Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
279/13.8TBPCV.C1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSAÇÃO ANTECIPADA DO PROCEDIMENTO DE EXONERAÇÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS DA INSOLVÊNCIA DE PESSOAS SINGULARES / EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE / CESSÃO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL / CESSAÇÃO ANTECIPADA DO PROCEDIMENTO DE EXONERAÇÃO.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2.ª Edição, p. 914/916;
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito Da Insolvência, 7.ª Edição, p. 390/391.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 239.º E 243.º.
Sumário :

I O artigo 243º do CIRE dispõe, no que tange à cessação antecipada do procedimento de exoneração, o seguinte: “1. Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando: a) o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;».

II O mero incumprimento da entrega de quantias ao fiduciário, por banda do devedor, sem que se apure que o mesmo tenha sido doloso e que tenha causado prejuízo aos credores, não poderá sem mais conduzir à cessação antecipada prevenida naquele segmento normativo.

II Não se mostrando apurado que o comportamento do Devedor tenha sido voluntariamente encetado, isto é, que tenha querido violar as imposições que lhe foram cominadas e consequentemente a Lei; e de outro lado, que o tenha feito, voluntária e consciente, com a intenção de prejudicar os credores, maxime, o Credor/Requerente, sendo que esses elementos, um subjectivo (o dolo do devedor) e outro objectivo (o prejuízo relevante para os credores), têm de estar devidamente enunciados e provados, sem embargo de podermos constatar que o Recorrente incumpriu determinados deveres, ao não entregar ao fiduciário parte do seu rendimento, o apontado incumprimento não é susceptível de gerar, a se, a cessação antecipada requerida, porquanto esta pressuporia um comportamento doloso do Devedor, que tivesse sido causa de um dano relevante para os seus credores, e o nexo de imputação deste à conduta daquele.

(APB) 

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I L, requereu a sua declaração de insolvência, que foi decretada por sentença de 12 de Setembro de 2013, já transitada em julgado, pedindo ainda a exoneração do passivo restante, admitido liminarmente, tendo sido excluído do rendimento a ceder a quantia equivalente a um salário mínimo nacional que em cada momento vigorar, acrescido das despesas referentes ao exercício da sua actividade profissional.

O Insolvente requereu a reapreciação de tal decisão, fixando-se a quantia de 1.000,00 € a ser excluída do rendimento disponível, para efeitos de cessão aos credores, ficando estes com um rendimento disponível mensal de 680,00 €, na sequência do que se alterou “a medida do rendimento indisponível, aqui se incluindo as despesas necessárias para o exercício da actividade profissional, para dois salários mínimos nacionais”.

Veio o credor C, Lda requerer a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante relativo ao devedor L.

Alegou para tanto que resulta do relatório do fiduciário que no ano de 2017 e Janeiro de 2018 o devedor cedeu valor inferior ao estipulado, na medida em que o valor cedido deveria no total ter perfeito a quantia de € 6.297,37, tendo cedido apenas € 4.480,54, resultando numa diferença de € 1.816,83; por outro lado, no relatório do fiduciário não é feita qualquer menção relativamente ao montante recebido ao título de reembolso de IRS relativo ao de 2016, tudo indicando que o insolvente ocultou rendimentos que auferiu. Mais alegou que já no ano de 2016 o devedor cedeu quantia inferior à que deveria ter cedido em montante de € 1.583,73, concluindo que existe violação dolosa dos deveres do devedor, determinante, nos termos do art. 243.º, n.º 1, al. a), e 239.º, n.º 4, al. c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, da cessação antecipada do procedimento.

 

O devedor respondeu que resulta da leitura do despacho que fixou a medida do rendimento indisponível que no mesmo foi apenas determinada a cessão da totalidade da quantia auferida a título de subsídio de férias, mas já não da quantia auferida a título de subsídio de Natal. Por isso, procedeu à entrega de todos os rendimentos que ultrapassaram o montante equivalente a dois salários mínimos nacionais e ainda a quantia auferida a título de subsídio de férias. Como nos anos de 2016 e 2017 estava a receber o subsídio de Natal de forma faseada, em duodécimos, não procedeu à entrega mensal dos valores que lhe foram sendo pagos a esse título, porque essa entrega não foi expressamente determinada no aludido despacho.

Relativamente à liquidação de IRS de 2016, esclareceu que foi, efectivamente, reembolsado em € 2.037,05, não tendo comunicado tal reembolso por considerar que o mesmo não constitui um rendimento para efeitos de exoneração do passivo restante, mas antes uma forma de o compensar pelos impostos que foi adiantando ao longo do ano, assim como pelas despesas e encargos que foi suportando. Invocou ainda que não consegue conceber que tivesse que suportar todas as suas despesas apenas com o rendimento indisponível que lhe foi fixado, sob pena de não conseguir providenciar pelos cuidados médicos de que carece, concluindo pela improcedência do pedido formulado.

 

Foi produzida decisão a recusar a exoneração do passivo restante do devedor e declarado antecipadamente cessado o respectivo procedimento.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o Insolvente L, tendo a Apelação vindo a ser julgada improcedente, com a confirmação da decisão de primeiro grau.

De novo irresignado, recorreu o Insolvente de Revista, concluindo da seguinte forma, no que à economia do recurso diz respeito:

- Tal qual se refere no Acórdão recorrido, a questão fundamental de direito que lhe foi submetida para decisão pelo Recorrente, o Devedor L, foi a de apurar se se verificavam os pressupostos para ser decretada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, conforme havia sido decidido pela 1ª instância;

- A resposta que veio a ser dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do douto Acórdão recorrido já havia sido decidida de forma completamente divergente pelo mesmo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo ns3112/13.7TJCBR.C1, proferido em 07.04.2016, bem como pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo n9 978/12.1TBSTR.E1, proferido em 26.01.2017, pelo que estas decisões constituem o acórdão fundamento para efeitos do que se estabelece no ne 1 do artigo 14º do CIRE, o que aqui se não pode deixar de invocar;

- Percorridos quer o Acórdão recorrido como os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 3112/13.7TJCBR.C1 e pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo nº 978/12.1 TBSTR.E1 é possível verificar que o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 243s do CIRE, por referência ao que se estabelece na alínea a) e na alínea c) do n2 4 do artigo 239e do CIRE, foi interpretado e aplicado em termos frontalmente opostos, o que foi decisivo para o resultado a que se chegou nestes arestos;

- Estabelece-se na alínea a) do nº 1 do artigo 243º do CIRE que «Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando: a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;»

- A questão que se tem de colocar é a de saber, em abstracto, se ao não proceder à entrega do subsídio de Natal e do reembolso de IRS relativo ao ano de 2016 se pode subsumir que foi violada a obrigação prevista no artigo 239º nº 4 alínea a) do CIRE, ou seja, se se pode dizer que houve uma actuação por parte do Devedor de modo a violar a obrigação de não ocultar ou dissimular os rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

- Porquanto, no Acórdão recorrido, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra considerou que a obrigação prevista nesta alínea a) do ns 4 do artigo 239a do CIRE foi violada na medida em que «...como se salienta na decisão recorrida, da mesma resulta, fora de todas as dúvidas, que sobre o insolvente recaía a obrigação de entregar ao fiduciário todos os rendimentos do trabalho, na quantia excedente a dois salários mínimos, a que acrescia a relativa a subsídio de férias», mais se acrescentando neste aresto que «...deveria o recorrente ter informado o fiduciário de que tinha recebido tais quantias e proceder à respectiva entrega, nos termos legais, como lhe havia sido determinado, na decisão que lhe concedeu a exoneração do passivo restante que, recorde-se, fixou que o recorrente só ficaria a dispor da quantia equivalente a dois salários mínimos nacionais, devendo entregar para satisfação dos créditos reconhecidos, todas as quantias que o excedessem»;

- Face ao que se estabelece no 674º, nº 3 do CPCivil, o entendimento vertido neste Acórdão recorrido, na interpretação e aplicação do que se estabelece na alínea a) do nº 4 do artigo 239º do CIRE, resulta de um erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto, o que aqui se não pode deixar de invocar, pois que resulta demonstrado no processo que o Devedor L exerce funções enquanto elemento da …, na carreira/categoria de Chefe da …, sendo o seu vencimento mensal enquanto Chefe da … a sua única fonte de rendimentos, pelo que, para além da prova documental que se encontra junta ao processo, é um facto notório, que enquanto funcionário público, o Devedor não teria como ocultar ou dissimular os seus rendimentos decorrentes do pagamento deste vencimento mensal e, bem assim, de qualquer reembolso de IRS, o que aqui se não pode deixar de invocar;

- Na senda do que antecede, e face ao que se estabelece no nº 3 do artigo 674º do CPCivil, não se pode deixar de invocar que no douto Acórdão recorrido se refere que «Assim, impõe-se concluir que, sem motivo razoável, foi o devedor que incumpriu as obrigações a que estava adstrito, o que motiva que a exoneração seja recusada, como decorre do disposto na 2ª parte do nº 3 do artigo 243º do CIRE, sendo, por isso de manter a decisão recorrida», sendo que tal subsunção jurídica não encontra sustentação nem na matéria de facto assente, nem mesmo na prova documental que foi efectivamente produzida, pois que o Devedor nunca foi notificado nem pelo fiduciário nem pelo Tribunal em relação aos seus rendimentos, nem o subsídio de Natal, nem o reembolso do IRS ou qualquer outro, pelo que nunca deixou de cumprir em relação ao fiduciário ou a quaisquer despachos do Tribunal que lhe tivessem sido notificados, nem sequer demonstrou qualquer falta de interesse em relação ao procedimento destinado à exoneração do passivo restante, tendo-se disponibilizado para entregar todas as quantias que se viessem a apurar em relação ao subsídio de Natal e de reembolso de IRS;

- Por fim, a questão fundamental de direito que se coloca, e à qual urge dar resposta, pela oposição de Acórdãos, é a de saber se a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante ainda não concedido se basta com a constatação da existência de um qualquer prejuízo face ao que se estabelece na alínea a) do nº 1 do artigo 243º do CIRE;

- No douto Acórdão recorrido refere-se a este propósito que «Como é obvio, não tendo o recorrente entregue ao fiduciário a totalidade das quantias a que estava adstrito, contrariamente ao que deveria fazer, com isto prejudica a satisfação, ainda que parcial, dos créditos da insolvência, com isso prejudicando os seus credores - cf. Artigo 243º nº 1 al. a), in fine do CIRE, o que impõe a manutenção da decisão recorrida, por conforme com os preceitos legais aplicáveis...», impondo-se invocar a este propósito que da matéria de facto assente nada foi dado como provado em relação ao prejuízo que alegadamente foi causado aos credores, o que aqui se não pode deixar de invocar;

- Do exposto decorre que no Acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante ainda não concedido se basta, para efeitos do que se estabelece na alínea a) do nº 1 do artigo 243º do CIRE, com um qualquer prejuízo, que não carece de ser relevante, para a satisfação dos créditos;

- Porém, o mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, pronunciando-se a este propósito no âmbito do processo n2 3112/13.7TJCBR.C1, por acórdão proferido em 07.04.2016, entendeu que a cessação antecipada da exoneração do passivo restante prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 243º do CIRE se mostra dependente da existência de um prejuízo relevante, pressuposto indispensável para que se possam considerar preenchidos os requisitos legais de que depende tal cessação, pois que «...a lei não se satisfaz como atrás dissemos para a cessação antecipada da exoneração do passivo restante com a conduta do Insolvente, exigindo que do seu incumprimento tenha resultado prejuízo relevante para os credores»; pode deixar de ser, para efeitos do que se estabelece na alínea a) do nº1 do artigo 243º do CIRE, um prejuízo relevante;

- É, pois, indubitável a divergência existente entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, seja o proferido no processo nº 3112/13.7TJCBR.C1, como no processo nº 978/12.1TBSTR.E1, quanto aos pressupostos de que depende a interpretação e a aplicação do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 24º do CIRE, em relação ao prejuízo causados aos credores para efeitos da cessação antecipada da exoneração do passivo restante, o que aqui se não pode deixar de invocar.

Não foram apresentadas contra alegações.

Por decisão singular da Relatora, foi proferida decisão a revogar o Acórdão impugnado, vindo agora a Recorrida C, LDA, reclamar para a Conferência, nos termos do artigo 652º, nº3, aplicável ex vi do disposto no artigo 679º, este como aquele do CPCivil, solicitando que sobre a mesma recaia um Acórdão, invocando, em apertada síntese a seguinte fundamentação:

- A decisão sumária produzida, era inadmissível, uma vez que se não verificam os requisitos para a sua prolação, porquanto a mesma não revestia a simplicidade aludida no artigo 656º do CPCivil.

- Por outro lado a decisão proferida enferma de uma errada interpretação e aplicação das regras de direito, uma vez que o devedor não cumpriu as obrigações que lhe foram impostas quanto à entrega do rendimento disponível.

- Apurou-se que o Insolvente agiu dolosamente ou com grave negligência, tendo violado as obrigações impostas pelo artigo 239º do CIRE, tendo prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.

II Na decisão singular a Relatora produziu a seguinte fundamentação:

«[A] única questão a resolver no âmbito da presente Revista é a de saber se estão ou não verificados os requisitos para a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, tal como se concluiu no Aresto sob censura.

As instâncias deram como assentes os seguintes factos:

. No âmbito do processo de insolvência de L, foi liminarmente admitido, por despacho proferido a 8.01.2014, o pedido de exoneração do rendimento indisponível por este formulado, e determinado que o rendimento disponível do devedor objeto da cessão seria integrado por todos os rendimentos que lhe adviessem com exclusão do correspondente ao montante de um salário mínimo nacional que em cada momento vigorasse, acrescido das despesas referentes ao exercício da sua atividade profissional.

2. Por requerimento de 25.03.2015, o devedor veio requerer, face à amplitude com que a questão da determinação do rendimento disponível fora resolvida, que se fixasse «o montante de € 1.000,00 a serem excluídos do rendimento disponível para efeitos de cessão aos credores, por ainda assim estes credores ficarem com um rendimento disponível de € 680,00».

3. Por despacho proferido a 4.06.2015 foi fixada a medida do rendimento indisponível, aqui se incluindo as despesas necessárias para o exercício da sua atividade profissional, em dois salários mínimos nacionais.

4. No referido despacho deu-se como provado que o requerente auferia um vencimento mensal líquido de € 1.680,35.

5. Tendo-se feito constar da respetiva fundamentação que «Assim, e tendo em conta as referidas despesas necessárias ao exercício da atividade profissional, considera-se ajustada a alteração do rendimento indisponível, no seu todo, para o montante de € 1.000,00, conforme pretendido pelo devedor – o que, como este observa, sempre permitirá a cessão aos credores de um montante mensal de € 680,00, superior a 1/3 dos seus rendimentos mensais, e ainda a cessão da totalidade da quantia auferida a título de subsídio de férias».

6. O processo de insolvência foi encerrado no dia 31.11.2015, tendo nessa data tido início o período de cessão do rendimento disponível.

7. Do 1.º relatório do fiduciário, apresentado em 20.01.2017, e notificado aos credores mediante correio eletrónico nessa mesma data, consta a seguinte informação sobre os rendimentos auferidos e cedidos:

Mês/Ano            Valor auferido Valor cedido

Janeiro/2016     € 1.662,68           € 820,81

Fevereiro/2016                € 1.532,99

Março/2016       € 1.579,46           € 391,53

Abril/2016           € 1.582,55           € 394,62

Maio/2016          € 1.566,17           € 378,24

Junho/2016        € 2.706,53           € 1.518,60

Julho/2016         € 1.509,04           € 321,11

Agosto/2016      € 1.400,04           € 224,11

Setembro/2016               € 1.383,20           € 207,27

Outubro/2016   € 1.261,76           € 86,83

Novembro/2016              € 1.504,01           € 329,08

Dezembro/2016              € 1.619,68           € 331,65

Totais    € 19.308,11         € 5.003,85

8. Do 2.º relatório, apresentado em 23.02.2018, e notificado pelo fiduciário aos credores mediante correio eletrónico nessa mesma data, consta a seguinte informação sobre os rendimentos auferidos e cedidos:

Mês/Ano            Valor auferido Valor cedido

Janeiro/2017     € 1.375,54           € 203,58

Fevereiro/2017                € 1.385,85           € 213,89

Março/2017       € 1.464,96           € 293,00

Abril/2017           € 1.463,96           € 292,96

Maio/2017          € 1.464,96           € 293,00

Junho/2017        € 2.547,86           € 1.375,90

Julho/2017         € 1.476,96           € 305,00

Agosto/2017      € 1.430,09           € 258,13

Setembro/2017               € 1.486,43           € 314,47

Outubro/2017   € 1.397,85           € 225,89

Novembro/2017              € 2.026,39           € 165,86

Dezembro/2017              € 1.480,43           € 308,47

Janeiro/2018     € 1.390,39           € 230,39

Totais    € 20.391,67         € 4.480,54

9. O devedor recebeu € 2.037,05 de reembolso de IRS relativo ao ano de 2016.

10. Não comunicou ao fiduciário ou ao Tribunal que havia recebido este montante.

11. Por requerimento apresentado a 16.04.2018, o credor C, Lda. requereu a cessação antecipada do procedimento de exoneração.

Vejamos.

Dispõe no artigo 243º do CIRE (Cessação antecipada do procedimento de exoneração) o seguinte:

“1. Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:

a)o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;».

In casu, o credor C, Lda requereu a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante relativo ao devedor, aqui Recorrente L, porquanto o mesmo no ano de 2017 e Janeiro de 2018 o devedor cedeu valor inferior ao estipulado, resultando numa diferença de € 1.816,83; por outro lado, no relatório do fiduciário não é feita qualquer menção relativamente ao montante recebido ao título de reembolso de IRS relativo ao de 2016, tudo indicando que o insolvente ocultou rendimentos que auferiu; e no ano de 2016 o devedor cedeu quantia inferior à que deveria ter cedido em montante de € 1.583,73, concluindo que existe violação dolosa dos deveres do devedor, nos termos do supra apontado segmento normativo.

O Acórdão em tela concluiu pela bondade do peticionado com a seguinte argumentação:

«[E]stipulando-se no artigo 239.º, n.º 4, al. a), do CIRE que o devedor, durante o período da cessão, está obrigado a não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado.

Sendo que outra das obrigações que sobre si impende é a de entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.

Ora, o que sucedeu in casu foi que o devedor – aqui recorrente – incumpriu a obrigação de entrega da totalidade dos rendimentos que obteve do seu trabalho, sem que tal não entrega se mostre justificada.

Assim, impõe-se concluir que, sem motivo razoável, foi o devedor que incumpriu as obrigações a que estava adstrito, o que motiva que a exoneração seja recusada, como decorre do disposto na 2.ª parte do n.º 3, do artigo 243.º, do CIRE, sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

Como é óbvio, não tendo o ora recorrente entregue ao Fiduciário a totalidade das quantias a que estava adstrito, contrariamente ao que deveria fazer, com isso prejudica a satisfação, ainda que parcial, dos créditos da insolvência, com isso prejudicando os seus credores – cf. artigo 243.º, n.º 1, al. a), in fine do CIRE, o que impõe a manutenção da decisão recorrida, por conforme com os preceitos legais aplicáveis, como resulta do excerto que se passa a transcrever, que reafirma o antes exposto e com o que, por isso, se concorda:

“Ora, ao devedor advieram ao longo de 2017 e janeiro de 2018 rendimentos no valor de € 22.428,72 (€ 20.391,67 + € 2.037,05), pelo que deveria ter cedido € 7.900,72, e apenas cedeu € 4.480,54, estando por isso em falta o montante de € 3.420,18.

Justifica o devedor a diferença entre os valores mensais efetivamente cedidos e o montante que excede os dois salários mínimos nacionais invocando, como vimos, que no despacho que fixou a medida do rendimento indisponível que apenas se determinou a cessão da totalidade da quantia auferida a título de subsídio de férias, mas já não da auferida a título de subsídio de Natal, que assim se deve considerar excluída da cessão.

Salvo o devido respeito, o despacho em causa não comporta a pretendida interpretação, no sentido de prever, ou sequer permitir, a exclusão dos valores auferidos a título de subsídio de Natal do rendimento disponível do devedor. Com efeito, o dito despacho limitou-se a determinar, em complemento do despacho de admissão liminar do procedimento, a medida concreta do rendimento disponível, para além da qual todos os rendimentos que o devedor viesse a auferir, a qualquer título, deveriam ser objeto de cessão.

É certo que na respetiva fundamentação se mencionou que, com aquela medida, se permitia a cessão da totalidade da quantia auferida a título de subsídio de férias, nada se mencionando quanto ao subsídio de Natal. Porém, a menção ao subsídio de férias deve-se apenas ao facto de este, ao contrário do subsídio de Natal, não estar a ser pago ao devedor em duodécimos. O subsídio de Natal, sendo pago em duodécimos, incorporava-se no vencimento mensal líquido, de cerca de € 1.680,00, tido em consideração pelo devedor quando requereu a fixação da medida do rendimento disponível em € 1.000,00 de modo a permitir que os credores ficassem «com um rendimento disponível de € 680,00». Apenas com esse fundamento se compreende a parte do aludido despacho em que se menciona que, ao deferir-se a pretensão do devedor, se «permitirá a cessão aos credores de um montante mensal de € 680,00, superior a 1/3 dos seus rendimentos mensais, e ainda a cessão da totalidade da quantia auferida a título de subsídio de férias».

Também não se afigura igualmente minimamente razoável a tese, sustentada pelo devedor, de que o reembolso de IRS relativo ao ano de 2016 estaria, sem mais, subtraído dos rendimentos sujeitos a cessão. Não obstante este reembolso configurar a devolução de imposto excessivamente retido durante o ano de 2016, não deixa de ser um rendimento, proveniente do trabalho, e que deve estar sujeito a cessão na medida em que exceda o rendimento indisponível. Como o devedor auferiu rendimentos mensais superiores ao seu rendimento indisponível ao longo de todo o período de cessão decorrido, todo o valor de IRS reembolsado integrava o rendimento disponível do devedor, estando por isso sujeito a cessão.

Atendendo a que o despacho que fixou o rendimento indisponível mais não visou do que deferir a proposta apresentada pelo devedor, no sentido de ceder aos seus credores a quantia mensal de € 680,00, nos quais se incluía os duodécimos de subsídio de Natal, parece-me legítimo concluir que o devedor sabia que devia entregar este último valor - ou, quanto muito, que teria dúvidas quando a tal dever que não quis, deliberadamente, esclarecer. O mesmo se diga relativamente ao reembolso de IRS, que o devedor não comunicou sequer ao fiduciário ou ao Tribunal, certamente com a intenção de evitar a respetiva cessão.

Destarte, conclui-se que o devedor incumpriu dolosamente a obrigação de entrega de parte do seu rendimento disponível, e que com tal incumprimento causou um prejuízo aos credores, justificativo da cessação antecipada do incidente, nos termos dos arts. 239.º, n.º 4, e 243.º, n.º 1, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Assim, reitera-se, é de manter a decisão recorrida.».

Veja-se que a manutenção da decisão recorrida assim efectuada, arrima-se na circunstância constatada de que houve incumprimento da entrega de quantias ao fiduciário, por banda do Recorrente, remetendo-se subsequentemente para a fundamentação daquela que se limita a concluir que o incumprimento foi doloso e que o mesmo causou prejuízo aos credores, sem contudo basear as aludidas asserções em quaisquer actuações comportamentais consubstanciadoras daqueles dois requisitos, cfr Carvalho Fernandes, João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2ª edição, 914/916.

De um lado, não se mostra apurado que o comportamento do Recorrente tenha sido voluntariamente encetado, isto é, que tenha querido violar as imposições que lhe foram cominadas e consequentemente a Lei; de outro, que igualmente o tenha feito, voluntária e consciente, com a intenção de prejudicar os credores, máxime, o Requerente, aqui Recorrido, de onde se possa extrair tal conclusão.

É óbvio que esses elementos, um subjectivo (o dolo do devedor) e outro objectivo (o prejuízo relevante para os credores), têm de estar devidamente enunciados e provados, tal como se concluiu nos Acórdãos em oposição.

Assim, sem embargo de podermos constatar que o Recorrente incumpriu determinados deveres, ao não entregar ao fiduciário parte do seu rendimento, o apontado incumprimento não é susceptível de gerar, a se, a cessação antecipada requerida, porquanto esta pressuporia um comportamento doloso daquele, que tivesse sido causa de um dano relevante para os seus credores, e o nexo de imputação deste à conduta daquele, o que manifestamente se não encontra demonstrado. 

Procedem, pois, in totum, as conclusões de Revista.

III Destarte, revoga-se a decisão plasmada no Acórdão sob censura e consequentemente a decisão de primeiro grau, declarando-se improcedente o pedido de cessação antecipada da exoneração do passivo restante.».

As razões que sustentaram a decisão supra extractada não se mostram toldadas pela reclamação agora encetada pela Recorrida, pelo que desde já afirmamos ser a mesma de manter.

Adianta-se, contudo.

Assistia à Relatora toda a legitimidade para nos termos do normativo inserto no artigo 656º do CPCivil, produzir, como produziu a decisão singular agora posta em crise, por um lado porque a própria Lei lhe permite tal procedimento se assim o entender possível, nomeadamente se o recurso for manifestamente infundado, o que foi e é o caso dos autos, para além de, nos Acórdãos em oposição carreados para os autos serem bem expressivos quanto à necessidade de alegação e prova do incumprimento doloso por banda do devedor por forma a causar prejuízos ao(s) credor(es).

Daqui decorre, que, por um lado, inexistiu qualquer afronta ao dispositivo legal inserto no artigo 656º do CPCivil, como defende a Reclamante e por outro lado, não se efectuou qualquer má interpretação da regras de direito, máxime, no que tange aos requisitos mencionados no artigo 239º do CIRE,  cfr Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito Da Insolvência, 7ª edição, 390/391.

Situação diversa será a não conformação da Reclamante com a decisão proferida, o que é por demais legítimo, embora no nosso entendimento lhe faleça de todo em todo a razão, soçobrando assim a tese por si esgrimida.

III Destarte, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão singular, declarando-se improcedente o pedido de cessação antecipada de exoneração do passivo restante.

Custas pela Reclamante, com taxa de justiça em 3 Ucs

                                                                             *

Desentranhem-se e entreguem-se à Reclamante os documentos juntos com Reclamação, por inoportunos, tendo em atenção o disposto no nº1 do artigo 651º do CPCivil.

Custas do incidente porque anómalo pela Reclamante, com taxa de justiça em 2 Ucs.

Lisboa, 9 de Abril de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho