Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10795/09.0T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: RESPOSTAS AOS QUESITOS
FACTOS CONCLUSIVOS
MATÉRIA DE DIREITO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
CONSTRUÇÃO CLANDESTINA
NULIDADE DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO
JUROS LEGAIS
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS - DIREITOS REAIS / POSSE / EFEITOS DA POSSE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / BASE INSTRUTÓRIA / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA.
Doutrina:
- Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2ª edição, 142.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7ª edição, 46.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, N.º1, 286.º, 289.º, N.ºS1 E 3, 364.º, N.º 1, 401.º, N.º1, 1270.º, 1271.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 481º AL. A), 511.º, 646.º, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 564.º, AL. B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15-10-98, COL. JUR., III, 63;
-DE 21-6-2007, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 3-11-2009, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 07-07-2010, PROC. Nº 1207/08.8TBFAF.G1.S1 ;
-DE 14-6-2011, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 15-11-2012, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13-05-2014, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Segundo o art. 646.º, n.º 4, do CPC, então em vigor, deveriam ter-se como não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, impondo ainda o art. 511.º, n.º 1, do mesmo diploma que as circunstâncias conclusivas não deveriam fazer parte do acervo da factualidade dada como provada.

II - A eliminação da matéria de direito ou conclusiva existente numa resposta a um quesito, não implica, necessariamente, que não se possa considerar o resto dessa resposta, desde que esta contenha elementos de natureza material e concreta.

III - A resposta em questão contém dois elementos independentes: o primeiro consiste na asserção da impossibilidade legal das partes na realização da escritura, matéria evidentemente conclusiva e de conteúdo jurídico (já que tal final depende de ponderações de direito e de juízos de valor dedutivos); o segundo cifra-se na afirmação de que nenhuma das fracções se encontrava legalizada, matéria patentemente factual (pois constitui uma materialidade objectiva) e não de índole jurídica.

IV - Se bem que se devesse extrair da resposta, com base no dispositivo adjectivo invocado no acórdão recorrido, aquele elemento, já não se poderia retirar daí o dito segundo elemento, ou seja, de que nenhum dos imóveis se encontrava legalizado.

V - Deve ter-se como demonstrado que os imóveis, aquando da realização do contrato-promessa, estavam construídos sem as necessárias aprovações, licenças e autorizações legais, isto é, eram clandestinos.

VI - A clandestinidade dos bens prometidos vender/comprar gerou a nulidade originária do contrato, impedindo que a obrigação se tenha constituído, como decorre do referido art. 401.º, n.º 1, nulidade do conhecimento oficioso.

VII - As consequências da verificação deste vício, traduzem-se na restituição de tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição não puder ser feita em espécie, do valor correspondente, nos termos do art. 289.º, n.º 1, pelo que terão os réus de restituir tudo o que receberam por efeito da celebração do contrato-promessa.

VIII - No caso vertente, houve uma entrega de dinheiro, sendo que este, como se viu, é susceptível de produzir juros/frutos civis. Como os réus estiveram de boa fé até à data da citação, só a partir deste momento devem restituir os frutos civis que o capital poderia ter produzido desde então, ou seja, os juros legais do capital.

IX - Dado que, na presente revista, o recorrente nada de substancial afirma ou defende no sentido de infirmar os fundamentos da decisão quanto à sua condenação como litigante de má fé, esta terá de manter-se incólume.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I- Relatório:
1-1- AA, divorciado, residente na Av. … …, …° A, ...- Almada, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB e CC, casados entre si no regime da comunhão de adquiridos e residentes na Rua ..., lote …, ..., em …, pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de Esc. 8.922.250$00, acrescidos de juros desde a citação, devendo ser declarados como tendo dado causa ao incumprimento do contrato de promessa que identifica e que com eles celebrou em 27/01/1992, por culpa exclusiva deles e ainda a sua condenação no pagamento duma indemnização - a liquidar em sede de liquidação de sentença - por despesas efectuadas por aquisições a favor do estabelecimento e por lucros cessantes, correspondente ao sinal prestado em dobro, considerando-se que foram os RR. que deram azo ao incumprimento do contrato por culpa exclusiva destes.
Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com os RR., em 27/01/1992, um contrato promessa bilateral tendo por objecto, a compra e venda de vários imóveis, a compra e venda de bens móveis (máquinas, equipamento e recheio de um estabelecimento), o arrendamento comercial ao A. das instalações dum estabelecimento comercial e a cessão ao A. da posição contratual dos promitentes vendedores ora RR. no referido estabelecimento, tendo entregue aos RR., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia total de Esc. 4.461.125$00 (Esc. 4.000.000$00 + Esc. 150.000$00 mensais, nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1992). Porém, veio a descobrir que todos os imóveis (prometidos comprar/vender) não estavam registados na Conservatória nem nas Finanças, porque foram ilegalmente construídos, razão pela qual nunca poderia ser celebrada a escritura pública de compra e venda (o contrato definitivo). O estabelecimento comercial cujas instalações lhe foram dadas de arrendamento não tinha as licenças necessárias para poder funcionar normalmente durante o ano de 1992 (as quais só mais tarde foram obtidas pelo A.), mas apenas para laborar até às 23,00 h, apesar de os RR. lhe terem garantido que tinham licenças para laborar até às 04,00 h da madrugada. As partes quiseram renegociar o contrato mas os RR. romperam as negociações em curso, invadiram o estabelecimento, retiraram à força a chave e impediram o A. ou alguém a seu mando de entrar no estabelecimento.
Os RR. contestaram, por excepção e por impugnação. Por excepção, invocaram que o prazo inicialmente marcado (no contrato-promessa celebrado em 27/01/1992) para a celebração do contrato definitivo de compra e venda das fracções autónomas prometidas comprar/vender veio a ser alterado - num aditamento/alteração ao mesmo contrato-promessa reduzido a escrito assinado por ambas as partes em 1/02/1992 -, tendo deixado, a partir desse aditamento, de existir um prazo-limite para a realização das escrituras públicas de compra e venda.
Por impugnação, alegaram, em resumo, que o estabelecimento comercial em causa tinha as licenças necessárias ao seu funcionamento, e que - no contrato promessa celebrado entre as partes - os RR. apenas se comprometeram a arranjar as licenças ao normal funcionamento. O A. deixou de pagar a renda estipulada no contrato-promessa como contrapartida da cedência da exploração do aludido estabelecimento e, por tal facto, sem que tivesse sido minimamente coagido a fazê-lo, entregou voluntariamente o estabelecimento aos RR.. O A. só mantinha interesse na manutenção do contrato com redução do preço do negócio, o que os RR. não aceitaram (não estando a tanto obrigados).

O A. replicou, respondendo à matéria da excepção deduzida pelos Réus, arguindo a falsidade do documento (intitulado "ADITAMENTO/ALTERAÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA) junto pelos RR. com a sua contestação e alegando nunca ter assinado a proposta de alteração ao contrato-promessa originalmente celebrado que os RR. lhe apresentaram. De qualquer modo, os prazos previstos em tal documento para a outorga do contrato definitivo também não teriam sido cumpridos, pela simples razão de que o A. não podia celebrar as escrituras públicas de compra e venda, visto as construções não serem legais.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, condenou-se os RR. a pagarem ao A. a quantia de € 44.393 (quarenta e quatro mil trezentos e noventa e três euros), equivalente ao sinal prestado em dobro.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí concedido provimento à apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada.
Mais se decidiu julgar procedente a arguição da nulidade, por indevida omissão de pronúncia da sentença recorrida, no que concerne à questão da litigância de má fé e, consequentemente, condenou-se o A./recorrido, como litigante de má fé, numa multa de 5 (cinco) Ucs.

1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. AA para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1- O presente recurso de revista versa conceitual e obviamente apenas questões de direito, em função da prova produzida e dos preceitos legais aqui invocados, com o sentido unívoco em que o são;
2- O recorrente pretende começar por pôr de manifesto essa ostensiva desarmonia com a lei em que o acórdão recorrido incorre, ao admitir e valorar documentos que os recorridos juntaram só na fase das suas alegações e que, sendo por isso visivelmente extemporâneos, à face dos artigos 523º e s do CPC e ora 423º a 425º do NCPC, ocultaram durante mais de 20 anos e naturalmente nunca poderiam como não puderam presidir à prolação da sentença de ....
3- Seja como for e sem embargo, era aos recorridos que segundo o termo 3° do contrato dos autos cabia marcar a escritura definitiva e cobrir as despesas com a respectiva documentação, o que eles nunca fizeram;
4- Lendo o artigo 342º do Código Civil, os recorridos não observaram o ónus de provar testemunhal ou documentalmente quaisquer factos contrários ao recorrente, até para evitar a perda de algum beneficio que hipoteticamente os contemplasse, enquanto o recorrente isso sim logrou provar nesses moldes os factos constitutivos da sua causa de pedir e o direito que lhe assiste;
5- E com a sua inacção, os recorridos acabaram por sofrer as respectivas consequências negativas, justamente por os autos conterem prova suficiente da posição do recorrente e isto independentemente de essa prova ter sido trazida por este ou não;
6- Escrupulosa e pontualmente e de boa-fé, o recorrente entregou logo aos recorridos a primeira verba de 4 mil contos e ocupou o estabelecimento e as fracções e depois foi-lhes pagando uma renda de 150 contos em Fevereiro, Março, Abril seguintes;
7- O alvará sanitário de café e snack-bar era precário, por se tratar de comércio em edifício clandestino e as autoridades alertaram para o risco de o titular se sujeitar a sanções advenientes disso;
8- Nem pelo facto de o recorrido ter logrado pôr em nome do recorrente o alvará sanitário, este deixou de ser precário, paredes-meias com a então proclamada clandestinidade imobiliária e susceptível de desencadear sanções na altura sobre o recorrente;
9- Ainda nessa primavera, os recorridos apropriaram-se do estabelecimento tendo colocado neste um cadeado, não tendo havido por parte do recorrente entrega da chave coisíssima nenhuma;
10- Dimanando ainda da discussão e instrução da causa que essas graves anomalias e irregularidades verificadas quanto à totalidade da unidade predial e sua exploração e que o recorrente desconhecia sem obrigação em contrário desde o primeiro instante das negociações, não podem ser atribuíveis senão aos recorridos, então a prontidão com que aquele lhes foi entregando as vultuosas verbas combinadas e a boa-fé com que procurou a ou trance salvar o que para ele fundada e infelizmente passou a afigurar-se insalvável, são suficientes para acolher a sua tese nos autos e sufragar a justeza de todos os seus comportamentos, até segundo aquela diligência de um bom pai de família e aquela humana linha média que subjazem a todos os textos juscivilistas;
11- Tomando como linha orientadora os artigos definitórios 410º e 874°, o rigor no cumprimento de boa-fé das suas obrigações por parte do recorrente do artigo 406º e nº 2 do artigo 762°, o manifesto e evidente e humanamente compreensível desinteresse objectivo e subjectivo deste na manutenção da vigência do contrato, face ao clima adverso, hostil ou penoso de ilegalidade e de obstrução que lhe foi criado pelos recorridos ou a estes unicamente imputável capaz só por si de consubstanciar uma autêntica impossibilidade da prestação (nºs 1 dos 799º e 801º e 808°) conferindo ao recorrente o direito de resolução expresso por qualquer dos meios previstos na lei, a senhora juíza da 1ª instância outorgou e bem ao recorrente o direito a cobrar o dobro do que pagou (nº 2 do artigo 442º todos do mesmo Código);
12- A ilegalidade construtora de todo o conjunto imobiliário dos autos, pelo menos naquela altura, ressalta de inúmero elementos fornecidos por estes, quer na fase da tramitação, quer no debate final e que em momento algum deles os recorridos lograram infirmar;
13- Fechar o imóvel a cadeado, como ficou exuberantemente provado nos autos, não é uma forma válida ou eficaz de preservar qualquer interesse do recorrente na celebração do contrato definitivo e, bem ao invés, suficiente para qualquer pessoa colocada na posição dele de pronto se desmotivar, como lúcida e sabiamente sublinhou a senhora juíza de ...,
14- Tudo o que vem de ser escrito e suportado pela própria sentença, da primeira instância, não é minimamente afectado pele referenciado documento adicional, quer este exista ou não e ou tenha sido ou não assinado pelo recorrente, já que, mesmo a existir, ele recebe os mesmos juízos de realidade e de valor que merecem quer os termos contratuais iniciais, quer as consequências que resultam destes e das circunstâncias malsãs e perversas, imputáveis unicamente aos recorridos e que obstaram à normal condução do acordo até à sua válida e plena conclusão;
15- Aliás, a perícia só foi reactivada por insistência dos recorridos e o próprio ofício de fls. 228 da PJ não chegou a resultado algum;
16- Daqui advém que esse hipotético aditamento, sobre não introduzir a mínima alteração no tronco central dos autos nem no destino destes e ser por isso perfeitamente anódino, inócuo ou irrelevante, é insusceptível de subverter a tese justíssima do recorrente e do mesmo passo de o condenar como litigante de má-fé, como se lê no acórdão recorrido e
17- Não é nele que reside o eixo nuclear da questão essencial em discussão nestes autos e não tem nenhuma justificação nem sentido algum que por ele o recorrente suporte qualquer condenação suplementar como litigante ousado.
Senhores Doutores Juízes Conselheiros deste Venerando Supremo Tribunal:
Afigura-se real e sinceramente insólito o que vem de ser descrito:
a. Cabia contratualmente (termo 3º do acordo dos autos) aos recorridos tratar de arranjar e pagar os documentos para uma escritura que deveriam ter atempado e nunca chegaram a realizar e não sem antes terem vedado o acesso do recorrente à unidade predial com um cadeado;
b. Não juntaram aos autos durante mais de 20 anos essa documentação, pelo que, independentemente do seu carácter despiciendo ad causam, a senhora juíza de ... não a leu nem podia ter lido para proferir a sua douta sentença (artigo 659º do CPC e agora 607º do NCPC).
c. Vêm a fazê-lo só agora com o respectivo recurso e a Relação acolhe-a e valera-a, contrariando frontalmente os mandamentos insertos nos artigos 523° e s do CPC e 423º a 425º do NCPC, o que é deveras surpreendente!
Nestes termos e nos demais de direito e invocando o sábio suprimento de V. Exªs, deve o nem por isso menos douto acórdão recorrido ser revogado, por imponderação, inaplicação ou omissão, inadequada interpretação e ou violação inter alia das normas exaustivamente acima citadas e com o sentido inequívoco com que o são e daí reposta em plenitude a justa e mui bem elaborada sentença da primeira Instância, para todos os efeitos e com todas as consequências legais inerentes, pois assim se cumpre o direito e assim se faz JUS T I Ç A!

Não foram produzidas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Valorização de documentos que os recorridos juntaram só na fase das suas alegações e alteração da resposta dada ao art. 3º da base instrutória, realizada pela Relação.
- Litigância de má fé.

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1) Em 27 de Janeiro de 1992, o autor celebrou com os réus o contrato promessa junto a fls. 5 a 9 e que aqui se dá por integralmente reproduzido; [al. A) da Especificação]
2) O objecto desse contrato promessa abrangia: compra e venda das fracções prediais nele identificadas; posse imediata das mesmas fracções por parte do autor; tomada de arrendamento pelo autor das instalações do estabelecimento comercial nele também identificado; propriedade, posse, uso e consumo dos móveis, máquinas e equipamentos, mercadorias e recheio do mesmo estabelecimento; cessão da posição contratual que os promitente vendedores e aqui réus possuíam no dito estabelecimento; [al. B) da Especificação]
3) Por conta do preço estipulado, como sinal e princípio de pagamento, o autor entregou aos réus a quantia acordada no ponto nº 1 da alínea a) da cláusula 2ª, de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos); [al. C) da Especificação]
4) Também segundo o acordado no dito contrato promessa, o autor entregou aos réus a quantia de 150.000$00, em cada um dos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1992; [al. D) da Especificação]
5) Ainda em cumprimento daquele contrato promessa, o autor tomou posse do estabelecimento e das fracções prometidas vender, em 28 de Janeiro de 1992; [al. E) da Especificação]
6) A escritura pública referida na cláusula 3ª do contrato promessa em questão não foi celebrada no prazo aí indicado; [al. F) da Especificação]
7) O alvará de licença sanitária que o R. obteve, para o estabelecimento funcionar como café e snack-bar foi a "título precário” “por o estabelecimento estar instalado num edifício construído clandestinamente, sujeitando-se o titular do alvará a quaisquer sanções que possam advir da consequência daquela construção", cfr. teor de fls. 33 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido; [resposta ao Quesito 1 ° do questionário]
8) Na 1ª instância havia sido dado como assente que “a escritura pública referida em F) [isto é, na al. F) da Especificação] não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada; [resposta ao Quesito 3° do questionário]”.
Facto considerado não escrito pela Relação Parcialmente a matéria factual retirada irá ser reposta no presente acórdão.
9) A. e R. combinaram renegociar o contrato em termos que consta do aditamento de fls. 34; [resposta ao Quesito 4° do questionário]
10) Os RR. tomaram posse sobre o estabelecimento, tendo colocado um cadeado no mesmo, em data concretamente não apurada mas anterior a 17/6/1992; [resposta ao Quesito 5º do questionário]
11) Em 21 de Fevereiro de 1992, a Câmara Municipal de ... emitiu, em nome do réu marido, a licença para o estabelecimento denominado "...", objecto do contrato-promessa em litígio, funcionar até às 24 h 00, através dos alvarás de licença números 159 e 160; [Quesito 6°].
13) O R. marido requereu à Câmara Municipal de ... o alvará de licença sanitário fosse averbado ao nome do A., o que se verificou por despacho de 28/2/1992; [resposta ao Quesito 7º do questionário]
14) O A. em 1 de Fevereiro de 1992 assinou com o R. um aditamento e alteração ao aludido contrato promessa, cuja cópia se acha a fls. 34, a qual se dá por integralmente reproduzida; [Quesito 14° do questionário]
13 a) Por essa alteração o prazo da escritura definitiva foi substituído por outro, no que concerne à escritura de promessa do prédio da Rua ..., n° .., … e …, em ..., onde funciona o bar; [Quesito 15° do questionário]
14 a) O A. enviou ao R. a carta de 1/4/1992, que a recebeu, e que consta de fls. 47 e 48 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. [resposta ao Quesito 20° do questionário].
15) O réu marido enviou ao Autor, em 15 de Abril de 1992, a carta constante de fls. 35 dos autos, acompanhada por documentos destinados a possibilitar a marcação notarial duma escritura pública de contrato-promessa com eficácia real tendo por objecto uma das fracções prometidas comprar/vender - a fracção "A" do prédio sito na Praceta ..., n° …, em ... (factualidade aditada pela Relação).
16) Relativamente à loja prometida vender, o Réu marido dizia naquela mesma carta que iria enviar os documentos respectivos e para o mesmo efeito (factualidade aditada pela Relação).
17) Tal carta e tais documentos foram recebidos pelo Autor, tendo-os ele devolvido ao réu em momento posterior (factualidade aditada pela Relação).-------------

2-3- Na presente revista o recorrente começa por mostrar o seu inconformismo em relação à posição que o douto acórdão recorrido tomou quanto a uns documentos juntos pelos promitentes-vendedores nas suas alegações da apelação. Segundo ele, tal junção na fase das alegações de recurso, é visivelmente extemporânea, à face ao disposto nos arts. 523º e s do CPC e 423º a 425º do NCPC, pelo que tais elementos não deveriam ser valorados.
Com esta objecção o recorrente visa reagir à subtracção pela Relação do facto fixado no nº 8 da factualidade assente (resposta ao ponto 3º da base instrutória) e no qual havia sido exarado que “a escritura pública referida em F) da Especificação não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada”.
Sublinhe-se que foi, precisamente, na circunstância de que as fracções prometidas comprar/vender seriam clandestinas e, como tal, insusceptíveis de serem objecto de escrituras públicas de compra e venda, que a sentença da 1ª instância fez assentar o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos promitentes-vendedores (e condenou estes no pagamento do sinal em dobro).
A primeira e essencial questão que se coloca será a de saber se a Relação agiu correctamente ao dar como não escrita a (totalidade da) resposta àquele ponto 3º da base instrutória. É que tendo o acórdão recorrido dado como não escrita tal factualidade, o sustentáculo (essencial) em que se baseou a sentença de 1ª instância (e que o recorrente quer fazer ressurgir) para a sua decisão de incumprimento definitivo do contrato promessa por banda dos promitentes-vendedores, deixou de existir.
Sobre o tema refere-se no acórdão ora impugnado:
Sustentam os Apelantes que - contrariamente ao que foi dado como provado pelo tribunal "a quo" (na resposta dada ao Quesito 3º do questionário) – nada obstava à celebração duma escritura pública de compra e venda tendo por objecto as fracções autónomas prometidas comprar (vender - como o comprovam as cópias das escrituras de compra dos Recorrentes a Terceiro ora juntas pelos Recorrentes com as suas Alegações de recurso, das quais constam menções às licenças emitidas pela Câmara Municipal, Finanças e Certidões. Quid juris? Existisse ou não um impedimento de ordem legal à celebração do negócio definitivo (escritura pública de compra e venda) tendo por objecto os imóveis prometidos comprar-vender (no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes em 27/01/1992), decorrente da circunstância de esses imóveis não se encontrarem "legalizados" (o que quer que se pretenda dizer com este vocábulo), nunca poderia ser o tribunal "a quo", no contexto da resposta a um quesito onde se indagava se os Réus não diligenciaram a celebração da escritura pública prevista na cláusula 3ª do contrato­-promessa em questão, porque nenhuma as fracções prometidas vender se encontrava legalizada, dar como provado que "A escritura pública referida em F) [isto é, na al. F) da Especificação] não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada" [resposta ao Quesito 3° do questionário]. Desde logo porque a afirmação segundo a qual existe um impedimento de ordem legal à celebração duma escritura pública tendo por objecto um determinado imóvel constitui, em si mesma, uma asserção de índole tipicamente jurídica (e não factual) - o que consequência que uma tal resposta se tenha, "ipso jure", de considerar "não escrita" (ex vi do cito art. 646°-4 do CPC de 1961). Depois porque, in casu, não foi sequer junta aos autos (pelo Autor, a quem cabia o ónus da prova de tal facto, por si alegado na respectiva PI) nenhum documento autêntico (v.g. uma certidão emitida pela respectiva autarquia) que comprovasse o carácter clandestino dos imóveis prometidos comprar/vender, sendo certo que a prova de que determinado imóvel é clandestino (isto é, de que a construção nele edificada não se encontra licenciada pela Câmara Municipal competente) só pode ser feita através da apresentação duma certidão emitida pela entidade competente para licenciar a construção de edifícios urbanos. Consequentemente, nunca o tribunal "a quo" poderia bastar-se - como se bastou - com o depoimento da testemunha DD … dum Alvará de licença sanitária emitido em 4 de Novembro de 1982 … - isto é, cerca de 10 anos antes da celebração do contrato-promessa - para dar como provado que os imóveis prometidos comprar/vender eram insusceptíveis de serem objecto de escrituras públicas de compra e venda. De resto, os documentos juntos pelos Apelantes com as respectivas alegações de recurso (duas escrituras públicas de compra e venda celebradas em 24/07/1991 e em 18/03/1992, tendo por objecto precisamente as duas fracções autónomas prometidas comprar/vender no contrato-promessa assinado entre as partes em 27/01/1992…) são a prova cabal de que, afinal, esses imóveis podiam (em 1991/1992) ser objecto de escrituras públicas de compra venda, o que tudo nos conduz à inevitável conclusão de que a resposta dada, em 1ª instância, ao aludido Quesito 3° do questionário não pode deixar de ser considerada "não escrita”, nos termos do cito art. 646°-4 do CPC de 1961”.
Quer dizer, a resposta à aludida circunstância foi dada como não escrita, em primeiro lugar por se tratar de uma asserção de índole tipicamente jurídica (e não factual). Além disso, por o A., a quem cabia o ónus da prova do facto indagado (e, por si alegado na p.i), não ter feito qualquer prova, designadamente juntando documento autêntico (v.g. uma certidão emitida pela respectiva autarquia) que comprovasse o carácter clandestino dos imóveis prometidos comprar/vender, sendo que tal prova só poderia ser feita através da apresentação duma certidão emitida pela entidade competente para licenciar a construção de edifícios urbanos. Por fim, porque através dos documentos juntos pelos apelantes (RR) com as respectivas alegações de recurso (duas escrituras públicas de compra e venda tendo por objecto precisamente as duas fracções autónomas prometidas comprar/vender no contrato-promessa assinado entre as partes em 27/01/1992) se demonstrava que, afinal, esses imóveis podiam ser objecto de escrituras públicas de compra venda.
Significa isto que somente para esta dedução a Relação valorizou os ditos documentos.
No artigo da base instrutória em questão perguntava-se se “os Réus não diligenciaram a celebração da escritura pública prevista na cláusula 3ª do contrato­-promessa em questão, porque nenhuma as fracções prometidas vender se encontrava legalizada”, tendo-se respondido que “a escritura pública referida em F) [isto é, na al. F) da Especificação] não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada”.
Como é sabido, segundo o art. 646º nº 4 do C.P.Civil então em vigor, deveriam ter-se como não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, impondo ainda o art. 511º nº 1 do mesmo diploma que as circunstâncias conclusivas não deveriam fazer parte do acervo da factualidade dada como provada.
Por conseguinte se aquelas circunstâncias forem consideradas questões de direito ou constituam factos conclusivos, então não deveriam ter sido respondidas e, por isso, a Relação terá agido de forma correcta.
Não se poderá, porém, deixar de se sublinhar que, como tem vindo a ser entendido pela generalidade da jurisprudência deste S.T.J., expressões jurídicas correntemente utilizadas na linguagem vulgar podem, quando a qualificação usada não for controvertida, integrar o elenco da matéria de facto provada. Neste sentido referiu-se, em sumário, no acórdão deste STJ de 07-07-2010, Proc. nº 1207/08.8TBFAF.G1.S1: “pode acontecer que o juízo de valor sobre a matéria de facto corresponde ele próprio a uma regra da vida ou da experiência que a norma tome como elemento constitutivo do direito, funcionando com um puro facto”.
Por outro lado, como se afirma no acórdão deste Supremo de 14-6-2011 (www.dgsi.pt/jstj/nsf), invocando Lopes do Rego (in Comentários ao Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 2.ª edição, 2004, p. 536)deve existir alguma flexibilidade na definição do conceito de “questões de direito”, relativamente aos pontos da base instrutória que contenham matéria conclusiva, embora estranha ao thema decidendum, que envolvam expressões correntes susceptíveis de serem interpretadas em função de um sentido comum (desprovido de significado exclusivamente jurídico) ou que permitam uma resposta restritiva ou explicativa que comporte os elementos de facto suficientes”.
Como tem vindo a ser entendido neste STJ, no caso de eliminação de matéria de direito ou conclusiva existente numa resposta a um quesito, tal não implica, necessariamente, que não se possa considerar o resto dessa resposta, desde que esta contenha elementos de natureza material e concreta (neste sentido vide, entre outros, o acórdão deste STJ de 14-6-2011 já referido).
Postos estes pressupostos vejamos o caso dos autos.
A nosso ver, a resposta em questão contem duas componentes independentes, a primeira consiste na asserção da impossibilidade legal das partes na realização da escritura, matéria evidentemente conclusiva e de conteúdo jurídico (já que tal desfecho depende de ponderações de direito e de juízos de valor dedutivos), a segunda na afirmação de que nenhuma das fracções se encontrava legalizada, matéria patentemente factual (pois constitui uma materialidade objectiva) e não de índole jurídica. Mais concretamente, a primeira parte da resposta tem uma componente conclusiva, na medida em que de um facto (não legalização das fracções) retira consequências legais, a impossibilidade de realizar a escritura pública. Já a segunda parte da resposta faz uma afirmação de conteúdo patentemente factual, a de que nenhuma das fracções se encontrava legalizada (isto é, eram desprovidas dos requisitos legais que deveriam presidir à sua edificação).
Por conseguinte, se bem que se devesse extrair da resposta, com base nos dispositivos adjectivos invocados no acórdão recorrido, aquele elemento, já não se poderia retirar daí o dito segundo elemento, ou seja, a asserção de que nenhum dos imóveis se encontrava legalizado.
Deve, assim, repor-se e ter-se como assente este circunstancionalismo. De resto, se bem atentarmos, a ilegalidade dos imóveis aquando da realização de negócio é também aflorado no facto assente sob o nº 7, designadamente onde se afirma que “o alvará de licença sanitária que o R. obteve, para o estabelecimento funcionar como café e snack-bar foi a "título precário” por o estabelecimento estar instalado num edifício construído clandestinamente” (sublinhado nosso).
A argumentação que o aresto formulou de seguida para justificar a posição que assumiu quanto à resposta ao dito quesito, teve a ver com considerações sobre a produção de prova em concreto, argumentação desencadeada pela posição assumida pelos apelantes (promitentes-vendedores) tendente a infirmar a resposta dada a tal ponto da base instrutória, argumentos que, porém, não poderemos acompanhar. É que não podemos aceitar que o carácter clandestino dos imóveis só pudesse ser provado por documento autêntico (a juntar pelo A. promitente/comprador) já que em lugar algum a lei exige para a prova da clandestinidade de um prédio, tal tipo de prova (cfr. art. 364º nº 1). Somente o inverso acontece, ou seja, a existência de uma licença de construção apenas é demonstrável, patentemente, através dessa mesma licença. Acresce que sendo da incumbência do promitente/vendedor a obtenção de licença de construção, a nosso ver, seria sempre a ele que incumbiria juntar a mesma ao processo, caso existisse. Era, pois, a esse promitente que incumbia o ónus de fazer juntar aos autos documento comprovativo da existência da licença de construção que afastasse a clandestinidade do prédio.
A junção de documentos demonstrativos da realização de escrituras públicas (posteriores) quanto aos imóveis em questão, para além de nos parecer essa incorporação intempestiva (arts. 423º e segs. do N.C.P.C.), resulta destituída de interesse a discussão sobre o tema, pelas razões que aduziremos adiante.
Voltando atrás e reintroduzindo parcialmente a matéria factual retirada pela Relação temos como assente que “nenhuma das fracções se encontrava legalizada”, isto é, deve ter-se como demonstrado que os imóveis, aquando da realização do contrato-promessa eram clandestinos, estavam construídos sem as necessárias aprovações, licenças e autorizações legais.
Nesta conformidade e contra o que se sustenta no acórdão recorrido Aí se refere expressamente que ainda, porém, que, nessa data (27/01/1992), tais fracções não tivessem sido ainda legalizadas e, portanto, existisse, nesse momento, um obstáculo de ordem legal à celebração do negócio definitivo (escritura pública de compra e venda), nada impedia que, dentro do prazo fixado no contrato para a outorga da escritura pública de compra e venda (o qual só expirou em 1/04/1993 (mercê da prorrogação do prazo originariamente marcado no contrato-promessa introduzida no Aditamento assinado em 1 de Fevereiro de 1992: cfr. a resposta ao Quesito 14° do questionário), fossem superados quaisquer obstáculos de índole jurídica à celebração do contrato definitivo, designadamente, que os RR. conseguissem obter a legalização dos imóveis em apreço”.

, em caso de clandestinidade de tais bens, a nulidade do contrato seria (desde logo) de ponderar e, consequentemente, daí retirar as pertinentes conclusões. Não se pode, assim, aceitar, como afirma o aresto da Relação, que no caso de clandestinidade das construções não houvesse obstáculo de ordem legal à celebração do negócio prometido (desde que no prazo fixado para a outorga de escritura pública fossem removidos os obstáculos legais correspondentes). Naquele caso origina-se uma nulidade originária do contrato como iremos ver.

Nos termos do art. 280º nº 1 (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”. Por sua vez estabelece o art. 401º nº 1 que “a impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico”.
Nesta conformidade demonstrando-se que desde o início do negócio existia a impossibilidade legal de contratar a transacção do bem (dada a situação de clandestinidade do bens imóveis prometidos vender A situação de clandestinidade do prédio, significa, como é notório, que não foram respeitadas as regras que disciplinam imperativamente o regime jurídico de urbanização e edificação e imóveis.), gerou-se (desde logo) a nulidade do contrato (nulidade originária). Por outras palavras, a génese ilegal dos imóveis objectos do negócio, acarreta a impossibilidade objectiva da prestação mediata, isto é, a realização do contrato de compra e venda. Assim, nunca o negócio prometido se poderia legalmente realizar.
Por conseguinte, estabelecendo o objecto material do contrato uma prestação ilegal, a correspondente obrigação não se constituiu validamente. Daí que a respectiva invalidade se verifique desde o início.
A prestação debitória tem que ser possível e legal E também lícita, sendo que esta ocorrerá quando “a prestação se traduza numa conduta que a lei proíba por ofensiva de um dever, como furtar ou difamar” (in Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7ª edição, pág. 46).. “Exige-se que a prestação seja realizável, pois ninguém pode considerar-se obrigado ao que não é susceptível de cumprimento …Ainda sob outra perspectiva a impossibilidade diz-se física ou legal, conforme resulta da própria natureza das coisas ou decorre da lei. A prestação é fisicamente impossível se consiste em acto materialmente irrealizável …; legalmente impossível se consiste em acto jurídico que a lei fere de invalidade” (in Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7ª edição, pág. 46).
No mesmo sentido refere Almeida Costa (in Noções de Direito Civil, 2ª edição, pág. 142) que “aparece-nos como primeiro requisito da prestação debitória o de que esta seja física e legalmente possível (art. 280º nº 1). Mas a impossibilidade da prestação pode ser originária ou superveniente, conforme exista na altura da constituição do vínculo obrigacional ou sobrevenha depois. A primeira impede que a obrigação nasça, ao passo que a segunda apenas obsta ao cumprimento (art. 790º e segs.)”.
A impossibilidade originária impede, como já se disse, que a obrigação se constitua, como claramente decorre do referido art. 401º nº 1. Para o efeito deve atender-se à data em que a obrigação se constitui “sendo indiferente que se trate de uma impossibilidade de desaparecer mais tarde” (Almeida Costa, mesma obra e página).
Portanto, repete-se, dada a ilegalidade da prestação a que se vincularam os promitentes vendedores e compradores, as obrigações correspondentes não se chegaram a constituir ou, por outras palavras, as correspondentes declarações são desde logo inválidas, não produzindo qualquer efeito. Isto mesmo é assim, ainda que a impossibilidade seja susceptível de ser arredada posteriormente Por esta razão é inconcludente e irrelevante a observação que o acórdão recorrido faz em relação aos documentos (extemporâneos) juntos pelos recorrentes com as suas alegações da apelação, documentos alegadamente demonstrativos da realização de escrituras públicas posteriores quanto aos imóveis em questão..
Como se refere no acórdão deste S.T.J. de 3-11-2009 (www.dgsi.pt/jstj) no caso concreto, a fracção prometida vender não podia ser destinada à actividade de restauração, ab initio, porquanto a finalidade licenciada pela Câmara Municipal a tal impedia. Estamos portanto, perante uma impossibilidade legal, resultante das regras que disciplinam imperativamente o regime jurídico de urbanização e edificação. Consequentemente, a prestação a que a Ré se obrigara e a única que interessava ao credor. Não se constituiu validamente. Não ocorre, assim, a extinção de uma obrigação validamente constituída em consequência de uma impossibilidade superveniente (795 nº1 do C.C), mas a nulidade decorrente de uma impossibilidade objectiva e originária da prestação (art. 401 nº1 do C.C.)”.
A presente nulidade originária é do conhecimento oficioso, como resulta do disposto dos arts. 280º nº 1 e 286º.
As consequências da verificação deste vício, traduzem-se na restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não poder ser feita em espécie, do valor correspondente, nos termos do art. 289º nº 1.
Considerando a lei que a nulidade do negócio tem efeito retroactivo, a produção dos seus efeitos têm como excluídos ab initio ou, como se aduz no Acórdão deste S.T.J. de 15-10-98 (Col. Jur. III, 63), visa-se com a declaração de nulidade “a mera reposição do statu quo ante”, ou seja, o retorno ao estado anterior à realização do contrato, tudo se passando como ele não tivesse ocorrido. A obrigação não foi validamente constituída. Assim, a quantia entregue aos promitentes-vendedores por efeito do contrato (quanto aos imóveis) será considerada como o montante a restituir.
Por consequência, terão os RR. de restituir tudo o que receberam por efeito da celebração do contrato-promessa, isto é, têm que devolver a quantia recebida por motivo do negócio celebrado.
Em sentido idêntico se decidiu no acórdão de 13-05-2014 subscrito pelo presente relator e adjuntos, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
Ainda no mesmo sentido referiu-se (em sumário) no acórdão deste STJ de 15-11-2012 que “O objeto de um contrato promessa deve reunir, sob pena de nulidade, os requisitos do objeto de qualquer contrato. Sendo o objeto de um contrato promessa a celebração de um contrato de compra e venda, tendo este, por sua vez, como objeto, uma parcela a destacar de outro prédio, não permitindo a lei este destacamento, nos termos em que foi convencionado no contrato promessa, o objeto do contrato de compra e venda é impossível. Assim, o contrato é nulo” (também acessível em www.dgsi.pt/jstj).

A regra estabelecida no referido art. 289º nº 1 comporta a excepção a que se refere o nº 3 da disposição.
Refere este nº 3:
"É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes ". Isto é, aquele nº 3 do art. 289º ao considerar aplicável aos casos de nulidade ou anulação a que se refere o nº 1, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes, convoca para a situação as regras atinentes a frutos e benfeitorias.
Os arts. 1270º e 1271º estabelecem regras relativas aos frutos recebidos, respectivamente, pelos possuidores de boa fé e de má fé. Aquela disposição, no seu nº 1, refere que “o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, e os frutos civis correspondentes ao mesmo período”. O nº 1 do art. 1271º estabelece que “o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor que um proprietário diligente poderia ter obtido”.
A diferença de regime entre o possuidor de boa fé e de má fé é evidente. Aquele poderá fazer seus os frutos até ao dia em que terminar a sua boa fé, isto é, até ao momento em souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem. O de má fé fica obrigado a restituir os frutos que a coisa produziu, ou podia ter produzido, durante o período da detenção.
Os juros são considerados frutos civis, como decorre do disposto no art. 212º nº 2. É que, como se sabe, o dinheiro tem a virtualidade de produzir rendimentos (juros) como sucede, por exemplo, no caso do mútuo (arts. 1142º e 1145º nº 1), ou no caso de depósito bancário remunerado.
No caso vertente houve uma entrega de dinheiro, sendo que este, como se viu, é susceptível de produzir juros/frutos civis.
Aplicando analogicamente as regras dos nºs 1 dos arts. 1270º e 1271º, concluiu-se que se deve entender que os RR. agindo de boa fé, poderão fazer seus os frutos até ao dia em que terminaram a sua boa fé e, assim, não terão que reembolsar os juros até esse momento. A partir do momento em que se deva considerar estarem de má fé, então terão que restituir os frutos que a coisa produziu, ou podia ter produzido, durante todo o período da detenção e assim, terão que pagar ao A. os juros referentes a toda essa fase da retenção do dinheiro.
Segundo cremos, os RR. estiveram de boa fé até à data da citação. Isto porque até esse momento, não sabendo, de forma relevante, da pretensão do A. da devolução do dinheiro, estiveram devidamente (em virtude de causa lícita) na detenção dele. A partir da sua citação ficaram a saber o que o A. pretendia, ou seja, que este queria a devolução do dinheiro entregue. A boa fé em que eles se encontravam, cessou a partir desse momento (art. 481º al. a) do C.P.Civil e art. 564º al. b) do N.C.P.C). A partir de então tomaram conhecimento que estava a lesar com a sua posse o direito de outrem”. Devem passar a ser considerado como «possuidores» de má fé. Passando a ter esta qualidade, devem restituir os frutos civis que o capital poderia ter produzido desde então, ou seja os juros legais do capital (art. 1271º).
Os juros devem, pois, ser contabilizados desde a citação, altura em que terminou a boa fé dos RR. (neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ já referido e ainda o Acórdão do STJ de 21-6-2007 – in www.djsi.pt/jstj.nsf -).
Em síntese:
Os RR. em razão da nulidade do contrato terão que devolver ao A. a quantia monetária dada a título de sinal e princípio de pagamento no que toca às fracções prediais (4.000.000$00) e juros desde a citação (mas não a quantia recebida em dobro, como pretende o A.).
Nesta medida a acção e a revista terão provimento.

2-4- No douto acórdão recorrido condenou-se o A. como litigante de má fé. Fundou-se esta condenação na circunstância de o A. “negar (na réplica) a assinatura que os RR. lhe imputaram (na sua contestação) no documento (intitulado "ADITAMENTO E ALTERAÇÃO DE CONTRATO") junto a esse articulado sob o n° 4, invocando para todos os efeitos a falsidade desse documento”, sendo que “alterou conscientemente a verdade dos factos (al. c) do n'' 2 do art. 456° do CPC de 1961) e fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o objectivo de impedir a descoberta da verdade (al. d) do mesmo preceito)”. Por isso, ponderando na gravidade de que se reveste a negação da própria assinatura, o aresto condenou-o na multa de 5 Ucs..
Dado que na presente revista o recorrente nada de substancial afirma ou defende no sentido de infirmar os fundamentos da decisão, esta terá de manter-se incólume.

Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

III- Decisão:
Por tudo o exposto, concede-se a revista, julgando-se a acção parcialmente procedente condenando os RR. a devolver ao A. a quantia monetária dada a título de sinal e princípio de pagamento, 4.000.000$00 (19.951,91 €) acrescida de juros desde a citação.
Mantém-se a condenação do A. como litigante de má fé.
Custas na acção e na revista pelas partes, consoante o seu vencimento.

Lisboa, 24 de Março de 2015

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Gregório Silva Jesus