- face aos comunicados oficiais da ré nºs. 102, de 14 de Março de 1978 e 1 para a época de 1987/1988, foi regular a inscrição de A;
- a omissão da punição do Vitória de Guimarães não constitui causa adequada dos danos peticionados pela recorrida;
- o facto culposo da autora de não subir à I Divisão no final da época futebolística de 1988/1989 concorreu para o agravamento dos danos, pelo que são infundados os prejuízos invocados ditos ocorridos depois do final daquela época.

Respondeu a recorrida, em síntese útil de conclusão de alegação:
- o pedido de da inscrição do jogador A para a época de 1986/1987 foi arquivado por o certificado internacional não haver sido apresentado até 30 de Abril de 1987;
- a conclusão de facto afirmada pela recorrente de que não procedeu ao arquivamento do processo não pode ser considerada pelo Supremo Tribunal de Justiça;
- é ignorado qual o certificado internacional que a recorrente considerou para validar a inexistente inscrição;
- o certificado internacional é requisito essencial para o acto de inscrição por ser imposto por disposição regulamentar e é elemento ou condição da sua própria existência, sem o qual o próprio pedido de inscrição é arquivado;
- a considerar-se haver inscrição sob condição, seria era nula, sem possibilidade de produção de efeitos jurídicos, por falta de um elemento essencial;
- o acto nulo não pode tornar-se válido por qualquer forma de convalidação e, por maioria de razão, o acto inexistente;
- o pedido de inscrição anterior não pode considerar-se válido, dado o atraso de apresentação do certificado internacional;
- o pedido de inscrição em 1986 sem o certificado internacional ou não existe ou foi feito sob condição não verificada, pelo que se não verificou;
- ainda que o pedido de inscrição não tivesse sido arquivado, ela seria nula por falta de um requisito essencial;
- a aplicação da excepção prevista no comunicado oficial nº. 2, de 14 de Março de 1978 só tem lugar no pressuposto da existência de prévia inscrição válida, não afectada de nulidade;
- a inscrição do jogador A na época de 1986/1987 tinha que observar o comunicado oficial nº. 1 para essa época, e não o comunicado oficial nº. 1 para a época de 1987/1988, porque este último só entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 1987;
- a recorrente gerou situações de desigualdade no acesso dos clubes participantes ao campeonato nacional da primeira divisão na época de 1997/1988 e à inscrição de jogadores, violando o artigo 13º da Constituição;
- a revalidação da inscrição provisória, sob condição, na época de 1986, é nula para a época de 1987/1988, e ocorreu em interpretação abusiva da excepção prevista no comunicado nº. 102, de 14 de Março de 1978;
- A jogou com inscrição ilegalmente revalidada, contra o disposto no Regulamento de Disciplina da recorrente, pelo que deveria o Vitória Sport Clube de Guimarães ter sido penalizado com zero pontos;
- se a recorrente tivesse aplicado a referida pena ao Vitória Sport Clube de Guimarães, teria este, e não a recorrida, descido à segunda divisão;
- a omissão pela recorrente de aplicação daquela sanção, prosseguida com um conjunto de factos ilícitos e culposos, constitui causa adequada da descida de divisão pela recorrida e dos danos por esta sofridos;
- apurar se, caso não jogasse A, ou se a causa da descida de divisão foi a frágil classificação da recorrida constitui matéria de facto, subtraída à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, que tem de acatar a interpretação dos factos e as ilações lógicas que as instâncias tiram deles;
- o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer da questão de saber se foi ou não por negligência, imperícia, falta de destreza e incapacidade dos seus órgãos e jogadores que ocorreu o agravamento dos danos da recorrida, por não haver sido discutida nas instâncias;
- tendo a recorrida alegado e provado ter sofrido danos morais e pedido a condenação da recorrente a pagar determinada quantia nos termos e condições expostos, embora não quantificando a parte relativa aos mesmos, podia o tribunal fixá-los no acórdão, embora sem exceder o montante peticionado.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. Do comunicado oficial, nº. 93, da ré, de 27 de Fevereiro de 1978, consta, além do mais: "Tem-se conhecimento de que os jogadores profissionais de futebol celebram mais do que um contrato com diferentes clubes ao abrigo da PRT. A FPF adoptará no futuro o seguinte critério, sem perder de vista o disposto na PRT: Quando um jogador celebra um contrato com um Clube para vigorar a partir do início de determinada época, a Federação procederá ao seu registo, desde que: al. c) - a data do contrato seja posterior a 1/7 imediatamente anterior à época em que a sua vigência terá início. 2. Só são recebidos na FPF requerimentos para efeitos de registo de contratos a partir de 1/7. 9. O presente Comunicado entrará em vigor a partir de 15/3/78".
2. No comunicado oficial, nº. 102, da ré, de 14 de Março de 1978, consta, além do mais: "Dado os princípios que inspiram o CO nº. 93 de 27/2/78 e os objectivos que com o mesmo pretendiam atingir, não justificam a sua integral aplicação aos contratos celebrados entre o jogador e o próprio clube para renovação dos contratos vigentes, esclarece-se que àqueles contratos não é aplicável o nº. 1 al c) e o nº. 2 do referido CO.
Esses contratos ficarão no entanto sujeitos às restantes disposições do CO nº. 93, na medida em que as mesmas lhe sejam aplicáveis".
3. O Regulamento de Disciplina da ré, aprovado na assembleia geral extraordinária de 11 de Agosto de 1984, expressa no seu artigo 57º: "o clube que em jogo de natureza dos previstos no artigo 42º utilize jogadores mediante a sua inclusão na ficha técnica, que não estejam em condições legais ou regulamentares de o representar será punido com derrota. Consideram-se especialmente impedidos os jogadores que não possuam licença, nem licença que lhes não pertença ou a tenham obtido sem preencherem os requisitos regulamentares".
4. O ponto 45º do Comunicado Oficial da ré nº. 1, relativo à época de 1986/1987, expressava: "O certificado de transferência ou a informação de que o jogador está livre para se inscrever por clubes portugueses, deve dar entrada na Federação Portuguesa de Futebol até 20/1. A informação referida, quando feita por via telegráfica, não tem validade se não for confirmada pelo certificado a receber até á data indicada, sem o qual os pedidos de inscrição são arquivados".
5. O prazo mencionado sob 4 foi prorrogado por duas vezes na época 1986/1987, a primeira até 20 de Abril de 1987 e, depois, pelo Comunicado Oficial da ré, nº. 187, de 23 de Abril de 1987 para 30 de Abril de 1987.
6. Do comunicado oficial, nº. 1, da ré, para a época de 1987/88, destinado a vigorar a partir de 1 de Agosto de 1987, consta o seguinte:
a) 41. Dentro da presente época, os pedidos para jogadores estrangeiros se poderem inscrever por clubes portugueses devem entrar na FPF até 31 de Dezembro. Depois desta data, só poderão pedir a sua inscrição nos quadros dos clubes os jogadores estrangeiros com o mínimo de seis meses de residência fixa em Portugal;
b) 42. Os pedidos de inscrição devem ser assinados pelos próprios jogadores;
c) 43. Os pedidos de transferências internacionais deverão ser feitos obrigatoriamente através das respectivas associações, com indicação do nome completo do jogador, data do nascimento, clube a que se encontrava vinculado, bem como a Federação a que o mesmo pertence. Sem os elementos acima indicados, na totalidade, a FPF não poderá dar seguimento a pedidos;
d) 44. A FPF consultará imediatamente a sua congénere sobre a possibilidade de inscrição do jogador por clubes portugueses, pedindo-lhes desde logo a remessa urgente do certificado internacional, se for caso disso;
f) 45. O certificado de transferência internacional é indispensável como prova de que o jogador está livre para se inscrever por clubes portugueses, e deve dar entrada nos serviços da FPF até 20 de Janeiro. A informação quando feita por via telegráfica não tem validade, salvo se enviado o certificado internacional por telefax;
g) 46. Após a recepção do certificado internacional, a FPF comunicará imediatamente ao clube interessado na inscrição do jogador, através da sua associação, que a mesma poderá ser recebida sob as condições referidas nos nºs. 3 e 4 deste comunicado oficial;
h) 47. Recebida a comunicação (nº. 46) que antecede, o clube é obrigado a entregar na associação em que se encontra filiado, até 31 de Janeiro, sob pena de aplicação do disposto no nº. 40, o contrato de trabalho, acompanhado do pedido de registo nos termos da PRT e CO nº. 93 se o jogador for profissional, o boletim de inscrição, o documento comprovativo da aptidão física, duas fotografias tipo passe e, a título devolutivo, o seu passaporte ou junção de fotocópia autenticada do mesmo.
7. A autora disputa os campeonatos nacionais de futebol profissional organizados pela ré e está nela inscrita como sócio ordinário e filiada.
8. À ré compete dirigir, regulamentar e organizar os campeonatos nacionais de futebol no País, nomeadamente o da I Divisão, da II Divisão de Honra e da II Divisão.
9. Os boletins de inscrição vigentes nas épocas de 1986/1987 e 1987/1988 distinguiam na inscrição "a primeira inscrição", a "revalidação da inscrição" e a "inscrição com transferência".
10. A veio para Portugal em Julho de 1986 e foi inscrito, pelos serviços da ré, no Sport Clube de Guimarães.
11. Como se tratava de um jogador estrangeiro, era necessário que essa transferência fosse autorizada, através do certificado internacional, pela Federação do País a cujo clube o jogador estivera anteriormente vinculado e, para esse efeito, a ré consultava imediatamente a sua congénere e solicitava a remessa urgente daquele certificado.
12. A Federação estrangeira podia enviar directamente à ré o certificado internacional, e o processo ficava completo, podendo o jogador alinhar pelo clube em que fora inscrito, ou pedia apenas um documento telegráfico, caso em que o jogador só podia alinhar pelo clube em que fora inscrito desde que o certificado de transferência desse entrada na ré até 20 de Janeiro.
13. No dia 13 de Janeiro de 1987, a Federação Zairense de Futebol confirmou por telex a liberdade do jogador A ser inscrito por um clube português, e o certificado internacional daquele jogador só foi apresentado à ré no dia 29 de Maio de 1987.
14. No processo de inscrição daquele jogador apareceram duas fotocópias de dois certificados internacionais, com diferenças indiciadoras de falsificação, com o carimbo de entrada na ré no dia 30 de Abril de 1987.
15. B procedeu à falsificação de um carimbo de entrada de um ofício da Associação de Futebol de Braga, datado de 29 de Abril de 1987, que remetia cópia do certificado internacional de A, tendo a entrada desse ofício sido carimbada como se tivesse sido registado com data de 30 de Abril de 1987, quando deu entrada na ré com data posterior.
16. Em virtude da referida falsificação, a ré promoveu o despedimento com justa causa de B.
17. Na época futebolística de 1986/1987, A foi inscrito pela ré, pela primeira vez, tratando-se de uma "inscrição com transferência".
18. Para esse fim, o Sport Clube Vitória de Guimarães apresentou o referido pedido com transferência e o contrato de trabalho outorgado com o jogador, com início em 1 de Agosto de 1986 e termo em 31 de Julho de 1987.
19. No dia 12 de Maio de 1987, o Chefe do Serviço de Planeamento e Controlo Técnico da ré verificou que do processo de inscrição de A não constava o certificado internacional, lavrando então parecer no sentido de ser cancelada a sua inscrição e, nesse mesmo dia, o secretário-geral da ré, B, solicitou parecer ao consultor jurídico da ré, o qual o emitiu no sentido da necessidade da suspensão imediata daquele jogador.
20. B não deu execução a tal parecer e ele, ou outro funcionário da ré, fez desaparecer do processo de inscrição do jogador A o parecer do consultor jurídico.
21. No dia 19 de Maio de 1987, o Sport Clube Vitória de Guimarães contratou o jogador em causa por mais três épocas futebolísticas, 1987/1988, 1988/1989 e 1989/1990 e, em face dessa nova contratação, aquele Clube solicitou à ré o registo do contrato de trabalho outorgado com aquele jogador, agora por três épocas, e a revalidação da sua inscrição para a época futebolística de 1987/1988.
22. Em Maio de 1987, o Sport Clube de Guimarães inscreveu o jogador A para a época de 1987/1988.
23. A ré deu por revalidada a inscrição daquele jogador para a época futebolística de 1987/1988, conforme a documentação em seu poder, entre ela o certificado internacional nela entrado em 29 de Maio de 1987.
24. De acordo com o regulamento daqueles campeonatos nacionais, para o apuramento final da classificação, a cada jogo eram atribuídos dois pontos pela vitória, um ponto pelo empate e zero pontos pela derrota, resultando a classificação final da ordenação de todos os clubes concorrentes, conforme a soma de todos os pontos obtidos, descendo à II Divisão os três últimos classificados.
25. Na época futebolística de 1987/1988, a autora e o Vitória Sport Clube de Guimarães disputaram o campeonato nacional da I Divisão, e as épocas futebolísticas têm início no dia 1 de Agosto e termo no dia 31 de Julho do ano seguinte.
26. No dia 15 de Maio de 1988, num encontro de futebol em Guimarães, a contar para aquele campeonato nacional, entre a autora e o Sport Clube de Guimarães, este Clube fez alinhar A, e a autora perdeu esse encontro por três a zero.
27. A autora desceu nessa época à II Divisão Nacional, apesar de, no final do campeonato, somar um número de pontos igual ao dos clubes que se classificaram imediatamente acima, entre eles o Sport Clube de Guimarães, classificando-se a autora no antepenúltimo lugar.
28. Caso a autora tivesse estado na I Divisão Nacional, teria obtido, nas épocas futebolísticas de 1988/1989, 1989/1990, 1990/1991 e 1992/1993, receitas líquidas nas bilheteiras de jogos oficiais, pelo menos, de 150 000 000$, tomando como base o valor de 30 000 000$ anuais como valor médio relativo àquelas cinco épocas.
29. O Beira-Mar, clube da mesma região da autora, tendo estado na I Divisão nas épocas de 1988/1989 e 1989/1990, viu registadas na ré receitas líquidas nas bilheteiras de jogos oficiais de 48.214.146$ e 39.209.915$, respectivamente.
30. Caso a autora tivesse estado na I Divisão Nacional naquelas épocas futebolísticas, teria recebido de transmissões televisivas directas e de resumos de jogos e de transferências da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de receitas do totobola, quantias anuais.
31. A autora deixou de auferir, naquelas épocas futebolísticas, contratos de publicidade muito mais vantajosos, nomeadamente na camisola dos seus atletas, com o que deixou de receber quantias anuais.
32. Em consequência da descida da autora à II Divisão, perdeu a autora muitos sócios, com o que viu anualmente diminuídas as suas receitas de quotizações mensais, quotas complementares e bilhetes para sócios em valor não apurado.
33. A autora, com a conduta de funcionários e órgãos da ré e suas consequências viu o seu nome denegrido e a sua imagem pública desprestigiada.
34. As perturbações que as condutas dos funcionários e órgãos da ré e suas consequências causaram ao tempo nos dirigentes e jogadores da autora, e o empobrecimento progressivo derivado da falta de receitas que obteria na I Divisão, contribuíram para a dificuldade da autora regressar à I Divisão.
35. O campeonato nacional da I divisão em que o jogo mencionado sob 26 ocorreu, implicou para a autora a disputa de 38 jogos.
36. A ré registou para a autora, nas épocas futebolísticas de 1988/1989, 1989/1990, receitas de bilheteira de 3.716.817$ e de 1.845.897$, respectivamente.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não manter-se a condenação da recorrente que ocorreu na Relação.
Considerando o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, sem prejuízo de a solução dada a uma prejudicar a que devia ser dada a outra, a resposta referida questão essencial pressupõe a análise da seguinte problemática:
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por excesso de pronúncia e condenação além do objecto do pedido?
qual era natureza jurídica da Federação Portuguesa de Futebol ao tempo dos factos?
- qual era então a natureza jurídica dos actos de inscrição de jogadores pela Federação Portuguesa de Futebol?
- está ou não a inscrição do jogador A na época futebolística de 1986/1987 afectada de ilegalidade?
- em caso afirmativo, qual e a respectiva qualificação jurídica?
- está ou não a inscrição do referido jogador para a época futebolística de 1987/88 envolvida de vício afectante da sua validade?
- há ou não nexo de causalidade adequada entre o acto de inscrição do jogador A e de não punição do Vitória de Guimarães pela recorrente e os prejuízos invocados pela recorrida?
- ocorre ou não, na espécie, algum vício de inconstitucionalidade?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1. No acórdão recorrido, sob a motivação de que a recorrente ainda responderia pelos danos não patrimoniais cuja gravidade merecia a tutela do direito, em montante fixado equitativamente pelo tribunal, e de a recorrida, com a conduta de funcionários e órgãos da primeira, ter visto o seu nome denegrido e a sua imagem pública desrespeitada, bem como o bom nome e a imagem pública dos seus dirigentes e jogadores, condenou-se a primeira a pagar à segunda € 498.797,90.

Alegou a recorrente que o acórdão recorrido, ao condená-la no pagamento de compensação por danos não patrimoniais, fê-lo em quantidade superior e em objecto diverso do pedido e conheceu de questão de que não podia conhecer e que, por isso, está afectado da nulidade prevista nas alíneas d) e e) do nº. 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
A recorrida respondeu, por seu turno, que alegou e provou ter sofridos danos não patrimoniais e pediu a condenação da recorrente a pagar determinada quantia, e que o facto de os não quantificar monetariamente não impedia o tribunal recorrido de os fixar até ao limite do montante peticionado.
O Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer das referidas vertentes de nulidade, suprindo-as, declarando em que sentido o acórdão da Relação deve considerar-se modificado e conhecer dos outros fundamentos do recurso (artigo 731º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
O colectivo dos juízes da Relação deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, mas não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660º, nº 2 e 713º, nº. 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são argumentos ou razões de facto ou de direito e outra, bem diversa, questões de facto ou de direito, que se reportam aos pontos controvertidos de facto relativos à causa de pedir, ao pedido e às excepções.
A sanção para o referido vício da sentença ou do acórdão é a respectiva nulidade (artigos 668º, nº. 1, alínea d) e 716º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (artigo 661º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A nulidade a que se reporta a alínea e) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil constitui, pois, a sanção para o vício de limites a que alude o nº 1 do artigo 661º do mesmo diploma.
De harmonia com o princípio do dispositivo na sua vertente de ne eat judex ultra petita partium, a sentença ou o acórdão não podem condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (artigo 661º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Como corolário disso, a sentença ou o acórdão que condenar para além da quantidade pedida pelas partes ou em objecto diverso do que pediram enferma de nulidade (artigos 668º, nº 1, alínea c) e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A recorrida, referindo-se à situação de haver descido de divisão, afirmou na petição inicial, em primeiro lugar, que tal lhe causou e continuava a causar enormes prejuízos materiais e morais (103).
Acrescentou, por um lado, que por força de todo esse processo, pelas repercussões que causou ao tempo aos dirigentes e jogadores e pelo empobrecimento progressivo por falta de receitas que obteria na primeira divisão, tinha tido dificuldades em conseguir o regresso à mesma (104).
E, por outro, que por isso a recorrente se constituiu na obrigação de a indemnizar de todos os danos sofridos, nomeadamente nos termos dos artigos 483º, 496º e 500º do Código Civil (105).

Mais adiante, expressou a recorrida, por um lado, que a conduta dos órgãos da recorrente causaram e continuam a causar-lhe enormes prejuízos morais, tendo visto e vendo o seu nome denegrido e todo um enorme historial manchado e a sua imagem pública altamente desprestigiada (112).
E, por outro, que esses danos eram de tão elevada monta que não havia dinheiro algum que os pagasse e que por isso se abstinha de peticionar (113).
Finalmente, ao referir-se ao quantum do seu direito a ser indemnizada, limitou-se a expressar verbas concernentes a danos patrimoniais, no montante global de 500.000$ (114).
No que concerne ao pedido, limitou-se a expressar a sua pretensão de a recorrente dever ser condenada a pagar-lhe 710.000.000$, correspondentes aos mencionados 500.000.000$, acrescidos da actualização de 1,42%, no montante de 210.000$.
Havendo dúvidas sobre o sentido relevante da petição inicial no que concerne à causa de pedir e ao pedido, a sua interpretação deve operar à luz dos artigos 236º, nº. 1, e 238º, nº. 1, do Código Civil.
Perante o que a recorrida afirmou na petição inicial a título de causa de pedir e de pedido, um declaratário normal colocado na posição da recorrente não podia deixar de concluir no sentido de que a primeira não pediu contra a segunda alguma compensação por danos não patrimoniais.
Decorrentemente, a Relação conheceu da questão da compensação por danos não patrimoniais, de que não podia conhecer, por lhe não haver sido colocada pela recorrida, e condenou em objecto diverso do pedido por este não haver abrangido a vertente relativa àqueles danos.
A conclusão, não pode, por isso, deixar no sentido de que o acórdão em causa está afectado de nulidade parcial, nos termos do artigo 668º, nº. 1, alíneas d) e e), segunda parte, por infracção do disposto nos artigos 660º, nº. 2 e 661º, nº. 1, segunda parte, ambos do Código de Processo Civil.
Impõe-se, por isso, a anulação do acórdão recorrido no que concerne à condenação da recorrente a pagar à recorrida € 498.797,90 e a respectiva motivação, naturalmente se o referido acórdão não for julgado improcedente.

2. Considerando o tempo da inscrição do jogador A pela recorrente, não releva o regime jurídico decorrente da Lei de Bases do Sistema Desportivo, aprovado pela Lei nº. 1/90, de 13 de Janeiro, nem o do Decreto-Lei nº. 144/93, de 26 de Abril, que estabeleceu o regime jurídico das federações desportivas e de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.
Dir-se-á, em primeiro lugar que a recorrente tem a categoria jurídica de associação, a que se reportam os artigos 157º a 184º do Código Civil, 46º da Constituição e 1º do Decreto-Lei nº. 594/74, de 7 de Novembro.
Começaremos a nossa análise pelo Estatuto das Colectividades de Utilidade Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 460/77, de 7 de Novembro.
À luz do referido diploma, tem a doutrina considerado que a categoria de colectividades de utilidade pública abrange as pessoas colectivas de mera utilidade pública, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa (DIOGO FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1996, pág. 568).
Resulta do mencionado diploma, serem pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prosseguirem fins de interesse geral ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de utilidade pública (artigo 1º).
Eram condições gerais cumulativas da declaração da utilidade pública das associações ou fundações a não limitação do seu quadro de associados ou de beneficiários a estrangeiros ou por via de algum critério discriminatório, a tomada de consciência da sua utilidade pública, o seu fomento e desenvolvimento, cooperando com a Administração na realização dos seus fins (artigo 2º, nº. 1).
A declaração de utilidade pública, sujeita a um procedimento administrativo próprio, era e é da competência do Governo, através do Primeiro-Ministro (artigos 3º e 5º).
Da atribuição da qualidade jurídica de pessoa colectiva de utilidade pública às associações e fundações advém-lhes, por um lado isenções fiscais e outras regalias e, por outro, vários deveres (artigos 9º a 12º e Lei nº. 2/78, de 17 de Janeiro, substituída pela Lei nº. 151/99, de 14 de Setembro).
À Federação Portuguesa de Futebol foi atribuída a qualidade jurídica de pessoa colectiva de utilidade pública por despacho do Primeiro-Ministro de 15 de Junho de 1978 (Diário da República, II Série, nº. 139, de 20 de Junho de 1978).
A doutrina e a jurisprudência consideravam, quase unanimemente, que as federações desportivas, incluindo a Federação Portuguesa de Futebol, se integravam na categoria de pessoas colectivas privadas de utilidade pública (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, "Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1980, págs. 382 a 386; FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1996, pág. 403; JOSÉ MANUEL MEIRIM, "A Federação Desportiva Como Sujeito Público do Sistema Desportivo", Coimbra, 2002, págs. 334 a 339; Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República nºs. 114/85, de 30 de Janeiro de 1986, BMJ nº. 359, pág. 189, e 101/88, de 9 de Fevereiro de 1989, BMJ. nº. 384, pág. 86; Acs. do STJ de 9.6.87, BMJ, nº. 368, pág. 433, de 18 de Abril de 1991, BMJ, nº. 405, pág. 586; e do Tribunal Constitucional, nº. 472/89, de 12 de Julho de 1989, BMJ, nº. 389, pág. 150).
Tendo em conta o regime normativo que vigorara ao tempo da inscrição pela recorrente do jogador A, não obstante a particularidade das funções exercidas no domínio do desporto em geral e do futebol em particular, coenvolvidas de interesse público, a conclusão é no sentido de que a Federação Portuguesa de Futebol se caracterizava como pessoa colectiva associativa de direito privado e de utilidade pública.

3. Vejamos agora a natureza dos actos decisórios praticados pela recorrente no que concerne à inscrição dos jogadores de futebol pelos clubes a fim de poderem participar nas competições desportivas nacionais.
O acto administrativo é essencialmente caracterizado pela doutrina e pela jurisprudência como a conduta voluntária de um órgão de uma pessoa colectiva, em regra de direito público, no exercício de um poder público, de que resulte a aplicação de normas jurídicas a um caso concreto.
O Decreto-Lei nº. 32 241, de 5 de Setembro de 1942, que instituiu a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, estabeleceu, além do mais, que ela exercia a autoridade disciplinar sobre os desportistas, sobre as organizações desportivas, assim como sobre os técnicos e fiscais com poderes de consulta ou de decisão (artigo 10º).
Posteriormente, foi publicada a chamada Lei do Desporto, aprovada pelo Decreto-Lei 32 946, de 3 de Agosto de 1943, alterado pelos Decretos-Leis nºs. 33 556, de 24 de Fevereiro de 1944, 46 476, de 9 de Agosto de 1965, 47 744, de 2 de Junho de 1967, e 356/71, de 17 de Agosto, só revogada pelo artigo 43º, nº. 1, alínea a), da Lei 1/90, de 13 de Janeiro, ou seja a actual Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Em virtude da alteração da velha Lei do Desporto pelo Decreto-Lei nº. 46 476, de 9 de Agosto de 1965, as associações e as federações desportivas passaram a dispor de um conselho técnico e de um conselho jurisdicional e foi pormenorizado o grau de intervenção estatal nos vários organismos desportivos, designadamente naquelas federações.
Na primeira versão da Constituição de 1976, prescreveu-se que o Estado reconhecia o direito dos cidadãos à cultura física e ao desporto, como meio de valorização humana, incumbindo-lhe promover, estimular e orientar a sua prática e difusão (artigo 79º).
Na segunda versão da Constituição expressou-se, por um lado, que todos tinham direito à cultura física e ao desporto e, por outro, que incumbia ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto (artigo 79º, nºs. 1 e 2).
Com efeito, o desporto, em especial o futebol, pelo seu relevo económico e social, não só a nível nacional como também a nível internacional, sempre assumiu, como é natural, interesse público de que o Estado se não podia alhear.
O referido quadro constitucional permitia, naturalmente, ao Estado, diligenciar pela regularidade do fenómeno desportivo, outorgando às federações desportivas os poderes e os meios para levarem a cabo a sua missão.
Como de algum modo resulta de o Decreto-Lei nº. Decreto-Lei 32 946, de 3 de Agosto de 1943 só haver sido revogado pela Lei nº. 1/90, de 13 de Janeiro, parte considerável das suas normas, designadamente as relativas à organização desportiva numa base acentuadamente publicista, coexistiram eficazmente como o sistema legal decorrente da Constituição de 1976 (Ac. do STA, de 13.11.90, BMJ, nº. 401, pág. 278).
Assim, a lei e os estatutos da recorrente, no âmbito da actividade geral da coordenação da actividade futebolística, conferiam-lhe poderes para a prática de vários actos de extrema importância, como é o caso, por exemplo, da inscrição de jogadores portugueses e estrangeiros para poderem participar nas competições nacionais ou internacionais, e do exercício do poder disciplinar, além do mais, sobre jogadores e clubes.
Nessa perspectiva, apesar de a Federação Portuguesa de Futebol assumir, na época em causa, a natureza de mera pessoa colectiva de utilidade pública, exercia prerrogativas de autoridade pública no quadro de decisões unilaterais e executivas sobre os referidos agentes desportivos.
Nesse sentido entendeu-se, além do mais, nos tribunais da ordem administrativa que as federações desportivas estavam investidas de poderes de autoridade no cumprimento da missão de serviço público de organização e gestão do desporto federado, praticando actos administrativos em matérias que directamente se conexionassem com aquele serviço (Ac. do STA, de 13.11.90, BMJ, nº. 401, pág. 278).
E a doutrina pronunciou-se também no sentido de que determinados actos das federações desportivas, designadamente da recorrente, eram de natureza administrativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, "Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1980, pág. 385; Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nº. 114/85, de 30 de Janeiro de 1986, BMJ, nº. 389, pág. 189; e JOSÉ MANUEL MEIRIM, "A Federação Desportiva Como Sujeito Público do Sistema Desportivo", Coimbra, 2002, págs. 338 e 339).
Com base no exposto, importa concluir que os actos de inscrição pelo Vitória de Guimarães do jogar A por parte da recorrente assumiram a natureza de actos administrativos.

4. A propósito da regularidade ou irregularidade da inscrição do jogador A nos serviços da recorrente pelo Vitória de Guimarães na época futebolística começada no dia 1 de Agosto de 1986 e terminada no dia 31 de Julho de 1987, importa considerar a seguinte factualidade.
Nessa época futebolística, competiu à recorrente dirigir, regulamentar e organizar em Portugal os campeonatos nacionais de futebol, nomeadamente o da I Divisão, que o Vitória de Guimarães também disputou.
Os boletins de inscrição nos serviços da recorrente dos jogadores pelos respectivos clubes distinguiam a primeira inscrição, a revalidação da inscrição e a inscrição com transferência.
A, jogador estrangeiro, veio para Portugal em Julho de 1986 e o Vitória de Guimarães apresentou nos serviços da recorrente o pedido da sua inscrição com transferência e o respectivo contrato de trabalho com início no dia 1 de Agosto de 1986 e termo em 31 de Julho de 1987.
Nessa época futebolística foi aquele jogador inscrito pela primeira vez nos serviços da recorrente, sob inscrição com transferência, na sequência do referido pedido do Sport Clube Vitória de Guimarães, com a apresentação do aludido instrumento de contrato de trabalho.
No dia 13 de Janeiro de 1987, a Federação Zairense de Futebol confirmou por telex a liberdade do jogador A para ser inscrito por um clube português, mas o seu certificado internacional só foi apresentado à recorrente no dia 29 de Maio de 1987.
A matéria das inscrições de jogadores de futebol por clubes nos serviços da recorrente obedecia a determinadas normas jurídicas por ela aprovadas, designadamente o regulamento de disciplina e os comunicados oficiais.
Na altura em que ocorreu a inscrição nos serviços da recorrente do jogador em causa vigorava o Comunicado Oficial nº. 1 relativo à época de 1986/1987, aprovado na sua reunião de direcção de 1 de Agosto de 1986.
Expressava, em primeiro lugar, que nos pedidos de transferências internacionais deveriam ser indicados além do nome completo do jogador e a sua data do nascimento, o clube a que se encontrasse vinculado, bem como a indicação da respectiva federação (nº. 43).
Acrescentava que a recorrente consultaria imediatamente a sua congénere sobre a possibilidade de inscrição do jogador por clubes portugueses, pedindo-lhe, desde logo, se fosse caso disso, a remessa urgente do certificado de transferência internacional (nº. 44).
Ademais, referia sob o nº. 45, por um lado, que o certificado de transferência ou a informação de o jogador estar livre para se inscrever por clubes portugueses deveria dar entrada na Federação Portuguesa de Futebol até 20 de Janeiro de 1987.
E, por outro, que a referida informação, quando feita por via telegráfica, não teria validade se não fosse confirmada pelo certificado recebido até á data indicada, sem o que os pedidos de inscrição seriam arquivados.
O referido prazo sofreu, porém, duas alterações durante a época futebolística de 1986/1987, a primeira até 23 de Abril de 1987 e a última, esta por via do Comunicado Oficial nº. 187, de 23 de Abril de 1987 para 30 de Abril de 1987.
Como se tratava de um jogador estrangeiro, a sua transferência devia ser autorizada pela federação de futebol do país onde ele estava anteriormente vinculado, por via do certificado internacional, a recorrente consultava-a imediatamente e solicitava-lhe a sua urgente remessa.
Se a primeira o enviasse directamente à primeira, o processo ficava completo e o jogador podia jogar pelo clube pelo qual fora inscrito.
No caso de ela só enviar um documento telegráfico, o jogador só podia jogar pelo clube em que fora inscrito se o certificado internacional entrasse nos serviços da recorrente até 30 de Abril de 1987.
Todavia, o referido certificado apenas deu entrada nos serviços da recorrente no dia 29 de Maio de 1987.
Acontece, porém, que, com carimbo de entrada no dia 30 de Abril de 1997 apareceram no processo de inscrição do jogador A duas fotocópias de dois certificados internacionais, com diferenças indiciadoras de falsificação.
É claro que não podemos inferir, dessa mera referência a indícios de falsificação, os factos constitutivos de um crime de falsificação, certo que nada se sabe sobre a estrutura dos referidos indícios ou da respectiva e envolvente acção humana.
Mas está assente, por um lado, que B falsificou um carimbo de entrada de um ofício da Associação de Futebol de Braga, datado de 29 de Abril de 1987, com o qual era remetida uma cópia do certificado internacional de A.
E, por outro, que a sua entrada foi carimbada como se tivesse sido registado com data de 30 de Abril de 1987, mas que dera entrada nos serviços da recorrente em data posterior, ou seja, depois de 30 de Abril de 1987.
A referida alteração da data de entrada do referido ofício, acompanhado da aludida cópia do certificado internacional de A não se consubstancia, como é natural, em acto administrativo propriamente dito, mas em mero acto material de tramitação do processo.
Acresce que, depois da mencionada alteração da data de entrada do mencionado ofício, tendo em conta o conceito de acto administrativo a que acima de fez referência, que vem qualificada como falsificação, não se conhece se a recorrente praticou algum acto administrativo positivo ou negativo relativamente ao procedimento de inscrição do jogador A para a época futebolística de 1986/1987.
Sabe-se, porém, porque isso resulta dos factos provados, que o jogador A foi inscrito pelo Vitória de Guimarães nos serviços da recorrente para a época futebolística de 1986/1987, mas não se sabe se isso ocorreu, a título provisório ou definitivo, antes ou depois da alteração da data da entrada nos serviços da recorrente do ofício e da cópia do certificado internacional dirigidos à recorrente pela Associação de Futebol de Braga.
Com efeito, no dia 12 de Maio de 1987, ou seja, 12 dias depois da referida data limite de 30 de Abril de 1987, o Chefe do Serviço de Planeamento e Controlo Técnico da recorrente verificou que do processo de inscrição de A não constava o certificado internacional e opinou no sentido de ser cancelada a sua inscrição, o que consequenciou ter B, secretário-geral da recorrente, no mesmo dia, solicitado parecer ao consultor jurídico da recorrente, emitido no sentido da necessidade da suspensão imediata daquele jogador.
Assim, não revelam os factos provados que o acto de tramitação consubstanciado na alteração da data da entrada do aludido ofício com a cópia do certificado, portanto instrumento não original, enviados pela Associação de Futebol de Braga, operado por B, constitua nexo de causalidade adequada em relação à inscrição do jogador A nos serviços da recorrente pelo Vitória de Guimarães para a época futebolística de 1986/1987.
Ignora-se se o processo de inscrição em causa foi ou não formalmente arquivado, não obstante o prescrito no nº. 45 do Comunicado Oficial para a época futebolística de 1986/1987, mas pode concluir-se no sentido negativo, porque A foi inscrito pela recorrente, pela primeira vez, em transferência, para a referida época futebolística de 1986/1987.
Como a recorrente admitiu a inscrição do jogador A pelo Vitória de Guimarães para a época futebolística de 1986/1987, não obstante não haver recebido o certificado internacional em causa até ao dia 30 de Abril de 1987, condição necessária para o efeito, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que se tratou de um acto de inscrição ilegal.
Perante a referida factualidade, independentemente de do processo não constarem todos os elementos constitutivos do crime de falsificação de documentos, designadamente a intenção e o fim da acção em causa, inexiste fundamento legal para se concluir o acto de inscrição do jogador A pelo Vitória de Guimarães na época futebolística de 1986/1987 se traduziu no cometimento do referido crime.

5. Conforme acima se referiu, os actos de inscrição de jogadores com vista a participaram, em representação de clubes, nas competições desportivas traduzem-se em actos administrativos.
Os vícios dos actos administrativos eram então os previstos no artigo 15º, nº. 1, da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, ou seja, a usurpação de poder, a incompetência, o vício de forma, a violação de lei e o desvio do poder.
Tendo em conta a natureza do vício da inscrição em causa, estamos perante a violação da lei em sentido estrito, isto é, perante a discrepância entre o conteúdo do acto e as normas jurídicas aplicáveis (DIOGO FREITAS DO AMARAL, "Direito Administrativo", vol. III, Lisboa, 1989, págs. 288, 289 e 303).
As sanções legalmente determinadas para os actos administrativos ilegais, ilícitos ou afectados de vícios de vontade eram, na altura, tal como actualmente, a nulidade e a anulabilidade.
A nulidade do acto implica a sua ineficácia ab initio, a sua impugnabilidade sem limite temporal, a insusceptibilidade de sanação pelo decurso do tempo, de ratificação, de reforma ou de conversão, ou seja, o acto administrativo nulo não pode ser transformado em acto válido.
Por seu turno, a anulabilidade do acto é sanável pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão e, enquanto não for anulado, produz efeitos como se válido fosse, obrigando nos seus precisos termos as entidades públicas ou equiparadas e os particulares (DIOGO FREITAS DO AMARAL, "Direito Administrativo", vol. III, Lisboa, 1989, págs. 324 a 334).
Os efeitos da ilegalidade dos actos administrativos em geral eram, na altura dos factos, determinados à luz dos artigo 88º, quanto à nulidade, e 89º quanto à anulabilidade, ambos do Decreto-Lei nº. 100/84, de 29 de Março, relativo às atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos, aplicáveis por analogia aos actos de todos os órgãos da administração pública portuguesa (artigo 10º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
A regra nesta matéria era a da anulabilidade do acto e a excepção a nulidade que o afecta como tal nos casos declarados na lei, designadamente no artigo 88º do Decreto-Lei nº. 100/84, de 29 de Março.
Mas nem no referido artigo, nem em qualquer outro, se comina de nulidade o vício do acto em causa, pelo que a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que o referido acto de inscrição do jogador A nos serviços da recorrente para participar nas competições desportivas do Vitória de Guimarães está afectado do vício de anulabilidade.

6. Na Relação foi entendido ser nula a inscrição do jogador A para a época futebolística de 1986/1987, não poder dar lugar a uma inscrição regular, que dependia de apresentação de novo certificado internacional daquele jogador.
Além da factualidade já acima mencionada, releva a seguinte, dada como provada no acórdão recorrido:
Na época futebolística que começou no dia 1 de Agosto de 1987 e terminou no dia 31 de Julho de 1988, o Vitória de Guimarães disputou o campeonato nacional de futebol da primeira divisão.
No dia 19 de Maio de 1987, o Vitória de Guimarães contratou o jogador A por mais três épocas futebolísticas, ou seja para a que começou no dia 1 de Agosto de 1987 até à que terminava no dia 31 de Julho de 1990.
Em consequência dessa contratação, o Vitória de Guimarães solicitou à recorrente o registo do correspondente contrato de trabalho outorgado entre aquele Clube e o jogador A, bem como a revalidação da sua inscrição para a época futebolística de 1987/1988.
A recorrente declarou revalidada a inscrição daquele jogador para a época futebolística de 1987/1988, expressando que tal era conforme com a documentação em seu poder, entre ela o certificado internacional, nela entrado no dia 29 de Maio de 1987.
Aquele jogador esteve ao serviço do Vitória de Guimarães na época futebolística que começou no dia 1 de Agosto de 1987 e terminou no dia 31 de Julho de 1988, jogando futebol por aquele clube nos jogos calendarizados na referida época futebolística.
Para a referida época futebolística regia o Comunicado Oficial nº. 1, aprovado pela direcção da recorrente.
No capítulo II, relativo ao prazo de requerimento de inscrição de jogadores nacionais ou equiparados, transferidos de uma federação estrangeira, prescrevia-se que o mesmo terminava no dia 31 de Março nas associações e que, até ao dia 20 de Abril, deviam entrar na recorrente todos os documentos, incluindo o certificado de transferência, sem os quais o pedido de inscrição seria arquivado (nº. 40).
Por seu turno, no capítulo III regulou-se o processo para a inscrição e licenciamento de jogadores estrangeiros.
Do comunicado oficial nº. 1 da recorrente para a época de 1987/1988, destinado a vigorar a partir de 1 de Agosto de 1987, consta essencialmente o seguinte:
Na presente época os pedidos para jogadores estrangeiros se poderem inscrever por clubes portugueses devem entrar na Federação Portuguesa de Futebol até 31 de Dezembro. Depois desta data, só poderão pedir a sua inscrição, nos quadros dos clubes, os jogadores estrangeiros com o mínimo de seis meses de residência fixa em Portugal, devendo os pedidos de inscrição ser assinados pelos próprios jogadores (nºs. 41 e 42);
Os pedidos de transferências internacionais deverão ser feitos obrigatoriamente através das respectivas associações, com indicação do nome completo do jogador, data do nascimento, clube a que se encontrava vinculado, bem como, a Federação a que o mesmo pertence, não podendo a Federação Portuguesa de Futebol dar seguimento a pedidos sem a totalidade dos elementos acima indicados (nº. 43);
A Federação Portuguesa de Futebol consultará imediatamente a sua congénere sobre a possibilidade da inscrição do jogador por clubes portugueses, pedindo-lhes desde logo a remessa urgente do certificado internacional, se for caso disso (nº. 44);
O certificado de transferência internacional é indispensável como prova de que o jogador está livre para se inscrever por clubes portugueses e deve dar entrada nos serviços da Federação Portuguesa de Futebol até 20 de Janeiro, e a informação, quando feita por via telegráfica, não tem validade, salvo se enviado o certificado internacional por telefax (nº. 45);
Após a recepção do certificado internacional, a Federação Portuguesa de Futebol comunicará imediatamente ao clube interessado na inscrição do jogador, através da sua associação, que a mesma poderá ser recebida sob as condições referidas nos nºs. 3 e 4 deste comunicado oficial (nº. 46);
Recebida a comunicação mencionada sob o nº. 46, o clube é obrigado a entregar na associação em que se encontra filiado, até 31 de Janeiro, sob pena de aplicação do disposto no nº. 40, o contrato de trabalho, acompanhado do pedido de registo nos termos da Portaria de Regulamentação do Trabalho e do Comunicado Oficial nº. 93 se o jogador for profissional, do boletim de inscrição, do documento comprovativo da aptidão física, de duas fotografias tipo passe e, a título devolutivo, o seu passaporte, ou junção de fotocópia autenticada do mesmo (nº. 47).
A sanção prevista no nº. 40, para que o nº. 47 remete, consubstancia-se no arquivamento do pedido de inscrição.

Por seu turno, o Comunicado Oficial nº. 93, de 27 de Fevereiro de 1978, para que o nº. 47 remete, começa por um preâmbulo, onde se expressa o seguinte: "Tem-se conhecimento de que os jogadores profissionais de futebol celebram mais do que um contrato com diferentes clubes ao abrigo da Portaria de Regulamentação do Trabalho, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar que decorra de tais situações, ponderados os aspectos jurídicos, desportivos e morais que o caso encerra, a Federação adoptará, no futuro, o seguinte critério, sem perder de vista o disposto na aludida Portaria.
O critério referido está enunciado no mencionado Comunicado Oficial, em vigor, face ao nº. 9, no dia 15 de Março de 1978, em tanto quanto releva no caso vertente, nos termos seguintes:
"1. Quando um jogador celebra um contrato com um clube para vigorar a partir do início de determinada época, a Federação procederá ao seu registo, desde que: a) lhe tenha sido enviado pela entidade patronal clube um exemplar do mesmo assinado pelas duas partes, clube e jogador, e datado; b) o requerimento a pedir o registo seja assinado pelo clube e jogador; c) à data do contrato seja posterior a 1 de Julho imediatamente anterior à época em que a sua vigência terá início; d) as assinaturas do contrato e do requerimento estejam notarialmente reconhecidas, sendo a do jogador reconhecida presencialmente. 2. Só são recebidos na Federação Portuguesa de Futebol requerimentos para efeito de registo de contratos a partir de 1 de Julho".
Finalmente, o Comunicado Oficial nº. 102, de 14 de Março de 1978, sob a epígrafe Registo de Contratos na Federação Portuguesa de Futebol de Futebolistas Profissionais, expressa o seguinte: "Dado que os princípios que inspiram o Comunicado Oficial nº. 93, de 27 de Fevereiro de 1978, e os objectivos que com o mesmo pretenderam atingir não justificam a sua integral aplicação aos contratos celebrados entre um jogador e o próprio clube, para renovação dos contratos vigentes, esclarece-se que àqueles contratos não é aplicável o nº. 1, alínea c), e o nº. 2 do referido Comunicado Oficial, ficando no entanto esses contratos sujeitos às restantes disposições do Comunicado Oficial nº. 93, na medida em que as mesmas lhe sejam aplicáveis".
Resulta, assim, do mencionado Comunicado Oficial que aos contratos celebrados entre um jogador e o próprio clube para renovação dos contratos vigentes não são aplicáveis os dispositivos segundo os quais a data do contrato seja posterior a 1 de Julho imediatamente anterior à época em que a sua vigência terá início, e só deverem ser recebidos na Federação Portuguesa de Futebol requerimentos para efeito de registo de contratos a partir de 1 de Julho.
Será que o mencionado vício do acto de inscrição do jogador A para a época futebolística de 1986/1997 implicará, só por si, a ilegalidade do acto de inscrição do mesmo jogador pelo Vitória de Guimarães para a época futebolística de 1987/1988?
A este propósito, importa ter em linha de conta, que o primeiro dos referidos actos de inscrição, embora não tivesse produzido efeitos de direito, produziu, no entanto vários efeitos de facto.
Com efeito, tinha sido cumprido o legalmente exigido para a primeira inscrição com transferência do jogador estrangeiro em causa, designadamente a informação de liberdade do jogador se inscrever por clubes portugueses, seguida da apresentação do certificado internacional, para além de o mesmo ter exercido a sua actividade desportiva no Vitória de Guimarães durante a época futebolística de 1986/1987.
Contratado A pelo Vitória de Guimarães no dia 19 de Maio de 1987 por mais três épocas, incluindo a que começou no dia 1 de Agosto de 1987 e terminou no dia 31 de Julho de 1988, pediu aquele Clube o registo do respectivo contrato de trabalho e a revalidação da sua inscrição com vista a poder utilizar o serviço daquele jogador nesse período.
A recorrente expressou revalidar a inscrição daquele jogador para a época futebolística de 1987/1988, mas acrescentou que isso era conforme com a documentação em seu poder, entre ela o certificado internacional, por ela recebido no dia 29 de Maio de 1987.
O termo revalidação não é corrente na área do direito administrativo, certo que nela as expressões usadas para a sanação de actos administrativos ilegais são a ratificação, a reforma e a conversão.
Mas em termos jurídicos gerais, o conteúdo do conceito de revalidação assume o significado de validação, legitimação ou legalização.
Dir-se-á, grosso modo, que o acto jurídico de revalidação é o que torna legítimo, legal ou juridicamente válido o acto que fora praticado ilegalmente ou sem eficácia jurídica.
Dando-se à expressão revalidação o sentido de conversão, isto é, entendendo que as partes pretenderam a sanação da ilegalidade do anterior acto de inscrição do jogador A para a época futebolística de 1986/1987, como a referida ilegalidade foi a de anulabilidade e não a de nulidade, a revalidação em causa por acto administrativo da recorrente não estava afectado de vício de ilegalidade.
Mas ainda que se tratasse do vício de nulidade, que foi considerado na Relação, a solução, segundo os vários interesses envolvidos, não poderia ser no sentido da ilegalidade da designada revalidação.
É que, o jogador A já estava inscrito, nos serviços da recorrente, pelo Vitória de Guimarães, na anterior época futebolística de 1986/1987 e, como tal, actuara nas competições desportivas respectivas, com tudo o que isso envolveu nas legitimas expectativas dos clubes e no desfecho da competição envolvente.
Todavia, na realidade, segundo o interesse das partes coenvolvidas, do que se tratava, na realidade, era efectuar a inscrição nos serviços da recorrente do jogador A pelo Vitória de Guimarães para a época futebolística seguinte, na sequência de um contrato de trabalho outorgado para vigorar por mais três épocas.
Este entendimento conforma-se, aliás, com o facto de os impressos de inscrição dos jogadores inserirem a tríplice situação de primeira inscrição, revalidação da inscrição e inscrição com transferência.
Um declaratário normal, face à pretensão formulada pelo Vitória de Guimarães, colocado na posição da recorrente e face ao interesse dos representantes daquele Clube, entenderia que o que se pretendia e foi decidido era que A fosse considerado inscrito nos serviços da segunda designadamente para época futebolística de 1987/1988 (artigos 236º, nº. 1 e 238º, nº. 1, do Código Civil).
Nesta perspectiva, tendo em os princípios da boa fé, a declaração de revalidação da recorrente, interpretada em termos objectivos, no confronto com o sentido da pretensão formulada pelo Vitória de Guimarães, mais não pode significar do que a aceitação da inscrição do jogador para a época futebolística de 1987/1988 ao serviço futebolístico daquele clube.
Não obstante os termos rígidos dos processos de inscrição de jogadores pelos clubes nos serviços da recorrente, atenta a realidade que envolve as associações desportivas e o princípio da boa fé, o ordenamento jurídico não consente a conclusão de que o Vitória de Guimarães reiniciasse um novo processo de inscrição com transferência, quando já estavam em poder da recorrente todos os documentos justificativos da inscrição do jogador para a época futebolística de 1987/1988, tanto mais que o último já na época anterior, bem ou mal, tinha exercido a sua actividade futebolística em Portugal ao serviço daquele Clube.
Conclui-se, por isso, que a ilegalidade do acto de inscrição do jogador A para a época futebolística de 1986/1987 não afectou de invalidade o acto de inscrição daquele jogador para a época futebolística de 1987/1988.

7. Acima se concluiu no sentido de que a ilegalidade do acto de inscrição do jogador A para a época futebolística de 1986/1987 não afectou o seu acto de inscrição para a época futebolística de 1987/1988.
Isso implica dever considerar-se prejudicada a apreciação, nesta sede, da questão do nexo de causalidade entre o acto da recorrente e os prejuízos que afectaram a esfera jurídico-patrimonial da recorrida, ou seja, a pronúncia sobre a sétima questão acima enunciada (artigos 660º, nº. 2, 713º, nº. 1 e 726º do Código de Processo Civil).

8. Afirmou a recorrida, por um lado, que a recorrente gerou situações de desigualdade no acesso dos clubes participantes ao campeonato nacional da primeira divisão na época de 1997/1988 e à inscrição de jogadores e que, com isso, infringiu o artigo 13º da Constituição.
E, por outro, que a recorrente favoreceu o Vitória de Guimarães por não lhe haver cominado a derrota por ter utilizado o jogador A cuja licença fora obtida sem os requisitos regulamentares.
O princípio da igualdade consta do artigo 13º da Constituição, segundo o qual, todos os cidadãos são iguais perante a lei e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, além do mais, da sua situação económica ou condição social.
Implica o mencionado princípio, por um lado, a proibição do arbítrio, com a consequência da inadmissibilidade de diferenciações de tratamento sem justificação razoável à luz de critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes ou a identidade de tratamento de situações manifestamente desiguais.
E, por outro, a proibição de discriminação, com a consequência da ilegalidade de diferenciações de tratamento entre pessoas com base em categorias meramente subjectivas.
A proibição do arbítrio e de discriminações implica o tratamento igual de situações de facto iguais e o tratamento desigual de situações de facto desiguais, mas o princípio da igualdade não exclui o estabelecimento de distinções, mas apenas as soluções desrazoáveis ou destituídas de fundamento material bastante (Ac. do Tribunal Constitucional, nº 97/99, de 10.2.99, Diário da República, II Série, de 10 de Abril de 1999).
Considerando a conclusão a que acima se chegou no sentido de que a inscrição do jogador A para a época de 1987/1988 pelo Vitória de Guimarães foi regular, durante a qual ocorreu o jogo de futebol em que a recorrida perdeu no confronto com aquele Clube, queda absolutamente irrelevante a sua argumentação sobre a discriminação.
Não se vislumbra, por outro lado, que a recorrente tenha interpretado as normas que aplicou na inscrição daquele jogador para a época futebolística de 1987/1988 em sentido contrário ao princípio da igualdade a que se reporta o artigo 13º da Constituição.

Procede, por isso, o recurso, com a consequência da revogação do acórdão recorrido e de ficar prejudicado o efeito do vício de nulidade parcial que o afectou e da subsistência da sentença absolutória da recorrente proferida na primeira instância.
Vencida no recurso, seria a recorrida responsável pelo pagamento das custas respectivas, incluindo as relativas ao recurso de apelação (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como a recorrida beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em linha de conta o disposto nos artigos 15º, nº. 1, 37º, nº. 1 e 54º, nºs. 1 e 3, do Decreto-Lei nº. 387-B/87, de 29 de Dezembro, e 57º, nº. 1, da Lei nº. 30-E/2000. de 20 de Dezembro, inexiste fundamento legal para que opere a sua condenação no pagamento das custas.
IV
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e mantém-se o decidido na sentença proferida na primeira instância.

Lisboa, 3 de Julho de 2003
Salvador da Costa
Quirino Soares
Ferreira de Sousa