Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2394/11.3TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO PARA RECORRER
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NATURAL
ACÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO
LITISCONSÓRCIO RECÍPROCO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / PARTES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 65.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1953, p. 311.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pp. 162/163.
- Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, p. 75.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 33.º, N.ºS 2 E 3, 595.º, N.º3, 617.º, N.º1,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 210/00.

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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-ASSENTO DE 29/5/56;
-ASSENTO DE 1/2/63.
Sumário :
1. Contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação.

2. Preenche a exigência do litisconsórcio necessário natural a acção constitutiva em que o autor pretende efectivar a resolução de um negócio jurídico em que outorgaram várias partes, por vício que envolve todos os interessados, só por essa via se obtendo na acção uma pronúncia, simultânea e definitiva, acerca da subsistência do acto.

3. A circunstância de os interesses dos vários outorgantes no negócio não serem inteiramente coincidentes não obsta à exigência do litisconsórcio, apenas implicando que possa estar verificada a figura do litisconsórcio recíproco, enxertando-se na lide várias controvérsias ou oposições entre as partes principais.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA intentou acção de condenação, com processo comum ordinário, contra BB, Unipessoal, Ldª, alegando que, como promitente-comprador, celebrou com a R., na qualidade de promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel propriedade desta, tendo-lhe entregue a quantia de € 57.000,00 a título de sinal.

Porque a R. incumpriu definitivamente o acordo, não tendo até hoje celebrado o contrato definitivo, pede que se declare resolvida a promessa e a R. condenada a restituir-lhe o dobro do sinal entregue, acrescida dos respectivos juros; subsidiariamente, pede que se declare resolvida a promessa e, bem assim, a condenação da R. a restituir-lhe o sinal entregue e respectivos juros.

Contestou a R., impugnando os factos descritos e afirmando que nem todos os promitentes-compradores lhe comunicaram o agendamento do dia, hora e local para a celebração do contrato definitivo - além de que a não outorga desse contrato definitivo teria sido acordada entre todos os contraentes, por o imóvel objecto da promessa ter sido entretanto expropriado.

O A. replicou, mantendo a versão adiantada na petição

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato-promessa; condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 114.000,00 (€ 57.000,00 x 2), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%.

2. A R. , inconformada, interpôs recurso de apelação, impugnando, desde logo, o decidido quanto à matéria de facto e questionando a situação de incumprimento definitivo da promessa, imputável à própria recorrente, em que havia assentado a sentença apelada - tendo a 1a instância julgado provados os seguintes factos:

1. A R. é dona e legítima proprietária de um prédio rústico, composto de pinhal com mato, sito em … - Junqueira, freguesia de Vila Nova de Anha, em Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número…/Vila Nova de Anha e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, com o valor tributável de € 9,43 (A);

2. Por documento datado de 26 de Março de 2007, denominado "Contrato-promessa de compra e venda de prédio rústico", celebrado entre BB, Unipessoal, Ldª, como Primeira Outorgante, e CC, DD, AA e EE, como Segundos Outorgantes, foi declarado:

1) A Primeira Outorgante é proprietária e legítima possuidora de um prédio rústico, composto de pinhal com mato, sito em … - ..., freguesia de Vila Nova de Anha, em Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número … Vila Nova de Anha e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … com o valor tributável de €9,43.

2) Pelo presente contrato a Primeira Outorgante promete vender aos Segundos, ou a quem estes indicarem (a indicação deverá ser conjunta e cumulativa por todos os Segundos Outorgantes, podendo o terceiro a indicar tratar-se de pessoa(s) colectiva(s) a formar conjuntamente por todos os Segundos Outorgantes), que, por sua vez, lhes prometem comprar ou quem por estes vier a ser indicado, livre de quaisquer ónus ou encargos ou responsabilidades, o prédio rústico acima identificada na cláusula primeira.

3) O preço da compra e venda é de € 170.000,00 pagos da seguinte forma: a) a quantia de €80.000,00 (que diz respeito à proporção de €20.000,00para cada um dos Segundos Outorgantes) na data da celebração do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, de que a Primeira Outorgante dá quitação; b) a quantia de 80.000,00 (que diz respeito à proporção de € 20.000,00 para cada um dos Segundos Outorgantes) na data da outorgada escritura definitiva; c) a restante quantia de €10.000,00 apenas será paga aquando da realização plena das mais-valias a levar a efeito sobre o prédio em questão.

4) Não obstante a existência de sinal como princípio de pagamento, as partes outorgantes acordam expressamente na submissão do presente contrato ao regime da execução específica, previsto no art.830° do Código Civil.

5) 5.1. A escritura pública de compra e venda será celebrada, salvo caso de força maior, dentro dos próximos 90 dias a contar da data da assinatura deste contrato-promessa, em data, hora, local a designar pelos Segundos Outorgantes, mediante comunicação por carta registada com aviso de recepção dirigida à Primeira Outorgante com pelo menos 15 dias de antecedência.

5.2. A Primeira Outorgante deverá apresentar toda a documentação necessária à celebração do contrato prometido até 10 dias antes da data marcada para a realização da escritura.

6) São da responsabilidade dos Segundos Outorgantes todas as despesas com a escritura e registo emergentes da celebração do presente acordo.

7) A responsabilidade pelo pagamento das verbas identificadas na cláusula terceira do presente acordo não assume natureza solidária, pelo que cada um dos Segundos Outorgantes apenas é responsável pela exacta proporção do compromisso aqui assumido e nessa cláusula expressa (documento de fls.18 a 20 junto ao procedimento cautelar apenso) (B);


3. No acto da celebração do contrato-promessa indicado em 2, o A. entregou à R. o valor de € 20.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento, do qual a R. deu quitação (C);

4. Em 11 de Janeiro de 2008, o A. entregou à R, que a recebeu, através da pessoa do seu representante legal EE, a quantia de € 2.000,00 correspondente "ao pagamento de parte da quantia emergente do contrato outorgado em 26 de Março de 200T (documento 2 junto ao procedimento cautelar apenso) (D); Por acordo denominado "Contrato-promessa de compra e venda", de 27 de Julho de 2010, celebrado entre BB Unipessoal, Lda, como Primeiro Outorgante ou promitente-vendedor, e FF, como Segundo Outorgante ou promitente-comprador, foi declarado:

1) Pelo Primeiro Outorgante foi dito que é dono e legítimo possuidor do seguinte imóvel: prédio rústico, sito no lugar da …, freguesia de Vila Nova de Anha, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vila Nova de Anha sob o artigo n° … e omisso na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo. Este prédio será vendido com o projecto aprovado, após expropriação a ser efectuada pela Câmara Municipal de Viana do Castelo.

2) Pelo presente contrato, promete vender ao Segundo Outorgante, e este promete comprar-lhe, pelo preço de € 110.000,00, o prédio acima identificado.

3) A título de sinal e início de pagamento, confessa ter recebido do Segundo Outorgante, nesta data, a quantia de € 15.000,00, de que dá inteira quitação.

4) O restante pagamento (€95.000,00) será liquidado da seguinte forma: será entregue um apartamento para venda, sito na Rua …, n° 5- 3o andar Direito- Frente, tipo T1, inscrito na matriz predial sob o artigo 3248- Fracção "J" pelo montante de € 80.000,00. No dia da celebração de escritura pública será liquidada a quantia de € 15.000,00.

5) O prédio objecto deste contrato-promessa de compra e venda será entregue devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos.

6) Pelo Segundo Outorgante foi dito que se obriga a comprar o imóvel referido na cláusula primeira deste contrato, pelo preço e demais condições constantes das sua cláusulas.

7) Por todos os outorgantes foi dito que, no caso de o objecto deste contrato não possa ser cumprido por razões alheias à vontade das partes, o presente contrato será nulo e sem qualquer efeito e as quantias entregues serão devolvidas em singelo (documento de fls.26 e 26 junto ao procedimento cautelar apenso) (E e 15);

6. Pese embora a diferente designação do lugar, o prédio rústico identificado em 5 é o mesmo prédio rústico identificado em 1 (F e 15);

7. Por despacho n° 11537/2010, DR 2a série, n° 136, de 15 de Julho de 2010, foi determinada a declaração de utilidade pública, nomeadamente da parcela n° 20 pertencente a BB Unipessoal, Lda, do concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o n° …, freguesia de Vila Nova de Anha, com a área de 2.606 m2 (documento de fls.31 a 33 do procedimento cautelar de arresto) (G, 12, 15 e 18);

8. Em 14 de Novembro de 2009, o A. entregou ainda à R, em numerário, a título de sinal, a quantia de € 35.000,00 (3 e 4);

9. Por carta registada com aviso de recepção datada de 04 de Fevereiro de 2010, o A. e o promitente-comprador DD comunicaram à R. que haviam agendado o dia 25 de Fevereiro do mesmo ano, pelas 09 horas e 30 minutos, no Cartório Notarial da Drª. GG, sito na Rua …, 4900-… Viana do Castelo, para a celebração da escritura pública de compra e venda referente ao prédio identificado em 1 (7, e 5, 6 e 16);

10. Não obstante ter recebido a referida comunicação postal, e contrariamente ao expressamente ali solicitado, a R. não enviou os seus documentos de identificação ao A. ou ao promitente-comprador DD, necessários para a formalização do negócio (8);

11. Não obstante ter recebido a referida comunicação postal, o representante legal da R. não compareceu no dia, hora e local mencionados a fim de celebrar o contrato prometido (9 e 10);

12. O A. nunca foi informado pela R. da celebração ou mera existência do contrato-promessa indicado em 5 (11);

13. O processo indicado em 7 é conduzido pelo "IPTM- Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, LP. - Delegação do Norte e Douro", com sede no Porto Comercial, Avenida do Cabedelo, Viana do Castelo (13 e 21);

14. O A. nunca foi informado pela R. da existência ou decurso desse processo administrativo de expropriação (14);

15. A R, por carta de 12 de Março de 2009 tomou conhecimento no interesse dessa expropriação (22 e 25)


3. Na Relação, foi oficiosamente suscitada a questão prévia da ilegitimidade do A. para estar por si só em juízo, desacompanhado dos demais promitentes compradores, facultando-se às partes o contraditório sobre tal tema inovatório – sobre o qual foi proferida decisão julgando procedente a excepção de ilegitimidade activa do A., por preterição de litisconsórcio necessário natural, e, consequentemente, absolvendo a R. da instância:

Embora não tenha sido suscitado por qualquer das partes em sede de recurso, impõem-se que este Tribunal, por se tratar de questão de natureza oficiosa, se pronuncie sobre a legitimidade.

Nos autos apenas foi proferido decisão tabelar quanto à questão da legitimidade, pelo que não fica este Tribunal impedido de a apreciar.

Integra a causa de pedir nesta acção o contrato promessa realizado em 26 de Março de 2007, em que foram outorgantes como promitentes compradores o A., AA, DD (irmão do A.), CC (irmão do legal representante da R.) e EE e como promitente vendedora, a sociedade R., BB, Unipessoal, Ldª, representada pelo seu único sócio, EE (que intervém também no contrato, singularmente, como promitente comprador). Dos quatro promitentes compradores, apenas um intentou a presente acção, contra a promitente vendedora, pedindo, a título principal, que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o A. e a R., por incumprimento definitivo desta e a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 114.000,00, correspondente à devolução do sinal em dobro, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação e até efectivo e integral pagamento. A título subsidiário, o A. pediu que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre o A. e a R. por alteração superveniente das circunstâncias e a condenação da R. condenada a pagar-lhe a quantia de 57.000,00 euros, igualmente acrescida de juros.

A regra no processo civil é o litisconsórcio voluntário. Se a lei ou o negócio for omisso, a acção pode ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota parte do interessado ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade (art° 32° n°l do CPC).

Porém, haverá litisconsórcio necessário se a lei ou o negócio exigir a intervenção de todos os interessados na relação controvertida (art° 33° n° 1 CPC).

Exige-se ainda a presença de todos os interessados na acção, quando pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal (n° 2 do art° 33° CPC). É o denominado litisconsórcio natural, por contraposição ao litisconsórcio legal e negocial a que alude o n° 1 do art° 33°.

É precisamente esse o caso dos presentes autos. Se não estiverem presentes na acção os demais promitentes compradores, não é possível apreciar a globalidade da relação jurídica em causa e determinar a resolução do contrato com restituição do sinal em dobro (ou em singelo), ainda que esteja apenas em causa nesta acção, a devolução da quantia entregue a título de sinal pelo A..

«O efeito útil normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes»". «A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (...) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar». «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças - ou outras providências - inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais».

Como se defende no Ac. do TRP de 25.01.2007, "a intervenção conjunta dos (todos) promitentes compradores tem-se por indispensável para que a decisão da causa possa produzir o seu efeito útil normal. A decisão a proferir (a declaração de resolução do contrato por incumprimento da Ré), que não seja no confronto de todos os interessados, além de não vincular os terceiros interessados, pode não regular definitivamente a situação das partes. Há uma situação de litisconsórcio natural, imposto pela natureza da relação. Sem essa intervenção dos vários interessados, a decisão não regula definitivamente a situação das partes quanto ao pedido formulado. Declarado resolvido contrato promessa celebrado, por incumprimento da Ré, podia a questão voltar a ser suscitada, a solicitação do outro contraente e, como hipótese possível, com solução contrária à proferida nesta causa".

Constitui também exemplo de litisconsórcio necessário natural a acção de anulação do contrato promessa, em que a anulação do contrato deve ser pedida por todos os promitentes compradores5.

Não se olvida que no caso particular dos autos, pelo menos o outorgante comprador EE que além de promitente comprador é o legal representante da R. e, presumivelmente o seu irmão, o também promitente comprador CC, não acederiam a interpor a presente acção contra a R. Mas em ordem a assegurar a legitimidade, sempre o A. poderia ter suscitado o incidente de intervenção principal provocada para que interviessem na causa como seus associados.

A preterição de litisconsórcio necessário natural activo determina a ilegitimidade do autor/apelado.

É certo que o Mmo Juiz a quo deveria ter lançado mão do disposto no art° 265° n° 2 do CPC, aplicável à data da entrada da presente acção e do despacho saneador, actual n° 2 do art° 6o do NCPC) convidando o A. a suscitar o competente incidente, providenciando pelo suprimento da excepção dilatória, findos os articulados nos termos do art° 508°, n° 1, ai. a) aplicável à data (hoje art° 590, n° 2 do NCPC), o que não fez, mas não foi suscitada esta nulidade.

A parte, se assim o entender, poderá recorrer ao disposto no n° 1 do art° 261° do CPC.

E face ao que ficou dito, não entendemos que esta interpretação viole o disposto no art° 20° do CRP. O A. não está impedido de exercer os seus direitos, pois que tinha mecanismos para fazer intervir na acção os demais promitentes compradores e assegurai- o seu direito. Optou por não o fazer e assim desconsiderou o disposto no actual art° 33/2 ( anterior art° 28° do CPC, na redacção do DL 180/96, de 25/9).


5.  Inconformado com tal conteúdo decisório, o A. interpôs a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

 I. - Vem o presente recurso do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo à margem identificado, que absolveu o Réu da instância por julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa do Autor, por preterição de litisconsórcio natural.


1. DA REJEIÇÃO E/OU EXTEMPORANEIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO

II. - A Recorrente não deu cumprimento ao ónus que sobre si impendia nos termos do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que a parte do presente recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto devia ter sido objecto de imediata rejeição pelo Venerando Tribunal da Relação, por inobservância e preterição do citado normativo legal.

III. - Consequentemente, e à "falta" de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não poderá a Recorrente, salvo o devido respeito e melhor entendimento, beneficiar do disposto no artigo 638º, nºs 1 e 7 do Código de Processo Civil, que alarga o prazo para interposição do presente recurso para 40 dias (30 + 10 dias), mas apenas do prazo geral de 30 dias, que terminou no dia 28 de Maio de 2014.

IV. - A Recorrente interpôs em juízo o seu recurso no dia 30 de Maio de 2014, através do requerimento com a Ref.ª "CITIUS" n.º 16985468, ou seja, no segundo dia útil após o termo do prazo, tendo-se limitado a liquidar o valor da taxa devida pela sua interposição, pelo que, no modesto entendimento do Autor, devia a Recorrente ter sido convidada a observar o disposto no artigo 139º do Código de Processo Civil, nomeadamente para proceder ao pagamento da multa devida pela prática do acto, sob pena de, não o fazendo, não ser apreciado o recurso interposto quanto à sentença recorrida.

V. - A factualidade acima exposta resulta e foi defendida nas contra-alegações de recurso apresentadas em juízo pelo Autor e consubstancia uma questão prejudicial que obsta à própria apreciação do recurso, pelo que o Venerando Tribunal da Relação, previamente à apreciação do recurso, devia ter observado e dado cumprimento ao disposto nos artigos 640º, n.º 2 alínea a), 638º, nº 1 e 7 e 139º, todos do Código de Processo Civil, o que não sucede.

VI. - Violou, assim, o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 640º, n.º 2 alínea a), 638º, nº 1 e 7 e 139º, todos do Código de Processo Civil, pelo que é ilegal e, como tal, deve ser revogado e substituído por outro que rejeite a parte do recurso relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e convide a Recorrente a proceder ao pagamento da multa devida pela prática do acto no segundo dia útil após o termo do prazo, sob a cominação de, não o fazendo, não ser apreciado o recurso interposto quanto à sentença recorrida.


2. DA TRÂNSITO (FORMAL) EM JULGADO DA DECISÃO DA EXCEPÇÃO DA ILEGITIMIDADE PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

VII. - A questão da ilegitimidade, tal como resulta dos autos, designadamente do teor do despacho saneador proferido no âmbito dos presentes autos, foi decidida pelo Tribunal de Primeira Instância que julgou as partes legítimas e nenhuma das partes, seja Autor ou Ré, interpôs recurso do despacho saneador no que diz respeito a tal decisão que apreciou a questão da legitimidade, pelo que se formou caso julgado formal, tal como resulta do disposto nos artigos 620º e 621º do Código de Processo Civil.

VIII. - O mesmo é dizer que o Tribunal da Relação da Guimarães não podia, como efectivamente não pode, apreciar questões já apreciadas por decisão com trânsito (formal) em julgado, como resulta dos citados artigos 620º e 621º do actual Código de Processo Civil.

IX. - Sendo certo que, contrariamente ao alegado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, nos autos não foi proferida uma decisão meramente tabelar quanto à questão da legitimidade, já que a mesma foi discutida e decidida em sede de audiência preliminar, onde as partes estiveram presentes e devidamente representadas por Mandatário - vide acta de 05/03/2012 que se encontra junta aos autos.

X. - Ora, se a questão da legitimidade foi decidida pelo Tribunal de Primeira Instância e apreciada expressamente no despacho saneador e não foi interposto recurso dessa parte da decisão para o tribunal Superior, como sucede no caso dos autos, formou-se o caso julgado formal, nos termos do disposto nos artigos 620º e 621º do actual Código de Processo Civil, pelo que não podia, como efectivamente não pode, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães conhecer oficiosamente daquela excepção.

XI. - Violou, assim, o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos nos artigos 620º e 621º do actual Código de Processo Civil, pelo que é ilegal e, como tal, deve ser revogado e substituído por outro que julgue a problemática do recurso que lhe foi endereçada e, nomeadamente, o objecto da apelação.

Sem prejuízo e prescindir do acima alegado e para o caso de assim se não entender, sempre se dirá ainda mais o seguinte:


3. DA INEXISTÊNCIA DE ILEGITIMIDADE ACTIVA DO AUTOR POR PRETERIÇÃO DE UTISCONSÓRCIO NATURAL

XII. - Atentas as circunstâncias concretas e especificidade dos autos, e independentemente do litisconsórcio natural, a verdade é que não é possível regular definitivamente a situação de todas as partes na mesma acção, desde logo, porque elas não se encontram em igual posição nem relativamente a todos se encontram reunidos os pressupostos legais de cuja verificação depende a resolução contratual e o direito ao dobro do sinal.

XIII. - Apenas dois promitentes-compradores, o Autor e Arlindo Sousa, diligenciaram no sentido de proceder à marcação da escritura pública de compra e venda uma vez largamente esgotado o prazo para o efeito, quando os outros dois nada fizeram e resulta evidente dos autos a existência de um entendimento entre alguns promitentes-compradores (Leandro Viana que é o único sócio e gerente da sociedade Ré e do seu irmão Manuel Viana que beneficiou da segunda promessa realizada sobre o mesmo imóvel) e a promitente vendedora relativamente à promessa em causa e, ao impor-se a sua intervenção conjunta nos autos com o Autor, aqueles colocar-se-ão em situação de "venire contra factum proprium", excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito - o que seria de molde a transformá-lo em ilegítimo: artigo 334º do Código Civil.

XIV. - Ademais, não poderá haver litisconsórcio natural sob pena de postergação de direitos das partes, já que o Autor é totalmente alheio ao entendimento existente entre alguns promitentes-compradores e a promitente-vendedora e não poderá ficar à mercê da mera vontade dos seus co-outorgantes para ver os seus legítimos direitos judicialmente tutelados e caso assim se entenda, ficará o Autor inapelavelmente privado de ver reingressar no seu património a quantia pecuniária que entregou à Ré por conta do adiantamento do preço de uma compra e venda que, culpa exclusiva desta última, como ficou provado e decidido, nunca chegou a realizar-se - quantia essa, de resto, de montante avultadíssimo, como resulta da matéria de facto dada como provada.

XV. - Atente-se que o que se encontra peticionado é estritamente aquilo que o próprio Autor, com dinheiro seu, entregou à Ré a título de sinal e antecipação de pagamento e foi também essa a estrita medida da decisão judicial na parte em que condena a Ré ao pagamento de uma quantia em dinheiro ao Autor.

XVI. - É assim patente que o Autor, não obstante compartir um conjunto de obrigações e direitos, contratualmente emergentes, com os demais promitentes-compradores, aparece em juízo a fazer valer o exercício de um direito plenamente autónomo, próprio, e na rigorosa medida daquilo que a si lhe cabe reclamar da Ré: o dobro daquilo que o Autor e só este, individualmente, lhe pagou por conta da compra e venda prometida em razão do incumprimento contratual exclusivamente imputável àquela promitente-vendedora.

XVII. - Pelo que, quanto a esta parte do efeito útil que pretende obter com a decisão judicial a proferir nestes autos (a condenação pecuniária da Ré) o Autor tem inequívoco interesse em agir, e não existe qualquer censurabilidade legal e processual que se lhe possa assacar por fazê-lo autonomamente e desacompanhado dos demais promitentes-compradores, pelo contrário.

XVIII. - Ora, limitar o exercício de um direito que é próprio do Autor em função de terceiros cujos interesses podem não coincidir com aqueles que o Autor pretendeu, como pretende (e que foi já reconhecido judicialmente em primeira instância) fazer valer em juízo, como o litisconsórcio natural impõe, é o mesmo que coarctá-lo do acesso ao direito e aos Tribunais para sua defesa.

XIX. - Pelo que impor o litisconsórcio natural reputa-se, também assim, forçosamente inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, do qual necessariamente o Autor se verá privado- art.º 20º da CRP.

XX. - É que mesmo ordenando o chamamento a juízo dos demais outorgantes, o Tribunal incorrerá numa solução injusta e desadequada, desde logo do ponto de vista da salvaguarda dos meios de defesa, prova e tutela de que o Autor dispõe - e dispôs, no decurso destes autos, em primeira instância.

XXI. É que os demais promitentes-compradores - com excepção óbvia daquele que é, simultaneamente, o representante legal da Ré e promitente vendedora - foram testemunhas arroladas pelo Autor; e cujo contributo probatório, pelo privilegiado conhecimento directo que têm do factos, proveniente da sua qualidade contratual, foi determinante na formação da convicção do julgador e, na qualidade de chamados, os referidos intervenientes estarão impedidos, necessariamente, de intervir nos autos como testemunhas.

XXII. Ainda que venham a prestar declarações em sede de produção de prova, fá-lo-ão sempre sob os institutos do depoimento ou declarações de parte - meios de provas esses que, não obstante implicarem sempre um dever de verdade para o depoente, conhecem limitações de objecto e valoração probatória que não ocorrem em sede de prova testemunhal, pelo que, a solução apontada não deixaria de ter a virtualidade de frustrar em absoluto os meios probatórios, de defesa e de tutela jurisdicional que, como a qualquer parte processual, devem ser assegurados ao Autor nestes autos.

XXIII. - Ademais, a regra no processo civil é o litisconsórcio voluntário, sendo certo que se a lei ou o negócio for omisso - como é o caso dos autos -, a acção pode ser proposta por um ou só contra um só dos interessados: artigo 32º, nº 1 do Código de Processo Civil.

XXIV. - Assim, atenta a especificidade do caso concreto dos autos, a "exigência" da presença de todos os promitentes-compradores não é necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal - artigo 33º, nº 2 do Código de Processo Civil.

XXV. - Já que a sentença proferida no âmbito dos presentes autos produz o seu efeito útil normal pois define a situação jurídica do Autor relativamente à promessa que não só não pode ser contestada por qualquer das partes, como ainda é de molde a poder subsistir inalterada não obstante ser ineficaz em confronto dos outros co-interessados e como quer que uma nova sentença venha a definir a posição ou situação destes últimos - vide A. Castro, Lições, 2.º- 724 e ss.; M. Andrade, Scientia luridica, 34.º- 186.

XXVI. - Violou, assim, o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 32º, nº 1 e 33º, nº 2, ambos do actual Código de Processo Civil, pelo que é ilegal e, como tal, deve ser revogado e substituído por outro que pugne pela inexistência de preterição de litisconsórcio natural e consequentemente pela não verificação de qualquer excepção que obste ao conhecimento do mérito do recurso de apelação.

 

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, proferir-se Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará JUSTIÇA!


6. O recorrente começa por suscitar a questão prévia da extemporaneidade do recurso de apelação – por entender que, não devendo ter-se por adequadamente cumpridos os ónus que a lei de processo impõe ao recorrente que pretende impugnar a matéria de facto, o prazo para recorrer deveria ser apenas de 30 dias, sem que o recorrente pudesse beneficiar da prorrogação de 10 dias, prevista no 7 do art. 638º do CPC.

Note-se que, no caso dos autos, a Relação, ao ter por verificada a excepção dilatória de ilegitimidade, decorrente da preterição do litisconsórcio necessário, não chegou naturalmente a apreciar o mérito do recurso, incluindo a impugnação deduzida contra a matéria de facto tida por assente na 1ª instância. Mas não apreciou também a argumentação do apelado, na parte em que pugnava pela intempestividade de – todo – o recurso, decorrente de o mesmo ter sido interposto no segundo dia útil após o termo do prazo de 30 dias, sem que tivesse sido liquidada e paga a multa devida em consequência do estipulado no art. 139º do CPC.

Sucede que o recorrente não suscitou a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da Relação, na parte em que se não pronunciou explicitamente sobre a questão da liquidação de tal multa, alegadamente devida – optando antes por recolocar tal questão à apreciação do STJ, exactamente nos mesmos termos em que a havia suscitado perante a 2ª instância, impedindo com tal estratégia processual que a Relação se pudesse ter pronunciado sobre a referida nulidade, antes da subida do recurso de revista, nos termos do art. 617º, nº1, do CPC

Ora, não compete ao Supremo determinar, como questão nova, se as instâncias deviam ou não ter procedido à liquidação de certa multa processual, a propósito da precedente interposição, alegadamente  no 2º dia útil posterior ao termo do prazo, de um recurso de apelação , apreciando antes o recurso, por implicitamente o haverem considerado tempestivamente interposto.

Salienta-se que o que estaria em causa- perante o teor da alegação do recorrente - não seria a intempestividade, pura e simples, da apelação, mas apenas e tão somente a omissão pelas instâncias da notificação admonitória para pagamento da multa prevista no art. 139º - nulidade procedimental que o recorrente não suscitou de forma adequada perante as instâncias, reiterando-a apenas perante o STJ, no âmbito de um recurso de revista.


Acresce que não procede, no caso dos autos, a tese do recorrente, segundo a qual deveria ter-se por precludida, face ao teor da alegação efectivamente apresentada quanto à impugnação da matéria de facto, a prorrogação por 10 dias do prazo para interpor a apelação.

Note-se que o que está em causa não é saber se se verificam ou não os pressupostos para apreciar o mérito da impugnação do recorrente quanto à decisão de facto – mas antes - e previamente – determinar se um eventual cumprimento deficiente dos ónus estabelecidos no art. 640º deverá encurtar o prazo alargado de que aparentemente o recorrente beneficiava para impugnar o teor da sentença apelada.

Ora, no caso dos autos, é patente que a sociedade recorrente começou por dirigir o seu recurso de apelação prioritariamente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, especificando quais os pontos factuais que considerava incorrectamente julgados, por referência aos quesitos formulados, analisando criticamente as provas produzidas sobre o respectivo conteúdo factual e questionando, de modo minimamente fundado e inteligível, os resultados probatórios alcançados na 1ª instância, propondo as respostas que tinha por certas à matéria de tais quesitos: tanto basta para que, na óptica do prazo para recorrer, se tenha por definitivamente verificada e consolidada a prorrogação de 10 dias, decorrente da citada disposição legal, a qual não depende, nem está condicionada, pelo efectivo conhecimento – e muito menos pela procedência - da impugnação deduzida pelo recorrente em sede de decisão sobre a matéria de facto; tal como não depende de um integral cumprimento dos ónus secundários (por visarem apenas a localização no suporte que contém a gravação dos depoimentos invocados) decorrente do preceituado na alínea a) do nº2 do art. 640º, cuja utilidade e funcionalidade só ganham sentido se a Relação for efectivamente reapreciar as provas.

Em suma: contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação, na parte em que apenas versa sobre questões jurídicas.


Sustenta ainda o recorrente que – tendo o juiz afirmado no saneador a legitimidade das partes – teria de considerar-se, por via do caso julgado formal, tal pressuposto processual preenchido, não sendo consequentemente admissível que a eventual preterição do litisconsórcio necessário pudesse ser oficiosamente suscitada aquando do julgamento da apelação.

Tal argumentação não tem, porém, na devida conta que – desde a reforma de 1995/96 – o despacho saneador só adquire força de caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas, nos termos do preceituado no nº3 do art. 510º do velho CPC (norma que corresponde ao art. 595º, nº3, do actual CPC) – tendo-se generalizado então a solução que, em sede de competência, constava do art. 104º, nº2, na anterior redacção, e caducando, consequentemente, a solução afirmada, no âmbito da legitimidade, pelo assento de 1/2/63.

Assim, apenas produz efeito de caso julgado formal a pronúncia do juiz, na fase de saneamento, acerca das questões adjectivas efectivamente suscitadas pelas partes ou que, por transparecerem do processo, o juiz, nessa fase do processo, entendeu fundadamente colocar e decidir - não tendo qualquer eficácia preclusiva a genérica afirmação da existência de pressupostos processuais cuja verificação – como manifestamente ocorre no caso dos autos - não foi minimamente posta em causa, nem pelas partes, nem pelo juiz.


7. Resta, pois, determinar se – como se decidiu no acórdão recorrido – a situação dos autos deve configurar-se como traduzindo um caso de litisconsórcio necessário natural, impondo-se a presença na lide de todos os outorgantes no contrato promessa, alegadamente incumprido, como conditio da prolação de uma decisão acerca do mérito da causa.

A figura do litisconsórcio necessário natural, decorrente da previsão normativa há muito contida nos nºs 2 e 3 do art. 33º, tem na sua génese a necessidade da pluralidade de partes como condição indispensável para que a sentença a proferir possa produzir o seu efeito útil normal, regulando definitivamente o interesse das partes no processo acerca da relação material controvertida: embora tal situação de necessária pluralidade de partes não decorra explicitamente de uma norma legal ou de estipulação dos interessados, ela decorre da natureza - da incindibilidade e da indivisibilidade - de relação litigiosa plural, cujo mérito só pode ser efectiva e definitivamente apreciado quando estiverem em juízo todos os interessados, a todos sendo facultado o exercício do direito de acção ou de defesa, de modo a alcançar-se uma simultânea composição do pleito, vinculativa de todos os interessados.

Desde logo, é absolutamente indiscutível a necessidade do litisconsórcio naqueles casos em que a repartição dos vários interessados por acções distintas fosse de molde a impedir uma composição definitiva mesmo entre as próprias partes na causa, ficando a própria afectação ou repartição dos bens, operada no confronto de A e de B, sujeita a uma inevitável e incontornável precariedade , já que tal afectação teria necessariamente de ser rediscutida e reapreciada no âmbito das acções que viessem a ser ulteriormente movidas pelos restantes interessados: é a situação típica dos juízos divisórios (acção de divisão de coisa comum, rateio de um montante indemnizatório legalmente fixado entre os vários lesados de um mesmo acidente - cfr. assento de 29/5/56), em que o rateio , a repartição ou a divisão de um bem unitário pelos vários consortes ou interessados só pode sedimentar-se se todos elas estiverem, cumulativa e simultaneamente,  em juízo- sob pena de a divisão do bem, operada apenas no confronto de alguns, ser posta em cheque quando os restantes consortes pretenderem realizar, em acção por eles desencadeada,  nova divisão global do bem, afectando naturalmente a quota fixada na acção proposta entre A e B…


A doutrina e a jurisprudência têm, porém, desde há muito, operado una interpretação mais ampla do conceito de efeito útil normal, admitindo o litisconsórcio necessário natural nas situações em que, por ser o objecto do processo um interesse indivisível e incindível dos vários interessados ou contitulares, se impõe o litisconsórcio por prementes razões de coerência jurídica, que ficaria relevantemente afectada pela possibilidade de serem proferidas, em causas separadas, decisões divergentes acerca desse mesmo objecto unitário e indivisível ( cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pag. 162/163).

É este entendimento que está na base da exigência do litisconsórcio quando numa acção se discuta a validade ou eficácia de um negócio jurídico em que outorgaram várias partes por vício que envolva todos os interessados, por essa via se obtendo na acção uma pronúncia, simultânea e definitiva, acerca da validade ou eficácia do acto.

Como escreve Paulo Pimenta (Processo Civil Declarativo, 2014, pag. 75), numa acção destinada a obter a declaração de nulidade de um negócio jurídico, visto que o negócio, a ser nulo ( ou válido), há-de sê-lo para todos os contraentes, é obrigatória a presença de todos eles, atenta a natureza da questão jurídica que se discute nos autos, sob pena de os contraentes ausentes na lide não ficarem vinculados à decisão a proferir, a qual, por isso, não teria a virtualidade de regular de modo definitivo a questão submetida a juízo. Também a acção destinada à anulação de uma escritura de partilhas exige a intervenção de todos os sucessores outorgantes na mesma.


Importa salientar que, caso dos autos, estamos confrontados com uma acção constitutiva, em que o A. formula prioritariamente uma pretensão de resolução do contrato promessa, alegadamente incumprido – exercendo, pois, o direito potestativo a operar uma alteração na ordem jurídica, pondo termo, com eficácia tendencialmente retroactiva, à vigência de determinada relação contratual plural.

Na verdade, o A. não se limitou a peticionar a condenação da R. na quantia por ele prestada a título de sinal: como questão prejudicial e fundamental, relativamente a tal condenação, surge colocada naturalmente, em primeira linha, a pretensão – obviamente constitutiva – de resolução do contrato com base no incumprimento definitivo do promitente vendedor – só podendo determinar-se a prestação da quantia correspondente ao sinal entregue se anteriormente se tiver decretado o – expressamente peticionado - efeito resolutivo. E é precisamente a apreciação jurisdicional desta pretensão constitutiva que justifica, como se verá, a exigência do litisconsórcio dos vários outorgantes no contrato a resolver.


Na verdade, neste campo das acções constitutivas – ainda mais do que no domínio das acções de simples apreciação ou condenatórias (não se suscitando, nomeadamente, no domínio das acções constitutivas, as dificuldades decorrentes de um eventual conhecimento oficioso das nulidades do negócio jurídico, em acção pendente em juízo apenas entre alguns dos interessados , realçadas por Teixeira de Sousa  -ob. loc. Cit.)  – impõe-se que a pretendida mudança ou alteração na ordem jurídica, resultante do exercício em juízo do direito potestativo à resolução, se consolide definitivamente – o que pressupõe naturalmente que todos os possíveis interessados  na questão da resolução do negócio participem como partes no processo, de modo a obstar a que – em termos juridicamente incongruentes – o referido contrato pudesse simultaneamente, conforme os interessados, estar ou não estar em vigor no ordenamento jurídico subjectivo.

Ou seja: o efeito jurídico material, a realização da mudança na ordem jurídica existente, decorrente da prolação da sentença constitutiva, tem de operar, em termos objectivos e definitivos, relativamente a todos os interessados na relação incindível – o que pressupõe, num sistema condicionado pela regra fundamental do contraditório, que todos os interessados nessa relação plural e indivisível tenham participado como partes na causa em que tal sentença constitutiva venha a ser proferida.


Note-se que este efeito constitutivo da sentença , consubstanciado na modificação jurídico material  por ela operada em consequência do exercício do direito potestativo que está na sua génese, é autonomizável e destacável da figura do caso julgado e da problemática dos seus limites ( Cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil , pag. 65) -  e, portanto, também do plano da eficácia relativa , estritamente subjectiva que normalmente lhe vai associada: como refere Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1953, pag. 311): Costuma dizer-se que o efeito constitutivo vale necessariamente erga omnes. E parece que assim valerá, de facto, tal como valeria com extensão idêntica – uma vez provado – um negócio jurídico tendente a produzir o mesmo efeito e que fosse idóneo para produzi-lo.


Ora, a prevalecer a tese sustentada pelo recorrente – admitindo-se a prolação de sentença constitutiva, decretando o efeito resolutivo apenas no confronto das partes no processo – ficaria naturalmente aberta a possibilidade de, em futuras acções, os restantes promitentes compradores voltarem a recolocar em juízo a questão do cumprimento do contrato e seus efeitos – podendo perfeitamente ocorrer que o efeito jurídico material aqui decretado pudesse ser posto em crise, de modo a ter-se o mesmo contrato simultaneamente por extinto entre A e R e plenamente vigente e eficaz entre B e R

É esta incongruência jurídica que a exigência do litisconsórcio pretende efectivamente prevenir – nenhuma censura merecendo, pois, o decidido na acórdão recorrido.


Não se afigura, por outro lado, que as invocadas especificidades do caso concreto obstem à exigência do litisconsórcio quanto a todos os outorgantes no negócio que se pretende resolver: o facto de os interesses dos vários promitentes compradores não serem, porventura coincidentes, originando posições processuais estritamente paralelas ou coincidentes, apenas significa que poderemos vir a estar confrontados com a situação que a doutrina tem designado como litisconsórcio recíproco – em que a pluralidade de partes pode originar várias oposições entre os litigantes, pugnando alguns pela tese do incumprimento e resolução do negócio e outros, porventura, pela sua manutenção e eficácia – cabendo naturalmente ao juiz valorar global e adequadamente toda a argumentação das partes e , em decisão unitária, dirimir definitivamente o litígio, decretando ou não, no confronto de todos, o pretendido efeito resolutivo.


Não podem, por outro lado, confundir-se os planos da prova e do exercício do direito de defesa ou participação como parte no processo: a circunstância de os promitentes compradores que não figuram como partes nesta causa terem sido ouvidos, prestando depoimento em audiência, não substitui obviamente a sua intervenção como partes na causa, exercendo integralmente, se o quiserem, os direitos que nessa qualidade lhes assistem.

Tal como não pode invocar-se, como obstáculo ao litisconsórcio necessário, a circunstância de, figurando tais interessados como partes na lide, não terem podido depor como testemunhas: note-se que actualmente o nosso processo civil contém a plena possibilidade de qualquer pessoa que tenha conhecimento de factos relevantes para a justa composição do litígio nele ser ouvido, ou mediante depoimento de parte (requerido pela contraparte ou determinado oficiosamente pelo juiz) ou em consequência da nova figura das declarações de parte.

O que seguramente não é admissível é invocar-se como obstáculo à intervenção principal o interesse da parte originária em ouvir certo interessado na qualidade ou na veste de testemunha: note-se que os restantes promitentes tinham inquestionavelmente o direito de intervir espontaneamente na lide – com isso assumindo integralmente o estatuto de parte principal, sem que pudesse invocar-se como base da oposição a tal possível intervenção o direito de alguma das partes primitivas a inquiri-los como testemunhas…


Finalmente, é manifesto que – estando plenamente assegurada a possibilidade de o A. provocar a intervenção na lide dos demais litisconsortes, mesmo após o trânsito em julgado da decisão que decrete a ilegitimidade – carece de sentido invocar que a exigência do litisconsórcio limite, restringe ou impossibilita o acesso ao tribunal: o A. não está dependente da iniciativa dos restantes litisconsortes para poder ver apreciado o seu direito, dispondo dos instrumentos processuais necessários para, por sua única e exclusiva iniciativa, chamar a intervir os demais interessados na lide, integrando o contraditório (veja-se, nomeadamente, o Ac. 210/00 do TC).


8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 22 de Outubro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor