Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1052/09.3TBAMD-C.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INFLAÇÃO
DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A indemnização é um dos pressupostos da expropriação, que faz extinguir o direito de propriedade da titularidade do expropriado e a sua constituição, ex-novo, na esfera jurídica da entidade expropriante.

II - Na atualização do valor calculado pelos peritos avaliadores, para fixação da indemnização, tendo em conta os índices de preços no consumidor excluindo a habitação, é entendimento unânime que devem ser ponderadas as flutuações do valor da moeda de modo a proteger o expropriado contra o fenómeno da desvalorização, compensando-o do dano decorrente da depreciação do montante indemnizatório, decorrente da inflação que se verificou no período em causa (desde a DUP até ao pagamento).

III - A justa indemnização, em matéria de expropriação, visa apenas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, devendo o expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, sendo que deve ser atualizada porque se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública.

IV - O critério legal de atualização encontrado, pelo legislador, foi o da evolução do índice de preços no consumidor, entendendo-se que possibilita a efetiva atualização da indemnização decorrente da expropriação, dado que reflete de modo tendencialmente exato as alterações do valor dos bens no mercado.

V - Nos termos do art. 24, nº 1, do Cód. das Exprop., o montante da indemnização só é calculado e fixado à data da decisão final, tendo por base o valor do bem, à data da DUP, indicado pelos peritos no seu laudo e, atualizado de acordo com a evolução de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

VI - Em processo de expropriação por utilidade pública, “o quantum indemnizatório” a prestar ao expropriado, só existe definido à data da decisão final, tendo em conta o valor do bem de acordo com a evolução do índice de preços e por referência ao valor base que tinha à data da DUP.

VII - O expropriado na data da decisão final  onde se fixa a indemnização, deve ter um poder de aquisição correspondente ao que tinha à data da DUP e, esse poder aquisitivo coincide nos dois momentos quando aplicada, à atualização do montante calculado face à avaliação dos peritos, a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

VIII - Se na atualização fossem excluídos os períodos de inflação negativa (deflação) o poder de aquisição na data da decisão final não seria coincidente com o que tinha à data da DUP, mas seria superior, pois que o expropriado receberia um montante com valor real superior ao valor de mercado do bem na data da DUP.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



1 - Nos autos principais de expropriação, de que este recurso é apenso, foi proferida sentença que fixou o valor da indemnização a pagar pela expropriante “EP – Estradas de Portugal, S.A.” - agora, “Infra-Estruturas de Portugal, S.A.” - à expropriada “Alves Ribeiro, S.A.” em € 11.695.532,00.

2 - Desta sentença, foram interpostos recursos pela expropriante e pela expropriada.

3 - Por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Janeiro de 2019, foi julgado improcedente o recurso interposto pela expropriante “EP – Estradas de Portugal, S.A.”; e julgado parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada “Alves Ribeiro, S.A.”, tendo sido mantido o valor da indemnização fixado na sentença recorrida e decidido: “deverá a atualização da indemnização ser feita até à notificação do despacho para o levantamento da quantia depositada, passando a incidir a atualização, daí em diante, sobre a diferença entre o montante fixado na sentença final e o montante já disponibilizado”.

4 - Por despacho proferido em 25/03/2019, foi determinada a notificação da entidade expropriante para depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes, nos termos do art. 71º, nº 1 do Código das Expropriações (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, doravante designado por CE).

5 - Em 05/04/2019, a entidade expropriante depositou a quantia de € 4.600.898,61 que, em seu entender, corresponde à quantia em dívida, juntando, em requerimento de 08/04/2019, documento contendo “Cálculo da Atualização da indemnização (art. 24º do CE)”, por si elaborado, e dois documentos emitidos pelo Instituto Nacional de Estatística, onde constam, nomeadamente, os Índices de Preços no Consumidor exceto habitação.

6 - A expropriada veio impugnar o montante depositado, alegando, em síntese útil, que: discorda do cálculo efetuado pela expropriante, colocando em causa a aplicação informática colocada na internet pelo INE; e, o cálculo da expropriante assenta num erro, porquanto considera como valor a atualizar o valor indemnizatório em singelo, deduzido do valor cujo levantamento foi autorizado, e não o valor indemnizatório atualizado até essa data.

7 - Foi notificada a entidade expropriante para responder e apresentar prova no prazo de 10 dias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 72º, nº 2 do CE.

8 - A entidade expropriante veio responder, mantendo o valor por si anteriormente indicado e defendendo que: a plataforma de cálculo disponibilizada pelo INE é utilizada constantemente nas atualizações em processos de expropriação; e, nos cálculos que apresentou, a entidade expropriada subtrai, de forma errónea, o valor fixado na decisão final já atualizada ao valor cujo levantamento foi autorizado, quando o correto seria o de subtrair o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.

9 - Após ser notificada das diligências efetuadas pelo tribunal a quo junto do INE para cálculo por esta entidade dos valores atualizados e respetivos índices de preços no consumidor exceto habitação, veio a expropriada, em requerimento de 13/01/2020, impugnar o montante indicado pelo INE, alegando que: a atualização elaborada pelo INE considera índices negativos da evolução dos preços, o que conduz à redução de um valor total de € 2.647.024,51 da indemnização devida à Expropriada; na atualização das indemnizações devidas em expropriações por utilidade pública não podem ser considerados os índices negativos na evolução do índice de preços no consumidor, pois a aplicação desses índices reduz efetiva e materialmente o valor da indemnização devido aos expropriados, desrespeitando assim a justiça indemnizatória que é devida aos expropriados; concluindo que: “porque no cálculo da atualização efetuada pelo INE foram considerados os índices de evolução negativos, a que correspondeu uma dedução de € 2.647.024,51 ao valor da indemnização devida à Expropriada, haverá que acrescer este valor ao da indemnização atualizada apresentado pelo INE e defendido pela Expropriante (€ 12.699.396,98 – cfr. Requerimento da Expropriante de 08.04.2019). Assim, € 12.699.396,98 + € 2.647.024,51 = € 15.346.421,49.”, sendo este último o valor da indemnização devidamente atualizada.

10 - Por despacho de 07/02/2020, foi decidido o incidente de impugnação do montante depositado previsto no art. 72º, nº 2 do CE, nos seguintes termos:

Decisão quanto à impugnação do montante depositado (artigo 72° do Código das expropriações)

Na sequência do acórdão que fixou, a final, a indemnização pela expropriação, a entidade expropriante veio juntar guia de depósito do montante de 4.600.898,61 euros e, nos termos do artigo 24.° e 71.° do Código das Expropriações, apresentar o cálculo atualizado da indemnização (fls. 1814).

A entidade expropriada veio apresentar discordância quanto ao cálculo efetuado pela entidade expropriante, colocando em causa uma obscura e indecifrável aplicação informática colocada na internet, ainda que pelo INE.

Em segundo lugar, e caso assim não se entenda, o cálculo da entidade expropriante assenta num erro porquanto considera como valor a atualizar o valor indemnizatório em singelo, deduzido do valor cujo levantamento foi autorizado e não o valor indemnizatório atualizado até essa data.

A entidade expropriante respondeu, ao abrigo do artigo 72.°, n°.2 do Código das expropriações, dizendo que a plataforma de cálculo disponibilizada pelo INE é utilizada constantemente nas atualizações em processos de expropriação. Diz que a entidade expropriada, subtrai, de forma errónea, o valor fixado na decisão final já atualizada ao valor cujo levantamento foi autorizado, quando o correto seria o de subtrair o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.


*


Sobre a questão do cálculo efetuado com base no índice de preços ao consumidor, foi determinada a notificação do INE para informar se as ferramentas de cálculo disponibilizadas no sítio de internet permitem obter um resultado fidedigno e para ela própria proceder à atualização do montante indemnizatório.

O INE veio informar que a ferramenta de cálculo permite alcançar um resultado fidedigno, apresentando os resultados dos valores atualizados (fls. 1842 e 1843).

Apesar do lapso do tribunal no despacho quanto à apresentação dos montantes de referência, foi proferido despacho a 22-11-2019 a verificar que o INE apresentou, na atualização que identificou como número 3, um cálculo com a metodologia mais correta, que segue o modelo defendido pela própria entidade expropriante.

Perante a incompreensão da entidade expropriada pelas divergências nos cálculos, o tribunal solicitou novos esclarecimentos, tendo o INE apresentado um cálculo detalhado, concretizando o erro no cálculo efetuado pela expropriada. (fls. 1859 e ss.). Explica que o resultado do cálculo corresponde ao valor apurado.

Em resposta, a entidade expropriante parece assumir a existência do erro no cálculo efetuado, dando razão, nesta parte, ao INE.

Não existem mais diligências que se afigurem necessárias à decisão (artigo 72.° do Código das expropriações).

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 24.° do Código das Expropriações estabelece o seguinte:

1 - O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, (sublinhado nosso).

2 - O índice referido no número anterior é o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.

3 - Nos casos previstos na parte final do n.° 8 do artigo 5.° e no n.° 6 do artigo 13.°, a atualização do montante da indemnização abrange também o período que mediar entre a data da decisão judicial que fixar definitivamente a indemnização e a data do efetivo pagamento do montante atualizado.

Relativamente às questões suscitadas pela entidade expropriada, concluímos o seguinte:

A) Das explicações apresentadas pelo INE (fls. 1843), tendo em conta a simulação da atualização mês a mês ou anual (fls. 1861 verso e ss.), conclui-se pela aplicação de um fator de atualização de 1.01399346344342 para o primeiro período de outubro de 2007 a 2009 e de 1.09581151341848 para o segundo período de abril de 2009 a janeiro de 2019. Concatenando estes cálculos com aqueles efetuados pela entidade expropriante, verifica-se que a mesma utiliza, para o segundo período de abril de 2009 a janeiro de 2019, de um fator de atualização de 1.09811756029510. Tendo em conta o índice de preços no consumidor Continente, excluindo a habitação, consideramos que o fator de atualização correto é aquele que é utilizado pelo INE, pelo que importa fazer a correção do cálculo.

B) Relativamente à segunda questão suscitada pela entidade expropriante, consideramos que a mesma tem razão. Ou seja, o valor de base para o cálculo do segundo montante de atualização não é o valor da indemnização fixada na decisão final mas o valor atualizado à data de abril de 2009, ou seja, o valor de 11.965.532,00 euros, pelo que importa determinar a retificação do cálculo atualizado.

C) De uma forma extemporânea, tendo em conta o prazo previsto no artigo 71.°, n.°3 do Código das Expropriações, a entidade expropriada vem colocar o problema da consideração pelo INE dos índices negativos da evolução dos preços, e que levam a uma redução da indemnização de 2,6 milhões de euros. Ou seja, entende que só devem ser atendidos os índices positivos da evolução dos preços.

Consideramos que, ainda assim, a entidade expropriada não tem razão.

O que o artigo 24.° do Código das Expropriações estabelece é que a indemnização deve ser atualizada à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação. A evolução pode ser positiva ou negativa, não existindo qualquer restrição.

A limitação pretendia pela entidade expropriada não consta da letra da lei e, salvo o devido respeito, não faz sentido.

O que o índice de preços no consumidor pretende refletir na indemnização é o valor atualizado da mesma num determinado momento histórico. E que, em períodos de inflação, aquela inflação seja refletida no capital para que o expropriado não receba menos do que devia. Mas também que, em momentos de deflação (menos frequentes), o expropriado não receba mais do que devia receber.

O sentido da atualização é não prejudicar nem beneficiar, mas colocar na mesma situação que estaria.

Veja-se neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22-09-2010, relatado por João Gonçalves Marques, onde consta o seguinte: 2 - Devendo a atualização processar-se desde a data da declaração de utilidade pública até à decisão do processo (cfr. citado n° 1 do art° 24 do CE), tudo se passa como se em cada momento situado no referido período, o montante da indemnização devesse estar na disponibilidade do expropriado e sujeito, por consequência, aos índices de inflação ou deflação que se forem verificando. In http://www.dgsi.pt/jtte.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d34421fc6e9cbf9880257del0056f5a4POpenDocument

Tendo em conta o que consta do artigo 24.° do Código das Expropriações, o tribunal indefere o requerido.


* * *


Tendo em conta as retificações acima determinadas, consideramos que a atualização da indemnização deve ser feita nos seguintes termos:

Atualização 3

Valor Inicial - Outubro 2007       Valor atualizado - Abril 2009

€11.695.532,00                €11.859.193,00

Fator de atualização: 1,01399346344342

Subtraído ao valor atualizado a abril de 2009, o valor de 3.132.294,40 € entregue igualmente em abril de 2009

€11.859.193,00-6 3.132,294,40 = €8,726,698,60

Valor inicial - Abril 2009       Valor atualizado - Janeiro 2019

€ 8.726.808,60          € 9.563.035,96

Fator de atualização: 1 09561151341848

Daqui resulta que o valor atualizado da indemnização correspondente ao valor fixado na decisão final (11.695.532,00 euros) mais a atualização referente ao período de outubro de 2007 a abril de 2009 (163.661,00 euros) e a atualização referente ao período de abril de 2009 a janeiro de 2019 (836.137,40 euros), o que perfaz o montante de 12.695.330,4 euros.

Concluímos, assim, que, tendo já sido depositado o montante de 8.098498,37 euros, a quantia a depositar pela entidade expropriante é de 4.596.832,03 euros.

Tendo sido depositado o montante de 4.600.898,61 euros, existe um montante depositado em excesso, que deve ser restituído à entidade expropriante.

A impugnação é, assim, improcedente na pretensão formulada pela requerente.”.

11 - Inconformada com esta decisão, a expropriada “Alves Ribeiro, S.A.” veio interpor recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação:

Por todo o exposto, improcede a apelação, sendo de manter a decisão recorrida”.


*


Inconformados com o decidido pela Relação, interpõem recurso de Revista para este STJ a expropriada Alves Ribeiro, SA, e formula as seguintes conclusões:

“1ª O Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão fundamento que aqui se invoca, sobre a mesma referida questão fundamental de direito: na atualização das indemnizações devidas em expropriações por utilidade pública devem ser, ou não, considerados os índices negativos na evolução do índice de preços no consumidor a que se refere o art. 24º, nº 1, do Código das Expropriações? O Acórdão recorrido decidiu que sim, o Acórdão fundamento decidiu que não.

Os dois Acórdãos em oposição foram proferidos ao abrigo da mesma legislação/regime, o Código das Expropriações de 1999 e o CPC de 2013, e sobre a questão em causa não existe jurisprudência uniformizada por este Venerando Tribunal.

2ª A interpretação que deve prevalecer é a que foi sufragada no Acórdão fundamento. As razões que suportam este entendimento são, para além das que aí se referem, as seguintes:

2ª.1 O Acórdão recorrido limitou-se a uma interpretação e aplicação literal do art. 24º, nº 1, do Código das Expropriações, sendo certo que a interpretação e aplicação das normas jurídicas não se pode resumir ao seu teor. De facto, não podem ser considerados os índices negativos na evolução do índice de preços no consumidor, pois a aplicação desses índices reduz efetiva e materialmente o valor da indemnização devido aos expropriados (neste caso em cerca de € 2.700.000), desrespeitando assim a justiça indemnizatória que é devida aos expropriados.

Com aquela interpretação literal, o Acórdão recorrido ignorou e, portanto, desrespeitou os seguintes princípios essenciais que condicionam a interpretação deste art. 24º do Código das Expropriações: (i) o princípio da reparação tendencialmente integral dos danos imputáveis às expropriações por utilidade pública (art. 62º da Constituição); (ii) o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos (arts. 13º e 266º da Constituição), seja no âmbito da relação externa, isto é, a que compara os expropriados com os proprietários não expropriados, seja no âmbito da relação interna, isto é, a que compra os expropriados entre si; (iii) o princípio da (maior) igualdade (possível) dos cidadãos (expropriados e não expropriados) na qualidade de credores indemnizatórios judicialmente reconhecidos (arts. 13º e 266º da Constituição) e (iv) o direito fundamental a uma decisão definitiva de um processo judicial num prazo razoável (art. 20º da Constituição), com a consequente proibição de penalização daqueles que vêm os seus processos judiciais muito para além daquele prazo razoável.

2ª.2 Ao contrário do que se entendeu no Acórdão recorrido, a atualização da justa indemnização devida em expropriações não se limita a repor o poder de compra da justa indemnização fixada (entre a data da declaração de utilidade pública e a decisão final do processo).

Na verdade, a Constituição assegura aos expropriados uma justa indemnização (art. 62º) e a justiça indemnizatória, para além do mais, assenta no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, pretendendo assim colocar o expropriado na situação em que estaria se não tivesse sido expropriado, isto é, na situação em que se encontram os demais agentes económicos proprietários de terrenos que não foram expropriados, que sempre tiveram a disponibilidade dos seus ativos imobiliários, podendo rentabilizá-los no exercício das suas atividades económicas.

Na comparação da situação da Expropriada com a situação desses agentes económicos, importa constatar o seguinte: entre a data da expropriação (2007) e a data em que recebe o valor total da justa indemnização (2020), foi imposta à Expropriada uma situação de dupla indisponibilidade: (i) indisponibilidade dos seus terrenos que foram expropriados, que deixaram de estar adstritos à atividade económica da Expropriante, como estavam e (ii) indisponibilidade do sucedâneo indemnizatório devido por esta expropriação durante aquele período (só em 2020 é que a Expropriada recebeu 2/3 da indemnização que foi fixada).

A solução que resulta do Acórdão recorrido desrespeita esta exigência do princípio da igualdade dos cidadãos (na sua relação externa, a que compara os expropriados com os não expropriados, e na sua relação interna, a que compra os expropriados entre si) e, portanto, toda a imensa doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, que têm vindo a sublinhar ser esse o suporte estruturante das indemnizações devidas em expropriações por utilidade pública.

2ª.3 Inerente à justa indemnização constitucionalmente tutelada, vai a exigência prescrita no art. 1º do Código das Expropriações do “pagamento contemporâneo” da justa indemnização devida: a indemnização, para ser justa, deve ser paga em data próxima daquela em que se inicie a produção dos efeitos expropriativos, isto é, com a declaração de utilidade pública expropriativa dos bens em causa.

Na situação que se nos depara, a declaração de utilidade pública expropriativa é de 2007 e só agora, em 2020 (13 anos depois), é que a Expropriada recebeu o valor total da indemnização que lhe é devida.

Deste modo, (i) porque a pretendida dedução à indemnização devida à Expropriada do referido valor de € 2.647.024 resulta da aplicação dos referidos índices negativos que se foram verificando nestes 13 anos, (ii) e porque a Expropriada não pode ser prejudicada por esta morosidade do procedimento expropriativo e deste processo judicial (13 anos), esses índices negativos não podem ser impostos à Expropriada.

2ª.4 O princípio da proibição do enriquecimento sem causa das entidades expropriantes à custa, precisamente, dos expropriados.

De facto, na eventualidade de serem considerados/ponderados índices de evolução negativos estaríamos perante um verdadeiro enriquecimento sem causa da IP/Estado (acionista único da primeira) à custa da Expropriada, pois a aplicação desses índices negativos, na atualização indemnizatória, determinam uma dedução de € 2.647.024 à indemnização a pagar à Expropriada: as entidades expropriantes, sem razão material suficiente no que às mesmas diz respeito, pagam à Expropriada menos € 2.647.024.

2ª.5 A Expropriada é uma empresa de construção civil, relativamente à qual não se aplica a ratio da evolução dos índices de preços no consumidor do INE que está aqui a ser aplicada, pensada estruturalmente para os particulares, em que no respetivo cálculo entram ‘cabazes de produtos’ como ‘vestuário e calçado’, ‘alimentação e bebidas’, etc..

Estes fatores nada têm que ver com a atividade económica das sociedades comerciais, designadamente das que têm como objeto a construção civil, como a Expropriada.

Assim, porque o regime de atualização prescrito no art. 24º, nº 2, do Código das Expropriações não foi pensado para as situações em que os bens expropriados se integram na atividade comercial e profissional dos agentes económicos expropriados (designadamente, sociedades comerciais), não pode pretender-se a sua aplicação, qua tale, neste tipo de situações.

2ª.6 A Expropriada é uma empresa que, desde 2007 (ano da declaração de utilidade pública desta expropriação), sempre deu lucro (cfr. Doc. nº 2 junto ao Requerimento de 13.01.2020), pelo que se tivesse tido a disponibilidade do valor da indemnização desde 2007 (princípio da contemporaneidade da justa indemnização) teria até rentabilizado esse valor numa medida muito superior à evolução dos índices de preços no consumidor.

Assim, uma empresa que teve a indisponibilidade do valor da indemnização desde 2007 (durante 13 anos) e que durante esses anos, no desenvolvimento da sua atividade comercial, sempre gerou lucros: se a Expropriada tivesse tido a disponibilidade do valor indemnizatório teria gerado mais lucros, teria deixado de recorrer a financiamentos bancários (pelo menos na medida do valor da indemnização), de pagar juros, etc..

2ª.7 Ainda no âmbito do princípio da igualdade, importa comparar a situação da Expropriada, que em 2007 deveria ter recebido o valor total da justa indemnização fixada (princípio da contemporaneidade da justa indemnização face aos efeitos expropriativos), com a situação de qualquer outro agente económico que nessa mesma data tivesse a disponibilidade desse valor e constituísse um depósito a prazo com o mesmo.

Ponderando esta realidade, importa então concluir que se a Expropriada tivesse recebido em 2007 o valor da indemnização fixada e tivesse constituído com esse valor um depósito bancário a prazo, em 2020, na data em que nos encontramos, a Expropriada, de acordo com aquela taxa média anual de 1,87%, teria obtido uma valorização desse valor de 24,31% (1,87% x 13 anos). É esta a gritante violação do princípio da igualdade que importa aqui sublinhar e vincar: pretender impor à Expropriada uma atualização de 0,66%/ano quando todos os agentes económicos puderam obter uma taxa de 1,87%/ano em depósitos a prazo é tratar a Expropriada de forma desigual, é impor à Expropriada, só pelo facto de ter sido expropriada, um tratamento desvantajoso face a todos os que não foram expropriados.

2ª.8 Ao contrário de todos os credores indemnizatórios que vêm o seu crédito reconhecido nos Tribunais (que é a exata situação dos expropriados), a lei não prevê o pagamento de juros moratórios os expropriados a partir do início do processo judicial. Este tópico hermenêutico é decisivo na análise desta questão e na construção da solução mais justa para os Expropriados, pois, também nesta dimensão os expropriados estão a ser prejudicados face a outros cidadãos que tenham créditos indemnizatórios, sendo certo que os expropriados, no contencioso indemnizatório, são credores indemnizatórios.

3ª Se não for acrescida à indemnização atualizada neste processo o referido valor total deduzido de € 2.647.024, deve pelo menos ser acrescido a essa indemnização atualizada no Tribunal recorrido as deduções que foram efetuadas à indemnização pelos índices negativos que se verificaram depois de decorridos 5 anos sobre o início deste processo judicial, isto é, os referidos € 1.882.444,76.

4ª A interpretação dos arts. 24º, nºs. 1 e 2, do Código das Expropriações no sentido que a atualização das indemnizações devidas em expropriações por utilidade pública pretende exclusivamente a correção do valor da indemnização pelo seu poder de compra (evolução do índices de preços no consumidor), devendo assim refletir os índices negativos que se hajam verificado entre a declaração de utilidade pública e o trânsito em julgado da decisão que fixa o valor indemnizatório (com a consequente correção negativa do valor fixado), é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais de propriedade privada e a uma justa indemnização, onde vão envolvidos, designadamente, o princípio da reparação tendencialmente integral dos danos imputáveis às expropriações por utilidade pública (art. 62º da Constituição), o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos (arts. 13º e 266º da Constituição) e o princípio da (maior) igualdade (possível) dos cidadãos (expropriados e não expropriados) na qualidade de credores indemnizatórios judicialmente reconhecidos (arts. 13º e 266º da Constituição).

5ª A interpretação dos arts. 24º, nºs. 1 e 2, do Código das Expropriações no sentido referido na Conclusão anterior, devendo a atualização indemnizatória refletir os índices negativos que se hajam verificado entre a declaração de utilidade pública e o trânsito em julgado da decisão que fixa o valor indemnizatório (com a consequente correção negativa do valor fixado), mesmo os índices negativos que se verificaram depois de decorridos 5 anos sobre o início do correspondente processo judicial, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais e princípios constitucionais referidos na Conclusão anterior e pela violação do direito fundamental a uma decisão definitiva de um processo judicial num prazo razoável (art. 20º da Constituição), de onde resulta a proibição de penalização daqueles que vêm os seus processos judiciais muito para além daquele prazo razoável.

Nestes termos,

Pelas razões que ficaram expostas, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se o Acórdão recorrido e, subscrevendo-se o entendimento perfilhado no Acórdão fundamento, decidir-se que na atualização da indemnização devida à Recorrente por esta expropriação não podem ser considerados os índices negativos na evolução do índice de preços no consumidor (que se verificaram no período total considerado ou, pelo menos, que se verificaram depois de decorridos 5 anos sobre o início deste processo judicial), devendo, nos casos em que o índice é negativo, ser considerada uma variação de zero”.

Junta cópia do acórdão proferido no processo nº 1373/06.7TBMFR.L1-1, que será o acórdão fundamento.

Não foram apresentadas contra-alegações.


*


Foi admitido o recurso nos termos dos arts. 629, nº 2 al. d) do CPC e art. 66, nº 5 do Código das Expropriações.

Foram dispensados os vistos.


*


A matéria de facto relevante para a decisão do recurso é a seguinte:

1 - Por despacho n° 24913-A/2007, de 12/10/2007, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações do Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado no Diário da República, 2a série, n° 208, de 29/10/2007, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes necessários à execução da obra do IC17 - CRIL - sublanço Buraca Pontinha (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação de 24/01/2019 aludido no Relatório desta decisão);

2 - Entre os terrenos cuja utilidade pública foi declarada no despacho aludido em 1. consta a seguinte parcela de terreno: Parcela 5.01 terreno com área a expropriar de 36.266 m2, sita no concelho da Amadora, a confrontar a norte com Estrada …, a sul com Câmara Municipal de …, a nascente com AA e outros e a poente com BB e outro, desanexada do prédio rústico denominado de “Quinta …” descrito na la Conservatória do Registo Predial da … sob o n.° 5337, a folhas 78V do livro B8, inscrito na matriz predial rústica sob o n.°25-D, …, …, com a área total de 51.280 m2 (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação de 24/01/2019 aludido no Relatório desta decisão);

3 – Na data aludida em 1., a propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 5337, a folhas 78V do livro B8 estava inscrita, pela apresentação 10.083, a favor de “Alves Ribeiro Limitada” (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação de 24/01/2019 aludido no Relatório desta decisão);

4 - No dia 27 de Março de 2008, a entidade expropriante tomou posse efectiva da parcela de terreno descrita em 2. (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação de 24/01/2019 aludido no Relatório desta decisão);

5 - A propriedade da fracção expropriada foi adjudicada à entidade expropriante por decisão de 27/02/2009 (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação de 24/01/2019 aludido no Relatório desta decisão);

6 - A expropriada é uma sociedade cujo objecto, entre outras actividades, consiste na promoção imobiliária para venda ou arrendamento, aquisição de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. Acórdão do Tribunal desta Relação de 24/01/2019 aludido no Relatório desta decisão);

10 – A expropriante, na sequência do Acórdão Arbitral proferido no âmbito desta expropriação, depositou à ordem destes autos a quantia de € 8.098.498,37;

11 – Em 5 de Abril de 2019, a expropriante, depositou à ordem destes autos a quantia de € 4.600.898,61”.


*


Conhecendo:

Dispõe o nº 5 do art. 66 do Código das Expropriações que, “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o STJ do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida”.

O recurso vem interposto ao abrigo do disposto na al. d) do nº 2 do art. 629 do CPC que reza:

“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

A recorrente invoca a contradição entre o acórdão recorrido e o proferido no processo nº 1373/06.7TBMFR.L1-1, que será o acórdão fundamento, e alegando como base da contradição o entendimento manifestado no acórdão recorrido de que na atualização da indemnização arbitrada deve ser tida em conta a evolução dos índices de preços do consumidor, considerando “os reais índices (sejam positivos, sejam negativos) verificados ao longo do tempo que medeia entre a primeira e a segunda data” (data da DUP-Declaração de Utilidade Pública e data da decisão final), enquanto no acórdão fundamento, se entendeu que na atualização da indemnização se deve atender aos índices de variação dos preços no consumidor, com exclusão de habitação, mas sendo considerada uma variação de zero sempre que essa alteração tenha valores negativos.

Verifica-se que se encontra preenchido o requisito para a admissão do recurso, o acórdão recorrido está em contradição com aquele outro, sendo ambos os acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do acórdão recorrido não cabia recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal e, não havia sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Assim que deve conhecer-se do objeto do recurso.


*


A questão respeita à interpretação da norma do nº 1 do art. 24 do Cód. das Expropriações, “1 - O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação”. Em concreto, interessa saber se, na atualização do montante calculado à data da DUP, na sequência de expropriação pública, são incluídos todos os índices (positivos e negativos) ou apenas os positivos, isto é, se são tomados em conta apenas os índices de inflação ou, também, os índices de deflação.

A indemnização é um dos pressupostos da expropriação, que faz extinguir o direito de propriedade da titularidade do expropriado e a sua constituição, ex-novo, na esfera jurídica da entidade expropriante.

O critério geral da indemnização por expropriação é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum, valor de compra e venda ou valor real e corrente do bem expropriado, entendido, não em sentido estrito, mas em sentido normativo, isto é, o valor de mercado normal ou habitual, despido de elementos especulativos, conforme art. 23 nº 5, 1ª parte, do Cód. Expropriações.

E também na atualização do valor calculado pelos peritos avaliadores, para fixação da indemnização, tendo em conta os índices de preços no consumidor excluindo a habitação, é entendimento unânime que devem ser ponderadas as flutuações do valor da moeda de modo a proteger o expropriado contra o fenómeno da desvalorização, compensando-o do dano decorrente da depreciação do montante indemnizatório, decorrente da inflação que se verificou no período em causa (desde a DUP até ao pagamento).

A Constituição e a lei ordinária garantem ao sujeito passivo da expropriação uma indemnização, incluindo-se no cálculo do montante a atualização (arts. 62 da CRP, 1310 do Código Civil, 1 e 23 do nº 1 e 24 Cód. Expropriações).

“A indemnização deriva ou funda-se no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos: a indemnização tem por escopo colocar o cidadão que sofreu a ablação resultante do ato expropriativo em posição idêntica à dos demais cidadãos que, nas mesmas circunstâncias, não suportaram esse sacrifício patrimonial.

A indemnização constitui uma compensação pelo prejuízo decorrente para o expropriado do ato de expropriação e visa, de harmonia com o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, colocar aquele em igualdade face aos outros cidadãos que, em situação homótropa, não sofreram a ablação da sua esfera jurídico-patrimonial derivada da expropriação” – Ac. da Rel. de Co. de 20-12-2011, proferido no proc. nº 406/09.0TBSEI.C1.

A justa indemnização, em matéria de expropriação, visa apenas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, devendo o expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, sendo que deve ser atualizada porque se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública e é recebida pelo expropriado em data posterior.

Deve ser justa a indemnização por expropriação, (como todas as indemnizações), como impõe a CRP, no art. 62, nº 2 e só é justa, se na atualização também for adotado um critério justo.

E o critério justo, de atualização, é-nos indicado pelo art. 24, nº 1 do Cód. Expropriações, “de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação”.

O acórdão recorrido faz referência a doutrina com a qual concordamos: “…evocamos na Doutrina as seguintes asserções e Autores sobre a finalidade da previsão legal da aludida atualização:

- “calculado o valor da indemnização por referência ao momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, a atualização tem lugar à data da decisão final do processo, mas por referência ao primeiro dos referidos momentos. Esta atualização, não baseada em situação de mora ou de atraso de pagamento, é estranha aos juros de mora, visando essencialmente proteger o expropriado e ou os demais interessados contra o fenómeno da depreciação da moeda. (…) Tendo em conta o baixo nível de inflação que envolve atualmente a economia portuguesa, por virtude da crise económica e financeira, o relevo deste normativo de atualização é reduzido.” - Salvador da Costa, in ob. cit., p. 159;

- “(…) A razão de ser do preceito é a de confiar ao expropriado uma quantia pecuniária que lhe proporcione um poder aquisitivo coincidente com o que o mesmo possuía à data da publicação da declaração da utilidade pública do seu bem ou direito em Diário da República, ou dito de outro modo, há que repor o equilíbrio indemnizatório que deve existir entre a data da publicação da declaração de utilidade pública, já que é com referência a esta que a indemnização é calculada, e a do trânsito em julgado da decisão final do processo, devendo aquela idealmente corresponder à mesma importância. O risco da depreciação monetária é no caso assumido pela expropriante.” - Francisco Calvão e Fernando Jorge Silva, in “Código das Expropriações – Anotações Adaptadas ao Novo Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1ª ed., 2013, p. 186;

- “A atualização da indemnização não se confunde com os juros de mora. A atualização está relacionada com as flutuações do valor da moeda e visa proteger o expropriado contra o fenómeno da desvalorização; os juros de mora, tal como o nome indica, resultam do atraso no cumprimento da prestação. (…) A norma constante deste artigo visa compensar o expropriado pela erosão monetária provocada pela inflação.” - Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, in “Código das Expropriações (Aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro) Anotado”, Almedina, 2000, p. 133”.

Invoca também jurisprudência vária, mas que apenas se refere à obrigação de atualização da indemnização, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, mas sem que se pronunciem sobre a questão concreta, a de saber se para efeitos de atualização da indemnização contam, também, os índices negativos.

Apenas fazemos referência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, nº 7/2001, de 12 de Julho de 2001, relevante na medida em que distingue no prazo entre a DUP e o efetivo pagamento, o momento da notificação do despacho que autoriza o levantamento da parcela de indemnização depositada, sendo que a quantia levantada se subtrai à indemnização total para efeito de atualização posterior porque, logo que se faculte ao expropriado o respetivo acesso à parcela de indemnização depositada, este, só não querendo é que não obtém a satisfação efetiva (ao menos parcial) do seu crédito.

Sobre a questão concreta em apreço, argumenta-se no acórdão recorrido:

“Na esteira da Doutrina e Jurisprudência acabadas de enunciar, só podemos entender que a atualização consagrada nos nºs 1 e 2 do art. 24º do CE tem o único desiderato de proteger o expropriado contra o fenómeno da depreciação (erosão) da moeda (depreciação esta, que deverá recair sobre a entidade expropriante), sendo tal desiderato obtido através do critério legalmente definido: da evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE.

E, face à enunciada mens legis da previsão da atualização, aquela “evolução” não poderá deixar de significar passar por transformações sucessivas, modificar-se, alterar-se, no fundo, oscilar, como é próprio dos fenómenos cíclicos e sucessivos de valorização/desvalorização da moeda, de forma a que, entre uma primeira data (no caso, a da declaração de utilidade pública) e uma segunda data (no caso, a da decisão final do processo) o valor monetário da quantia fixada como justa indemnização na primeira das referidas datas apresente o mesmo poder aquisitivo aquando da segunda data. Esta igualação só se obtém quando, na evolução dos índices de preços do consumidor, forem considerados os reais índices (sejam positivos, sejam negativos) verificados ao longo do tempo que medeia entre a primeira e a segunda data, porquanto, só assim, se materializa a correção monetária.

Assim sendo, subscrevemos a decisão recorrida, visto que, no cálculo da atualização que realizou, considerou a evolução dos reais índices de preços do consumidor, positivos e negativos, verificados ao longo do tempo”.

“ (…)- quanto à questão sobre o que se deve entender por evolução do índice de preços do consumidor, fórmula utilizada no art. 24º, nº 1 do CE, é jurisprudência dominante que: remetendo o art. 24º, nº 2 do CE para o INE, a determinação do índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, segundo o qual se procederá à atualização do valor da indemnização fixado, por referência à data de declaração de utilidade pública da expropriação, deve essa remissão abranger também o método de aplicação desse índice – cfr., neste sentido, por todos, Ac. do TRC de 11/09/2012, Relatora Sílvia Pires; Ac. TRG 24/01/2019, Relator Jorge Teixeira; e Ac. TRG 26/09/2019, Relatora Helena Melo”.

Por outro lado, entendeu-se no acórdão fundamento: “Ter-se-á, finalmente, em conta, relativamente à atualização do quantum indemnizatório a prestar, o estatuído no art.° 24° do Código das Expropriações, válido para todo o tempo entretanto decorrido e considerando que a mens legis é, para esta circunstância, bem clara: o que se pretende com a norma é garantir que nenhum prejuízo resultará para os expropriados em consequência do decurso do tempo inerente à tramitação do processo de expropriação.

Esta é, sem margem para dúvidas, a interpretação que, obedecendo aos critérios definidos nos três números do art.° 9º do Código Civil, consagra a solução mais acertada à luz dos princípios éticos e dos valores sociais consubstanciados nos art°s 334° e 335° desse mesmo Código”. Indemnização a pagar, acrescida “… dos índices de variação dos preços no consumidor, com exclusão de habitação, mas sendo considerada uma variação de zero sempre que essa alteração tenha valores negativos”.

Vejamos:

O Código das Expropriações, no seguimento do que dispõe o art. 62, nº 2 da Constituição, em vários pontos do seu articulado se reporta à justa indemnização para ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação.

Nos termos do já indicado art. 24, nº 1, o montante da indemnização não é calculado à data da declaração de utilidade pública (DUP) e, a indemnização, assim calculada, deve ser atualizado até à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução dos preços no consumidor.

Nos termos do art. 24, nº 1, do Cód. das Exprop., o montante da indemnização só é calculado e fixado à data da decisão final, tendo por base o valor do bem, à data da DUP, indicado pelos peritos no seu laudo e, atualizado de acordo com a evolução de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

O acórdão fundamento parte do princípio, errado, de que à data da DUP o expropriado tem direito a uma indemnização em montante concreto e, esse montante é que vai sendo atualizado até à decisão final.

Não há uma atualização do “quantum indemnizatório a prestar… válido para todo o tempo entretanto decorrido” (como diz o acórdão fundamento), mas sim, uma atualização do valor do bem expropriado, tendo por base o valor do bem atribuído pelos peritos e por referência à data da DUP (como entende o acórdão recorrido e muitos outros).

Ou seja, em processo de expropriação por utilidade pública, “o quantum indemnizatório” a prestar ao expropriado, só existe definido à data da decisão final, tendo em conta o valor do bem de acordo com a evolução do índice de preços e por referência ao valor base que tinha à data da DUP.

O que está em causa em cada momento, desde a data da DUP até à data da decisão final, é o valor do bem expropriado, valor esse que vai variando de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, sendo que a variação do  valor do bem pode ser para mais ou para menos, consoante ocorra, no período, inflação ou, deflação.

De modo a que o expropriado na data da decisão final  onde se fixa a indemnização, tenha um poder de aquisição correspondente ao que tinha à data da DUP e, esse poder aquisitivo coincide nos dois momentos quando aplicada, à atualização do montante calculado face à avaliação dos peritos, a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

Se na atualização fossem excluídos os períodos de inflação negativa (deflação) o poder de aquisição na data da decisão final não seria coincidente com o que tinha à data da DUP, mas seria superior e, saía do conceito de justa indemnização consagrado no art. 62 da Constituição, quer em vários preceitos do Cód. das Expropriações, pois que o expropriado receberia um montante com valor real superior ao valor de mercado do bem na data da DUP.

Conforme citado no acórdão recorrido,“(…) A razão de ser do preceito [nº 1 do art. 24 do CE] é a de confiar ao expropriado uma quantia pecuniária que lhe proporcione um poder aquisitivo coincidente com o que o mesmo possuía à data da publicação da declaração da utilidade pública do seu bem ou direito em Diário da República, ou dito de outro modo, há que repor o equilíbrio indemnizatório que deve existir entre a data da publicação da declaração de utilidade pública, já que é com referência a esta que a indemnização é calculada, e a do trânsito em julgado da decisão final do processo, devendo aquela idealmente corresponder à mesma importância. O risco da depreciação monetária é no caso assumido pela expropriante.” - Francisco Calvão e Fernando Jorge Silva, in “Código das Expropriações – Anotações Adaptadas ao Novo Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1ª ed., 2013, p. 186;

A atualização, à data da decisão final, do valor base do bem calculado à data da DUP, efetuada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor,  é o critério legal a ser tido em conta, independentemente do que possa ser invocado pelo expropriado relativamente a lucros e investimentos que podia ter feito se tivesse o dinheiro à data da DUP ou se pudesse ter utilizado o bem na sua atividade económica, porque estes critérios  não têm cobertura legal.

E o critério legal do art. 24, nº 1 não ofende qualquer preceito da Constituição.

Refere o Tribunal Constitucional no Ac. de 11 de Janeiro de 2000, no Proc. nº 53/99 2ª Secção que, “No quadro normativo referido (o qual é complementado, no que respeita aos critérios de determinação da indemnização, pelo disposto nos artigos 24º e ss do Código das Expropriações de 1991), a regra contida no nº 2 do artigo 62º da Constituição apenas impõe que a indemnização, calculada com referência à data da declaração de utilidade pública, seja atualizada (no momento da decisão final) de modo a colocar o património do expropriado na situação em que se encontraria caso não tivesse ocorrido a expropriação. Assim, o critério de atualização apenas terá que permitir, como decorrência da norma constitucional, a anulação da depreciação do valor do bem expropriado inerente ao decurso do tempo. A evolução do índice de preços no consumidor possibilita a efetiva atualização da indemnização decorrente da expropriação, uma vez que reflete de modo tendencialmente exato as alterações do valor dos bens no mercado. Consubstancia, desse modo, um critério razoável, adequado, proporcional e justo de atualização da indemnização expropriativa (note-se que, pelo menos em abstrato, são configuráveis variações das taxas no sentido de uma maior ou menor aproximação da taxa de inflação à taxa de juro legal, pelo que, no limite, a atualização de acordo com aquela taxa pode até facultar um valor superior ao que resultaria da atualização de acordo com a taxa legal de juros).

Nessa medida, a norma em apreciação, ao determinar a atualização da indemnização por expropriação de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, não viola o disposto no artigo 62º, nº 2, da Constituição. Na verdade, tal norma concretiza antes uma ideia de justiça efetiva na compensação do particular pelo ato expropriativo”.

A indemnização calculada (na decisão final) com referência ao valor do bem à data da declaração de utilidade pública, deve ter em conta esse valor base de referência, atualizado de modo a colocar o património do expropriado na situação em que se encontraria caso não tivesse ocorrido a expropriação.

Assim, o critério de atualização apenas terá que permitir, como decorrência da norma constitucional, a anulação da depreciação do valor do bem expropriado inerente ao decurso do tempo.

E o critério legal de atualização encontrado, pelo legislador, foi o da evolução do índice de preços no consumidor, entendendo-se que possibilita a efetiva atualização da indemnização decorrente da expropriação, dado que reflete de modo tendencialmente exato as alterações do valor dos bens no mercado.

Face ao exposto temos que há-de julgar-se improcedente o recurso de revista e confirmado o acórdão recorrido.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - A indemnização é um dos pressupostos da expropriação, que faz extinguir o direito de propriedade da titularidade do expropriado e a sua constituição, ex-novo, na esfera jurídica da entidade expropriante.

II - Na atualização do valor calculado pelos peritos avaliadores, para fixação da indemnização, tendo em conta os índices de preços no consumidor excluindo a habitação, é entendimento unânime que devem ser ponderadas as flutuações do valor da moeda de modo a proteger o expropriado contra o fenómeno da desvalorização, compensando-o do dano decorrente da depreciação do montante indemnizatório, decorrente da inflação que se verificou no período em causa (desde a DUP até ao pagamento).

III - A justa indemnização, em matéria de expropriação, visa apenas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, devendo o expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, sendo que deve ser atualizada porque se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública.

IV - O critério legal de atualização encontrado, pelo legislador, foi o da evolução do índice de preços no consumidor, entendendo-se que possibilita a efetiva atualização da indemnização decorrente da expropriação, dado que reflete de modo tendencialmente exato as alterações do valor dos bens no mercado.

V - Nos termos do art. 24, nº 1, do Cód. das Exprop., o montante da indemnização só é calculado e fixado à data da decisão final, tendo por base o valor do bem, à data da DUP, indicado pelos peritos no seu laudo e, atualizado de acordo com a evolução de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

VI - Em processo de expropriação por utilidade pública, “o quantum indemnizatório” a prestar ao expropriado, só existe definido à data da decisão final, tendo em conta o valor do bem de acordo com a evolução do índice de preços e por referência ao valor base que tinha à data da DUP.

VII - O expropriado na data da decisão final  onde se fixa a indemnização, deve ter um poder de aquisição correspondente ao que tinha à data da DUP e, esse poder aquisitivo coincide nos dois momentos quando aplicada, à atualização do montante calculado face à avaliação dos peritos, a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

VIII - Se na atualização fossem excluídos os períodos de inflação negativa (deflação) o poder de aquisição na data da decisão final não seria coincidente com o que tinha à data da DUP, mas seria superior, pois que o expropriado receberia um montante com valor real superior ao valor de mercado do bem na data da DUP.

Decisão:

Face ao exposto acordam no STJ e 1ª Secção Cível em negar a revista e, consequentemente, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23-02-2021

Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta

António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto