Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
52/14.6YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: RECURSO CONTENCIOSO
JUIZ
DELIBERAÇÃO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
INFRACÇÃO CONTINUADA
INFRACÇÃO PERMANENTE
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DA REVISTA
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
DEVER DE PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: ANULADA A DELIBERAÇÃO RECORRIDA
Doutrina:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGO 682.º.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, APROVADO PELA LEI Nº 15/2002, DE 22 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 1.º, 3.º, N.º1, 150.º, 151.º, 192.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 119.º, N.º 2, AL. A) E B).
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 131.º, 168.º, 177.º, N.º1, 178.º.
LEI N.º 35/2014, DE 20-06, QUE APROVOU A LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS, (LGTFP): - ARTIGOS 11.º, 178.º.
LEI N.º 58/2008, QUE APROVOU O ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (EDTEFP): - ARTIGOS 6.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 07-12-2006, PROFERIDO NO P. N.º 4258/06 – 5.ª SECÇÃO, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 08-05-2013, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 47/12.4YFLSB.
-DE 19-02-2013, P. N.º 113/11.3YFLSB.
-DE 14-03-2013, P. N.º 121/00.0TACBR-B.C1.S1.
-DE 21-03-2013, P. N.º 15/12.6YFLSB.
-DE 08-05-2013, P. N.º 158/05.2PTFUN.L2.S1 - 3.ª SECÇÃO, SUMÁRIO ACESSÍVEL IN WWW.STJ.PT JURISPRUDÊNCIA – SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS - CRIME - ANO DE 2013.
-DE 10-04-2014, Pº 37/13.0YFLSB, SUMÁRIO ACESSÍVEL IN WWW.STJ.PT JURISPRUDÊNCIA – CONTENCIOSO - SUMÁRIOS DO CONTENCIOSO – ANO 2014.
-DE 16-12-2014, P. N.º 24/14.0YFLSB, E DE 20-03-2014, P. N.º 96/13.5YFLSB.
-DE 22-01-2015, P. N.º 53/14.4YFLSB.
Sumário :

I - O processo disciplinar relativo aos magistrados judiciais não contempla qualquer norma referente à prescrição do procedimento disciplinar, pelo que, de acordo com o art. 131.º do EMJ, aplicam-se subsidiariamente as normas do EDTEFP, do CP, bem como do CPP e de diplomas complementares.
II - Os processos referenciados no art. 6.º, nº 5, al. a) do EDTEFP, são os processos elencados no nº 4 do art. 6º, ou seja, são «os processos de sindicância aos órgãos ou serviços ou processos de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos ao trabalhador a quem a prescrição aproveita» e o prazo aí referido apenas releva para a suspensão do prazo prescricional.
III - Para efeito de contagem de prazo de prescrição no que à instauração do procedimento disciplinar diz respeito, o que releva é o conhecimento da infracção e não a suspeita da mesma. Dado que o EDTEFP é omisso quanto à contagem do prazo prescricional do procedimento disciplinar público quando esteja em causa uma falta disciplinar permanente ou continuada é, subsidiariamente, de aplicar o art. 119.º, n.º 2, al. a) e b), do CP.
IV - O comportamento da recorrente, entre a data da abertura da conclusão até à data da elaboração da sentença do Proc. X, constitui uma infracção permanente. Há uma só omissão da recorrente (não prolação da sentença) que se protelou no tempo e que apenas cessou com a elaboração da sentença, sendo esta a data em que a infracção se considera cometida, para efeitos de contagem do prazo prescricional.
V - O Conselho Permanente do CSM, no dia em que formalmente tomou conhecimento da infracção, deliberou no sentido de instaurar processo disciplinar. Mas mesmo admitindo uma posição segundo a qual o CSM teve conhecimento da infracção no dia em que recebeu o ofício enviado pelo Sr. Inspector, verifica-se que, entre essa data e a data em que a secção permanente decidiu a instauração do processo disciplinar, ainda não tinham decorrido os 30 dias a que alude o art. 6.º, n.º 2 do EDTEFP.
VI - Em conformidade com o disposto no art. 178.º do EMJ e no art. 192.º do CPTA, o recurso das deliberações do CSM é, em particular, regulado pelas normas contidas nos arts. 150.º a 151.º, do CPTA, que disciplinam o recurso de revista para o STA e, supletivamente, pelo disposto no art. 682.º do CPC. Nestes recursos, o STJ funciona como Tribunal de revista, não sendo possível nesta sede produzir prova testemunhal, encontrando-se fixada a matéria de facto. O STJ, a título excepcional, pode-se imiscuir na matéria de facto quando ocorram contradições ou insuficiências na matéria de facto que inviabilizem uma rigorosa decisão jurídica da causa, conforme dispõe o art. 682.º, n.º 3 do CPC
VII - Resulta da factualidade dada como provada que, por um sr. escrivão, foi aberto termo de conclusão à recorrente, no Proc. X, dois meses depois da ordem dada para o fazer, e que passados mais de 5 anos a recorrente proferiu a sentença. A abertura de termo de conclusão e a entrega física do respectivo processo são factos distintos e, como tal, não podem ser interpretados ou considerados como um único e o mesmo facto.
VIII - Se é certo que, na fundamentação da matéria de facto tanto o Sr. Inspector Judicial no relatório final como a deliberação recorrida assumem que a recorrente “só podia ter na sua posse” o Proc. X, o certo é que tal facto não resulta da matéria de facto provada e era esse o passo lógico que se impunha para que a argumentação jurídica fosse coesa e coerente, ainda que aí se tivesse chegado como decorrência de uma presunção judicial.
IX - Assim sendo, a matéria de facto dada como provada revela-se insuficiente para uma rigorosa discussão do aspecto jurídico da causa – integração do ilícito disciplinar por violação do dever de zelo e violação de prossecução do interesse público e aplicação da pena de multa - devendo a mesma ser ampliada quanto ao facto de se saber se a recorrente teve (ou não) na sua disponibilidade o Proc. X, durante os 5 anos que mediaram entre a abertura da conclusão e a data da prolação da sentença.
Decisão Texto Integral:

AA, Juíza ..., arguida no Processo Disciplinar n.º 2013-251/PD, foi sancionada por acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 17/7/2014, na pena de 10 dias de multa, suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática de uma infração disciplinar, de execução continuada, relativa à violação do dever de zelo e de prossecução do interesse público, de acordo com os arts. 3.º, n.ºs 1, 2, al. a) e e), 3 e 7 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro. Inconformada, veio interpor recurso para o STJ, nos termos dos arts. 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

Pediu que fossem dados por provados os factos alegados no recurso que interpôs e, em qualquer caso, que fosse declarado inválido o ato recorrido.

A – OS FACTOS

Constam da decisão recorrida os seguintes factos considerados como provados (realces nossos):

“1.º - A Exma. Sra. Juíza, Dra. AA, frequentou o 12.º Curso de formação, no Centro de Estudos Judiciários.

2.º - Ingressou na magistratura judicial em 1993.09.14. 

3.º - Após a primeira colocação, como Juiz de Direito Auxiliar, no Tribunal da Comarca de ...,- ºJuízo por deliberação do CSM de 1996.05.31,

4.º - Exerceu funções, sucessivamente, nos seguintes tribunais:

- Tribunal da Comarca do...- º Juízo,     

- Tribunal da Comarca de ... - ....º Juízo,

- Tribunal da Comarca de ... - ...º Juízo,

- Tribunal Cível de... - ....º Juízo,

- Tribunal Cível de ... - ....º Juízo,

- Tribunal Cível de ... - ....º Juízo, por deliberação do CSM de 2005.07.14 (em vigor).

5.º - A Exma. Sra. Juíza, Dra. AA, tem quatro notações de serviço, todas de BOM, a última das quais, por deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 2013.07.15.

6.º - A Exma. Sra. Juíza, não tem outros antecedentes disciplinares.

7.º - Nos autos de ação sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS, a ata da audiência de discussão e julgamento data de 06 de Fevereiro de 2007, tendo a Exma. Sra. Juíza nela consignado: “Ordeno que os autos me sejam conclusos, atento o volume de documentos juntos”.

8.º - A conclusão, aberta pelo, então, Sr. Escrivão de Direito, BB, data de 11 de Abril de 2007.

9.º - Com data de 23 de Julho de 2012, a Exma. Sra. Juíza despachou:

“Conclua no Cittius a fim de juntar decisão”.

10.º - Entre a conclusão, de 11 de Abril de 2007, e a data da sentença, de 23 de Julho de 2012, decorreram 5 anos, 3 meses e 12 dias.

11.º - Os autos da acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS são compostos por 2 volumes, tendo o 1.º volume 186 folhas e o 2.º volume 119, no total de 305 folhas.

12.º - O agendamento da audiência de discussão e julgamento para 06 de Fevereiro de 2007, está apontado na agenda pessoal da Exma. Sra. Juíza, Dra. AA.

13.º - Após ter sido aberta conclusão, em 11 de Abril de 2007, os autos de ação sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS não mais regressaram à secção de processos para serem movimentados.

14.º - Com datas de conclusão posteriores a 11 de Abril de 2007, e descontado o prazo legal de 30 dias, ocorreram outros atrasos na prolação de sentenças, no total de 100, com dilação de 3 dias a 11 meses e 28 dias, conforme os mapas que constituem o anexo I deste relatório/decisão final, retificados nos termos descritos no artigo 14 da defesa.

15.º - Na prolação de despachos saneadores, descontado o prazo legal de 20 dias, ocorreram 58 atrasos, com dilação de 9 dias a 9 meses e 25 dias, conforme os mapas que constituem o anexo II deste relatório/decisão final, também retificados nos termos descritos no artigo 14 da defesa.

16.º - Aquando da colocação da Exma. Sra. Juíza, Dra. CC, como Juíza Auxiliar, em 07 de Setembro de 2011, foram-lhe remetidas 19 ações, anteriormente conclusas à Arguida, com os atrasos registados no mapa que constitui o anexo III deste relatório/decisão final.

Da defesa

17.º - A Arguida apresenta as seguintes ausências ao serviço:

- Ano de 2007: 2 dias interpolados (artigo 10.º, n.º1, Lei 21/85).

- Ano de 2009: 3 dias, sendo 2 seguidos (artigo 27.º DL 100/99 e artigo 10.º, n.º 1, Lei 21/85, respetivamente).

- Ano de 2011: 1 dia (artigo 10.º, n.º1, Lei 21/85) - cf. ofícios do Tribunal da Relação de ... n.º 1073/1.ªSA/25.2 e n.º 455/1.ªSA/25.2, juntos aos autos.

18.º - Pelo menos, desde a sua colocação na Comarca de ..., em Setembro de 2005, que a Arguida é reputada como Magistrada assídua, trabalhadora e empenhada,

19.º - Trabalhando para além do horário normal de funcionamento do Tribunal (entre as 8.00 e cerca das 18.00 horas), aos fins de semana e em período de férias judiciais.

20.º - Desde o ano de 2005, quando foi detetada doença do foro oncológico ao marido, sucederam-se intervenções cirúrgicas e tratamentos de radioterapia e de quimioterapia, complexos e prolongados, até ao seu falecimento, em 25 de Julho de 2008.

21.º - O pai da Arguida faleceu em 18 de Agosto de 2008, após doença.

22.º - Os factos descritos nos pontos 20.º e 21.º afetaram psíquica e fisicamente a Arguida.

23.º - Apesar da factualidade descrita nos pontos 20.º a 22.º, desde, pelo menos, 6 de Fevereiro de 2007, e até 10 de Julho de 2013, a Arguida manteve-se sempre ao serviço, com exceção dos seis dias de ausência, referidos no ponto 17.º.                

24.º - A Arguida, desde 13 de Janeiro de 2006, foi informando o Conselho Superior da Magistratura da sua situação pessoal e familiar,

25.º - … Solicitando apoio para a execução do serviço que lhe era distribuído, conforme o teor dos documentos referenciados nos artigos 37 a 56 da defesa e juntos aos autos:

I. Veja-se, nesta sede, o ofício datado de 13.01-2006, endereçado ao Conselho Superior da Magistratura - Exmº Sr. Dr. ..., Vogal do CSM - dando conta da doença grave que acometera seu Marido, e das dificuldades com que a Magistrada ora Arguida se deparava, quer por via da necessidade de o acompanhar durante a doença e seus tratamentos, quer pela instabilidade emocional e psíquica gerada, e da necessidade de apoio de outro Juiz – Doc. nº 9

II. Vide o ofício datado de 2-06-2008, também endereçado ao mesmo Vogal do CSM, onde voltou a referir as dificuldades pessoais e familiares com que se defrontava, e a necessidade de ser coadjuvada por Juiz auxiliar, para evitar uma situação de colapso do Juízo, apesar de se esforçar para que tal não sucedesse – Doc. nº 10

III. Vide o ofício datado de 11-10-2006, endereçado ao Inspetor Judicial, Dr. ..., em que, além do mais, referia que "(...) como é do conhecimento do Conselho Superior da Magistratura a minha situação pessoal é de grande tensão psicológica, devida a grave doença de meu marido, doença que ainda não se mostra definitivamente esclarecida, o que implica, necessariamente, perturbação no bom desenvolvimento do meu trabalho" e que "(...) neste momento me sinto à beira da exaustão/depressão, o que nada de bom traz para o meu desempenho e para o bom funcionamento do Juízo" – Doc. nº 11

IV. Vide o ofício datado de 18-09-2007, endereçado à Exmª Juíza Secretária do Conselho Superior da Magistratura, onde referiu que “( ... ) não obstante os atrasos verificados neste Juízo, que não melhorou, antes piorou, face à situação que descrevi no meu ofício de 31 de Janeiro de 2006 (que infelizmente se mantém), sendo certo que embora não tenha insistido, por escrito, no aí explanado, tenho da situação dado conhecimento telefónico, e mesmo pessoal, ao Exmº senhor Vogal para o Distrito Judicial de ..., Mmo Juiz ..., tal como dei, verbalmente, conhecimento do estado do Juízo ao Sr. Desembargador ..., Inspetor Judicial" – Doc. nº 12

V. Veja-se o ofício endereçado em 1-10-2007 ao Exmº Inspetor Judicial, Dr. ..., onde se refere que “(...) como é do conhecimento do Conselho Superior da Magistratura a minha situação pessoal é de grande tensão psicológica, devido à grave doença de meu marido, doença que ainda não se mostra definitivamente esclarecida, o que implica, necessariamente, perturbação no bom desenvolvimento do meu trabalho, como é patente na acumulação de serviço que se verifica no Juízo e para o qual tenho alertado o CSM, quer por escrito, quer verbalmente ao Mmo Juiz Vogal (Dr. ...) e mesmo a V. Exª." (...) dada a minha situação pessoal, se está a tornar incomportável, sendo certo que, como tenho vindo a alertar o CSM, me sinto à beira da exaustão/depressão, o que nada de bom traz para o meu desempenho e para o bom funcionamento do Juízo e, ainda, que só não entrei em situação de baixa clínica por saber quais as consequências de tal situação (...)" – Doc. nº 13

VI. Veja-se o ofício datado de 19-10-2007, endereçado à Exmª Juíza Secretária do CSM, onde se peticiona a ponderação da “(…) hipótese de colocar temporariamente neste juízo um auxiliar para recuperação de trabalho em atraso, atenta a minha situação pessoal (...)"- Doc. nº 14

VII. Veja-se o ofício datado de 1-10-2008, endereçado ao Exmº Inspector Judicial, Dr. ..., onde se reitera a situação de exaustão/depressão e se peticiona novamente a colocação de Juiz auxiliar – Doc. nº 15

VIII. Veja-se o ofício endereçado em 26-09-2008 à Juíza Secretária do Conselho Superior da Magistratura, onde se refere que “(…)aproveito para, no seguimento do meu contacto telefónico com o Exm" Vogal desse Conselho, Dr. ..., solicitar que seja seriamente ponderada a colocação neste juízo, temporariamente, de um (a) juiz (a) auxiliar e até que sejam colmatados os atrasos que resultaram do apoio que tive de dar ao meu marido entre Novembro de 2005 (data em que lhe foi detectada doença do foro oncológico) e 26 de Julho de 2008 (data do seu óbito), situação a que acresce o estado psíquico em que necessariamente, fiquei após a morte do meu marido na data supra referida a que se seguiu a morte do meu pai em 18 de Agosto de 2008"-Doc. nº 16

IX. Idêntica solicitação foi endereçada à Exmª Juíza Secretária do CSM, a coberto de ofício datado de 14-10-2008 – Doc. nº 17

X. Veja-se também a esclarecedora exposição endereçada em 2-07-2010 ao Exmº Vogal do CSM, Dr. ...: "Na sequência dos nossos contactos telefónicos e para o habilitar com os elementos necessários para aferir da necessidade de apoio de um colega (auxiliar ou da Bolsa de juízes), venho informá-lo do seguinte:

Como é do conhecimento do CSM, porque fui sempre informando da minha situação familiar e de saúde, em 10 de Novembro de 2005, foi detetado ao meu marido um carcinoma maligno, infelizmente em estado bastante avançado, que obrigou a cirurgia urgente e a dolorosos e incapacitantes tratamentos de rádio e quimioterapia, sendo que, entre Novembro de 2005 e 26 de Julho de 2008, data em que o meu marido faleceu, estive submetida a uma pressão que não é descritível, nem totalmente compreensível para terceiros, pelo que me dispenso de me alongar quanto a ela, mas que abalou seriamente o meu estado psíquico.

Em 26 de Julho de 2008 faleceu o meu marido, como refiro supra, e em 18 de Agosto de 2008 (três semanas depois) faleceu o meu pai, o que veio a agravar muito o meu já débil estado de saúde psíquica.

Apesar de tudo e a fim de evitar atrasos mais graves do serviço deste Juízo e para que a minha substituta legal não ficasse sobrecarregada com diligências e despachos em processos urgentes (que são muitos e complexos), mantive-me a trabalhar sempre, e fui pedindo ao CSM que diligenciasse em colocar um (a) Juiz Auxiliar a fim de me permitir gerir o esforço que um Juízo Cível de ... exige, recuperar a minha saúde psicológica tão abalada e fazer os meus lutos.

Houve algumas tentativas de apoio, que ajudaram um pouco, mas que não foram minimamente adequadas.

Assim, e apesar de chegar diariamente ao Tribunal às 8 horas da manhã e de trabalhar até cerca das 18 horas, não só não foi possível manter o Juízo em dia, como continuei a degradar o meu estado de saúde psíquico e físico, até porque o excesso de trabalho não me tem permitido deslocar-me ao (s) médico (s), ou efetuar os tratamentos médicos necessários, sendo que no dia 30 de Junho passado, em consulta médica, que não foi possível adiar mais, o meus estado de "stress" era de tal modo evidente e a tensão arterial estava tão elevada, que me foi dito que teria de entrar de baixa de imediato.

Informei a médica que não podia entrar de baixa de imediato, atendendo a que neste período que antecede as minhas férias (que se iniciam em 16 de Julho de 2010), tenho marcadas várias diligências urgentes e esta disse-me que assim sendo, e até às férias, terei de reduzir o meu esforço, o quanto for possível, nas férias descansar o máximo que puder e, em Setembro, se me continuar a ser exigido o mesmo esforço em termos profissionais, terei de entrar em baixa prolongada a fim de, de uma vez por todas, tratar da minha saúde, sob pena de vir a ter consequências graves a nível da mesma.

Face a esta situação, caso não sejam tomadas medidas de apoio pelo CSM (seja por colocação de Juiz Auxiliar ou da Bolsa), em Setembro terei de tomar medidas que me permitam tratar da minha saúde, uma vez que tenho direito à mesma.

Para que não se pense que o estado do Juízo está difícil por eu não me esforçar para que assim não seja, informo o seguinte:

Este Juízo Cível tem pendentes (hoje) 3752 processos, alguns deles de grande complexidade, sendo de notar que todos os processos são tramitados e julgados por mim, à exceção das ações ordinárias contestadas em fase de julgamento (e só essas), cujo julgamento e sentença são da responsabilidade do Mmo Juiz de Círculo.

Todos os dias me são conclusos processos às dezenas (remeto cópia das listas entre 24-06-2010 e hoje, a título de exemplo) e tenho de proceder às diligências agendadas (remeto cópia da agenda entre 22 de Junho e o final do ano 2010, para melhor esclarecimento, alertando para o facto de se tratar de um Juízo Cível, sendo que os julgamentos quer das ações declarativas, quer dos procedimentos cautelares, se podem prolongar, e muitos prolongam-se, por várias sessões e, ainda, que a agenda não se mostra fechada, uma vez que entram muitas providências cautelares que têm de ser agendadas e que, necessariamente, haverá que marcar continuações de julgamentos), sendo que entre Setembro de 2005 e esta data elaborei 3.058 sentenças.

Informo que já estou a agendar julgamentos para o ano de 2011 e tenho já julgamentos marcados até 24 de Março de 2011, importando esclarecer que a sala de audiências tem de ser partilhada e que disponho de sala às terças-feiras de manhã, quartas-feiras todo o dia, quinta-feira de manhã e sexta-feira todo o dia.    

Remeto também cópia da estatística de Maio de 2010, para melhor esclarecimento.

Estando consciente que com a presente exposição não consigo transmitir na íntegra aquilo que se passa neste Juízo, por tal ser difícil de avaliar por quem não pode fazer a análise direta dos factos, pois que, infelizmente, os números são sempre enganadores, e a análise dos mesmos pode gerar e gera grandes injustiças, espero ter contribuído para que V. Er tenha elementos que lhe permitam avaliar da necessidade de, durante o período de um ano, ser colocado um Juiz (Auxiliar ou das Bolsas) a fim de permitir recuperar e colocar em ordem este Juízo, sendo certo que o modo de recuperar este Juízo é de dividir os processos entre mim e esse Juiz, por números, ficando cada um de nós, durante esse período, responsável pelos processos que nos ficarem distribuídos (despacho, diligências e decisões)." – Doc. nº 18

XI. Veja-se igualmente o ofício enviado em 9-02-2011 ao Vogal do CSM, Dr. ..., onde se refere que "(...) como é do conhecimento do CSM sempre pugnei para que fosse colocado um (a) Juiz (a) auxiliar por um período suficiente para recuperar os atrasos deste Juízo, período esse que seria de um ano judicial.

A provar que estava certa está o facto de que só quando esteve colocada neste Juízo a Sr Dr ..., que tinha distribuído o serviço relativo a metade da Secção, foi possível recuperar alguns atrasos, sendo certo que com a saída da mesma Mma Juíza voltei a ter a, meu cargo todo o serviço do Juízo (devendo esclarecer que sou a única Juíza dos Juízos Cíveis de ... que está nessa situação), sendo-me impossível (porque é humanamente impossível) manter o trabalho em dia e muito menos recuperar atrasos (...)" – Doc. nº 19

XII. Em 10-05-2013, a Magistrada ora Arguida e a Exmª Colega, Drª CC (Juíza Auxiliar) enviaram e-mail endereçado ao Exmº Vogal do CSM, Dr. ..., dando-lhe nota das consequências nefastas para o serviço, face à extinção do lugar de Juiz Auxiliar – Doc. 20

XIII. Por sua vez, o CSM, em inúmeras comunicações endereçadas à Magistrada Arguida, revelou ter conhecimento da situação por ela descrita e suas consequências.

XIV. Veja-se, a propósito, o ofício de 31-01.2006, que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 26 de Janeiro de 2006, onde refere o conhecimento da “(…) acumulação de serviço no ...° Juízo Cível (...)de ..., e determina a afectação de um Juiz, para auxiliar o serviço pendente no ...º Juízo Criminal de ... e na elaboração de saneadores, no ...º Juízo Cível de ..., até 17 de Fevereiro do mesmo ano – Doc. nº 21

XV. Veja-se o ofício do CSM de 20-11-2007, que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 20-11-2007, onde, aludindo-se à Magistrada Arguida, se menciona expressamente o conhecimento “(...) da situação pessoal que vive (acompanhamento de cônjuge com problemas de saúde) e do volume de processos para saneador e sentença já acumulados (102, dos quais 16, respeitam a sentenças em ações contestadas e 49 a saneadores em ações com processo ordinário: Setembrol2006 - 3; Outubrol2006 - 8; Novembrol2006 - 7; Dezembrol2006 - 8; Janeirol2007 - 8; Fevereirol2007 - 5; Marçol2007 - 7; Abri/12007 - 17; Maiol2007 - 13; Junhol2007 - 20; Julhol2007 - 06), importa tomar medidas que obstem a que a situação descrita se torne patológica (…)" – Doc. nº 22

XVI. Veja-se o ofício do CSM de 7-03-2008, que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 4-03-2008, onde se alude ao conhecimento da Informação do Exmº Vogal do CSM e da posição assumida pelo Exmº Inspetor Judicial Dr. ..., ambas sobre a situação do ...º Juízo Cível de ... – Doc. nº 23

XVII. Veja-se o ofício do CSM de 25-11-2008, que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 13-11-2008, onde se refere que una sequência dos graves problemas pessoais vividos pela Exmª Juíza AA, o juízo em que esta exerce funções (...° Juízo Cível de ...) apesar dos seus esforços, apresenta uma situação que poderia justificar a presença temporária de um juiz auxiliar:« Doc. nº 24

XVIII. Veja-se o ofício do CSM de 25-02-2009, que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 23-02-2009, onde se refere que “(…) em face da clara e completa informação prestada pela Exma Juíza titular do processo, não se vislumbra a existência de necessidade de qualquer intervenção por parte do CSM, que não passe pelo acompanhamento do processo em face da sua data de entrada em Juízo. (...) No que concerne à solicitação da Exma Juíza, irá procurar-se encontrar auxílio complementar ao já em ação. " – Doc. nº 25

XIX. Veja-se o ofício do CSM de 03-03-2011 que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 3-03-2011, bem como da Informação do Exmº Vogal do CSM, Dr. ..., datada de 2-03-2011, onde se refere que "conforme exposição da Exmª Juíza de Direito AA, titular do... ° Juízo Cível de ... (fls. 226), mantêm-se os constrangimentos que têm propiciado uma acumulação do serviço. Aliás, neste Juízo, foi em Setembro colocada uma Exmª Juíza do Quadro Complementar, que até 21.12.2010 dividiu o serviço na proporção de metade com a Exmª Juíza titular, período que inicialmente se teve como suficiente para regularizar o andamento processual. Porém, assim não será.

Perante o apelo da Exma Juíza titular foi solicitado Parecer ao Exmo Inspector Judicial, o qual veio confirmar a necessidade de continuação de uma solução de apoio ao serviço naquele 2° Juízo (...)" - Doc nº 26

XX. Veja-se o ofício do CSM de 5-09-2011, que dá conhecimento do Despacho do Exmº Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 1-09-2011, onde se alude à indigitação das Exmas Juízas de Direito ... e CC, para assegurarem “ (…) a recuperação dos Juízos Cíveis, com particular incidência no 1° e 2° Juízo (...) – Doc. nº 27”

26.º - Em 7 de Setembro de 2011, tomou posse, como Juíza Auxiliar ao ....º Juízo Cível de ..., a Exma. Sra. Juíza, Dra. CC.

27.º - Inicialmente, a divisão de trabalho, entre a Arguida e a Exma. Sra. Juíza, Dra. CC, operou-se através da lista manuscrita de todos os processos existentes no gabinete, elaborada pela Arguida, em 05 de Setembro de 2011, junta com a defesa, sob o documento n.º 1.”

B – O RECURSO

No recurso interposto, a recorrente alega, em suma:

“I. Prescrição.

1.º - Foi a respondente acusada de ser responsável pelos atrasos que se listam nos Anexos I, II e III referidos, respectivamente, nos Art.s 14.º, 15.º e 16.º da acusação

2.º - Entre esses, refere a acusação, o atraso na prolação da sentença no Proc. 2604/03.0TBSCS, entre 11.04.2007 (data da conclusão) e 23.07.2012 (data da sentença).

3.º - Provou-se que entre 11.04.2007 e 23.07.2012 foram recebidas pelo CSM, pelo menos, as seguintes comunicações referindo atrasos da recorrente (cfr. Art. 25.º do Relatório Final).

Comunicação de 18.09.2007 cfr. Art. 40.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 12 aí junto);

Comunicação de 01.10.2007 cfr. Art. 41.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 13 aí junto);

Comunicação de 26.09.2008 cfr. Art. 44.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 16 aí junto);

Comunicação de 19.10.2007 cfr. Art. 42.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 14 aí junto);

Comunicação de 01.10.2008 cfr. Art. 43.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 15 aí junto);

Comunicação de 14.10.2008 cfr. Art. 45.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 17 aí junto);

Comunicação de 02.07.2010 cfr. Art. 46.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 18 aí junto);

Comunicação de 09.02.2011 cfr. Art. 47.º da defesa escrita da recorrente e  Doc. 19 aí junto);

4.º - Atrasos podem ser ilícito disciplinar, portanto, o CSM não poderia deixar de suspeitar que o fossem.

Por isso,

5.º - Em 28.05.2013 o CSM determinou a instauração de um processo disciplinar à recorrente pelos atrasos conhecidos e por outros atrasos que entretanto se viessem a apurar.

6.º O Art. 6.º da Lei 58/2008 de 9 de Setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, que veio a ser revogado pela LTFP (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), estatuía o seguinte (destaques da recorrente):

1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.

2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

[…]

4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável.

5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:

a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e

c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

7.º - Documentam os autos que o CSM, que foi amiúde informado da existência de atrasos em processos distribuídos à recorrente, só em 28.05.2013 ordenou um processo disciplinar para os atrasos que se viessem a apurar, portanto, mais de 30 dias após a sua suspeita dessa ocorrência.

8.º - Amiúde refere o acórdão do Plenário as comunicações que lhe foram dirigidas pela recorrente, designadamente, nas seguintes passagens, que se transcrevem, (destaques da recorrente):

“[…] são atrasos ditos normais para o volume processual a cargo da arguida e para as circunstâncias difíceis da sua vida pessoal que tiveram reflexo no serviço e para os quais a arguida foi alertando o Conselho Superior da Magistratura”

“Os restantes atrasos, como também se salientou não têm relevância disciplinar, quer pela sua dimensão temporal, quer pelas circunstâncias pessoais em que ocorreram, quer pelo conhecimento que foi sendo dado ao Conselho Superior da Magistratura”

9.º - O CSM terá entendido que tendo tido antes conhecimento daqueles atrasos pelas comunicações que lhe foram dirigidas, não teriam relevância disciplinar, igualmente pelas circunstâncias pessoais da respondente.

10.º - Todavia, ainda que entendesse o contrário, as supostas infracções de que já tivesse conhecimento estariam já prescritas.

11.º - Porém, perante os factos que lhe foram sendo comunicados pela própria recorrente, deveria o titular do poder disciplinar ter há muito agido, porque o conhecimento de uns atrasos comunicados pela própria respondente faria razoavelmente suspeitar da existência de outros que haveria de apurar, como o entendeu em 28.05.2013.

12.º - Ainda que se pudesse entender que uma só comunicação sobre atrasos fosse insuficiente para corporizar uma suspeita de infracção disciplinar e por isso esta passasse despercebida, certo é que a oitava comunicação, não poderia ser já ignorada e teria que ter tido uma resposta pelo CSM, em tempo, designadamente, ordenando um processo de inquérito e nomeando um instrutor, nos termos do Art. 6.º n.º 5 a) da Lei 58/2008 de 9 de Setembro.

13.º - É que não cabe ao CSM protelar o momento em que entende suspeitar de um eventual ilícito disciplinar, terá o mesmo de reagir quando lhe são comunicados factos que fazem presumir a sua possível existência, qualquer que seja a sua gravidade.

14.º - Se entende então não agir, não lhe é lícito, perante a surpresa de uma excessiva dimensão temporal de um atraso em particular, dar-se por surpreendido e reagir então, já fora de tempo, por ter já prescrito o direito de agir disciplinarmente.

II. Factos.

15.º - Assim, deverá ser dado como não provado o que se lê no Art. 13.º do relatório final, por a sua redacção induzir em erro ou parecer estar em contradição com o facto provado no Art. 27.º do mesmo relatório.

16.º - A não se entender assim, deverá fazer-se constar, expressamente, da factualidade provada que, excepto no que tange ao dia 05.09.2011, nada se apurou sobre a localização física do processo entre o momento em que foi lavrado o termo de conclusão e a data em que foi proferida a sentença.

17.º - Deverá dar-se por provado que em 06.02.2007, data da audiência de discussão e julgamento do Proc- 2604/03.0TBCSC, foram juntos documentos cuja junção fora ordenada pela anterior magistrada titular do processo, concretamente, um livro contendo 15 actas que haveria de ler, tendo por isso sido proferido o seguinte despacho: “Ordeno que os autos me sejam conclusos, atento o volume de documentos juntos”.

18.º - Em qualquer caso, deverá dar-se por provado tudo quanto consta dos documentos ora juntos ou, pelo menos, o teor integral da estatística CITIUS de 01.11.2008 a 10.07.2014, que se junta como Doc. 3.

19.º - Deverá dar-se por provado o alegado no Art. 62.º da Defesa da recorrente, que só no período compreendido entre 5.11.2008 e 09.01.2014, esta proferiu 23.749 decisões (despachos e sentenças), como melhor se alcança do doc n.º 28 junto com a defesa da recorrente.

20.º - Deverá dar-se por provado, por ser facto conhecido, que na Comarca de ..., as acções cíveis são usualmente mais extensas e complexas do que na generalidade das demais comarcas.

21.º - E à luz de tal quadro factual deverá a decisão disciplinar ser reapreciada.

III. A apreciação dos factos no relatório final.

III.1. Âmbito.

22.º - Na prova dos factos em processo disciplinar a Administração não actua no âmbito da denominada “justiça administrativa” não lhes sendo igualmente permitidos juízos discricionários e insusceptíveis de ser objecto de um juízo de desconformidade em sede contenciosa, vale a regra do in dubio pro reo e nada obsta a que o Tribunal sobreponha o seu juízo ao perfilhado pela recorrida ou pelo instrutor,

23.º - Em especial, e veremos que é o caso, se esse juízo se funda numa mera convicção pessoal do instrutor, inexistindo qualquer documento ou testemunho apto a suportá-la e se essa convicção é formada por suposições que são contrariadas pela factualidade que o próprio instrutor dera como provada.

III.2. Os factos dados por provados e não provados no relatório final.

a) os Art.s 13.º e 27.º do relato dos factos provados do relatório final.

24.º - Considerou provado o Senhor Instrutor que “após ter sido aberta conclusão, em 11 de Abril de 2007, os autos de acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS não mais regressaram à secção de processos para serem movimentados”.

25.º - Considerou igualmente provado o Senhor Instrutor que, em 05 de Setembro de 2011 tal processo não existia no gabinete da recorrente não constando por isso da lista junta pela defesa como Doc. 1 que, é o Senhor Instrutor que o afirma, identifica todos os processos existentes no gabinete.

b) os Art.s 4.º, 5.º e 62.º da defesa.

26.º - Não considerou provado o Senhor Instrutor que o processo não tivesse sido fisicamente disponibilizado à recorrente na data da conclusão ou após essa data.

27.º - Não considerou também provado o Senhor Instrutor que “em 23 de Julho de 2012, a recorrente havia encontrado no seu gabinete aquele processo misturado entre os vários volumes que compunham um outro processo”.

28.º - Nada apurou o Senhor Instrutor sobre a produtividade da recorrente, limitando-se a dar como não provado o por esta alegado no Art. 62.º da sua defesa, assente no documento 28 junto com a mesma defesa.

III.3. A fundamentação da prova.

29. - Fundamentou o Senhor Instrutor essa sua convicção no Ponto V do mesmo relatório, em que sob a epígrafe “ V – Motivação da decisão de Facto” procede à fundamentação de toda a factualidade que deu por provada e não provada, capítulo esse que se passa a transcrever aqui na sua totalidade:

”A convicção do Instrutor baseou-se nas certidões / documentos juntos aos autos; no depoimento do Sr. Secretário de Justiça, BB (cfr. fls. 28-29 dos autos) e nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Arguida (cfr. fls. 70 a 83)”.

30.º - Ora, consultados os autos, não vemos ali qualquer prova documental que seja apta a esclarecer a materialidade dos factos indicados no Art. 13.º do relatório final e 5.º da Defesa e lidos os registos dos depoimentos das testemunhas, ninguém disse fosse o que fosse sobre a mesma materialidade, sequer para afirmar desconhece-la, restando apenas, para prova desse facto, o depoimento do Senhor Secretário que afirma o seguinte a fls. 28 dos autos:

- que não se recorda do processo pois que abria conclusão em dezenas de processos todos os dias, e;

- que após aberta conclusão no mesmo nunca mais o processo regressou à secção para ser movimentado.

31.º - Com este depoimento apenas adquiriu o Senhor Instrutor a convicção de que o processo esteve mais de 5 anos no gabinete da recorrente, excepto no dia 05.09.2011, em que, pelo que o Senhor Instrutor apurou, o processo não esteve nem na secção nem no gabinete.

32.º - Mas nada disto resulta do depoimento, registado por escrito, da testemunha.

33.º - É que para afirmar que certo processo não regressou à secção para ser movimentado basta consultá-lo pela primeira vez; se ali nada consta, é porque não regressou à secção para ser movimentado.

34.º - Mas onde esteve então o processo por mais de 5 anos? Na secção de processos perdido entre os demais onde regressou (embora não para ser movimentado)? Misturado com outro? No Gabinete da recorrente? Ora, isso o Senhor Secretário não soube esclarecer porque, como o disse, não se lembra daquele processo. E, porque disse que se não lembrava, nem faria sentido questioná-lo sobre a localização física do referido processo, ou eventuais ocorrências sobre o mesmo que não estivessem documentadas naqueles autos.

35. º - Neste depoimento do Senhor Secretário nada este esclareceu, ou extrapolou, sobre a localização do processo.

36.º - A prova desse facto obteve-a o Senhor Instrutor por dedução – sigamos então o seu raciocínio no Relatório Final, a fls. 12.

37.º - Refere o Senhor Instrutor que não fez sentido um processo com 305 folhas passar despercebido no meio de outro processo.

38.º - Ora, um processo pode ter vários volumes apensados, e há milhares de processos com vários volumes, sendo os volumes visualmente idênticos e nada tendo que os caracterize, pelo que vai errada esta dedução do Senhor Instrutor.

39.º - Nota ainda o Senhor Instrutor que o processo em que esteve junto fora forçosamente manuseado pela recorrente, o que é verdade.

40.º - Porém, se para emitir um despacho sempre se manuseia o processo, raramente será necessário consultar outros volumes que não aquele em que o despacho é lavrado.

41.º - Por fim, a última e terceira dedução do Senhor Instrutor: se em 5.09.2011 foi redigida uma lista manuscrita de todos os processes existentes no gabinete, esse processo seria localizado nessa data se estivesse no meio de algum outro.

42.º - O Senhor Instrutor presume que o processo estava no gabinete e, por isso, se não foi localizado no meio de outro é porque estava ali, mas não no meio de outro.

43.º - Todavia, também esta presunção não é válida por o mesmo Instrutor ter julgado provado que em 5.09.2011 o processo não estava dentro do gabinete.

44.º - Por fim, censura o Senhor Inspector a recorrente por esta não ter logo ditado para a acta a sentença, visto que esta era extremamente simples, sem porém ter lido sequer a acta da audiência que refere a junção na mesma de um documento que teria que ser lido antes da prolação da sentença, documentos esses cuja junção havia sido ordenada pela anterior juíza titular do processo.

45.º - Foi com convicções apriorísticas contrariadas pelos factos provados que a recorrente veio a ser condenada.

46.º - Neste caso, não há prova alguma sobre a localização física do processo entre 11.04.2007 e 23.07.2012, sabendo-se apenas que em 05.09.2011 o mesmo não estava no gabinete da recorrente.

47.º - Deveria ter-se apurado a produtividade da recorrente, para que algo de útil e fundamentado se pudesse concluir sobre a eventual exigência de conduta diversa por parte da mesma, por não se valorar do mesmo modo um atraso de um processo em 1.000 ou em 100, para o que se juntam as seguintes oito listagens obtidas via citius:

a) Mapa do movimento mensal de Setembro de 2005 a Agosto de 2011;

b) Estatística da Secretaria 01.09.2005 a 10.07.2014;

c) Estatística CITIUS de 01.11.2008 a 10.07.2014;

d) Processos Pendentes a 01.11.2008;

e) Análise das Pendências entre 01.11.2008 e 10.07.2014;

f) Processos Findos entre 01.11.2008 e 10.07.2014;

g) Decisões Proferidas entre 01.11.2008 e 10.07.2014;

h) Distribuição entre 01.11.2008 e 10.07.2014.

IV. Vícios.

IV.I. Erro sobre os pressupostos de facto.

48.º - Como o estabeleceu, há já anos, o Ac. do STA (Pleno) de 17.05.01, in Rec. n.º 40528: “VIII - No âmbito da apreciação da prova coligida no proc. Disciplinar a Administração não detém um poder de fixação dos factos insusceptível de ser objecto de um juízo de desconformidade em sede contenciosa nada obstando que o Tribunal sobreponha o seu juízo de avaliação ao perfilhado pela Entidade Recorrida”.

Ora,

49.º - De tudo quanto foi dito sobre a forma como a prova foi produzida resulta que a decisão forçosamente está viciada por erro sobre os pressupostos de facto, por ser errada a factualidade provada.

Aliás,

50.º - Nem será correcto considerar como “factos provados”, meras conclusões do Senhor Instrutor de que a sentença poderia ter logo sido ditada para a acta, ou as suas dúvidas sobre a localização do processo fora do gabinete, se as constatações de que partiu não autorizavam as ilações a que o mesmo chegou, sendo que o princípio da liberdade de apreciação da prova haverá de conformar-se com o princípio do in dubio pro reo.

51.º - Ademais, porque o processo em causa é isento de qualquer complexidade técnica, valor ou relevância social, que justificasse alguma eventual dificuldade em decidir, numa comarca em que os processos são até habitualmente complexos, sendo aquele processo singular no conjunto dos processos distribuídos à recorrente, quanto ao atraso que se verificou.

52.º - Esta singularidade devia ter sido ponderada em sede probatória, admitindo-se que o atraso no mesmo pudesse ter alguma causa distinta ao comportamento da Magistrada que tramitava os processos, aquele e outros, o que não foi feito, tendo-se o Senhor Instrutor limitado a expressar dúvidas sobre o que lhe fora afirmado na defesa escrita da recorrente, e a produzir ilações.

53.º - Assentando a decisão punitiva em meras ilações das quais não se pode concluir, sem margem para dúvidas, a prática da infracção disciplinar pela qual a recorrente foi condenada, impõe-se concluir que esta não resultou sequer provada.

54º - Como se lê no sumário do douto Ac. STA de 16.10.97, in Rec. nº 031496, no sumário do douto Ac. STA de 16.12.98, in Rec. nº 037808, no mesmo sentido, o sumário do douto Ac. STA de 16.10.97, in Rec. nº 031496. No mesmo sentido, com sumário quase idêntico, o Ac. STA de 19.01.95 no Rec. 031486).

55.º - Do que resulta a anulação da deliberação impugnada com fundamento em tal vício.

IV.II. Vícios de forma (falta de fundamentação).

56.º - A Administração tem o dever de fundamentar os seus actos que afectem os direitos ou interesses legítimos dos administrados – vd. n.º 3 do art. 268º da CRP e art. 125.º, n.º 1 e n.º 2, do CPA.

57.º - Para esclarecer a motivação do acto, necessário se torna que a fundamentação revele claramente o iter lógico do seu autor ao tomar uma decisão com certo conteúdo, com a descrição expressa das premissas em que assenta.

58.º - No caso vertente a fundamentação da deliberação é, em parte obscura, o que determina a nulidade da decisão.

59.º - A deliberação, porque remete, por vezes, para um parecer de que uma vezes diz concordar e outras discordar mas sem indicar sempre as razões que opõe ao referido parecer, não fundamenta a posição assumida, coarctando a possibilidade de compreender o iter cognoscitivo que conduziu àquela decisão, tanto mais que não indica, sequer por remissão expressa, a factualidade que considerou provada - inviabilizando a faculdade de a contraditar eficazmente, do que resulta o anulabilidade da deliberação nos termos do art. 135.º do CPA, como explicado no douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 21.03.2013, no Proc. 93/12.8YFLSB. E, como também se esclarece no sumário de outro acórdão deste Tribunal, da mesma data, proferido no Proc. 136/12.0YFLSB,

 a) … por falta de indicação da factualidade provada (insuficiência).
60.º - A deliberação recorrida inicia-se pela transcrição da defesa da recorrente, a que se segue a transcrição do relatório final do Senhor Inspector, seguindo-se depois um capítulo designado por “II - Fundamentação”.

61.º - A deliberação recorrida não indica os factos provados por remissão para o relatório final.

62.º - Nem os indica por qualquer outro modo,

63.º - Faltando, tão só, a indicação da factualidade tida por provada, falta uma permissão essencial à compreensão do acto no seu todo.

b)… um caso ostensivo de insuficiência da fundamentação.

64.º - Do que acima foi dito, resulta, por exemplo, que se lê no acto recorrido que se concorda com o Senhor Instrutor quando este salienta “no caso concreto, o atraso de mais de cinco anos na prolação de uma sentença “extremamente simples”, quando devia ter sido logo ditada para a acta de audiência e julgamento”.

65.º - Aquele juízo sobre a suposta extrema simplicidade da acção de que resultaria a suposta obrigação de que a sentença fosse ditada para a acta deveria ter algum fundamento fáctico que, bem ou mal, houvesse sido ajuizado.

66.º - Mas não se lê nada na fundamentação fáctica da decisão recorrida ou do parecer que a mesma transcreve que possa ser apto a formular qualquer juízo sobre a simplicidade da acção e/ou sobre a possibilidade de ser logo a sentença ditada para a acta.

67.º - Desta conclusão do acto recorrido, que parte de premissas que o acto não revela e que o parecer de que o mesmo se apropria igualmente, não revela, lê-se no acto recorrido que afasta a atenuação especial da pena e define a gravidade do acto.

68.º - Um aspecto nuclear da decisão, e lesivo para a recorrente, é assim decidido sem que nada se revele à recorrente sobre a fundamentação daquele juízo de que é alvo.

c)… por falta de indicação dos fundamentos da medida de pena.

69.º - Se uma fundamentação congruente implica que os motivos apareçam como premissas donde se extraia, logicamente, a conclusão que é a decisão, então, o acto administrativo expresso de modo contraditório é inválido, porque incongruente, padecendo de vício de forma.

70.º - Consta da douta deliberação: “Tal como o Senhor Inspector e com os mesmos fundamentos, considera-se adequada a aplicação de uma pena de 10 dias de multa”.

71.º - Porém, porque a deliberação do CSM não se apropria desse relatório e rejeita os seus fundamentos, a fundamentação do acto é naquela parte obscura.

Concretizando,

72.º - A decisão não acolhe a proposta do Senhor Instrutor, pois que, dos atrasos que este refere nos pontos 14, 15 e 16 da Parte III do seu relatório, propõe o Senhor Inspector que seja atribuída relevância disciplinar, e uma pena, para o conjunto deles, de 10 dias de multa.

73.º - Ora, o Plenário do CSM rejeita que todos esses atrasos tenham relevância disciplinar, considerando que apenas um o tem.

74.º - A decisão não acolhe a proposta do Senhor Inspector, igualmente, porque a sanção de 10 dias de multa proposta era modelada tendo em conta uma factualidade muitíssimo mais vasta que aquela que foi valorada pelo CSM.

73.º - Ora, se a quadros factuais tão distintos, pela sua extensão, se entende adequada a mesma pena, então os fundamentos de ambas as decisões terão de ser distintos.

74.º - Ao afirmar que são os mesmos (quando se percebe que o não podem ser) e ao limitar-se a remeter para um documento que não pode conter aqueles fundamentos, a fundamentação do acto recorrido padece de uma incongruência que o invalida.

IV.III. Erros sobre os pressupostos de Direito.

Violação do princípio da presunção de inocência.

75.º - Aplica-se em matéria disciplinar a presunção de inocência, reconhecida no art. 32.º, n.º 2, da CRP (neste sentido, Ac.s STA de 19-1-1995, processo n.º 31486; de 14-3-96, processo n.º 28264; de 27-11-2002, processo n.º 125/02; de 18-12-2002, processo n.º 1859/02; de 21-4-2005, processo n.º 142/05; de 28-4-2005, processo n.º 333/05; de 28-1-2009, processo n.º 1030/08, 19/01/95, rec. n.º 031486, de 14/03/96, rec. n.º 028264, de 16/10/97, rec. n.º 031496 e de 27/11/97, rec. n.º 039040, entre outros).

78.º - Num processo sancionatório as dúvidas que possam existir, terão de ser processualmente valoradas a favor do arguido e não contra ele, como vem entendendo uniformemente o STA.

79.º - Como foi já referido, o acto recorrido determinou concordar com o Senhor Instrutor quando este afirmou que “no caso concreto, o atraso de mais de cinco anos na prolação de uma sentença “extremamente simples”, quando devia ter sido logo ditada para a acta de audiência e julgamento” afastava a atenuação especial da pena e definia também a gravidade do acto, tendo sido valorado como tal.

80.º - Mas nada apurou o Senhor Instrutor sobre a simplicidade ou complexidade da acção, valorando contra a recorrente, uma situação fáctica que não apurou, isto é, invertendo o ónus da prova.

81.º - O mesmo sucedendo quanto à localização do processo no gabinete da recorrente por mais de 5 anos, em que nada se apurou mas se valorou a dúvida contra a arguida, invertendo, de novo, o ónus da prova.

90.º - Aliás, mesmo que se entenda das ilações do Senhor Instrutor que este apurou mesmo da possibilidade da sentença ser logo ditada para a acta e até logrou a localização do processo, o que se verifica é que tais ilações são apenas isso, ilações, juízos conclusivos pouco ou nada rigorosos, em que as constatações de que partiram não autorizavam as ilações a que se chegou - a prova dos factos pelos quais a recorrente foi punida disciplinarmente assentou em juízos conclusivos, em meras ilações tiradas pelo instrutor de determinados factos que, só por si, não as comportavam.

91.º - O mesmo é dizer que a fundamentação apresentada para a escolha da pena e para a fixação da respectiva medida revela que a deliberação incorreu em erro relevante, que pode ser conhecido por este Tribunal.

92.º - E, como se refere no sumário do douto Ac. STA de 16.10.97, in Rec. nº 031496, supra-citado, padece, igualmente, de vício de violação de lei, por errado enquadramento legal e ainda por erro sobre os pressupostos de facto, o acto punitivo que qualificou erradamente uma conduta como violadora dos deveres gerais de zelo e de correcção e que assentou também, em factos sobre os quais não é possível formular em juízo de certeza jurídica sobre a sua verificação” (no mesmo sentido, Ac. STA de 19.01.95 no Rec. 031486).

Não exigibilidade de conduta diversa.

93.º - A não exigibilidade de conduta diversa pressupõe a existência de circunstâncias externas à vontade do agente que lhe retirem a possibilidade de se determinar por outro comportamento conforme o ordenamento jurídico (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, págs. 444 e 445), ou, noutra formulação, haverá de ter «origem numa pressão imperiosa de momentos exteriores à pessoa», em situação tal “que permita afirmar que também a generalidade dos homens “normalmente fiéis ao direito” teria provavelmente actuado da mesma maneira» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, I, p. 561).

94.º - E, ocorrendo, por si só, preenche a circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar - não exigibilidade - prevista no art. 21º/d) do EDTFP (e actualmente no Art. 190.º n.º 1 d) da LTFP, publicada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho).

95.º - E foi exactamente o que ocorreu com a recorrente, no que tange:

a) à inexistência física do processo no seu gabinete (não se provou que ali estivesse, valorou-se a dúvida contra a arguida);

b) à impossibilidade de ditar logo a sentença para a acta em virtude da junção de documentos que teria antes de analisar (nada se provou mas valorou-se a dúvida contra a arguida);

c) e, eventualmente, o seu volume de serviço, sobre o qual nada de concreto se apurou, tendo-se porém entendido ser irrelevante para a eventual graduação da responsabilidade disciplinar da recorrente.

96.º - A não exigibilidade de conduta diversa pode ser apreciada por este Supremo Tribunal, como se esclarece no Ac. STJ, de 16.12.2010, Proc. 9/10.6YFLSB.

c) Violação do princípio da proporcionalidade. A medida da pena.

97.º - O princípio da proporcionalidade comete à Administração a obrigação de adequar os seus actos aos fins concretos que se visam atingir, adequando as limitações impostas aos direitos e interesses de outras entidades ao necessário e razoável; proibindo o excesso, de modo a que o exercício dos poderes discricionários não ultrapasse o indispensável à realização dos objectivos públicos, e implicando, além do mais, a opção pela acção menos gravosa para os interesses dos particulares e menos lesiva dos seus direitos e interesses.

98.º - Como refere Freitas do Amaral, “A consagração do princípio da proporcionalidade permite aos tribunais penetrar no âmago das decisões administrativas, controlando a própria correcção dos critérios de decisão utilizados, o que é sobretudo importante no domínio da discricionariedade.” (in Código do Procedimento Administrativo Anotado — Diogo de Freitas do Amaral e outros — 3”. Edição — Anotação da pág. 42).

99.º Nada obsta, por isso, a que o acto recorrido possa ser anulado com fundamento na violação desse princípio, conjugado com o disposto nos Arts. 91.º e ss. do EMJ, em particular o Art. 97.º relativo à atenuação especial da pena, se a mesma se constatar, e não apenas quando já seja manifesta ou grosseira essa violação.

100.º Ora, da factualidade que se deu por provada no relatório final (do acto recorrido não se sabe qual seja, como não há outra, a recorrida refere aquela), do que se alegou já, em particular sobre o modo como se entendeu ser de afastar a atenuação especial da pena, seria de concluir com total segurança que a pena aplicada, quer a infracção se tivesse verificado quer não, seria desproporcionada e injusta.

101.º - Tal desproporção, porque violadora do Art. 266.º n.º 2 da CRP e Art. 5.º n.º 2 do CPA, é geradora da anulabilidade do acto nos termos do Art. 135.º do CPA.”

O CSM apresentou a sua resposta, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 173.° e no n.° 1 do artigo 174.°, ambos do EMJ, sustentando a improcedência do recurso, pelas seguintes razões:

“Na óptica do Conselho Superior da Magistratura a decisão recorrida fez uma correcta interpretação do quadro legal vigente, aplicou de forma sustentada o regime legal aos factos apurados e utilizou um critério justo na definição da pena aplicada à recorrente.

No caso em apreço, atendendo à fundamentação da deliberação recorrida, a tarefa é facilitada pela simples remissão para esses fundamentos que não exigem qualquer esclarecimento porque, apesar do esforço, aliás douto, para os rebater, a valia dessa fundamentação se mantém.

Relativamente à invocada prescrição, os pressupostos em que a Recorrente assenta são hipotéticos, baseiam-se no hipotético dever do Conselho Superior da Magistratura de configurar a existência de um ou mais atrasos para além dos comunicados e no hipotético dever de entender que estavam em causa atrasos com relevância disciplinar e no consequente dever de decidir pela instauração de processo disciplinar no prazo de um mês sobre o momento em que esse hipotético dever se concretiza.

Esse hipotético dever de suspeita não tem assento legal nem pode ser construído com base nos princípios gerais até pela singularidade da situação considerada disciplinarmente relevante pelo Conselho Superior da Magistratura, diferente dos restantes atrasos e, pela sua natureza, dificilmente detectável.

A eventual prescrição dependeria da consagração de todas as suas teses relativamente à natureza das infracções e às consequências que propugna que deveriam advir da não averiguação em tempo útil da existência de (mais) hipotéticas infracções com relevância disciplinar.

Porém, a lei e a jurisprudência ainda exigem o conhecimento efectivo.

Assim, tem de se concluir como na deliberação recorrida:

“Tendo em atenção que entre a data em que foi prolatada a sentença nesse processo (23.7.2012) e a data em que o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura deliberou instaurar procedimento disciplinar à arguida (28.5.2013), não decorreu um ano, não prescreveu o direito de instaurar procedimento disciplinar (art. 6º nº 1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas). Desde o momento em que foi instaurado o procedimento disciplinar não decorreram 18 meses pelo que o procedimento disciplinar não prescreveu (art. 6º nº6 do mesmo Estatuto)”. 

Não tem razão de ser, nem está fundamentada a alteração da matéria de facto proposta nos art.s 15º a 21º da petição de recurso a que se responde.

Quanto à apreciação dos factos no relatório final (artigos 22º a 47º), a Recorrente pretende pôr em causa essencialmente a formação da convicção formada sobre a matéria de facto.

Sem embargo de se concordar com a dedução lógica expendida pelo Ex.mo Sr. Inspector no seu relatório final, não pode deixar de se lembrar que o raciocínio dedutivo formulado pela deliberação recorrida vai ainda mais longe:

“Concordamos com o Ex.mo Sr. Inspector nas razões que aduz para concluir que o atraso na prolação de sentença nesse processo é da arguida (ponto VI.4). Dir-se-ia mesmo que, ponderando/aceitando a sua justificação, ainda assim, o atraso registado lhe é imputável por negligência. Efectivamente, a arguida presidiu ao julgamento e ordenou que lhe fosse aberta conclusão o que veio a ocorrer, sendo “a conclusão, aberta pelo, então, Sr. Escrivão de Direito, BB, data de 11 de Abril de 2007”. A parir desse momento e não se tendo colocado a questão da falsidade desse termo de conclusão, o processo está à sua responsabilidade e o atraso é-lhe imputável a si. Assim, a arguida sabia – tinha a obrigação de saber – que tinha aquela sentença para proferir e não o fez. Se entretanto se esqueceu, se por lapso deixou que os autos se confundissem com outros mais volumosos ou se, devido a alguma desorganização do seu serviço associada aos problemas pessoais que teve e que reconhecidamente afectaram o serviço, são circunstâncias que podem ajudar a explicar o atraso mas que não excluem a sua responsabilidade (apenas permitiriam que se considerasse que a sua negligência nesta infracção de execução continuada que ab initio era necessariamente consciente passasse a ser inconsciente). 

Face ao supra referido e também pelo exposto pelo Ex.mo Sr. Inspector (ponto VI.5) não ocorrem circunstâncias que levem a que se considere a inexigibilidade de conduta diversa”.

Sustenta a Recorrente (artigos 48º a 58º) a existência de erro sobre os pressupostos de facto por entender que as ilações extraídas para fundamentar a culpa da Recorrente não são lícitas.

Salvo o devido respeito, não se vislumbra nem a invocada violação do princípio in dúbio pro reo, nem que as ilações extraídas dos factos ofendam os princípios gerais em matéria de prova.

A factualidade objectiva, a ilicitude e a culpa da Recorrente estão profusamente sedimentadas na prova produzida.

Invoca ainda a falta de fundamentação em primeiro lugar por não indicar sequer por remissão expressa a factualidade que considerou provada.

Salvo o devido respeito sem razão.

A deliberação recorrida declara expressamente que a factualidade com relevância disciplinar é a atinente ao atraso nos autos de acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS e define claramente os factos relevantes para esse efeito. Com efeito, aí se refere expressamente que “para uma adequada apreciação da matéria de facto e da sua relevância disciplinar” (sublinhado nosso):

Constata-se que o atraso nos autos de acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS, são de 5 anos, 3 meses e 12 dias e ocorreram em situação específica, devidamente descrita nos factos 7º a 13º.

Para além disso, relativamente aos factos 14º e 15º, adiante, afirma-se:

“Os restantes atrasos referidos nos art.s 14º e 15º do relatório final produzido pelo Ex.mo Sr. Inspector são atrasos sem nenhuma especificidade que os caracterize e que, até no tempo decorrido, se distinguem claramente do atraso que originou este processo disciplinar. Se quisermos qualificá-los, são atrasos ditos normais  para o volume processual a cargo da arguida e para as circunstâncias difíceis da sua vida pessoal que tiveram reflexo no serviço e para os quais a arguida foi alertando o Conselho Superior da Magistratura”.

Seguidamente, pretende a Recorrente que não tem sustentação fáctica (sendo um caso de ostensiva insuficiência de fundamentação) o juízo sobre a simplicidade da acção e sobre a possibilidade de ser logo a sentença ditada para a acta.

Invoca assim a Recorrente que não tem elementos para poder avaliar se o processo que teve a seu cargo tanto tempo era simples e a sentença que proferiu podia ter sido ditada para a acta.

Para além do facto de reconhecida e confessadamente a Recorrente poder e dever saber da simplicidade da acção e da possibilidade de ser ditada para a acta a sentença, o juízo do Ex.mo Sr. Inspector fundamentou-se, como consta da sua parte V “Motivação da decisão de facto” nas certidões juntas aos autos:

 “A convicção do Instrutor baseou-se nas certidões/documentos juntos aos autos”.

Basta a análise do processo em causa para, como é óbvio, capacitar o Ex.mo Sr. Inspector a formular um juízo sobre a simplicidade do processo e sobre a possibilidade da sentença ter sido proferida para a acta.

Como decorre da deliberação recorrida, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura acompanhou esse juízo.

Alega ainda a Recorrente que não são indicados os fundamentos da medida da pena, com base numa aparência conceptual de rigor formal estrito de que se serve para estabelecer uma confusão entre aquilo que a deliberação recorrida cristalinamente aceita e de que se apropria e aquilo que rejeita.

Salvo o devido respeito, a tese da Recorrente não pode vingar.

A deliberação recorrida afirma expressamente nesse segmento (sublinhados nossos):

“Também se concorda com o Ex.mo Sr. Inspector na sua fundamentação para afastar a atenuação especial da pena e para definir a gravidade do atraso, na parte em que salienta, “no caso concreto, o atraso de mais de cinco anos na prolação de uma sentença, “extremamente simples”, quando deveria ter sido logo ditada para a acta da audiência de julgamento” e, adiante, “certamente, não contribuíram para criar no público a confiança no sistema Judicial, que é suposto que a actuação dos Juízes crie, tanto mais que a referida sentença só foi prolatada quase um ano depois da colocação da Exma. Sra. Juíza Auxiliar (respectivamente, 2012.07.23 e 2011.09.07)”.

Tal como o Ex.mo Senhor Inspector e com os mesmos fundamentos, considera-se adequada a aplicação de uma pena de 10 dias de multa”.

Resulta claro que a deliberação se está a referir aos fundamentos jurídicos para a determinação da medida concreta da pena, constantes do ponto “VIII – A medida concreta da pena” da proposta do Ex.mo Sr. Instrutor, na qual não se faz qualquer referência aos factos 14, 15 e 16..

Neste contexto é falaciosa a afirmação de que a decisão não acolhe a proposta do Senhor Instrutor “pois que, dos atrasos que este refere nos pontos 14, 15 e 16 da Parte lll do seu relatório, propõe o Senhor Inspector que seja atribuída relevância disciplinar, e uma pena, para o conjunto deles, de 10 dias de multa”, como a Recorrente afirma (art. 78º) porquanto apesar de não ter considerado disciplinarmente relevantes os ditos factos o Plenário do Conselho Superior da Magistratura ainda tem discricionariedade técnica para poder, com base no facto que considerou disciplinarmente relevante, acolher os fundamentos jurídicos para a determinação da pena de dez dias de multa.  

A deliberação recorrida não deixa margem para as dúvidas que a Recorrente pretende suscitar sobre qual a factualidade relevante e sobre a fundamentação da pena concreta aplicada.

Sob as vestes de invocação do princípio da presunção de inocência a Recorrente insurge-se mais uma vez contra a prova existente sobre a simplicidade do processo e sobre a localização do processo no seu gabinete, insurgindo-se contra as ilações do Sr. Instrutor.

Por um lado, a presunção de inocência «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997), por outro, a prova produzida corresponde a um “esforço de razoabilidade”, de acordo com as regras da experiência que não merece qualquer censura (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, no proc. 07P4198, em www.dgsi.pt).

O propósito recursivo também incide sobre a não exigibilidade de conduta diversa, falecendo porém, os pressupostos de facto em que a Recorrente fundamenta a sua tese.

Limita-se, por isso, o Conselho Superior da Magistratura, a remeter para o que sustenta na deliberação recorrida e para o que já afirmou e transcreveu no art. 11º desta resposta.

Por fim, quanto à desproporcionalidade (que teria de ser patente, clamorosa e notória) da medida da pena para determinar a anulabilidade do acto, descendo ao caso concreto, não se afigura como concebível que a aplicação de pena tão benevolentemente justa, tão próxima dos mínimos legais, possa constituir uma violação do princípio da proporcionalidade. “

Cumprido o disposto no art. 176.º do EMJ, a recorrente apresentou alegações, em que pugnando pela anulação do acórdão recorrido, formula as seguintes conclusões:

“ I. Em 30 de Julho de 1985, quando foram publicados os Art.s 177.º n.º 1, 178.º e 168.º n.º 5, todos do EMJ, aprovado pela Lei n.º 21/85 de 30 de Julho, cuja redacção original se mantém,   

a. As Acções Administrativas Especiais, previstas no Art. 46.º e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, designavam-se “Recursos Contenciosos” ou “Recursos contenciosos de anulação”;

b. O STA conhecia em primeira instância dos recursos de actos administrativos do Governo (cfr. Art. 26.º n.º 1 c) do ETAF publicado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril);

c. O Art. 12.º n.º 1 da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos estatuía: “1 – Nos processos da competência do Supremo Tribunal Administrativo […] só é admissível prova documental salvo nos casos especialmente previstos e naqueles em que o tribunal considere necessária a prova pericial”.

II. A esta luz se tem de entender a referência do Art. 177.º n.º 1 do EMJ à prova documental e só a essa, pois que não havia outra;

III. Em 2015, as Acções Administrativas Especiais de actos do Governo são distribuídas a Tribunais Administrativos de Primeira Instância, pode ser produzida prova testemunhal (cfr. Art.s 90.º n.º 1 e 2 e 91.º n.º 1 do CPTA), sendo-lhes subsidiariamente aplicável o disposto na lei processual civil (Art. 35.º n.º 2 CPTA).

IV. Em 2015 não se poderão tramitar estes autos como um recurso contencioso de anulação, quando vigora já a possibilidade de produção de prova testemunhal, que foi já requerida;

V. Os princípios do contraditório e do direito de defesa consagrados no artigo 32.º da Constituição em relação ao processo criminal, por serem garantias que estão no cerne do princípio do Estado de direito democrático, são inerentes a todos os processos sancionatórios, qualquer que seja a sua natureza,

VI. Por isso haverá que interpretar ainda o Art. 177.º n.º 1 do EMJ como se aí estivesse escrita a expressão “ordenar a produção de prova” no lugar da expressão “requisitar os documentos”.

VII. Deverá ser dado como não provado o que se lê no Art. 13.º do relatório final, por a sua redacção induzir em erro ou parecer estar em contradição com o facto provado no Art. 27.º do mesmo relatório (a não se entender assim, deverá fazer-se constar, expressamente, da factualidade provada que, excepto no que tange ao dia 05.09.2011, nada se apurou sobre a localização física do processo entre o momento em que foi lavrado o termo de conclusão e a data em que foi proferida a sentença).

VIII. Deverá dar-se por provado que em 06.02.2007, data da audiência de discussão e julgamento do Proc- 2604/03.0TBCSC, foram juntos documentos cuja junção fora ordenada pela anterior magistrada titular do processo, concretamente, um livro contendo 15 actas que haveria de ler, tendo por isso sido proferido o seguinte despacho: “Ordeno que os autos me sejam conclusos, atento o volume de documentos juntos”.

IX. Em qualquer caso, deverá dar-se por provado tudo quanto consta dos documentos ora juntos ou, pelo menos, o teor integral da estatística CITIUS de 01.11.2008 a 10.07.2014, que se juntou.

X. Deverá dar-se por provado o alegado no Art. 62.º da Defesa da recorrente, que só no período compreendido entre 5.11.2008 e 09.01.2014, esta proferiu 23.749 decisões (despachos e sentenças), como melhor se alcança do doc n.º 28 junto com a defesa da recorrente.

XI. Deverá dar-se por provado, por ser facto conhecido, que na Comarca de ..., as acções cíveis são usualmente mais extensas e complexas do que na generalidade das demais comarcas.

XII. A mera suspeita pode conduzir, pela inacção do titular da acção disciplinar, à prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, porquanto, o Art. 6.º da Lei 58/2008 de 9 de Setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, que veio a ser revogado pela LTFP (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), estatuía que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescrevia passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida, e que a suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, os processos tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

XIII. Tendo o CSM recebido as oito comunicações que se listam no Art. 25.º do Relatório Final e que se referem igualmente no acto recorrido, seria desrazoável alguma invocação de surpresa por factos de que não poderia razoavelmente deixar de antever como prováveis - se escolheu não agir, não lhe é lícito, perante a surpresa de uma excessiva dimensão temporal de um atraso em particular, crismá-lo de “atraso singular” e reagir então, quando já havia deixado prescrever o direito de agir disciplinarmente;

XIV. Na prova dos factos em processo disciplinar a Administração não actua no âmbito da denominada “justiça administrativa” não lhes sendo igualmente permitidos juízos discricionários e insusceptíveis de ser objecto de um juízo de desconformidade em sede contenciosa, vale a regra do in dubio pro reo e nada obsta a que o Tribunal sobreponha o seu juízo ao perfilhado pela recorrida ou pelo instrutor;

XV. Dos elementos carreados para os autos, em que o instrutor diz assentar a sua convicção, cita-se na totalidade: “certidões / documentos juntos aos autos; no depoimento do Sr. Secretário de Justiça, BB (cfr. fls. 28-29 dos autos) e nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Arguida (cfr. fls. 70 a 83)”, nada há que seja apto a esclarecer a materialidade dos factos indicados no Art. 13.º do relatório final e 5.º da Defesa, chegando-se ao limite de fundar a prova de factos em depoimentos de testemunhas que declaram não se recordar dos mesmos, o que revela a pura arbitrariedade com que foi apreciado este processo;

XVI. Ademais quando à falta de elementos de prova a mesma se assenta exclusivamente em meras presunções e apriorismos que não resultam de postulados lógicos nem realistas;

XVII. Deveria ter-se apurado a produtividade da recorrente, para que algo de útil e fundamentado se pudesse concluir sobre a eventual exigência de conduta diversa por parte da mesma, por não se valorar do mesmo modo um atraso de um processo em 7.000 ou em 100, para o que se juntaram oito listagens obtidas via citius, em particular, a Estatística CITIUS de 01.11.2008 a 10.07.2014.

XVIII. Apurar-se-ia então que a recorrente tinha mais de 7.000 processos a seu cargo, e a essa luz, se apreciaria se era humanamente possível que a recorrente conseguisse memorizar a fase em que todos esses processos estariam a cada momento, sendo certo que naquele processo não fora aberta conclusão no CITIUS e em lugar algum da factualidade provada se afirma que o mesmo, após ser aberta conclusão haja sido entregue à recorrente ou colocado no seu gabinete, antes da data da prolação da sentença;

XIX. A decisão recorrida, pelo que é referido na motivação do recurso, que aqui se dá por reproduzida, está viciada por erro sobre os pressupostos de facto, por ser errada a factualidade provada;

XX. Não sendo de concluir, pela análise da prova produzida no processo disciplinar, com um mínimo grau de certeza e segurança que o arguido praticou os factos de que foi acusado, integrantes de infracção disciplinar, o acto que considera esta verificada incorre em violação de lei, por erro nos pressupostos de facto”.

XXI. A Administração tem o dever de fundamentar os seus actos que afectem os direitos ou interesses legítimos dos administrados, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (Art. 268º n.º 3 da CRP e 125.º n.ºs 1e 2 do CPA);

XXII. A deliberação, porque remete, por vezes, para um parecer de que uma vezes diz concordar e outras discordar mas sem indicar sempre as razões que opõe ao referido parecer, não fundamenta a posição assumida, coarctando a possibilidade de compreender o iter cognoscitivo que conduziu àquela decisão, tanto mais que não indica, sequer por remissão expressa, a factualidade que considerou provada;

XXIII. Por exemplo, não se lê nada na fundamentação fáctica da decisão recorrida ou do parecer que a mesma transcreve que possa ser apto a um juízo sobre a simplicidade da acção e/ou sobre a possibilidade de ser logo a sentença ditada para a acta como o preconiza a decisão recorrida, apenas porque sim, para assim afastar a atenuação especial da pena e definir com severidade a gravidade do acto;

XXIV. Outro exemplo (a motivação tem mais): Consta da douta deliberação: “Tal como o Senhor Inspector e com os mesmos fundamentos, considera-se adequada a aplicação de uma pena de 10 dias de multa”, todavia, a pena de multa proposta pelo Senhor Inspector de 10 dias corresponderia a um conjunto mais amplo de infracções e a deliberação considerou apenas uma por se ter entendido que os demais não tinham relevância disciplinar;

XXV. Tais incongruências não são passíveis de serem classificadas como “discricionariedade técnica” como o defende a entidade recorrida a fim de os tornar opacos à apreciação deste Supremo Tribunal por não existir discricionariedade técnica na escolha de fundamentos jurídicos, porquanto o art. 3.º do CPTA determina que “[…] os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam […]”;

XXVI. Aplica-se em matéria disciplinar a presunção de inocência, reconhecida no art. 32.º, n.º 2, da CRP, pelo que num processo sancionatório as dúvidas que possam existir - da parte deste Supremo Tribunal pois que a entidade recorrida não padece de dúvidas de qualquer espécie - deverão ser processualmente valoradas a favor do arguido e não contra ele;

XXVII. Ora, dúvidas existem, e muitas, porquanto, nada apurou o Senhor Instrutor sobre a simplicidade ou complexidade da acção, valorando contra a recorrente, uma situação fáctica que não apurou, isto é, invertendo o ónus da prova, o mesmo sucedendo quanto à localização do processo no gabinete da recorrente por mais de 5 anos, em que nada se apurou mas se valorou a dúvida contra a arguida, invertendo, de novo, o ónus da prova.

XXVIII. Como se refere no sumário do douto Ac. STA de 16.10.97, in Rec. nº 031496, supra-citado, padece, igualmente, de vício de violação de lei, por errado enquadramento legal e ainda por erro sobre os pressupostos de facto, o acto punitivo que qualificou erradamente uma conduta como violadora dos deveres gerais de zelo e de correcção e que assentou também, em factos sobre os quais não é possível formular em juízo de certeza jurídica sobre a sua verificação” (no mesmo sentido, Ac. STA de 19.01.95 no Rec. 031486).

XXIX. A não exigibilidade de conduta diversa, por si só, preenche a circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar - não exigibilidade - prevista no art. 21º/d) do EDTFP (e actualmente no Art. 190.º n.º 1 d) da LTFP, publicada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), excluindo-se a culpa do agente;

XXX. E foi exactamente o que ocorreu com a recorrente, no que tange:

a. à inexistência física do processo no seu gabinete (não se provou que ali estivesse, valorou-se a dúvida contra a arguida);

b. à impossibilidade de ditar logo a sentença para a acta em virtude da junção de documentos que teria antes de analisar (nada se provou mas valorou-se a dúvida contra a arguida);

c. e, eventualmente, o seu volume de serviço, sobre o qual nada de concreto se apurou, tendo-se porém entendido ser irrelevante para a eventual graduação da responsabilidade disciplinar da recorrente.

XXXI. Do que antecede resulta também que, a não ser de se dever concluir pela ausência de infracção, a mesma não justificaria a aplicação da sanção que concretamente foi aplicada, o mesmo é dizer, que a decisão violou o princípio da proporcionalidade e deverá ser anulada (cfr. Art. 266.º n.º 2 da CRP e Art. 5.º n.º 2 do CPA.)

XXXII.       Todos os vícios indicados são geradores da anulabilidade do acto nos termos do Art. 135.º do CPA.”

O Conselho Superior da Magistratura em alegações manteve a posição inicialmente assumida, apresentando as seguintes conclusões:

“1. Na instância recursiva está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se ao Conselho Superior da Magistratura (órgão administrativo competente) na aquisição da matéria instrutória ou na fixação dos factos relevantes em causa, apenas lhe incumbindo anular a decisão recorrida, se for caso disso.

2. Não prescreveu o direito de instaurar procedimento disciplinar pela infracção em causa porquanto, “tendo em atenção que entre a data em que foi prolatada a sentença nesse processo (23.7.2012) e a data em que o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura deliberou instaurar procedimento disciplinar à arguida (28.5.2013), não decorreu um ano, não prescreveu o direito de instaurar procedimento disciplinar (art. 6º nº 1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas). Desde o momento em que foi instaurado o procedimento disciplinar não decorreram 18 meses pelo que o procedimento disciplinar não prescreveu (art. 6º nº6 do mesmo Estatuto)”; bem assim, o procedimento disciplinar foi instaurado em prazo inferior a um mês relativamente ao momento em que o Conselho Superior da Magistratura teve conhecimento efectivo da prática da infracção, não valendo para esse efeito a mera hipótese de conhecimento que a Recorrente invoca.

3. Não é admissível, não tem razão de ser, nem está fundamentada a alteração da matéria de facto proposta nos art.s 15º a 21º da petição de recurso.  

4. A Recorrente pretende pôr em causa a formação da convicção sobre a matéria de facto constante do relatório final e não questiona sequer o raciocínio lógico-dedutivo formulado pela deliberação recorrida que vai ainda mais longe e é fundamentador da decisão proferida.

5. Não se verifica erro sobre os pressupostos de facto porquanto não ocorre erro manifesto ou grosseiro, nem foram adoptados critérios ostensivamente desajustados na apreciação dos elementos fácticos submetidos à apreciação do Conselho Superior da Magistratura: as ilações extraídas para fundamentar a culpa da Recorrente não são ilícitas, não ofendem os princípios gerais em matéria de prova nem o princípio in dubio pro reo, estando a factualidade objectiva, a ilicitude e a culpa profusamente sedimentadas na prova produzida.

6. Não existe falta de fundamentação porquanto é feita a remissão para a factualidade considerada provada com relevância disciplinar de forma clara e expressa.

7. Também está sustentado o juízo sobre a simplicidade da acção e sobre a possibilidade da sentença ser logo ditada para a acta, na convicção do Instrutor que se baseou nas certidões/documentos juntos aos autos, bastando a análise do processo em causa para capacitar o Ex.mo Sr. Inspector a formular o juízo que formulou sobre a simplicidade do processo e sobre a possibilidade da sentença ter sido proferida para a acta.   

8. A medida da pena está devidamente fundamentada e apesar de não ter considerado disciplinarmente relevantes todos os factos a que o Ex.mo Sr. Inspector deu relevância disciplinar, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura tem discricionariedade técnica para poder, com base no facto que considerou disciplinarmente relevante, acolher os fundamentos jurídicos para a determinação da pena de dez dias de multa.  

9. A deliberação recorrida não deixa margem para as dúvidas que a Recorrente pretende suscitar sobre qual a factualidade relevante e sobre a fundamentação da pena concreta aplicada.

10. Não há violação do princípio da presunção de inocência porquanto não subsiste qualquer dúvida sobre a simplicidade do processo e sobre a sua localização no gabinete da Recorrente.

11. A factualidade assente não permite que se pondere a inexigibilidade e conduta diversa nos termos invocados pela Recorrente.

12. Face à matéria de facto apurada, a pena aplicada, próxima dos mínimos legais não torna concebível a invocada violação do princípio da proporcionalidade. “

*

A Exmª Sra Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no qual, analisando as questões propostas, conclui pela improcedência do recurso, alegando, em suma, que atenta a natureza do recurso interposto - recurso de contencioso de deliberação do CSM - não é admissível a produção de prova testemunhal (renovação da prova); não se encontrando verificada a prescrição do procedimento disciplinar por terem sido cumpridos os prazos a que se reporta o art. 6.º do EDTAP (Lei n.º 58/2008, de 09-09).

Conclui ainda que não ocorreu qualquer erro nos pressupostos de facto na medida em que as conclusões que sustentam a decisão recorrida, nomeadamente no segmento que se ancora na convicção subjetiva do inspetor, não violam as regras da lógica e da experiencia comuns, nem se suportam em provas não permitidas por lei, defendendo ainda que a deliberação recorrida encontra-se fundamentada e era exigível à recorrente outro comportamento, no contexto da factualidade apurada, e que, uma vez que a pena aplicada está a rasar os mínimos legais e foi decretada a respetiva suspensão, não se verifica qualquer violação nem do princípio da presunção da inocência nem do princípio da proporcionalidade, sendo que inclusive, a escolha e medida da pena contêm-se na discricionariedade técnica do CSM, insindicável pelo STJ em sede de recurso de contencioso.

Colhidos os vistos foram os autos julgados em conferência.

C – APRECIAÇÃO

 Foram as seguintes as questões levantadas pela recorrente que cumpre decidir:

 1ª- Prescrição do procedimento disciplinar (violação do art. 6.º do EDTFP);

2ª- Erro na apreciação dos factos – produção de prova testemunhal, erro sobre os pressupostos de facto;

3.ª- Vícios de forma – falta de fundamentação (por falta de indicação da factualidade provada (insuficiência); insuficiência da fundamentação e por falta de indicação dos fundamentos da medida da pena);

4.ª – Erros sobre os pressupostos de direito (violação do princípio da presunção de inocência; não exigibilidade de conduta diversa; violação do princípio da proporcionalidade - a medida da pena: atenuação especial da sanção disciplinar (violação do art. 97.º do EMJ).)

1ª QUESTÃO - prescrição do procedimento disciplinar.

Alega a recorrente que entre a data de 11-04-2007 (data da conclusão para prolação da sentença no Proc. 2604/03.0TBSCS) e a data da sentença (23-07-2012), foram recebidas pelo CSM várias comunicações da recorrente a dar conhecimento de atrasos (como resulta das comunicações de 18-09-2007 até 09-02-2011), pelo que, desde então o CSM não poderia deixar de suspeitar que os atrasos pudessem constituir ilícito disciplinar. Uma vez que só em 28-05-2013 o CSM determinou a instauração do processo disciplinar, já há muito (pelo menos desde 09-02-2011) tinham decorridos 30 dias após a suspeita da ocorrência dos atrasos, pelo que em 28-05-2013 já se encontrava prescrito o procedimento disciplinar, nos termos do art. 6.º, nº1 e nº. 5, al. a) da Lei n.º 58/2008, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (que veio a ser revogado pela LTFP (Lei n.º 35/2014, de 20-06)).

Vejamos então se assiste razão à Recorrente.

O instituto da prescrição nos direitos sancionatórios (penal contraordenacional e disciplinar) foi criado com vista a acelerar a atividade do Estado no exercício da ação penal ou das outras, e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo no qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, e cujo decurso implica que fiquem libertos da respetiva responsabilidade.

Com a prescrição extingue-se o jus puniendi do Estado, extinção resultante da falta de diligência dos órgãos judiciários ou da Administração, no procedimento que lhes incumbe levar a cabo.

O processo disciplinar relativo aos juízes rege-se pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais, que não contempla qualquer norma relativa à prescrição do procedimento disciplinar. Por isso, de acordo com o disposto no art. 131.º desse mesmo diploma, há que aplicar subsidiariamente as normas do então chamado Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal, e diplomas complementares.

O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Dec. Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, foi revogado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09-09, doravante designado por EDTEFP. Por sua vez, a Lei n.º 58/2008, de 09-09 foi revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20-06, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, doravante designado por LGTFP.

Dispõe o art. 11.º desta Lei 35/2014 sob a epígrafe «Novo regime disciplinar» que “1. O regime disciplinar previsto na LGTFP é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da entrada em vigor da presente lei, quando se revele, em concreto mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa.” 

Os factos em causa no âmbito deste processo disciplinar (tendo por base a deliberação recorrida), reportam-se a um atraso na prolação da sentença do proc. 2604/03.0TBCSC que foi elaborada em 23-07-2012.

Resulta também dos documentos juntos aos autos - mormente de fls. 2/3 do 1.º Volume do Apenso I - que foi determinada a instauração do processo disciplinar à recorrente por deliberação (ponto 2.20) da secção permanente do CSM datada de 28-05-2013.

Desta feita, tanto os factos em causa (2012) como a instauração do processo disciplinar (2013) ocorreram na vigência da Lei n.º 58/2008, de 09-09, pelo que só se aplicará a LGTFP se se verificar um regime concretamente mais favorável para a recorrente. Não é o caso.

Na verdade, a recorrente invoca a prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do art. 6.º do EDTEFP. Ao compararmos o regime de prescrição de uma e outra lei - ou seja, o art. 6.º do EDTEFP e o art. 178.º da LGTFP - verifica-se que o prazo para instaurar o procedimento disciplinar (contado desde o conhecimento da infração, por qualquer superior hierárquico) foi alargado de 30 dias para 60 dias. Por isso, o regime previsto no n.º 2, do art. 178.º, da LGTFP é neste particular mais gravoso, sendo de aplicar o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09-09, regime em vigor à data da instauração do procedimento disciplinar em causa nestes autos.

O art. 6.º do EDTEFP estabelece:

“1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.

2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

3 - Quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.

4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável.

5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:

a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e

c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”

De acordo com a conjugação dos arts. 6.º, nºs 1, 2 e 6 do EDTEFP, pode concluir-se que interessa ter em conta três os prazos para efeito de prescrição do procedimento disciplinar:

- o prazo para instaurar procedimento disciplinar - 1 ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida.

 - dentro deste ano, o prazo de 30 dias para instaurar o procedimento disciplinar, o qual começa a contar do conhecimento da infração.

- o prazo de conclusão do procedimento disciplinar - entre a notificação da decisão final ao arguido e a data da instauração do procedimento disciplinar não pode decorrer mais de 18 meses.

Ao contrário do alegado pela recorrente, o disposto no art. 6.º, n.º 5, al. a) do EDTEFP, “os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis”, apenas releva para a suspensão do prazo prescricional e não se substitui ao prazo previsto no n.º 2 do mesmo art. 6º, o qual exige o efetivo conhecimento da infração, não se bastando com a mera suspeita.

Os processos referenciados no art. 6.º, nº 5, al. a) são os processos elencados no nº 4 do preceito, ou seja, são «os processos de sindicância aos órgãos ou serviços ou processos de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos ao trabalhador a quem a prescrição aproveita». No caso dos presentes autos, não estamos perante a invocação de qualquer suspensão do prazo prescricional, nem estávamos perante um «processo de sindicância aos órgãos ou serviços ou processos de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos ao trabalhador a quem a prescrição aproveita», pelo que não estão em causa nem os requisitos nem os prazos previstos no art. 6.º, nºs 4 e 5 do EDTEFP.

Desta feita, para efeito de contagem de prazo de prescrição no que à instauração do procedimento disciplinar diz respeito – 30 dias - o que releva é o conhecimento da infracção e não a suspeita da mesma. A deliberação recorrida refere que a infração disciplinar praticada pela recorrente é uma infração disciplinar de execução continuada.

Tendo em conta a factualidade dada como provada e com relevância disciplinar atribuída pela deliberação recorrida, a atividade relevante imputada à recorrente refere-se a uma sentença (Pº 2604/03.0TBCSC) que foi elaborada em 23-07-2012 tendo sido aberta conclusão para o efeito em 11-04-2007, ou seja, foi proferida 5 anos, 3 meses e 12 dias depois.

Dado que o EDTEFP (Lei n.º 58/2008, de 09-09) é omisso quanto à contagem do prazo prescricional do procedimento disciplinar público quando esteja em causa uma falta disciplinar permanente ou continuada é, subsidiariamente, de aplicar o art. 119.º, n.º 2, al. a) e b) do CP.

A infração disciplinar permanente caracteriza-se pela ocorrência de uma situação delituosa persistente e contínua, decorrente de uma dada atuação ou omissão do agente. Na infração disciplinar permanente há uma só ação, ativa ou omissiva, que se protela no tempo. Na infração disciplinar continuada a ação ou omissão aglutina-se numa série de atos ou omissões que se podem separar no tempo, resultado da reiteração de uma dada resolução, e que, verificadas determinadas condições, são consideradas uma só infração

Por força da aplicação subsidiária do art. 119.º, n.º 2, als. a) e b), supra referido, o prazo de prescrição, nas infrações disciplinares continuadas ou permanentes, apenas inicia o seu curso na data em que estas cessam (Cf. Ac. do STJ de 10-04-2014, Pº 37/13.0YFLSB). [1]

No caso em apreciação, o comportamento da recorrente, entre a data da abertura da conclusão até à data da elaboração da sentença do proc. n.º 2604/03.0TBSCS, constitui uma infração permanente. Há uma só omissão da recorrente (não prolação da sentença) que se protelou no tempo e cessou com a elaboração da sentença, o que sucedeu em 23-07-2012 – cf. art. 119.º, n.º 2, al. a) do CP, sendo esta a data em que a infração se considera cometida, para efeitos de contagem do prazo prescricional. Por isso, o prazo para instauração do procedimento disciplinar apenas terminaria em 23-07-2013 (1 ano), e como foi instaurado em 28-05-2013, por deliberação da secção permanente do CSM dessa data (ponto 2.20 da deliberação), não se encontra prescrito.

Mas de acordo com o n.º 2 do citado art. 6.º do EDTEFP, o procedimento disciplinar tem que ser instaurado em 30 dias, após o conhecimento da infração, por parte do superior hierárquico.

Nos ofícios que a recorrente remeteu ao CSM, a mesma deu conta de atrasos na prolação de despachos. Contudo, conforme se verifica na deliberação recorrida, os mesmos não foram considerados com relevância disciplinar, e a recorrente apenas foi penalizada pelo CSM pelo atraso na prolação da sentença do processo 2604/03.0TBSCS. Ora, não ficou provado que através dos ofícios por si remetidos, a mesma tivesse dado conhecimento ao CSM desse atraso. Acresce que não é pelo facto do CSM ter conhecimento de atrasos na elaboração de despachos, ou sentenças, que tal implica o conhecimento ou até suspeita da prática de ilícito disciplinar. Tanto assim é, que o CSM apesar de estar a par dos atrasos da recorrente já há anos (por força dos ofícios remetidos), não decidiu abrir processo de inquérito ou disciplinar contra a mesma. E como se viu, na deliberação recorrida, decidiu não atribuir relevância disciplinar aos cerca de 100 atrasos na prolação de despachos que se encontravam elencados no relatório final do Sr. Inspetor Judicial. Porque de facto os atrasos existentes podem ser justificados e/ou não ser exigível conduta diversa e, nessa medida, o CSM não reage, nem tem obrigação de reagir.

A oitava comunicação alegada pela recorrente no presente recurso é datada de 09-02-2011 e em momento algum desta comunicação é mencionado o atraso na elaboração da sentença do proc. n.º 2604/03.0TBCSC. Ora aqui em causa está o conhecimento deste facto concreto relativo ao processo n.º 2604/03.0TBCSC - que apenas cessou em 23-07-2012 com a elaboração da sentença. O conhecimento da infração, previsto no art. 6.º, n.º 2 do EDTEFP tem evidentemente que ser um conhecimento efetivo, e da mesma, em concreto.  

Quanto ao momento do conhecimento da infração, conforme resulta de fls. 4 a 12 do 1.º Volume do Apenso 1, o Exmo. Sr. Inspetor remeteu um ofício datado de 06-05-2013[2], dirigido ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura a participar que a sentença do processo n.º 2604/03.0TBSCS foi proferida 5 anos, 3 meses e 12 dias, após ser aberta conclusão para o efeito, tendo sido um julgamento presidido pela recorrente. Esse expediente chegou ao CSM no dia 07-05-2013 (cf. carimbo de entrada de fls. 4 do Apenso 1, (1.ºVol).

Na secção permanente do CSM de 28-05-2013 foi deliberada a instauração de processo disciplinar por tais factos e por outros atrasos que se viessem a apurar (cf. ponto 2.20 da ata de fls. 3 do Apenso 1, (Vol. 1)).

De acordo com o acórdão do STJ de 08-05-2013, proferido no processo n.º 47/12.4YFLSB, “A competência para instaurar procedimento disciplinar aos Juízes assiste ao CSM (art. 149.º, al. a), do EMJ), o qual funciona em Plenário e em Conselho Permanente, estando as competências de cada um destes órgãos previstas, respectivamente, nos arts. 150.º, n.º 1, 151.º e 152.º, do EMJ, não estando prevista a competência do seu Vice-Presidente para instaurar procedimento disciplinar. IX - Não tendo tal competência, nem sendo superior hierárquico da recorrente, a tomada de conhecimento da participação não marca o início do prazo para instaurar o procedimento disciplinar. Deste modo, quando foi determinada a instauração de processo disciplinar, pelo órgão com competência para tanto (Conselho Permanente do CSM), foi respeitado o prazo a que alude o art. 6.º, n.º 2, do EDTFP, aplicável ex vi art. 131.º do EMJ, não ocorrendo a prescrição do procedimento disciplinar. X - Apenas quando o Conselho Permanente ou o Plenário tomam conhecimento dos factos se pode afirmar que o CSM tomou conhecimento dos mesmos, por ser em tais órgãos que repousa a competência para decidir em matéria disciplinar, não sendo de aplicar, pelas características próprias do funcionamento do CSM e inexistência de hierarquia no seio da magistratura judicial, a previsão da caducidade do direito de punir”.

Nesse mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 19-02-2013, Pº 113/11.3YFLSB : “VII - O poder disciplinar sobre os juízes não pertence a cada membro do CSM, individualmente considerado, mas ao CSM enquanto órgão colegial, formando a sua vontade nos termos expressamente previstos no EMJ; o conhecimento de infracções por membros isolados do CSM não releva para efeitos de prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar.”

O CSM recebeu a participação da infração no dia 07-05-2013, e o Conselho Permanente no dia em que formalmente tomou conhecimento da infração, deliberou no sentido de instaurar processo disciplinar – cf. a deliberação do dia 28-05-2013 - pelo que não decorreram os 30 dias a que alude o art. 6.º, n.º 2 do EDTEFP. Mas mesmo admitindo uma posição de que o CSM teve conhecimento da infração no dia em que recebeu o ofício enviado pelo Sr. Inspetor – ou seja, no dia 07-05-2013 - verifica-se que entre essa data e a data em que a secção permanente decidiu a instauração do processo disciplinar – 28-05-2013), ainda não tinham decorrido os 30 dias a que alude o art. 6.º, n.º 2 do EDTEFP.

Resulta de fls. 128 a 132 do 1º Vol. do Apenso 1, que a recorrente foi notificada da decisão final do Plenário do CSM no dia 27-06-2014. Tendo em conta que o procedimento disciplinar foi instaurado em 28-05-2013 e a decisão final foi notificada em 27-06-2014, verifica-se que, nesta data, ainda não haviam decorrido os 18 meses a que alude o art. 6.º, n.º 6 do EDTEFP.

Improcede, portanto, a invocação da prescrição do procedimento disciplinar.

2ª QUESTÃO - Erro na apreciação dos factos (produção de prova testemunhal) e erro sobre os pressupostos de facto.

Alega a recorrente que, em 2015, as ações administrativas especiais, despoletadas por atos do Governo, são distribuídas a Tribunais Administrativos de 1ª Instância, podendo ser produzida prova testemunhal nos termos dos arts. 90.º n.ºs 1 e 2 e art. 91º, n.º1 do CPTA, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o disposto na lei processual civil (art. 35.º, n.º 2 do CPTA). Assim, o STJ, em 2015, não poderia tramitar o recurso da deliberação do CSM como um recurso contencioso de anulação, devendo interpretar o art. 177º, n.º1 do EMJ como se aí estivesse escrita a expressão “ordenar a produção de prova” no lugar da expressão “ requisitar os documentos”. E, neste seguimento, requer a produção de prova testemunhal (renovação da prova) e pede que se altere a factualidade dada como provada.

Nos termos do art. 168.º, nºs 1 e 5 do EMJ, cabe recurso para o Supremo Tribunal da Justiça das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, podendo ter como fundamentos “os previstos na lei para os recursos a interpor dos actos do Governo” .

Por sua vez, de acordo com o art. 178.º do EMJ “São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo”.

Este regime tem hoje que ser conjugado com o modelo de impugnação definido pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, do qual continua a resultar a opção legislativa por uma delimitação dos poderes dos “tribunais administrativos” que exclui da sua competência a apreciação “da conveniência ou oportunidade da (…) actuação da Administração” e apenas lhes permite julgar “do cumprimento (…) das normas e princípios jurídicos que a vinculam” (nº 1 do artigo 3º do Código).

Em conformidade com o disposto no art. 178.º do EMJ e no art. 192.º do CPTA, o recurso das deliberações do CSM – que se devem ter como atos formalmente administrativos – é, em particular, regulado pelas normas contidas nos arts. 150.º a 151.º, do CPTA, que disciplinam o recurso de revista para o STA e, supletivamente, o disposto no CPC[3].

Este regime processual restringe o conhecimento dos tribunais de revista – como é o STJ – à matéria de direito para a qual têm os seus poderes direcionados, só se admitindo o conhecimento da matéria de facto quando a entidade administrativa recorrida tenha dado como provado um facto sem que tenha produzido a prova tida por lei como indispensável para demonstrar a sua existência ou tenham sido desrespeitadas as normas que fixem a força probatória de meios de prova - cfr art. 150.º, n.º 4, in fine, do CPTA - não competindo ao STJ, nesta sede, reapreciar a factualidade por aquela fixada (que, segundo a primeira parte do referido art. 150.º, n.º4, não pode constituir objecto da revista), sem prejuízo de, por aplicação (supletiva) do disposto no art. 682.º, n.º 3, do CPC, poder determinar a alteração da mesma, a fim de serem corrigidas contradições na decisão sobre a matéria de facto ou supridas insuficiências, que inviabilizem uma decisão rigorosa do aspeto jurídico da causa.

Ao contrário do alegado pela recorrente, por força dos arts. 168.º e 178.º, ambos do EMJ aplicam-se aos recursos das deliberações do CSM o disposto nos arts. 3.º, 150º, 151º e 192.º todos do CPTA e supletivamente o art. 682.º do CPC, no qual está claramente previsto que, por regra, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista.

Ao invés do alegado pela recorrente, nos recursos de deliberações do CSM, o STJ - à semelhança do STA - funciona como Tribunal de revista, não sendo possível nesta sede produzir prova testemunhal, encontrando-se fixada a matéria de facto. Ao contrário do pretendido pela recorrente, não pode o STJ fazer uma interpretação do art. 177.º, n.º 1 do EMJ contra legem no sentido de que é admissível aceitar qualquer produção de prova, quando o legislador fez constar expressamente a expressão “requisitar documentos”, podendo, se fosse esse o seu objetivo, ter feito constar “ordenar a produção da prova”.

Veja-se, neste sentido, o Ac. do STJ de 16-12-2014, Pº 24/14.0YFLSB, bem como o de 20-03-2014, Pº 96/13.5YFLSB, em que se defende que: “IX - O STJ, enquanto tribunal de revista, tem, por via de regra, os seus poderes de cognição limitados a matéria de direito, só se podendo imiscuir no conhecimento de matéria de facto quando ocorram erros manifestos e grosseiros que impossibilitem uma decisão correcta e rigorosa do aspecto jurídico da causa. Deste modo, com excepção de erros patentes, manifestos ou grosseiros, não compete ao STJ proceder à reapreciação da matéria de facto que o órgão administrativo teve por provada, seja no sentido da exclusão de factos que, de acordo com uma diferente leitura ou valoração da prova produzida, foram incorrecta ou indevidamente considerados como provados, seja no sentido inverso, isto é, no da inclusão de matéria de facto que acabou por não ficar vertida na decisão da autoridade administrativa”.                           

Em sentido convergente veja-se o Ac. bem recente do STJ de 22-01-2015, Pº 53/14.4YFLSB, onde se lê que:

“De acordo com o nº 1 do art. 168.º do EMJ, “das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça”, constituindo fundamentos de recurso “os previstos na lei para os recursos a interpor dos actos do Governo”, consoante nº 5 do mesmo artigo. “São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo” (art. 178.º do referido diploma).

Por sua vez, o art. 3.º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei nº 15/2002 de 22/02, restringe a actuação dos tribunais administrativos à apreciação do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a administração, e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação. Preserva dos poderes de condenação dos tribunais administrativos os “espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa”. Acresce que, de acordo com o nº 1 do art. 50.º do mesmo Código, “a impugnação de um acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto”.

Resulta da conjugação destes normativos, estarmos ante um recurso contencioso de mera anulação, regulamentado nos arts. 168.º e segs. do EMJ, e art. 192.º do CPTA, que não de mérito. Recurso esse em que, como, sem divergência e de forma reiterada, vem sendo afirmado na doutrina e na jurisprudência deste Supremo Tribunal, a que aderimos, terá sempre o pedido de ser a anulação, ou a declaração de nulidade, ou de inexistência do acto recorrido (cf., neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, no Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª ed., pág. 792, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, na obra citada, pág. 290 (ponto 2), e na jurisprudência deste Tribunal, entre muito outros, os Acs. de 19/03/02, Proc. nº 01B2977, 26/10/07, Proc. nº 07B184, 7/12/07, Proc. nº 07B1522, 21/04/10, Proc. nº 638/09.0YFLSB, 27/05/10, Proc. nº 08B0453, 5/06/12, Proc. nº 118/11.4YFLSB, 18/10/12, Proc. nº 58/12.0YFLSB, 18/10/12, Proc. nº 125/11.7YFLSB, 21/11/12, Proc. nº 66/12.0YFLSB, 26/06/13, Proc. nº 132/12.2YFLSB, e de 21/03/13, Proc. nº 136/12.5YFLSB, todos disponíveis na base de dados do IGFEJ, de 27/10/09, Proc. nº 2472/08 e de 5/07/12, Proc. nº 141/11.9YFLSB nos Sumários, bem como os demais neles citados).

Isto é, emana dos mencionados normativos do CPTA estarmos perante um recurso de legalidade e não de mérito, afastando-se, assim, a possibilidade de se apreciar o conteúdo da decisão recorrida fazendo sobre ela juízos valorativos. O mesmo é dizer que, não pode este Tribunal intrometer-se no conteúdo da decisão recorrida, apenas lhe cabendo pronunciar-se sobre a sua legalidade”.

Por tudo o que atrás se expôs, por falta de fundamento legal, indefere-se a requerida audição de testemunhas. Vejamos agora as possibilidades do STJ em modificar a matéria de facto.

Conforme referimos acima, o STJ, enquanto tribunal de revista, só se pode imiscuir na matéria de facto, alterando-a, quando na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, tenha existido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 150.º, n.º 4 do CPTA). Ou ainda, a título excecional, quando ocorram contradições ou insuficiências na matéria de facto que inviabilizem uma rigorosa decisão jurídica da causa, conforme dispõe o art. 682.º, n.º 3 do CPC onde se prevê que “O processo só volta ao tribunal recorrido quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.

Veja-se neste sentido, ainda, o Ac. do STJ de 21-03-2013, Pº 15/12.6YFLSB: “XI - Os poderes de cognição do STJ em matéria de facto restringem-se à apreciação dos vícios dessa matéria, não podendo fazer uma reapreciação dos elementos de prova apurados, em ordem à formulação de um novo juízo sobre os mesmos. Quer dizer, compete ao STJ não a formulação de um (novo) juízo sobre a valoração da prova, mas apenas a apreciação da validade e legalidade dos meios de prova, por um lado, e da razoabilidade e coerência da matéria de facto fixada, por outro. Cabe-lhe, pois, neste âmbito, avaliar contradições, incoerências, insuficiências das provas, e erros notórios na sua apreciação, desde que tais vícios sejam manifestos e evidentes. São esses «erros de facto» que o STJ pode conhecer, o que não inclui um reexame da prova recolhida para formular um autónomo juízo sobre ela.”

Analisada a decisão recorrida e o relatório final do Sr. Inspetor, que faz parte integrante da deliberação recorrida, não vemos que tenham sido dados por provados factos sem a prova legalmente indispensável para o efeito, ou sem observância das pertinentes regras legais – isto é, não vislumbramos que na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Encontra-se assim afastada a hipótese prevista no art. 150.º, n.º 4 do CPTA.

Mas por outro lado, também não ocorreram contradições na decisão sobre a matéria de facto, com relevância para a decisão jurídica da causa.

Alega a recorrente que o art. 13.º (do relatório final do Sr. Inspector) está em contradição com o facto provado no art. 27.º (do mesmo relatório), Mas sem razão.

No art. 13.º do relatório final (e assumido na deliberação recorrida) escreveu-se que «13.º - Após ter sido aberta conclusão, em 11 de Abril de 2007, os autos de acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS não mais regressaram à secção de processos para serem movimentados».

Por sua vez, o art. 27.º contém a menção de que «Inicialmente, a divisão de trabalho, entre a Arguida e a Exma. Sra. Juíza, Dra. CC, operou-se através da lista manuscrita de todos os processos existentes no gabinete, elaborada pela Arguida, em 05 de Setembro de 2011, junta com a defesa, sob o documento n.º 1.». Analisado o doc. n.º1 concluiu-se que o processo n.º 2604/03.0TBCSC não consta da listagem.

Entendemos que não existe qualquer contradição entre estes dois factos provados, porque enquanto o art. 13.º apenas permite concluir que o processo n.º 2604/03.0TBCSC não regressou à secção de processos para ser movimentado, o art. 27º apenas permite concluir que a recorrente em 05-09-2011 elaborou uma lista manuscrita no qual fez constar todos os processos existentes no seu gabinete, do qual não consta o processo n.º 2604/03.0TBCSC.

Do art. 13.º não se conclui que o processo 2604/03.0TBCSC, desde 11-04-2007 até 23-07-2013, esteve no gabinete da recorrente ou em poder desta. Do art. 27º, e pese embora a lista tenha sido elaborada pela própria arguida, da forma como consta mencionado nos factos provados, extrai-se que no dia 05-09-2011 essa enunciação continha todos os processos existentes no gabinete e, consequentemente, que o processo n.º 2604/03.0TBCSC aí não se encontrava.

O facto do processo n.º 2604/03.0TBCSC, desde 11-04-2007 (data da abertura da conclusão) não ter mais voltado à secção de processos para ser movimentado, não permite extrair um outro facto segundo o qual, durante esse tempo, o processo esteve no gabinete da recorrente ou na posse/disponibilidade física desta. Pode, inclusive, o processo ter voltado à secção de processos, não para ser movimentado, mas por engano (ex. no meio de outro processo), ou, até, que nem estava no gabinete por razões que se desconhecem, nem voltou à secção para ser movimentado e estaria num terceiro local.

E o facto do processo n.º 2604/03.0TBCSC, no dia 05-09-2011 não constar da listagem dos processos existentes no gabinete da recorrente, Também não permite extrair o facto, como provado, de que o processo, pelo menos, nesse dia, não estava em poder da recorrente.

Desta feita, inexiste qualquer contradição entre os factos provados.

Importa agora ver se assiste razão à recorrente, sobre a insuficiência da matéria de facto provada para se obter uma correta decisão jurídica da causa (tal qual a mesma foi apreciada e decidida pela deliberação recorrida).

Alega a recorrente que o Senhor Instrutor considerou provado que “após ter sido aberta conclusão, em 11 de Abril de 2007, os autos de acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS não mais regressaram à secção de processos para serem movimentados” e que em 05 de Setembro de 2011 tal processo não existia no gabinete da recorrente não constando por isso da lista junta pela defesa como Doc. 1 que, é o Senhor Instrutor que o afirma, identifica todos os processos existentes no gabinete. E que não considerou provado o Senhor Instrutor que o processo não tivesse sido fisicamente disponibilizado à recorrente na data da conclusão ou após essa data e não considerou também provado o Senhor Instrutor que “em 23 de Julho de 2012, a recorrente havia encontrado no seu gabinete aquele processo misturado entre os vários volumes que compunham um outro processo”, sendo que não há prova nem factos sobre a localização física do processo entre 11-04-2007 e 23-07-2012, sabendo-se apenas que em 05-09-2011 o mesmo não estava no gabinete da recorrente.

Se revisitarmos os factos provados 7º a 13º e 27º, de início transcritos, vemos que a recorrente presidiu ao julgamento dos autos de processo sumaríssimo n.º 2604/03.0TBCSC em 06-02-2007, que nessa data ordenou que os autos lhe fossem conclusos atento o volume de documentos juntos, que lhe foi aberta conclusão pelo Escrivão com data de 11-04-2007 e que, com data de 23-07-2012 - ou seja, 5 anos, 3 meses e 12 dias depois - a recorrente despachou no referido processo “Conclua no citius a fim de juntar decisão”, data em que proferiu a respectiva sentença. Mais resulta provado que a recorrente elaborou uma lista manuscrita de todos os processos existentes no gabinete, em 05-09-2011 (sendo que nela não consta o processo n.º 2604/03.0TBCSC – facto que não consta provado mas se extrai da leitura da lista/documento n.º 1 referida no facto provado).

Consta do facto provado n.º 8 que «o escrivão de direito abriu conclusão no processo 2604/03.0TBCSC no dia 11-04-2007». Este facto provado não significa que desde essa data o processo tenha sido entregue fisicamente à recorrente, apenas significa que foi aberta uma conclusão no processo, com data de 11-04-2007. A abertura de um termo de conclusão é um facto distinto da entrega física do processo[4].

Não é inédito, na prática judiciária, ter sido aberto termo de conclusão e, por lapso, o processo físico não ser entregue no gabinete do juiz e vice-versa, ou seja, o processo ser fisicamente entregue no gabinete do Juiz e, por lapso, a folha com o termo de conclusão não estar nele integrada. A abertura de termo de conclusão e a entrega física do respetivo processo são factos distintos e como tal não podem ser interpretados ou considerados como um único e o mesmo facto.

Conforme expressa menção acima feita, o facto de constar como provado - facto n.º 13 - que o processo 2604/03.0TBCSC não mais regressou à secção de processos para ser movimentado, não equivale a ter como provado que o processo esteve, desde 11-04-2007, na posse/na disponibilidade e/ou no gabinete da recorrente.

Não se pode extrair dos factos provados sob os n.ºs 8 e 13, um outro facto que ali não consta provado. Isto é, não se pode concluir que, por ter sido aberta conclusão em 11-04-2007 e por o processo desde então não mais ter regressado à secção de processos para ser movimentado, que, desde aquela data, aquele esteve em poder ou na disponibilidade da recorrente.

Efetuar essa leitura, é extravasar por completo o âmbito e a dimensão dos factos provados n.ºs 8 e 13. Os factos têm a sua dimensão e alcance e não se podem extrair dos mesmos, mais do que o que eles encerram[5].

Acresce que, inclusive, também consta da factualidade dada como provada que o referido processo em 05-09-2011 não constava da listagem de todos os processos existentes no gabinete da recorrente. Temos como certo que essa listagem foi elaborada pela recorrente, mas o certo é que, desse mesmo facto provado consta que a listagem contemplava todos os processos existentes no gabinete (e o processo nº 2604/03.0TBCSC não constava como existente no gabinete). Se nesse dia 05-09-2011, o processo não estava no gabinete da recorrente, estaria ou não em poder da recorrente?

Desta feita, verifica-se que da análise da matéria de facto dada como provada, não consta como facto provado que o processo n.º 2604/03.0TBCSC, desde a abertura da conclusão (em 11-04-2007) até à elaboração da sentença (23-07-2012) esteve no gabinete e/ou na posse/detenção/disponibilidade da Recorrente.

Ora, sendo com base nos factos provados que se aprecia a dimensão jurídica do caso - mormente se aqueles factos integram o ilícito disciplinar e a adequação e proporcionalidade da pena a aplicar – revela-se essencial descobrir na factualidade provada a indicação do paradeiro do processo durante os 5 anos, 3 meses e 12 dias que mediaram entre aquelas datas.

É certo que, se analisarmos a motivação de facto (fundamentação), seja no relatório final do Sr. Inspetor seja na deliberação recorrida, concluímos que foi considerado assente que a recorrente tinha o processo n.º 2604/03.0TBCSC na sua posse/disponibilidade desde 11-04-2007, data da abertura da conclusão. E foi com base nesse pressuposto que o CSM apreciou a violação do dever de zelo e a violação da prossecução do interesse público e aplicou a pena de multa, suspensa na sua execução por um ano, afastando a atenuação especial da pena.

Disse-se no relatório do Exmº Inspetor Judicial:

"4. - Com todo o respeito, a justificação apresentada pela Arguida, para o atraso de mais de 5 anos na prolação da sentença na acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS, a nosso ver, não colhe, essencialmente, por três motivos:

- Primeiro, porque a sentença deveria ter sido logo ditada para a acta de audiência de julgamento, de acordo com o estatuído no artigo 796.º, n.º 7, do anterior CPC, tanto mais que a questão nela suscitada era “extremamente simples”, como reconhece a própria Arguida no artigo 9 da defesa. Não tendo sido logo ditada para a acta, o controlo do processo, para a decisão, é de sua inteira e exclusiva responsabilidade. Bastava, por exemplo, ter anotado na agenda de serviço, no dia do julgamento, “proferir sentença”.

- Segundo, porque o despacho, proferido na acta de audiência de julgamento, a ordenar que os autos lhe fossem conclusos, assentava numa prática incorrecta, já que, não só contrária à lei, mas também porque permitiu que a Arguida perdesse o controlo do cumprimento oportuno do estatuído no citado normativo, ao “transferi-lo” para a secção de processos. No caso concreto, a secção de processos abriu conclusão, para a sentença, decorridos mais de 2 meses da data da audiência de julgamento, quando a lei impõe o máximo de 5 dias para os actos da secretaria (cf. artigo 166.º, n.º 1, do anterior CPC);

- Terceiro, porque um processo composto por dois volumes, no total de 305 folhas, não passa despercebido no meio de outro processo, que apesar de composto por “vários volumes” (cf. artigo 5 da defesa), não foi identificado pela Arguida, como era natural que fosse, não só para se saber qual o seu percurso processual, mas, sobretudo, para a sua justificação ser convincente.

Aliás, não tendo sido detectada, qualquer outra acção, com atraso igual ou superior ao verificado na acção sumaríssima n.º 2604/03.0TBSCS, significa que, supostamente, o processo “dos vários volumes” terá sido, entretanto, manuseado e despachado pela Arguida, o que fragiliza, para não dizer que afasta totalmente, a justificação apresentada na defesa, tanto mais que em 5 de Setembro de 2011, a Arguida elaborou uma “lista manuscrita de todos os processos existentes no seu gabinete” (cf. artigo 6 da defesa), por ocasião da divisão de trabalho operada entre ela e a Exma. Sra. Juíza Auxiliar, Dra. CC, com o inerente manuseamento de tais processos.“

Inequivocamente, na sua fundamentação, o Sr. Inspector Judicial, afasta a posição da recorrente, considerando que esta teve em seu poder o processo durante os 5 anos, 3 meses e 12 dias. Tal até poderia ser o resultado de uma presunção judicial responsável pela convicção criada. Porém, não faz constar este facto da factualidade provada.

O mesmo raciocínio está refletido na fundamentação da deliberação recorrida. Conforme resulta da deliberação recorrida, o CSM adere à posição do Sr. Inspector Judicial e vai mais longe, referindo que: “Concordamos com o Ex.mo Sr. Inspector nas razões que aduz para concluir que o atraso na prolação de sentença nesse processo é da arguida (ponto VI.4). Dir-se-ia mesmo que, ponderando/aceitando a sua justificação, ainda assim, o atraso registado lhe é imputável por negligência. Efectivamente, a arguida presidiu ao julgamento e ordenou que lhe fosse aberta conclusão o que veio a ocorrer, sendo “a conclusão, aberta pelo, então, Sr. Escrivão de Direito, BB, data de 11 de Abril de 2007”. A partir desse momento e não se tendo colocado a questão da falsidade desse termo de conclusão, o processo está à sua responsabilidade e o atraso é-lhe imputável a si. Assim, a arguida sabia – tinha a obrigação de saber – que tinha aquela sentença para proferir e não o fez. Se entretanto se esqueceu, se por lapso deixou que os autos se confundissem com outros mais volumosos ou se, devido a alguma desorganização do seu serviço associada aos problemas pessoais que teve e que reconhecidamente afectaram o serviço, são circunstâncias que podem ajudar a explicar o atraso mas que não excluem a sua responsabilidade (apenas permitiriam que se considerasse que a sua negligência nesta infracção de execução continuada que ab initio era necessariamente consciente passasse a ser inconsciente). 

Face ao supra referido e também pelo exposto pelo Ex.mo Sr. Inspector (ponto VI.5) não ocorrem circunstâncias que levem a que se considere a inexigibilidade de conduta diversa.

Verifica-se que a deliberação recorrida conclui que por não se ter colocado a questão da falsidade do termo de conclusão, a partir o momento da abertura de conclusão pelo escrivão de direito (11-04-2007) o processo está à responsabilidade da recorrente.

Já se disse que a abertura de um termo de conclusão não pode ser equiparada à entrega física do processo (lembre-se que em 2007 não estava em causa a abertura de conclusão no citius), pelo que o facto de estar provado que foi aberta conclusão pelo escrivão de direito em 11-04-2007, não equivale a estar provado que, nessa data, foi entregue fisicamente o processo à recorrente. São factos autónomos, que não se confundem entre si.

Se é certo que, na fundamentação da matéria de facto tanto o Sr. Inspector Judicial no relatório final como a deliberação recorrida assumem que a recorrente “só podia ter na sua posse” o processo n.º 2604/03.0TBCSC o certo é que tal facto não resulta da matéria de facto provada e esse era o passo lógico que se impunha para que a argumentação jurídica fosse coesa e coerente.

Tanto o relatório final do Sr. Inspetor Judicial como a deliberação recorrida assumem, apreciam e fundamentam todo o ilícito disciplinar e a respetiva pena num pressuposto que não foi levado à factualidade provada,  

Em momento nenhum da fundamentação do relatório do Sr. Inspector Judicial ou da deliberação recorrida se aprecia a responsabilidade da recorrente admitindo que a mesma não teve na sua posse/disponibilidade física o referido processo, desde a abertura da conclusão (em 11-04-2007).

Veja-se com relevância o Ac. do STJ de 08-05-2013, Pº 158/05.2PTFUN.L2.S1 - 3.ª Secção,  [6] “III - Enumerar os factos é descrevê-los, pois que sem descrição de factos desconhece-se o conteúdo do objecto do processo como resultou da discussão da causa, em ordem a que possa aplicar-se o direito. Torna-se necessária a descrição especificada dos factos provados, relevantes para a decisão da causa, mesmo que resultem de documento, porque o documento é apenas o suporte probatório dos factos que dele se extraírem como relevantes, integrando o documento a motivação da convicção dos factos documentados considerados relevantes. IV - A discriminação dos factos é conditio sine qua non da estrutura, credibilidade e validade factual da decisão.“

Perante a concreta configuração do dever profissional cuja violação se imputa à recorrente, afigura-se-nos essencial para a correta e rigorosa decisão da causa que constasse como provado o facto de a recorrente ter tido (ou não) em seu poder/disponibilidade o processo n.º 2604/03.0TBCSC desde a abertura da conclusão até à prolação da sentença

A violação do dever de zelo e a violação do dever de prossecução do interesse publico, bem como a aplicação da sanção inerente, pressupõem, de acordo com a configuração adotada na decisão recorrida, que se dê como provado que o processo, durante aqueles 5 anos, 3 meses e 12 dias, esteve na posse/detenção/disponibilidade da recorrente e por esquecimento, desleixo ou outra razão, não foi despachado.

Porque, de facto, já se não configuraria aquela mesma violação, se tivesse ficado provado que o processo, após abertura da conclusão regressou por engano à secção de processos, ou se simplesmente se tivesse afirmado o desconhecimento, sobre se o processo ficara ou não na posse/disponibilidade física da recorrente[7]. Quando muito se teria que apreciar se a recorrente, uma vez que presidiu ao julgamento, tinha ou não o dever, e portanto a responsabilidade de solicitar a entrega física do processo para elaboração da sentença. E, assumindo que tinha essa responsabilidade, qual a medida da pena proporcionada à situação.

Nessa análise, dever-se-á ter em conta que o que aconteceu com este processo (2604/03.0TBCSC) é um facto sem paralelo no trabalho da recorrente, quanto ao tempo de demora na prolação da sentença. Se analisarmos os restantes 100 atrasos que teve (não relevantes para efeitos de ilícito disciplinar) mas relevantes para apreciação do percurso da recorrente, os mesmos não excederam um ano (máximo de tempo na prolação de sentença foi 11 meses e 28 dias), estando muito aquém do período de 5 anos, 3 meses e 12 dias imputado à recorrente neste processo.

Verifica-se assim que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para uma rigorosa discussão do aspecto jurídico da causa, matéria de facto que deverá ser ampliada, quanto ao facto de se saber se a recorrente teve ou não na sua posse, detenção ou disponibilidade o processo n.º 2604/03.0TBCSC durante 5 anos, 3 meses e 12 dias (período entre a abertura da conclusão 11-04-2007 até à data da prolação da sentença 23-07-2012), nos termos e para os efeitos do art. 168º, n.ºs 1 e 5 e 178.º ambos do EMJ e art. 150º do CPTA e, supletivamente, pelo art. 682.º, n.º 3 do CPC.

Face à procedência desta questão colocada pela recorrente, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso.

D – DELIBERAÇÃO

Pelo exposto e na procedência do recurso interposto pela recorrente, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça em anular a deliberação recorrida.

Custas pelo recorrido, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, sendo o respetivo valor tributário € 30.000,01, (atento o preceituado no n.º 2 do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e a taxa de justiça de 6 unidades de conta, de acordo com n.º 1 do artigo 7,º do Regulamento das Custas Judiciais e respetiva Tabela I - A, anexa a este último diploma.

                                              Lisboa, 9 de Julho de 2015

Souto de Moura (Relator)

Távora Vítor

Gregório Jesus

Fernando Bento

Ana Paula Boularot (Vencida nos termos da declaração de voto que junto)

Melo Lima

Santos Cabral (Vencido de acordo com declaração que junto)

Sebastião Póvoas (Presidente da Secção , Subscrevendo, embora com declaração de voto)

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[1] Sumário acessível in www.stj.pt Jurisprudência – Contencioso - Sumários do Contencioso – Ano 2014.

[2] Consta a data de «06-05-2010» mas trata-se de uma lapso manifesto na identificação do ano, tratando-se do ano de 2013, porque a certidão junta é de 02-05-2013 e chegou ao CSM em 07-05-2013, pelo que nunca poderia ser do ano de 2010.
[3] Ex vi art. 1º do CPTA.
[4] Não podemos olvidar que estamos a tratar de um processo com tramitação manual e não através de sistema informático “citius”.
[5] Veja-se mutatis mutandis Acórdão do STJ de 07-12-2006, proferido no proc. n.º 4258/06 – 5.ª Secção, relatado pelo Cons. Pereira Madeira, acessível em www.dgsi.pt.:I - Um facto não provado, não passa disso: de um facto não provado. Não é a prova do contrário. É tão-só, um não facto. Isto é: a não prova da intenção de matar não é a prova da não intenção de matar”.
[6] Sumário acessível in www.stj.pt Jurisprudência – Sumários de Acórdãos - Crime - Ano de 2013.

[7]O mesmo se entendeu no Ac. do STJ de 14-03-2013, Pº 121/00.0TACBR-B.C1.S1: “IV - Uma coisa é haver prova de que certo evento não teve lugar e outra, diferente, não haver prova de que esse evento tenha ocorrido. Ali, há uma certeza, quanto a um facto negativo (ou positivo). Aqui, o julgador ficou na dúvida e por isso não é de excluir que o facto possa ter ocorrido (o que não colide com a obrigação de o julgador ter que ignorar essa ocorrência, por força do princípio da presunção de inocência).”

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Declaração de Voto

Vencida.

Entendo que a factualidade que levou à anulação da deliberação para apuramento da mesma se encontra desde já como assente, por via da utilização de uma presunção judicial,, porquanto quer no relatório final do Inspector Judicial, quer na decisão em impugnação quando aí se conclui que a recorrente, atentas as demais circunstâncias factuais, "só poderia ter na sua posse" o processo 2604/03.0 TBCSC.

Ana Paula Boularot

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A decisão de que se diverge faz emergir a responsabilidade da arguida da circunstância de se demonstrar que lhe foi entregue fisicamente o processo em causa. Porém, independentemente de tal facto, e tal como refere a decisão recorrida, a arguida sabia, ou tinha a obrigação de saber, se agisse com a diligência que lhe é exigível, que tinha aquela sentença para proferir e que não a proferiu durante cinco anos.

Qualquer que seja o motivo pelo qual não observou o dever de zelo inerente subsiste objectivamente a infracção disciplinar, sendo certo que a sanção aplicada, mesmo pressupondo, a existência de uma conduta negligente, se afigura proporcionada.

Santos Cabral

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Declaração de voto


Não subscrevo o segmento que afirma a impossibilidade do STJ proceder à reapreciação da matéria de facto.

No sentido do Acórdão ora votado encontra-se, v.g., o aresto de 22 de Janeiro de 2015 P.º 53/14.4YFLSB de cuja doutrina discordo nos termos de meus votos, reiteradamente exarados que passo a reproduzir na parte que aqui releva.

“...No processo disciplinar, tal como no processo penal, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar.

A prova deve ser inequívoca (e conclusiva) no sentido de que o sancionado é o autor/responsável.

Não pode impor-se uma sanção com base em simples “indícios, presunções ou conjecturas subjectivas” (cfr. Acórdão TCAN de 10 de Maio de 2012-01958/08.7BEPRT onde, além do mais, se decidiu que “o condicionamento da ampla zona de liberdade probatória pelo fim de se obter a verdade material, conduz necessariamente à revisibilidade jurisdicional do juízo efectuado pelo órgão instrutor ou decisor sobre a apreciação e valoração das provas, sendo que o tribunal não está vinculado à apreciação que esse órgão tenha feito das provas recolhidas” - cfr. também os Acórdãos do mesmo Tribunal de 27 de Janeiro de 2011 - P.º 00827/07.2BEPRT; de 18 de Fevereiro de 2011 - P.º 00344/08.3BEPRT; e de 22 de Janeiro de 2012 - P.º 00851/07.5BEPRT).

Ademais, nesta sede, a Secção do Contencioso do STJ é o primeiro órgão de apreciação jurisdicional, não podendo retirar-se-lhe a sindicância da prova, sob pena de a mesma se tornar intocável nos termos, e conclusões, que a entidade recorrida alcançou.

Até mesmo no processo civil, onde o STJ é essencialmente um tribunal de revista, existem situações (excepcionais embora) em que a última instância pode reapreciar as provas (artigos 682.º n.º 2 e 674.º n.º 3 do CPC).

E a Relação pode sempre fazê-lo em sede de apelação cível (artigo 662.° CPC) e no processo penal (artigos 428.° e 431.° CPP).

O Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 16 de Fevereiro de 2015 - 01546/14) afirmou que quando se discute o princípio da presunção de inocência em processo sancionatório, e seus corolários quanto ao ónus da prova, há que verificar se no âmbito do processo disciplinar se procurou a demonstração de factos indiciadores de ilicitude e de culpa.

A melhor e mais pacífica jurisprudência pronunciou-se no sentido de, no processo disciplinar, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção caber ao titular do poder disciplinar (cfr. v.g. os Acórdãos do S.T.A. de 19 de Janeiro de 1995 - P.º 031486 -; de 14 de Março de 1996 - P.º 028264 -; de 16 de Outubro de 1997 -P.° 031496 -; e de 27 de Novembro de 1997 - P.° 039040) não bastando meras ilações, ou simples presunções judiciais tiradas pelo instrutor.

E assim, também se louvando no n.º 2 do artigo 32.° da Constituição da República, aquele Acórdão do STA de 14 de Março de 1996 julgou que “um non liquet em matéria de prova resolve-se a favor do arguido, por aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dúbio pro reo”. (cfr. ainda o Acórdão do STA (Pleno) de 17 de Maio de 2001 - P.º 40528:1).

E o exposto não contende com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.° do Código de Processo Penal (e n.º 5 do artigo 607.° do Código de Processo Civil).

É que este princípio não pressupõe, (nem conduz) à inversão do ónus da prova dos factos constitutivos da infracção imputada, a qual, como já se deixou dito, compete ao titular da acção disciplinar.

Ademais, não pode sequer invocar-se a limitação do artigo 410.° do Código de Processo Penal apenas aplicável aos recursos das decisões dos Tribunais, por aqui estar em causa o recurso de um acto de uma entidade administrativa (CSM), sob pena de ser criada uma zona de insindicabilidade impeditiva do acesso aos tribunais e, portanto, violadora do artigo 268.° n.º 4 da Constituição da República(...).

Mas nesta última operação devem ser desconsiderados meros indícios, presunções ou conjecturas subjectivas.

E o Tribunal “não está vinculado à apreciação que o órgão (instrutor ou decisor) tenha feito das provas recolhidas (cfr. Acórdão do TCAN de 10 de Maio de 2012 - P.º 01958/08.7BEPRT).

A assim não ser ficar-lhe-ia cerceado o poder de sindicância do erro sobre os pressupostos de facto, já que não podia afirmá-los dentro da sua liberdade de valoração limitando-se a apor a sua chancela nos precisos termos em que lhe foram presentes.”

Enfatizo ainda que interpretação diversa contende flagrantemente com o disposto no artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República.”

Porém, e à excepção daquela questão prévia, e porque considero que no mais não estou dissonante do Acórdão, voto a decisão.

Sebastião Póvoas