Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1083/05.2TTLSB.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA (EFEITOS) / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSOS EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO / REVISÃO DA INCAPACIDADE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 389.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 489.º, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9 DE NOVEMBRO, E ALTERADO PELOS DECRETOS-LEIS N.OS 323/2001, DE 17 DE DEZEMBRO, E 38/2003, DE 8 DE MARÇO: - ARTIGO 145.º, N.º7.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, N.º1, ALS. C), F).
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO (REGIME JURÍDICO DOS ACIDENTES DE TRABALHO E DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS), ALÍNEA A) DO N.º 1 DO SEU ARTIGO 41.º, CONJUGADA COM O DISPOSTO NO N.º 1 DO ARTIGO 71.º DO DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL (REGULAMENTO DA LEI DE ACIDENTES DE TRABALHO), NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO-LEI N.º 382-A /99, DE 22 DE SETEMBRO, E, TENDO EM CONTA O PRECEITUADO NOS ARTIGOS 186.º A 188.º DA LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO.
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 16.º, N.ºS 1 E 2, 17.º, 23.º, 25.º, N.º1.
Sumário :
1. A força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos dos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efectivadas no processo, alterar a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

2. Não tendo o sinistrado demonstrado, como lhe competia, a existência de nexo de causalidade entre as sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido, quando exercia a actividade de jogador de futebol, e a sua incapacidade de manter os níveis físicos e de destreza que envolve a prática de futebol profissional, carece do necessário suporte fáctico a invocada afectação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, por virtude daquele acidente.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 18 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, 1.ª Secção, AA requereu exame de revisão, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 145.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho, alegando, em síntese, que foi vítima de um acidente de trabalho, em 13 de Maio de 2001, nas ..., quando exercia a actividade de jogador de futebol, no âmbito da execução de contrato de trabalho ajustado com o BB, de que resultou uma rotura de ligamentos do joelho direito, auferindo, então, a retribuição anual de 150.000$00 x 14 meses (€ 10.474,76), e que a empregadora transferira a responsabilidade infortunística laboral para CC, S. A., em função do salário anual de € 7.637,64.

E mais invocou que, em 31 de Janeiro de 2002, foi considerado curado sem desvalorização, pelos serviços clínicos da seguradora, e que, tendo-se conformado com essa avaliação, o acidente não foi participado ao tribunal; todavia, desde Junho de 2002, verificou-se o agravamento das sequelas derivadas do acidente de trabalho.

Efectivado exame singular de revisão, após a realização de vários exames da especialidade, o perito médico do Tribunal concluiu que o sinistrado se encontrava afectado de uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 20%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

Notificadas as partes, a seguradora requereu exame por junta médica, a qual fixou ao sinistrado uma IPP de 5%, desde a data do pedido de revisão, sendo que este exame foi precedido de outro exame por junta médica da especialidade de ortopedia, que atribuiu ao sinistrado uma IPP de 5%, em consequência das sequelas do acidente.

Entretanto, solicitou-se parecer ao IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, tendo sido junto aos autos o Relatório de Avaliação do Dano Corporal, que concluiu pela atribuição ao sinistrado de uma IPP de 5% com IPATH, sendo que as partes, dele notificadas, não se pronunciaram.

Subsequentemente, o tribunal de 1.ª instância proferiu a decisão seguinte:

                    «Tendo presente os factos supra e o que consta do auto de exame médico por Junta Médica e do Relatório de fls. 377 a 379, por um lado, e ponderando, por outro, todas as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza, gravidade e sequelas das lesões suportadas pelo sinistrado, bem como a idade deste e a sua profissão (à data do acidente), aceita-se como adequada a identificação das sequelas, sua natureza e coeficiente de incapacidade arbitrados pelos Senhores Peritos Médicos subscritores do exame por junta médica e do Relatório de fls. 377 a 379.
                      Assim, fixo ao sinistrado uma IPP de 5% desde a data da revisão, com IPATH.
                      Decisão
                      Nestes termos, decide-se:
                      a) Fixar em 5% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado a partir do dia em que foi pedida a revisão, com IPATH e
                      b) Condenar a Seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor de € 3.895,20 (três mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos) e o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 4.010,28 (quatro mil e dez euros e vinte e oito cêntimos), tudo acrescido dos correspondentes juros à taxa legal desde a data da revisão e
                      c) Condenar a entidade patronal a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor de € 1.446,93 (mil quatrocentos e quarenta e seis euros e noventa e três cêntimos), acrescida dos correspondentes juros à taxa legal desde a data da revisão.»

Inconformada, a seguradora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 21 de Novembro de 2012, deliberou anular a sentença recorrida e remeter o processo à 1.ª instância, a fim de:
              «1. Se apurar se o sinistrado exercia, ou não, a actividade de jogador de futebol, na data em que deduziu o incidente de revisão e, na afirmativa, se continua a exercê-la actualmente;
                2. Os peritos que intervieram na junta médica serem confrontados com o relatório da perícia de avaliação do dano corporal do sinistrado e esclarecerem se as lesões e sequelas resultantes do acidente impedem este, absoluta e permanentemente, de continuar a desempenhar a sua actividade de jogador de futebol desde a data do pedido de revisão, ou se tal incapacidade (IPATH), a verificar-se, não decorre antes da incapacidade natural do sinistrado de manter, devido à idade, os níveis físicos e de destreza que envolvem a prática do futebol;
                3. Ser proferida nova sentença na qual deverá constar a discriminação de todos os factos provados com interesse para a decisão da causa, com a análise crítica das provas produzidas, bem como a especificação dos fundamentos que foram determinantes para a convicção do julgador e dos fundamentos que justificam a decisão.»

Recebido o processo no tribunal de 1.ª instância e, após a realização das diligências indicadas pelo Tribunal da Relação, foi proferida sentença que decidiu:

                   «a) Fixar em 5% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado a partir do dia em que foi pedida a revisão, com IPATH e
                   b)   Condenar a seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia no valor de € 3.895,20 (três mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos), sujeita às actualizações legais devidas, e o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de € 4.010,28 (quatro mil e dez euros e vinte e oito cêntimos), tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da revisão e
                   c)   Condenar a entidade patronal a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 1.446,93 (mil quatrocentos e quarenta e seis euros e noventa e três cêntimos), sujeita às actualizações legais devidas, acrescida dos correspondentes juros, à taxa legal, desde a data da revisão.»

2. Inconformada, a seguradora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 4 de Junho de 2014, julgou procedente o recurso de apelação e deliberou o que se passa a transcrever:
                      «1. Alterar a sentença recorrida;
                      2.   Fixar em 5% o grau de incapacidade parcial permanente [IPP] que afecta o sinistrado, desde 19/05/2005, em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente;
                      3.   Condenar a CC, S. A., a pagar a AA o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 267,32 (duzentos e sessenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), e BB a pagar-lhe o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 99,30 (noventa e nove euros e trinta cêntimos), com efeitos a partir de 19/05/2005, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde essa data até efectivo e integral pagamento.
                      4.   Condenar o recorrido nas custas do recurso.»

É contra esta deliberação que o sinistrado se insurge, mediante recurso de revista, em que formulou as conclusões seguintes:

                 «1.   O Acórdão em crise viola, entre outras, as normas constantes dos artigos 17.º e 23.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
                     2. No Acórdão em crise, entendeu-se que dos autos não resulta demonstrado que o Sinistrado se encontra afectado de uma IPATH em consequência das lesões resultantes do acidente que sofreu em 13/05/2001, quando tinha 26 anos de idade.
                     3. Ficou demonstrado nos autos (vide exame singular de ortopedia de fls. 65) que do acidente resultaram sequelas no menisco externo e no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo do Sinistrado.
                     4. Todavia, inicialmente, os serviços clínicos da Seguradora apenas repararam as sequelas meniscais, tendo atribuído alta ao sinistrado em 31/01/2002 considerando-o curado sem desvalorização.
                     5. Após a alta, o sinistrado não mais conseguiu desempenhar a actividade de jogador profissional de futebol e por força do agravamento do seu estado clínico avançou com um pedido de revisão em Maio de 2005.
                     6. Já na pendência destes autos, em exame singular da especialidade de ortopedia foi fixado ao Sinistrado uma IPP de 20%, com IPATH.
                     7. Já em sede de Junta Médica realizada em 16/03/2007 (fls. 185), concluíram os Senhores Peritos que a Seguradora não tinha, afinal, reparado a rotura do ligamento cruzado anterior que resultou do acidente, sendo então ordenado à Seguradora que operasse novamente o Sinistrado.
                     8. O que sucedeu já em 2006, quando o sinistrado tinha 32 anos de idade, tendo-lhe sido atribuída alta em 26/08/2008, quando o sinistrado já tinha 33 anos.
                     9. Desde 2001 até 2006, o sinistrado sofreu de uma rotura do ligamento cruzado anterior, que o impediu obviamente de [jogar] futebol profissional.
                   10. Nas juntas médicas que se realizaram após a operação foi fixada uma IPP de 5% ao Sinistrado.
                   11. Após as Juntas Médicas, foi solicitado pela Mm.a Juíza um parecer ao IEFP de análise de funções do Sinistrado (fls. 349) e um relatório médico de avaliação de dano corporal (fls. 378 e 379), precisamente para aferir se as sequelas do Sinistrado dão origem a uma situação de IPATH.
                   12. No aludido relatório médico considerou o perito médico ser de atribuir uma IPATH ao Sinistrado, tendo em conta as suas sequelas e as exigências físicas que se exigem para a prática de futebol profissional.
                   13. Foi, então proferida, sentença que fixou ao Sinistrado uma IPP de 5% com IPATH.
                   14. Todavia, por determinação do Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de Apelação, foi ordenada a baixa do processo à Primeira Instância para que os Senhores Peritos esclarecessem se o Sinistrado se encontra efectivamente afectado de uma IPATH.
                   15. E, instados a prestar tal esclarecimento, os peritos do tribunal e do sinistrado clarificaram, em Junta Médica [presidida] pela Mm.a Juíza, que, à data do acidente, existiam sequelas não reparadas, que condicionaram a retoma da sua actividade de jogador de futebol.
                   16. Com base em todos os elementos dos autos, a Mm.a Juíza proferiu nova sentença, fixando novamente ao Sinistrado uma IPP de 5%, com IPATH.
                   17. Salvo o devido respeito, os Venerandos Juízes Desembargadores não tiveram em conta, na sua decisão, que após a apresentação do pedido de revisão de incapacidade foi determinada a realização de nova operação ao Sinistrado para reparação da rotura do ligamento cruzado que o afectava desde que sofreu o acidente em 2001.
                   18. De igual modo, não foi devidamente valorizado que o Sinistrado sofreu o acidente quando tinha 26 anos de idade e que desde essa data ficou impossibilitado de retomar a prática desportiva profissional porque não foi reparada atempadamente a rotura do ligamento cruzado anterior.
                   19. Tendo tal apenas sucedido quando este já tinha 33 anos e já estava “parado” há mais de 7 anos...
                   20. Arrazoou-se no Acórdão em crise que à data do pedido de revisão o sinistrado já não tinha capacidade natural para jogar futebol.
                   21. Todavia, não pode aceitar-se tal juízo, porquanto o Sinistrado pediu a revisão quando tinha 30 anos de idade.
                   22. Ora, a realidade prova que aos 30 anos um jogador de futebol está perfeitamente capaz para exercer essa actividade profissional.
                   23. O Sinistrado estava incapaz de jogar futebol aos 30 anos, não por causa da sua idade, mas porque tinha uma rotura do ligamento cruzado anterior desde os 26 anos, que apenas foi reparada quando já tinha 33 anos.
                   24. É assim manifesto que por força das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido em 13/05/2001, o Sinistrado ficou com uma IPP de 5%, que o impossibilitou de continuar a jogar futebol profissional, sendo por isso portador de uma IPATH por força do acidente dos autos.
                   25. Como aliás concluiu a Digna Magistrada do Ministério Público, no seu Parecer a fls. 601.»

A seguradora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado, tendo formulado, para tanto, a síntese conclusiva seguinte:

                «1.ª   O douto Acórdão recorrido, ao alterar a sentença da 1.ª instância, fixando ao recorrente a IPP de 5% em consequência de agravamento das sequelas, com efeitos em 19/05/2005, julgou de acordo com os factos provados e efectuou uma exemplar aplicação do direito, pelo que não merece qualquer censura, devendo ser confirmado neste Supremo Tribunal de Justiça.
                    2.ª Com efeito, ao recurso deve ser negado provimento, porquanto é manifesta a falta do seu fundamento, improcedendo, pois, todas as Conclusões.
                    3.ª A inércia do recorrente, que alegando embora sofrimento e prejuízos materiais, se manteve mais de quatro anos sobre a data do acidente sem apresentar qualquer queixa ou reclamação junto da entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, revela não apenas um certo desinteresse e, até, desleixo do recorrente no exercício do seu direito à reparação, mas igualmente um inadmissível excesso de confiança de que, através do mero incidente de revisão, poderia lograr obter a declaração de uma IPATH.
                  4.ª   O comportamento inerte do recorrente configura, outrossim, uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao fazer uso do exercício de um direito que pressupõe a celeridade processual e a rápida determinação do direito à reparação de acidente de trabalho.
                    5.ª De igual forma, ao proceder como procedeu, o recorrente privou a entidade responsável do seu direito e dever de orientar clinicamente o tratamento que fosse, eventualmente, devido, podendo ter até provocado o agravamento das sequelas por falta de tratamento adequado, para já se não referirem outras circunstâncias de riscos diversos a que se possa ter sujeitado ao longo de mais de quatro anos.
                    6.ª Para reparar acidentes de trabalho o legislador dotou a ordem jurídica dos necessários instrumentos que permitem ao titular do direito uma efectiva reparação em processo urgente, o que vai ao encontro do interesse dessa reparação como factor de recuperação funcional e da capacidade de trabalho e de ganho.»

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de não vislumbrar «razão para que se não mantenha a decisão recorrida», acrescentando que, resolvida a questão dos elementos de facto a ter em conta, não são «de atender os argumentos que o recorrente pretende esgrimir, nomeadamente invocando sequelas limitativas da sua capacidade de ganho em função de não ter sido objecto do tratamento adequado por parte da seguradora», argumentação essa que claudica «pelo facto de o sinistrado se ter conformado com a cura clínica que foi determinada pela seguradora e com a IPP atribuída à data da alta», concluindo, em derradeiro termo, que devia ser negada a revista e confirmada a decisão recorrida, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. A questão suscitada cinge-se a saber se o sinistrado se encontra afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, em consequência das lesões resultantes do acidente de trabalho, ocorrido em 13 de Maio de 2001.

              Preparada a decisão, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) O sinistrado foi vítima de acidente de trabalho, ocorrido no dia 13/05/2001, nas ..., quando prestava a sua actividade futebolística para «BB», no âmbito da execução de contrato de trabalho celebrado com este clube;
2) Em consequência desse acidente, sofreu uma rotura de ligamentos do joelho direito;
3) Auferia, na altura, a retribuição anual de 150.000$00 x 14 meses, ou seja, € 10.474,76 e a sua entidade empregadora tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para CC, S. A., em função do salário anual de € 7.637,64;
4) Em 31/01/2002, o sinistrado foi considerado curado sem desvalorização, pelos serviços clínicos da seguradora;
5) E como o mesmo se conformou com essa avaliação, o acidente não foi participado ao tribunal;
6) Por se sentir pior das sequelas derivadas do acidente de trabalho, desde Junho de 2002, o sinistrado requereu, em 19/05/2005, a realização de exame de revisão;
7) No exame médico singular a que se procedeu, em 21/06/2006, o perito do Tribunal considerou que o sinistrado sofreu traumatismo do joelho direito com lesão ligamentar e meniscal e que, em consequência dessas lesões, o mesmo se encontra afectado de uma IPP de 20%, com IPATH;
8) A seguradora requereu a realização de exame por junta médica, a qual, após examinar o sinistrado, considerou que o sinistrado se encontrava afectado com uma IPP de 5%, desde a data do pedido de revisão;
9) Esta junta médica, foi precedida de outro exame por junta médica da especialidade de ortopedia, cujo laudo se encontra fundamentado a fls. 275 dos autos, tendo os peritos de ambas as juntas médicas considerado o sinistrado afectado de uma IPP de 5%, em consequência das sequelas resultantes do acidente;
10) No Relatório de Avaliação do Dano Corporal, efectuado em 15/12/2011 e junto ao parecer solicitado ao [Instituto do Emprego e Formação Profissional], considerou-se que o sinistrado, em consequência das lesões sofridas no acidente, se encontra afectado de uma IPP de 5%;
11) O perito que efectuou esse relatório considerou ainda, face às lesões apresentadas e ao perfil da actividade desempenhada (jogador de futebol), nomeadamente no que respeita às exigências físicas dessa actividade, ser de atribuir ao sinistrado uma IPATH;
12) Após serem confrontados com o referido relatório e instados a esclarecer se as lesões e sequelas resultantes do acidente impedem o sinistrado, absoluta e permanentemente, de continuar a desempenhar a sua actividade de jogador de futebol desde a data do pedido de revisão, ou se tal incapacidade (IPATH), a verificar-se, não decorre antes da incapacidade natural do sinistrado de manter, devido à idade, os níveis físicos e de destreza que envolvem a prática do futebol, os peritos do tribunal e do sinistrado (que intervieram na Junta médica) declararam que, à data do acidente existiam sequelas não reparadas, que condicionaram a retoma da sua actividade de jogador de futebol, acrescentando que, à data do pedido de revisão, aquele já não teria capacidade natural de manter, devido à idade, os níveis físicos de destreza que envolve [a] prática do futebol. E o perito da seguradora declarou que as lesões sofridas no acidente (comuns em jogadores de futebol) não são de molde a produzir incapacidade absoluta para o exercício da actividade.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do actual Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no recurso.

2. O sinistrado alega que o tribunal recorrido não teve em conta que, «após a apresentação do pedido de revisão de incapacidade, foi determinada a realização de nova operação ao Sinistrado para reparação da rotura do ligamento cruzado que o afectava desde que sofreu o acidente em 2001» e que «sofreu o acidente quando tinha 26 anos de idade e que desde essa data ficou impossibilitado de retomar a prática desportiva profissional porque não foi reparada atempadamente a rotura do ligamento cruzado anterior», o que apenas ocorreu quando «tinha 33 anos e já estava “parado” há mais de 7 anos».

E mais invocou que não pode aceitar-se que, à data do pedido de revisão, já não tinha capacidade natural para jogar futebol, na medida em que «pediu a revisão quando tinha 30 anos de idade» e «a realidade prova que aos 30 anos um jogador de futebol está perfeitamente capaz para exercer essa actividade profissional», por isso, «estava incapaz de jogar futebol aos 30 anos, não por causa da sua idade, mas porque tinha uma rotura do ligamento cruzado anterior desde os 26 anos, que apenas foi reparada quando já tinha 33 anos», donde é manifesto «que por força das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido em 13/05/2001, […] ficou com uma IPP de 5%, que o impossibilitou de continuar a jogar futebol profissional, sendo por isso portador de uma IPATH por força do acidente dos autos».

2.1. O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde recebeu expresso reconhecimento constitucional na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, prevendo a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito constitucional, o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais.

O acidente dos autos verificou-se em 13 de Maio de 2001, donde, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), o qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro, e, além disso, tendo em conta o preceituado nos artigos 186.º a 188.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que apenas entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010.

O n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, estipulava que os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos termos previstos naquela lei e demais legislação complementar.

E o artigo 16.º, intitulado «Recidiva ou agravamento», previa, no n.º 1, que, nos casos de recidiva ou agravamento, o direito às prestações [em espécie] previstas na alínea a) do artigo 10.º, «mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, e abrange as doenças relacionadas com as consequências do acidente», e, no n.º 2, que «[o] direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, prevista na alínea b) do artigo 10.º, em caso de recidiva ou agravamento, mantém-se: (a) [a]pós a atribuição ao sinistrado de nova baixa; (b) [e]ntre a data da alta e a da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de oito dias.»

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 25.º, com a epígrafe «Revisão das prestações», rezava que, «[q]uando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada».

Refira-se que, nos termos do n.º 7 do artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, versão aqui a observar, o disposto nos números anteriores daquele artigo, quanto à revisão da incapacidade ou da pensão, «é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade».

2.2. A propósito da aduzida incapacidade permanente absoluta do sinistrado para o trabalho habitual, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                  «No caso em apreço, está definitivamente assente e decidido que, em consequência do agravamento das lesões sofridas no acidente dos autos, o sinistrado se encontra afectado de uma IPP de 5%, desde a dada do pedido de revisão, ou seja, desde 19/05/2005.
                      A questão fulcral que se suscita, neste recurso, é a de saber se o sinistrado, além dessa IPP, se encontra também afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual [IPATH] em consequência do agravamento das lesões resultantes do acidente de trabalho, ocorrido em 13/05/2001.
                      A sentença recorrida, baseando-se no relatório de avaliação corporal, efectuado por perito médico (singular) do IEFP, em 15/12/2011 (cfr. fls. 378 e 379), concluiu que sim.
                      A recorrente discorda.
                      Alega que cumpria ao sinistrado o ónus da prova dos factos inerentes ao estabelecimento de um nexo de causalidade entre as lesões do acidente e a situação clínica actualmente observável; que esse nexo não se presume e que nos autos não foi produzida qualquer prova desse nexo de causalidade, desconhecendo-se quais foram as actividades desempenhadas pelo sinistrado durante mais de quatro anos antes da dedução do incidente de revisão; que outros acidentes eventualmente possa ter sofrido, que factores de risco de agravamento de sequelas viveu, e que tratamentos efectuou.
                      Vejamos se lhe assiste razão.
                      Antes de mais, convém salientar que os critérios seguidos no relatório de avaliação corporal, efectuado pelo perito médico do IEFP, em 15/12/2011, que mereceram a concordância do tribunal recorrido não são distintos dos que foram considerados pelas juntas médicas efectuadas: as sequelas resultantes das lesões do acidente e a profissão do sinistrado. Simplesmente, o relatório atrás referido é da autoria de um (único) perito médico e foi elaborado quando o sinistrado já tinha 36 anos de idade, enquanto as juntas médicas, incluindo a que foi efectuada por especialistas de ortopedia, se pronunciaram inicialmente quando o sinistrado tinha 34 anos de idade, sendo essa observação temporalmente mais próxima do acidente, não tendo as mesmas concluído, ao contrário daquele, que o sinistrado se encontra afectado de uma IPATH, em consequência das sequelas resultantes das lesões sofridas no acidente dos autos.
                      Na sua sentença, a Sra. Juíza não esclarece por que razão optou pela conclusão do exame médico singular em detrimento dos laudos colegiais das juntas médicas efectuadas, uma delas por especialistas de ortopedia, nem nós conseguimos descortinar qualquer elemento que nos leve a atribuir maior relevância e maior peso àquele exame do que à dos laudos das juntas médicas. Antes pelo contrário, os laudos das juntas médicas efectuadas, não só por se encontrarem mais fundamentados e estribados no laudo de uma junta da especialidade de ortopedia, mas também por se mostrarem mais claros, mais pormenorizados do que o do exame singular do referido perito, afiguram-se mais consistentes, mais convincentes e, consequentemente, possuir um valor probatório superior.
                      Mais, a Sra. Juíza afirma na sua sentença que os peritos do sinistrado e do tribunal (que intervieram na junta médica) entenderam que as sequelas decorrentes do acidente não foram reparadas, razão pela qual este se viu condicionado para retornar à sua actividade de jogador de futebol, admitindo que à data do pedido de revisão já não teria capacidade natural para o fazer. Mas não é verdade. O que tais peritos afirmaram, quando confrontados com o referido relatório de dano corporal e quando instados a esclarecer, na sequência do acórdão desta Relação de 21/11/2012, se as lesões e sequelas resultantes do acidente impedem o sinistrado, absoluta e permanentemente, de continuar a desempenhar a sua actividade de jogador de futebol desde a data do pedido de revisão, ou se tal incapacidade (IPATH), a verificar-se, não decorre antes da incapacidade natural do sinistrado de manter, devido à idade foi o seguinte: “à data do acidente existiam sequelas não reparadas, que condicionaram a retoma da sua actividade de jogador de futebol, acrescentando que, à data do pedido de revisão, aquele já não teria capacidade natural de manter, devido à idade, os níveis físicos de destreza que envolve a prática do futebol (peritos do tribunal e do sinistrado).
                      Portanto, o que tais peritos afirmaram, de forma clara e inequívoca, foi que, à data do pedido de revisão, o sinistrado já não teria capacidade natural, devido à idade (e não do acidente) de manter os níveis físicos e de destreza que envolve a prática de futebol profissional. […].
                      Por sua vez, o perito da seguradora declarou que as lesões sofridas no acidente (comuns em jogadores de futebol) não são de molde a produzir incapacidade absoluta para o exercício da actividade.
                      E com razão. Frequentemente, vemos jogadores de futebol sofrerem idêntica lesão (rotura de ligamentos do joelho), no exercício da sua actividade desportiva, e após intervenção cirúrgica e alguns meses de tratamento, voltam a desempenhar, com normalidade, a mesma actividade.
                      Seja como for, cabia ao sinistrado demonstrar que era jogador profissional de futebol e a existência de nexo de causalidade entre as sequelas reconhecidas como sendo as resultantes do acidente e a sua incapacidade de manter os níveis físicos e de destreza que envolve a prática de futebol profissional.
                      Como isso não sucedeu e como os elementos (existentes nos autos) com valor probatório mais relevante e consistente (os laudos das juntas médicas) não nos permitem estabelecer esse nexo de causalidade, deles resultando, pelo contrário, que o sinistrado já não exerce a sua actividade de jogador profissional de futebol devido à sua idade e à incapacidade natural de manter (com essa idade) os níveis físicos e de destreza que envolvem essa actividade profissional, temos de concluir que o sinistrado, em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente se encontra apenas afectado de uma IPP de 5%, a partir de 19/05/2005, data do seu pedido de revisão, […].»

2.3. Neste plano de consideração, importa salientar, em primeira linha, que a força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos dos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil; por isso, está vedado a este Supremo Tribunal, com fundamento no resultado das perícias médicas efectivadas no processo, alterar a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Por outro lado, atenta a matéria de facto dada como provada, com particular destaque para o contido no facto 12), não é possível afirmar que ficou demonstrada a existência de nexo de causalidade entre as sequelas emergentes do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado e a sua incapacidade para manter os níveis físicos e de destreza exigidos para a prática de futebol profissional, ónus da prova que cabia ao sinistrado, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

Adite-se que, ao contrário do pretendido pelo sinistrado, não se provou que, a partir da data do acidente, «ficou impossibilitado de retomar a prática desportiva profissional porque não foi reparada atempadamente a rotura do ligamento cruzado anterior», nem que o sinistrado «estava incapaz de jogar futebol aos 30 anos, não por causa da idade, mas porque tinha uma rotura do ligamento cruzado anterior desde os 26 anos, que apenas foi reparada quando já tinha 33 anos».

O quadro fáctico demonstrado não permite, assim, concluir que o sinistrado tenha ficado afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, em consequência das lesões resultantes do acidente de trabalho, verificado em 13 de Maio de 2001, quando exercia a actividade profissional de jogador de futebol.

Nesta conformidade, não se vislumbra a pretendida violação do preceituado nos artigos 17.º e 23.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, termos em que não há motivo para alterar o julgado.

                                              III

Pelo exposto, delibera-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

                          Lisboa, 29 de Outubro de 2014


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha