Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
192/10.0TTVNF.P1S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
COOPERATIVA AGRÍCOLA
DEVER DE LEALDADE
BOA FÉ
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO COMERCIAL - COOPERATIVAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA / PRINCÍPIOS GERAIS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ( POR INICIATIVA DO EMPREGADOR).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 143.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 2009, p. 55.
- Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114, pp. 119-120.
- Bernardo da Gama Lobo Xavier, «Prescrição de infracção disciplinar», RDES, Janeiro-Dezembro – 1990, pp. 243-247, 255 e 267.
- Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 960 e 1010.
- Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, n.º 578, n.º 603.
- Inês Albuquerque e Castro, «A repercussão do tempo no procedimento disciplinar – Da prescrição, caducidade, duração da instrução e inobservância do prazo de decisão», in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. III, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 502-513, embora a opinião das autoras se refira ao 31.º da LCT e não ao CT de 2003.
- Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 250.
- Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 947 e 952; João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 371.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Sujeitos e Objecto, Coimbra, 1997, p. 79.
- Maria Manuela Maia da Silva, «O Tempo no Processo Disciplinar», in I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, pp. 204-209.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2004, p. 233.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 281-282.
- Mota Pinto, ob. cit., p. 291.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 289.
- Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, p. 233.
- Theo Mayer-Maly, Treue- und Fürsorgepflicht in rechtstheoretischer und rechtsdomatischer Sicht, in Treu- unf Fürsorgepflicht im Arbeitsrecht, Stuttgart, 1975, pp. 71 e ss.
-Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 382, 635, 645.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 352.º, 358, N.ºS 1, 2 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 80.º, AL. F), 82.º, N.º4, AL. A), 85.º, 97.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 659.º, N.º 3, 660.º, N.º2, 668.º, N.º 1, AL. B), 713.º, N.º2, 721.º, N.º5, 722.º, N.º3, 726.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) /2003: - ARTIGOS 119.º, 120.º, AL. E), 121.º, 160.º, N.º1, 372.º, N.ºS 1 E 2, 396.º, N.ºS 1, 2 E 3, AL. E).
LEI N.º 51/96, DE 7 DE SETEMBRO (CÓDIGO COOPERATIVO: - ARTIGOS 2.º, N.º1, 3.º, 16.º, 65.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16-01-2002, PROCESSO N.º 01S1316.
-DE 17-10-2006, 06A3250; 18-04-2006, PROC. N.º 06A846; DE 25-10-2012, PROC. N.º 1059/06.2TBVCD.P1.S1.
-DE 05-01-2012, RECURSO N.º 3937/04.4TTLSB.L1.S1, DE 23-11-2012, PROCESSO N.º 28/06.7TTLSB.L1.S1 E DE 13-01-2010, RECURSO N.º 2277/03.0TTPRT.S1.
-DE 05-03-2013, PROC. N.º 1361/09.1TTPRT.P1.S1; ACÓRDÃO DE 18-02-2011, PROC. N.º 1214/06.5TTPRT.P1.S1; ACÓRDÃO DE 13-01-2010, PROC. N.º 1164/07.8TTPRT.S1.
Sumário :

1. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e do respectivo autor, nos termos do art. 372.º, n.º 1, do CT de 2003, regime que se funda na necessidade de tutela de interesses colectivos em matéria de segurança jurídica, em especial, dos interesses dos trabalhadores.

2. As Cooperativas são pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública, que gozam de um estatuto especialmente protegido pela lei e pela Constituição, beneficiando de uma discriminação positiva, em virtude dos interesses sociais que prosseguem.

3. O dever de lealdade tem uma dimensão ampla, que abrange, para além do cumprimento do contrato, de acordo com a boa fé, um aspecto pessoal e um aspecto organizacional, cujo conteúdo se densifica quando os trabalhadores exercem cargos de responsabilidade na gestão financeira da empresa. 


4. A quebra da relação da confiança com a Cooperativa, enquanto pessoa jurídica autónoma, assume um aspecto decisivo na avaliação da justa causa de despedimento, dada a particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, pelo que a insubsistência desta torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, verificando-se, assim, justa causa de despedimento.

Decisão Texto Integral:

 

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

A. Proc. 192/10.0TTVNF.P1

AA, aos 18.03.2010, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de Vila Nova de Famalicão, CRL, pela qual pede que se considere ilícito o despedimento realizado e a condenação da R. no pagamento de:

1 - Uma indemnização a título de antiguidade em montante nunca inferior a 45 dias por cada ano de trabalho, liquidando tal valor, à data da petição inicial, em 102.215,22 euros;

2 - Retribuições vencidas desde o 30º dia anterior à propositura desta acção, sendo o seu valor médio mensal de 11.681,74 euros, e vincendas até trânsito em julgado da decisão;

3 - Retribuição pelo trabalho prestado em Janeiro de 2009, no valor de 9.818,12 euros;

4 - Retribuição relativa ao período de 01/02/2009 a 08/02/2009, no valor de 2.405,06 euros;

5 - Retribuição correspondente ao período de 04/02/2009 a 27/03/2009, em virtude da suspensão preventiva da trabalhadora, deduzido que seja o valor atribuído pela situação de baixa médica;

6 - Retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 01/01/2009, no valor de 23.363,48 euros;

7 - Retribuição de férias e subsídio de férias relativo ao ano da cessação do contrato, proporcionais ao tempo de trabalho prestado, no valor de 5.221,38 euros;

8 - Subsídio de Natal relativo ao ano da cessação do contrato, proporcional ao tempo de trabalho prestado, no valor de 2.758,19 euros;

9 - Quantia de 15.000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais;

10 - Uma indemnização pelos prejuízos decorrentes para a A. da falta de concessão do subsídio de desemprego, motivada pela não entrega do modelo RP5044-DGSS, cuja liquidação foi relegada para momento ulterior;

11 - Juros de mora vencidos contabilizados sobre as quantias peticionadas desde a data de vencimento de cada um dos créditos (que não foi indicada).

Para tanto, alega ter trabalhado para a R. desde 01/05/2003, tendo sido ilicitamente despedida após a realização de um processo disciplinar, porquanto:

a) A Direcção da R. que conduziu o processo disciplinar carecia de competência disciplinar na data em que aquele processo foi promovido;

b) As infracções disciplinares que lhe são imputadas verificaram-se há mais de um ano, considerando a data em que se iniciou o processo disciplinar, reportando-se aos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007;

c) A sua suspensão preventiva verificou-se em 05/01/2009 e a nota de culpa apenas lhe foi notificada em 10/02/2009, mais de 30 dias depois em violação do disposto no art. 417.º, n.º 2, do Código do Trabalho;

d) São falsos os factos que lhe foram imputados e que justificaram o seu despedimento por parte da empregadora;

e) A maioria dos factos imputados no procedimento disciplinar tinham ocorrido há mais de 60 dias, estando caduco o direito de instaurar o processo disciplinar pelos mesmos;

f) Não procedeu a R. ao pagamento das quantias devidas pelo trabalho prestado na parte final do seu contrato de trabalho, considerando a data em que foi comunicado à A. o seu despedimento, nem dos créditos decorrentes daquela cessação;

g) Não procedeu a R. à entrega do documento necessário à obtenção de subsídio de desemprego, o que poderá causar à A. prejuízos resultantes da não obtenção deste;

h) Como consequência directa da conduta da R., viu-se a A. vexada na sua dignidade pessoal e brio profissional, tendo sofrido insónias e desgostos vários, com a divulgação pública dos factos em causa no processo disciplinar e comentários sobre a sua conduta profissional e pessoal.

Logo na petição inicial, optou a trabalhadora AA pela indemnização por antiguidade em substituição do eventual direito à sua reintegração na R.

A Ré contestou os pedidos formulados, afirmando a licitude do despedimento realizado, alegando ter a Autora praticado todos os factos constantes do relatório final anexo à decisão de despedimento, cujo conteúdo considerou reproduzido, impugnando os factos em contrário alegados pela Autora (I Vol, fls. 117 e segs).

A A. AA respondeu, mantendo, no essencial, os factos alegados na petição inicial. (II Vol, fls. 269 e segs).

Foi realizada audiência preliminar, convidando-se a A. a concretizar o art. 10.º da sua petição inicial, precisando a natureza dos prémios/gratificações alegadamente pagos pela R., bem como a alegar em que data teria a Ré tido conhecimento dos factos invocados na nota de culpa (II Vol. fls. 391 e segs).

Mais se determinou que a A. esclarecesse a natureza da acção intentada contra a Ré e relativa à deliberação de nomeação da Direcção que instaurou o processo disciplinar.

A Autora veio responder a este convite, nos termos de fls. 410 e sgs. (III Vol.), tendo os factos em causa sido impugnados pela R. a fls. 591 a 593 (III Vol.).

Designada data, procedeu-se à continuação da audiência preliminar, havendo sido proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, consignando-se a assente e organizando-se base instrutória, de que não foram apresentadas reclamações (III Vol., fls. 597 e segs).

No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada nulidade do processo disciplinar por falta de poderes da Direcção (alínea a) do relatório que antecede), bem como irrelevante para efeito de declaração de ilicitude do despedimento o não cumprimento do prazo estabelecido no art. 417.º, n.º 2, do Código do Trabalho (alínea c) do relatório que antecede), relegando-se para a decisão final a apreciação das questões de prescrição / caducidade invocadas.


 

B. Proc. 194/10.7TTPNF.P1

           

CC, aos 19.03.2010, intentou igualmente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a mesma R. BB Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de Vila Nova de Famalicão, CRL, peticionando que se considere ilícito o despedimento realizado e a condenação da R.:

1 – No pagamento de retribuições vencidas e não pagas no valor de 38.606,13 euros;

2 – Em reintegrá-la na cooperativa ou a pagar-lhe uma indemnização a título de antiguidade em montante nunca inferior a 45 dias por cada ano de trabalho, liquidando tal valor, à data da petição inicial, em 184.800,00 euros;

3 – No pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais de 50.000,00 euros;

4 – No pagamento das retribuições vencidas desde o 30.º dia anterior à propositura desta acção, sendo o seu valor à data da propositura de 17.664,83 euros, e vincendas;

5 – Na entrega do modelo 5044 da Segurança Social e o certificado para o trabalho devidamente preenchidos;

6 – A reconhecer a antiguidade da A. desde o dia 01/03/1982, procedendo aos competentes descontos entre 01/03/1982 e 31/08/1983;

7 – Juros de mora vencidos contabilizados sobre as quantias peticionadas desde a data de vencimento de cada um dos créditos (que não foi indicada).

Para tanto, alega ter trabalhado para a R. desde 01/03/1982, tendo sido ilicitamente despedida após a realização de um processo disciplinar, porquanto:

a) São falsos os factos que lhe foram imputados e que justificaram o seu despedimento por parte da empregadora;

b) As infracções disciplinares que lhe são imputadas estão prescritas ou caducas, pois que se verificaram entre 2002 a 2007, sendo do conhecimento da R. há mais de 60 dias, considerando a data em que foi instaurado o processo disciplinar;

c) Esteve suspensa por 32 dias em violação do disposto no art. 417.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o que constitui uma ilegalidade do processo disciplinar;

d) A R. enviou-lhe os documentos relativos à concessão do subsídio de desemprego com incorrecções, que não rectificou, impedindo-a de exercer os seus direitos;

e) A R. não efectuou os descontos para a segurança social relativos ao período inicial do contrato de trabalho;

f) Como consequência directa da conduta da R., viu-se a A. vexada na sua dignidade pessoal e brio profissional, tendo sofrido insónias e desgostos vários, com a divulgação pública dos factos em causa no processo disciplinar e comentários sobre a sua conduta profissional e pessoal.

A R. contestou os pedidos formulados pela A. CC afirmando a licitude do despedimento realizado, alegando ter a A. praticado todos os factos constantes do relatório final anexo à decisão de despedimento, cujo conteúdo considerou reproduzido, impugnando os factos em contrário alegados pela A. (II Vol., fls. 206 e segs).

A A. CC respondeu, mantendo, no essencial, os factos alegados na petição inicial (II Vol, fls. 361 e segs).

Também nestes autos foi realizada audiência preliminar, convidando-se a A. a concretizar o art. 23.º da sua petição inicial, ao que a A. respondeu nos termos de fls. 691 desses autos, tendo os factos em causa sido impugnados pela R. (III Vol, fls. 690 a 693).

Designada data, procedeu-se à continuação da audiência preliminar, na qual se proferiu despacho saneador, tendo-se o Tribunal declarado incompetente em razão da matéria para apreciação do pedido relativo aos descontos para a segurança social.

Procedeu-se à selecção da matéria de facto, consignando-se a assente e organizando-se base instrutória, de que não foram apresentadas reclamações (IV Vol, fls. 841 a 874).


*

C. Ambos os Processos

Em ambos os processos, a Ré deduziu incidente de falsidade em relação a vários documentos neles apresentados pelas Autoras (fls. 587 do Proc. 192/10 e fls. 683 do processo 194/10).

Em data posterior à elaboração do despacho saneador, foi determinada a apensação, ao Processo 192/10.0TTVNF.P1, do Proc.194/10.7TTVNF (passando este a constituir o apenso A), nos termos que constam do despacho de fls. 638 daquele[2].

Realizaram-se 15 sessões da audiência de discussão e julgamento, havendo a prova nelas produzida sido gravada (Vol. IV, fls. 663 a 668, 670 a 673, 682 a 684, 688 a 690, 709/710, 712 a 714, 738 a 741, 842 a 846, Vol. V, fls. 866 a 870, 1028 a 1032, 1050 a 1054, 1070/1071, 1077 a 1079, 1119 a 1121 e 1158/1159, esta relativa às alegações orais).

Respondeu-se aos quesitos da BI nos termos constantes de fls. 1160 a 1250 (VI Vol), de que a ré reclamou conforme fls. 1266 a 1286, havendo junto cinco documentos (que constam de fls. 1287 a 1292).

As AA. responderam à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento, e opondo-se a A. CC à junção dos documentos (fls. 1294 a 1296 e 1299 a 1301).

 A Mm.ª juíza proferiu o despacho de fls. 1303 a 1305, notificado às partes via citius com data de elaboração de 08.08.2011 (fls. 1307 a 1309), deferindo parcialmente a reclamação (e ordenando a rectificação da resposta ao quesito 76).

Aos 07.10.2011, foi proferida sentença (fls. 1310 a 1370), em que se decidiu que as acções eram parcialmente procedentes, nos termos que se passam a transcrever:

«1 – condena a R. BB – Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de Vila Nova de Famalicão a:

A) em relação à A. AA:

a) pagar as retribuições intercalares vencidas desde o dia 18/02/2010 até à data do trânsito em julgado desta decisão, às quais deverão ser deduzidas as quantias a que reporta o art. 437.º, n.º 2 e 3, do C. do Trabalho, a liquidar em incidente ulterior, tendo em consideração o valor da retribuição base da A. e diuturnidades vencidas;

b) pagar a indemnização por antiguidade referente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades que, à data desta decisão, se liquida em 22.824,00 euros, mas que deverá considerar ainda o período que decorrer até trânsito em julgado desta decisão, a liquidar, se necessário, nesta parte, ulteriormente;

c) pagar os seguintes créditos salariais:

c. 1. 2.522,00 euros relativos à acréscimo de remuneração do mês de Janeiro de 2009;

c. 2. 672,40 euros relativos ao vencimento base, diuturnidades e acréscimo de remuneração de 08 dias de trabalho de Fevereiro de 2009;

c. 3. 5.058,00 euros relativos à retribuição pelas férias vencidas em 01/01/2009, considerando a retribuição base, diuturnidades e acréscimo de remuneração;

c. 4. 2.536,00 euros relativos ao subsídio de férias vencido em 01/01/2009, considerando a retribuição base e diuturnidades;

c. 5. 1.177,89 euros relativos aos proporcionais de retribuição pelas férias do ano de 2009, considerando a retribuição base, diuturnidades e acréscimo de remuneração;

c. 6. 590,58 euros relativos aos proporcionais de subsídio de férias do ano de 2009, considerando a retribuição base e diuturnidades;

c. 7. 590,58 euros relativos aos proporcionais de subsídio de Natal do ano de 2009, considerando a retribuição base e diuturnidades;

d) pagar a indemnização por danos não patrimoniais de 3.500,00 euros.

B) em relação à A. CC:

a) pagar as retribuições intercalares vencidas desde o dia 19/02/2010 até à data do trânsito em julgado desta decisão, às quais deverão ser deduzidas as quantias a que reporta o art. 437.º, n º 2 e 3, do C. do Trabalho, a liquidar em incidente ulterior, tendo em consideração o valor da retribuição base da A. e diuturnidades vencidas;

b) pagar a indemnização por antiguidade referente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades que, á data desta decisão, se liquida em 133.200,00 euros, mas que deverá considerar ainda o período que decorrer até trânsito em julgado desta decisão, a liquidar, se necessário, nesta parte, ulteriormente;

c) pagar os seguintes créditos salariais:

c. 1. 1.289,17 euros relativos à acréscimo de remuneração de 5 dias mês de Janeiro de 2009;

c. 2. 12.135,00 euros relativos à retribuição pelas férias vencidas em 01/01/2009, considerando a retribuição base, diuturnidades e acréscimo de remuneração;

c. 3. 4.440,00 euros relativos ao subsídio de férias vencido em 01/01/2009, considerando a retribuição base e diuturnidades;

c.4. 3.989,59 euros relativos aos proporcionais de retribuição pelas férias do ano de 2009, considerando a retribuição base, diuturnidades e acréscimo de remuneração;

c.5. 1.459,73 euros relativos aos proporcionais de subsídio de férias do ano de 2009, considerando a retribuição base e diuturnidades;

c.6. 1.459,73 euros relativos aos proporcionais de subsídio de Natal do ano de 2009, considerando a retribuição base e diuturnidades;

d) pagar a indemnização por danos não patrimoniais de 7.500,00 euros;

e) reconhecer que a A. exerce funções para a R. desde 31/03/1982;

f) entregar à A. o certificado de trabalho emitido de acordo com os elementos que resultaram provados nestes autos;

3 – condena ainda a R., em relação a ambas as As., pagar juros de mora contabilizados sobre cada uma das quantias referidas, vencidos desde a data da citação quanto às retribuições intercalares vencidas em data anterior a esta e quantias referidas em c) e desde a data desta decisão quanto às demais quantias, à taxa de juro de 4%, e até que ocorra o pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa e até que aquele se verifique;

4 – julga improcedente o incidente de falsidade suscitado pela R. em relação aos documentos relativos aos pagamentos de pagamento de gratificações/prémios e acréscimos de remuneração;

5 - absolve a R. quanto ao mais peticionado por ambas as As.

6 - Em relação às quantias referidas em c), a R. deverá proceder ao pagamento das quantias devidas a título de imposto e contribuições, sobre o valor da retribuição base e diuturnidades, entregando às As. os respectivos valores líquidos.»

A sentença foi notificada aos mandatários das partes, via citius, com data de elaboração de 10.10.2011.

            Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que alterou parcialmente a decisão de 1.ª instância, com um voto de vencido, decidindo o seguinte:

«A. Não admitir a junção do requerimento de fls. 1727/1728 (Processo 192/10.0TTVNF.P1) apresentado pela Recorrente, devendo o suporte informático do mesmo (já que remetido via citius) ter-se como não apresentado e, o respetivo suporte em papel, oportunamente, ser desentranhado e devolvido à parte, com custas do incidente pela Recorrente (art. 7.º, n.ºs 3 e 6 do RCP, na redação original, aprovado pelo DL 34/2008).

B. Não admitir a junção dos documentos de fls. 1287 a 1292 e de fls. 1661-A a 1706 requerida pela Recorrente, os quais deverão, oportunamente, ser desentranhados e devolvidos à parte, condenando-se a Recorrente na multa única de 2 (duas) UC, nos termos do art. 543.º, n.º 1, do CPC.

C. Indeferir todas as arguidas nulidades de sentença.

D. Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida que é substituída pelo presente acórdão reconhecendo que a antiguidade da A. CC deverá ser reportada a 01.09.1986 e condenando a Ré a pagar-lhe, a título de indemnização de antiguidade, calculada até à presente data, a quantia de € 128.760,00, sem prejuízo do que se vencer até à data do trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar, se necessário, posteriormente.

E. No mais, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.»

Inconformada, a Ré recorre de revista, apresentando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso é admissível nos termos do disposto nas alíneas a) e b), do n.° 1, do artigo 721.°-A, do CPC porque, por um lado, a questão sub judice assume relevância jurídica cujo esclarecimento interessa e é claramente necessário a uma melhor aplicação do direito e, por outro lado, estão em causa interesses de particular relevância social.

2. Apesar da liberdade de constituição cooperativa consagrada nos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.°, da Constituição, as Cooperativas são obrigadas a desenvolver a sua actividade dentro de um específico quadro normativo legal não orientado pela vontade e iniciativa privada e pela liberdade contratual assegurada no artigo 405.°, do Código Civil como acontece noutro tipo de pessoas colectivas, mas antes pelos princípios e normas cooperativas;

3. A actividade cooperativa tem forçosamente que se desenvolver num quadro de respeito inultrapassável pelos princípios cooperativos e pela lei ut artigo 61.° da Constituição e artigo 7.°, n.° 1, do CCoop.;

4. São aplicáveis por força do disposto no n.° 3, do artigo 7.°, do Código Cooperativo as regras do CSC mas as cooperativas não são empresas nem se regem pelo móbil do lucro ou pelo princípio da liberdade contratual como acontece com as sociedades comerciais;

5. Quando foi junto o documento da Acta n.° 10 do Conselho Fiscal não se encontrava encerrado o julgamento da matéria de facto porque este só ocorre com a decisão definitiva das reclamações caso estas existam como aconteceu no caso sub judice;

6. Tendo ocorrido encerramento discussão mas não tendo ocorrido ainda encerramento do julgamento da matéria de facto era ainda possível a junção destes documentos ao abrigo do disposto no artigo 524.°, n. 1, do CPC, porque a R. alegou e explicou cabalmente ao Tribunal o motivo da sua tardia junção e em razão do erro a impossibilidade da sua junção, estando como estava convicta de já se encontrarem tais documentos juntos aos autos;

7. O regime jurídico aplicável a esta matéria (a junção tardia da acta) deveria de ser o prescrito no artigo 249.°, do C.Civil, dando apenas lugar à devida rectificação dos requerimentos supra enunciados em que se juntaram tais documentos descoberto que foi o erro naquele momento;

8. O princípio do inquisitório ínsito no artigo 27.°, do CPT ditava, em concreto, que o juiz ordenasse expressamente a junção de tais documentos aos autos atenta a sua relevância para a boa decisão da lide tal como já se enunciou;

9. Quando foi ordenada a junção aos autos do processo disciplinar, tal despacho incluiu também os documentos que acompanharam tal processo;

10. O princípio do inquisitório ínsito no artigo 27.°, do CPT impunha o total esclarecimento da reunião ocorrida em 20/11/2008, inquirindo-se os respectivos participantes, confrontando-os com o teor da referida acta e uma subsequente pronúncia sobre tais factos;

11. Como já se disse em sede de apelação, a omissão de pronúncia quanto aos factos concretos ocorridos em 20/11/2008 implicou, por força do dito princípio do inquisitório, nulidade prevista na alínea d), do n.° 1, do artigo 668.°, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), do CPT;

12. O douto Acórdão violou a lei do processo, nomeadamente o disposto nos artigos 27.°, do CPT e na alínea d), do n.° 1, do artigo 668.°, do CPC, porque não aplicou e deveria ter aplicado ambos os preceitos nos termos expostos, devendo ser revogada a decisão que ordena o desentranhamento dos autos da Acta e das cartas escritas pela A. CC;

13. Os documentos objecto do incidente de falsidade são aqueles que constam do auto de entrega e que comprovadamente desapareceram das instalações da R. durante mais de meio ano;

14. Nenhuma instrução se realizou e nenhum facto concreto se apurou (para além de efectiva e demonstradamente terem desaparecido durante esse período) que permita saber o que se passou com tais documentos, quem os deteve, para quê, quem aos mesmos teve acesso, etc;

15. Ao contrário do enunciado no último parágrafo de 2.3.2. do douto Acórdão, por força do princípio da especialização dos exercícios, interessava aferir em concreto o que se passou com os documentos objecto do auto de entrega e que se referem às Actas de Direcção e aos acordos de pagamento dos anos de 2006 a 2008, sendo irrelevante o que se possa ter passado nos anos anteriores a 2006 para este concreto desiderato;

16. O princípio do inquisitório ínsito no artigo 27.°, do CPT ditava, em concreto, que o juiz ordenasse expressamente a instrução quanto a tais documentos atenta a sua relevância para a boa decisão da lide tal como já se enunciou em sede de recurso de apelação e uma subsequente pronúncia sobre tais factos;

17. Nenhum silogismo judiciário permite aferir de forma lógica e dedutiva a validade automática dos documentos de 2006 a 2008 a partir da simples constatação de que os anteriores a 2006 nunca saíram da cooperativa;

18. A omissão de pronúncia quanto aos factos concretos ocorridos com tais documentos no meio ano em que desapareceram e foram levados das instalações da R. implicou, por força do dito princípio do inquisitório, as nulidades prescritas nas alíneas b) e d), do artigo 668.°, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 1.°, n.° 2, alínea a) do CPT;

19. O douto Tribunal da Relação não aplicou e deveria ter aplicado, ao caso sub judice, o disposto nos artigos 344.°, n.° 2, 376.°, n.° 1, ambos do CCivil e 516.°, do CPC, invertendo o ónus da prova quanto à veracidade de tais documentos;

20. O douto Acórdão violou a lei do processo, nomeadamente o disposto nos artigos 27.°, do CPT, 344.°, n.° 2, 376.°, n.° 1, ambos do CCivil, 516.° e as alíneas b) e d), do artigo 668.°, ambos do CPC, porque não aplicou e deveria ter aplicado (nos termos expostos) estes preceitos ao caso sub judice;

21. O crime de "administração danosa" é p.e.p. pelo artigo 235.°, do Código Penal e abrange a situação sub judice porque refere na sua estatuição expressamente o sector cooperativo e a prescrição do respectivo procedimento criminal é de 10 anos nos termos do disposto na alínea b), do artigo 118.°, do Código Penal;

22. O julgador deveria ter realizado contas e concluir que os pagamentos efectuados às AA. foram ilegítimos, sendo imperioso saber quem ordenou tais ilegítimos pagamentos, porque é que a A. CC os autorizou e a A. AA os processou, porque é que ambas os receberam, tendo ambas conhecimento como tinham da artificialidade dos resultados em presença face à alteração de preços e face à falta de aderência de tais pagamentos à luz da lógica e das regras da experiência comum;

23. O mesmo se diga relativamente aos Km´s alegadamente percorridos pela A. CC porque afrontam totalmente as regras lógicas e da experiência comum, quer no que diz respeito ao número de Km´s percorridos, quer ainda no que diz respeito ao custo mensais de tais deslocações;

24. O caso em presença não diz respeito ao mecanismo previsto no artigo no artigo 712.°, n.° 5, do CPC, mas antes à evidente violação do princípio da livre apreciação de prova ínsito no artigo 655.° do mesmo código por total afronta das regras da lógica e da experiência comuns;

25. O julgamento dado a estas duas matérias é passível de recurso ao abrigo do disposto no n.°3, do artigo 722.°, do CPC, porque a lei exige para este tipo de prova que o número de quilómetros e o valor das retribuições sejam humanamente possíveis de realizar e perceber à luz das regras e princípios do sector cooperativo e à luz das regras da lógica e da experiência comuns;

26. Por força dos deveres decorrentes do princípio do inquisitório em direito laboral, em atenção a este total desvio das regras da lógica e das regras da experiência comum, o julgador não podia ter abstraído da fundamentação inerente ao julgamento da matéria de facto ao contrário do que refere o douto acórdão em 2.4. in fine afirmando, como afirmou, ser irrelevante que a fundamentação pudesse estar bem ou mal;

27. A decisão do douto Acórdão para que se pede agora revista violou o disposto no artigo 27.°, do CPT porque abstraiu de analisar em concreto o valor exagerado, irrazoável, estapafúrdio dos vencimentos das AA. e do número de Km´s e valores percebidos mensalmente a esse título, tendo como teve a situação sub judice laivos do foro criminal;

28. A falta de aderência da fundamentação da sentença de primeira instância e do Acórdão à realidade e às regras da lógica quanto a estas matérias importa ausência de especificação dos factos e do direito porque o julgador não se pronunciou sobre como podem ser neste contexto aceitáveis as suas premissas;

29. Tal omissão de especificação quanto à aceitação destes factos concretos como factos normais e correntes (sendo os mesmos totalmente anormais e notórios) implicou a nulidade prescrita na alínea b) do artigo 668.°, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.°, n.° 2, alínea a) do CPT como se alegou em sede de apelação;

30. O douto acórdão agora sindicado não aplicou e deveria ter aplicado no caso sub judice, face a tal ausência de especificação, o disposto na alínea b) do artigo 668.°, do CPC;

31. O julgamento da alínea BG da matéria de facto dada como provada violou o disposto no artigo 567.°, n.° 1, do CPC, porque ignora e desvaloriza a confissão da A. AA de serem da sua autoria os papéis juntos a fls. e que deram origem a vários processamentos de pagamento, sendo que como são documentos escritos pode esta prova ser sindicada ao abrigo do disposto no n.° 3, do artigo 722.°, do CPC;

32. Os factos dados como provados nos presentes autos, tal como entendidos pela posição maioritária do Acórdão agora sindicado, não respeitam a forma normal e legal de exercício dos poderes da Direcção e das AA. Administradoras da cooperativa que decorrem do enunciado na alínea i), do artigo 56.°, do CCoop.;

33. Nas palavras do Sr. Desembargador DD (a partir do parágrafo quarto da página terceira do seu voto de vencido, a fls. 1818 dos autos) há que chamar à colação a especificidade da natureza cooperativa da BB e o facto de se acharem as decisões com falta de racionalidade susceptível de constituir prejuízo sério para a ré (SIC);

34. Relativamente ao quesito 82 o Tribunal aplicou e não deveria ter aplicado o disposto no artigo 646.°, n.° 4, do CPC nos termos expostos;

35. Ocorreu erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa dos pontos 1, 2, 4 e 5 da matéria dada como provada quanto à A. CC que se suscita ao abrigo do disposto no n.° 3, do artigo 722.°, do CPC, devendo a prova destes quesitos ser negativa porque o registo que conferiu personalidade jurídica à R. data de 14/07/1986;

36. A lei exige certo tipo de prova (certidão de registo comercial) para se aferir a existência e personalidade jurídica da R. e os artigos 16.° do CCoop. e o artigo 4.° do Código de Registo Comercial foram nessa medida violados;

37. Quando foram juntas as cartas escritas pela A. CC contra a R. ainda não se encontrava encerrado o julgamento da matéria de facto porque este só corre com a decisão definitiva das reclamações caso estas existam como aconteceu no caso sub judice;

38. Tendo ocorrido discussão, mas não tendo ocorrido ainda encerramento do julgamento da matéria de facto, era ainda possível a junção destes documentos ao abrigo do disposto no artigo 524.°, n. 1, do CPC, porque a R. alegou e explicou cabalmente ao Tribunal o motivo da sua tardia junção e em razão do erro a impossibilidade da sua junção, estando como estava convicta de já se encontrarem tais documentos juntos aos autos;

39. O regime jurídico aplicável a esta matéria deveria de ser o prescrito no artigo 249.°, do CCivil, dando apenas lugar à devida rectificação dos requerimentos supra enunciados em que se juntaram tais documentos, descoberto que foi o erro naquele momento;

40. O princípio do inquisitório ínsito no artigo 27.°, do CPT ditava, em concreto, que o juiz ordenasse expressamente a junção de tais documentos aos autos atenta a sua relevância para a boa decisão da lide tal como já se enunciou;

41. Quando foi ordenada a junção aos autos do processo disciplinar, tal despacho incluiu também os documentos que acompanharam tal processo;

42. O princípio do inquisitório ínsito no artigo 27.°, do CPT impunha o total esclarecimento do teor destas cartas, inquirindo-se os respectivos visados, confrontando-os com o teor das mesmas e uma subsequente pronúncia sobre tais factos;

43. A omissão de pronúncia quanto aos factos concretos ocorridos em 20/11/2008 implicou, por força do dito princípio do inquisitório, nulidade prevista na alínea d), do n.° 1, do artigo 668.°, do CPC, aplicável ex  vi do disposto no artigo 1.°, n.° 2, alínea a) do CPT;

44. A análise destas duas cartas é ainda justificada pela necessidade de concretizar o concreto conteúdo dos deveres laborais da A. CC atentas as funções que esta exercia na R. e das consequências e dimensão que tais actos ganharam em virtude do mais alto cargo que esta desempenhava;

45. A actuação da A. CC ao escrever as ditas cartas prejudicou a imagem da cooperativa perante o exterior, um forte estigma, de falta de confiança na capacidade destes novos órgãos sociais, incutindo em terceiros e cooperadores falta de confiança na capacidade dos novos órgãos sociais e do próprio futuro da R.;

46. Nos termos expostos e que agora se sindicam em revista, entende-se que o douto Acórdão violou a lei do processo, nomeadamente o disposto nos artigos 27.°, do CPT e na alínea d), do n.° 1, do artigo 668.°, do CPC, porque não aplicou e deveria ter aplicado ambos os preceitos   nos   termos   expostos,   devendo   ser   revogada   a   decisão   que   ordena   o desentranhamento dos autos destes documentos;

47. O douto Acórdão não aplicou e deveria ter aplicado ao caso sub judice e nos termos expostos o 2.° princípio cooperativo, enunciado no artigo 3.°, do Código Cooperativo, que foram nessa medida ambos violados;

48. O douto Acórdão fez errada aplicação no âmbito da verificação das questões de caducidade e prescrição do disposto nos artigos 30.°, 118.°, alínea b) e 235.°, todos do Código Penal, porque subtraiu de forma não fundamentada das estatuições destas normas vários factos que estão nelas abrangidos nos termos expostos em sede de alegação;

49. O douto Acórdão não aplicou e deveria ter aplicado o artigo 2.° e a alínea i), do artigo 56.°, do Código Cooperativo que foram nessa medida violados e que enunciam a primazia dos interesses cooperativos na direcção da R., tudo no contexto que especificamente se refere em sede de motivação;

50. Ao não ponderar o encobrimento que ambas as AA. fizeram dos seus vencimentos e a concreta forma de organização cooperativa, tudo nos termos que melhor se expuserem em sede de motivação, o douto Acórdão violou o conteúdo e o alcance do disposto na alínea a), do artigo 61.°, do Código Cooperativo;

51. O Acórdão fez inapropriada e errada aplicação do artigo 430.°, do Código de Trabalho, que ao caso não era sequer chamado em virtude de o conjunto dos factos emergentes da situação concreta ser subsumível à estatuição da norma do artigo 235.°, do Código Penal e tal foi expressamente referido na fundamentação do despedimento e o mesmo se diga em relação à prática de uma infracção disciplinar continuada enquadrável segundo as regras do artigo 30.°, Código Penal, que no contexto que agora se pretexta, foi igualmente mal aplicado;

52. Foi violado o disposto no artigo 372.°, do Código de Trabalho, na medida em que tais infracções só estariam prescritas ao fim de 10 anos e não como foi decidido;

53. O Tribunal recorrido não almejou uma abordagem sistémica e desligou deliberadamente vários factos melhor identificados em sede de motivação da sua natureza adjacente enquanto integradores plurais e de conjunto de um crime de administração danosa;

54. Nesta medida e com este entendimento sistémico, repita-se, foi violado o disposto no artigo 372.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Trabalho, devendo-se declarar não ter ocorrido qualquer prescrição no caso sub judice, quer do procedimento, quer da qualquer uma das infracções, porque estas são na sua essência adjacentes à visão global da atitude continuada, criminosa, e violadora do Principio da Gestão Democrática Cooperativo por parte das AA.;

55. Entende-se por tudo que antecede que o caso sub judice configura justa causa de despedimento e em guisa de súmula alega-se o seguinte:

a) não foram aplicados pelo Acórdão e deveriam ter sido aplicados ao caso sub judice, nos termos expostos, os artigos 2.°, 3.° e artigo 61.°, alínea a), todos do Código Cooperativo, os artigos 334.° e 335.°, ambos do Código Civil e o artigo 35.°, do Código das Sociedades Comerciais;

b) ocorreu violação expressa do disposto no artigo 128.°, alínea a), que estabelece o dever de urbanidade, no artigo 128.°, alínea c), que estabelece o Dever de Zelo e Diligência, no artigo 128.°, alínea e), que prescreve o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador e também no artigo 128.°, alínea g), que prescreve o dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados, todos do Código de Trabalho;

c) a violação pelas AA. dos deveres enunciados na alínea anterior foi de molde a criar graves prejuízos de natureza patrimonial para a R.;

d) foi igualmente violado o disposto em todo o corpo do artigo 396.°, do Código de Trabalho, com especial ênfase para o n.° 3, alíneas d) e e) desse mesmo preceito;

56. No cálculo do quantitativo dos direitos de antiguidade da A. CC o douto Acórdão violou o disposto no artigo 16.°, do Código Cooperativo na medida em que este preceito não reconhece personalidade jurídica à R. antes do registo e há 27 anos;

57. No cálculo da indemnização por danos não patrimoniais o douto Acórdão violou o disposto nos artigos 494.° e 496.°, ambos do Código Civil, na medida melhor exposta em sede de motivação que por meras razões de economia processual se dá aqui como integrada e reproduzida para todos os legais efeitos;

58. O acórdão confunde a Direcção da R. com a própria R. e a primeira é apenas um órgão enquanto a segunda é um ente jurídico, dotado de personalidade jurídica distinta de cada um dos seus órgãos em particular;

59. Por força do disposto na alínea 1), do artigo 56.°, do CCoop. a Direcção estava obrigada ao respeito pelos princípios e normas cooperativas;

60. A decisão de atribuir "salários milionários" às AA. da anterior Direcção da R. violou os princípios e normas cooperativas e estas foram coniventes com essas ilícitas decisões;

61. Como resulta da matéria dada como provada os recebimentos por parte das AA. prejudicaram a tesouraria da R.;

62. Quanto à A. AA foi alterada a redacção da alínea AZ) e ficou demonstrado que esta conhecia as dificuldades de tesouraria da R. e que essas dificuldades foram agravadas pelas quantias que lhe foram pagas e que são mencionadas na alínea AQ);

63. No que a A. CC concerne foi alterada a redacção do ponto 110 da matéria fática dada como provada de forma a ressalvar o disposto na alínea AZ) do processo da A. AA, isto é, que esta conhecia as dificuldades de tesouraria da R. e que essas dificuldades foram agravadas pelas quantias que lhe foram pagas;

64. Em razão dos cargos que desempenhavam, as AA. estavam obrigadas a um dever de lealdade para com a R. e já não para com nenhuma Direcção desta em particular;

65. Conjugando as suas funções de Directoras e as obrigações inerentes ao desempenho de tais cargos com o enunciado Princípio da Gestão Democrática, as AA. tinham a obrigação de desmentir a Direcção e esclarecer todos os agricultores quanto a estes vencimentos;

66. O Acórdão deveria conjugar os factos dados como provados com as normas e princípios que regulam a actividade cooperativa e, infelizmente, não o fez;

67. Os factos relativos à rectificação de preços que mais não foram do que o empolamento artificial das contas da Cooperativa (basta fazer contas como já se disse supra em sede de motivação) importam violação de interesses patrimoniais sérios da Cooperativa, a manutenção das letras em carteira, o pagamento ilegítimo de Kms à A. CC e as ajudas de custo de 2007 à A. AA, configuram também eles violação do disposto na alínea i), do artigo 56.°, do Código Cooperativo;

68. Conhecedoras que eram destas reiteradas violações por parte da Direcção as AA. tinham o dever de fazer denúncia junto dos cooperadores agricultores e dos demais órgãos societários destes factos ao abrigo de uma leitura conjugada da alínea i) do artigo 56.°, do Princípio, do Princípio da Gestão Democrática e do disposto na alínea b), do artigo 41.°, todos do Código Cooperativo

69. O Acórdão deveria ponderar as funções concretas atribuídas às AA. na organização cooperativa e os deveres conexos com o seu papel de Directora Geral e Directora Financeira, respectivamente e, infelizmente, não o fez;

70. A anterior Direcção com a conivência e conhecimento das AA. foi ao longo dos anos destruindo a Cooperativa R. ao ponto de a colocar numa situação inultrapassável de "falência técnica" e que resulta da mera análise das suas contas juntas a fls.   dos autos;

71. No caso sub judice, numa abordagem sistémica e racional, todos os factos ínsitos na nota de culpa e na respectiva decisão disciplinar são integráveis na estatuição do conceito de justa causa de despedimento e não cada um deles em particular, isto porque, a situação concreta de "falência técnica" radica em contributos oriundos de todos eles e não de nenhum em particular;

72. É absurdo desligar a administração danosa do pagamento indevido de km´s e ajudas de custo ou do pagamento de salários milionários às AA. ou das dificuldades e rupturas de tesouraria;

73. Depois de tomar conhecimento de uma generalidade de factos perpetuados - de forma continuada pelas AA. e pela anterior Direcção - ao longo de vários anos, a nova Direcção eleita e empossada, reagiu dentro dos prazos legais;

74. Atento o Princípio da Gestão Democrática pelos seus membros, as AA. tinham o dever de denunciar os erros da Direcção se esta tomasse qualquer decisão que comprometesse a vida cooperativa e as normas e princípios legais que regem este sector de actividade como aconteceu com os seus vencimentos;

75. Ao invés disto, ambas as AA. escamotearam dos cooperadores e omitiram a situação de "falência técnica" para que evoluiu a R., continuando a tolerar vendas a quem não pagava, ao mesmo tempo que usufruíram do pagamento de despesas de km´s inexistentes e de margens e gratificações dos lucros que eram na realidade apenas "lucros virtuais" da cooperativa;

76. Nunca as AA. no respeito do mesmo princípio apontaram o excessivo peso das duas retribuições nos prémios estabelecidos e no negócio do leite em particular, antes sorvendo em proveito próprio e egoístico a plenitude das magras margens que este anualmente libertava e acima de tudo para o agravamento de tesouraria que importavam estes vencimentos e que o douto Acórdão veio dar como provado;

77. Ao agirem com a descrita omissão - ainda que é certo em proveito próprio - ambas as AA. violaram o dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados, porque "receberam" em prémios e gratificações "todo o negócio do leite";

78. Os montantes envolvidos são de tal forma graves que necessariamente se hão-de admitir como contrários ao espírito cooperativo, como contrários aos princípios e normas cooperativos;

79. Os montantes envolvidos são de tal forma graves que necessariamente se hão-de admitir como susceptíveis de causarem prejuízo relevante à R.;

80. De acordo com o disposto no artigo 335.°, do Código Civil, ante a eventual colisão de direitos (a integridade patrimonial e cooperativa da R. e o direito à retribuição de muitos milhares de euros por parte das AA.) o primeiro dos direitos é largamente superior, até porque se trata de uma cooperativa cujo móbil não é o lucro e que pertence a todos os seus cooperantes - os agricultores de Vila Nova de Famalicão;

81. No contexto económico e financeiro em que ambas as AA. deixaram a R. e que resulta da matéria fática dada como provada, mesmo que se não verificasse a supremacia dos interesses e direitos cooperativos em relação aos privados e egoísticos interesses das trabalhadoras, sempre estas teriam actuado em manifesto abuso de direito na vertente de ofensa flagrante aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do próprio direito à retribuição tal como prescreve o artigo 334.°, do Código Civil;

82. Também por isso nos louvamos no voto de vencido do Ex.mo Sr. Desembargador DD e podemos afirmar que não ocorreu no caso sub judice abuso de direito por parte da R. no despedimento das AA. e foi nessa medida mal aplicado o disposto no artigo 334.°, do CCivil;

83. Antes ocorreu abuso de direito por parte das AA., sendo que o Acórdão não aplicou nesse sentido e deveria ter aplicado o artigo 334.°, do Código Civil;

84. Entende-se que na indicada medida o douto Acórdão violou princípios e normas elencados nas conclusões que antecedem;

85. Entende-se, em conclusão global e final ter ocorrido justa causa de despedimento de ambas as AA. e que tal conclusão deve aferir-se do conjunto de factos que integram a matéria dada como provada;

Pelo exposto deve revogar-se o douto acórdão ora recorrido e ser admitida e apreciada a presente Revista, substituindo o mesmo por outro que julgue a acção improcedente e declare ter ocorrido justa causa de despedimento de ambas as AA. nos termos expostos. Decidindo nesta conformidade será feita JUSTIÇA!»

                                               

            As Autoras apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos do disposto do art. 87.º, n.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso da ré, apenas em parte: em relação à Autora CC o seu despedimento deve ser considerado lícito, e em relação à recorrida AA, o despedimento deve ser considerado ilícito, devendo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto ser mantido e revogado em conformidade.

Este parecer foi notificado às partes, tendo a recorrente respondido ao mesmo, bem como a recorrida CC. A primeira discorda do tratamento dado às questões relativas ao crime continuado de administração danosa e à caducidade do procedimento disciplinar. A Autora CC pugna para que o entendimento da Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta não seja acolhido, no que diz respeito à licitude do seu despedimento.

 

            II – Objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da Recorrente, nos termos do disposto nos arts 684.º, n.º 3, e 685.º-A, do CPC, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões que se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:  

             

1 - Do erro de julgamento quanto às nulidades da sentença invocadas;

            2 - Da violação da prova vinculada;

3 - Do prazo para a instauração do procedimento disciplinar e da prescrição da infracção disciplinar;

            4 - Da justa causa de despedimento;

            5 - Dos danos não patrimoniais;

            6 - Do abuso do direito;

            7 - Da colisão de direitos.

            Corridos os «vistos», cumpre decidir.

            III – Fundamentação de facto

  

Foram os seguintes os factos dados como provados pelas instâncias[3]:

«Relativamente à A. AA (processo principal):

A) A R. dedica-se, com carácter de habitualidade, ao ramo agrícola do sector cooperativo, nomeadamente, à atividade agrícola, pecuária, leiteira e florestal, e outras atividades afins abrangidas neste sector cooperativo, mormente na vertente da produção e comercialização de tais produtos.

B) Enquanto pequena empresa emprega mais de 10 até 50 trabalhadores.

C) A aqui A. foi admitida a prestar trabalho em 01 de Maio de 2003, por contrato de trabalho subordinado e sem termo, o qual não foi sujeito a forma escrita.

D) A A. foi contratada pela R. para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, sob a égide dos seus órgãos sociais/cooperativos e/ou hierárquicos, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de “Diretora Administrativa e Financeira”, e demais tarefas que com esta se relacionem ou sejam inerentes, mormente, execução de instruções emanadas da Direção.

E) O local da prestação laboral era na sede e/ou instalações da R..

F) De acordo com o contrato firmado, atento o cargo exercido, a A. prestava a sua atividade com isenção de horário de trabalho, não sujeito aos limites dos períodos normais diários e semanais, porém, limitado a interregno para almoço.

G) A A., como contrapartida do seu trabalho auferia ultimamente a remuneração mensal ilíquida de € 2.522,00 x 14 meses.

H) Auferia a título de diuturnidades com fundamento na antiguidade a quantia mensal de € 14,00 (€ 14,00x12).

I) Ao que ainda acrescia a título de subsídio de refeição diário, e enquanto complemento ao seu salário, a quantia pecuniária de € 6,17, por cada dia de trabalho efetivamente prestado, perfazendo ao mês um montante nunca inferior a € 135,94.

J) A A. foi desde 04/02/2009 suspensa até decisão final do respetivo procedimento, sem perda de retribuição.

K) Foi por esta carta datada de 04/02/2009, mas rececionada em data não apurada, que a R. comunicou à A. a decisão de lhe instaurar um processo disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa.

L) Juntamente com essa comunicação a R. enviou à A. a respetiva Nota de Culpa, imputando-lhe os factos que ali melhor constam, nos termos do documento de fls. 60 a 67 do processo 192/10, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

M) Por carta registada com aviso de receção datada de 25/02/2009, e rececionada pela R. em 26/02/2009, a A. exerceu o seu contraditório, apresentando a competente Resposta à Nota de Culpa que consta de fls. 68 a 72 do processo 192/10, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

N) Na sequência, por carta registada com aviso de receção datada de 25/03/2009, mas rececionada somente em 26/03/2009, a R. comunicou à A. a decisão final de aplicação da sanção disciplinar de despedimento com fundamento em justa causa, conforme consta de fls. 77 a 99, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

O) A A. conhece, pelo exercício das suas funções, a situação económico-financeira da R..

P) O pagamento de “gratificações” era uma prática habitual da R. em relação às As. AA e CC denominadas prémios e acréscimos de remuneração, sendo pagas outras gratificações a um conjunto de outros funcionários da R., em regra duas vezes por ano e ainda a outros funcionários quando estes executavam, por um determinando período, e em acumulação, funções que não lhes eram próprias.

Q) A Direção da R. levou a cabo um acordo de prémio anual/gratificação ocasional para o ano de 2003, em que atribuía um prémio à diretora geral, nos termos do documento de fls. 423 a 425 do processo 192/10.

R) Decorrente de uma reunião havida entre a Direção e a Diretora Geral da R., tal acordo foi ratificado, passando a A. a ser reconhecida e premiada nas mesmas condições, nos termos do documento de fls. 426 e 427 do processo 192/10.

S) No ano de 2003 a R. pagou à A. a título de prémios a quantia líquida de 4.515,00 euros, em 3 parcelas de 1.608,75 euros, 1.743,75 euros e 1.162,50 euros.

T) No ano de 2004 a R. pagou à A. a título de prémios a quantia líquida de 39.309,41 euros, em 15 parcelas de 1.507,20 euros, 2.000,27 euros, 2.000,27 euros, 2.999,25 euros, 1.898,75 euros, 1.731,35 euros, 1.550,00 euros, 3.049,62 euros, 2.999,25 euros, 2.999,25 euros, 4.208,25 euros, 1.796,45 euros, 2.393,25 euros, 4.301,25 euros e 3.875,00 euros.

U) O prémio deveria ser calculado nos termos do acordo de fls. 436 a 439 do proc. 192/10.

V) No ano de 2005 o volume de negócios foi de 21.751.827 euros e a R. pagou à A. a título de prémios a quantia líquida de 72.117,60 euros, em 16 parcelas de 4.200,50 euros, 1.796,45 euros, 4.495,00 euros, 1.061,62 euros, 3.973,00 euros, 2.027,25 euros, 5.000,50 euros, 2.993,45 euros, 4.192,20 euros, 2.740,00 euros, 5.700,00 euros, 7.100,02 euros, 7.000,01 euros, 7.021,25 euros, 6.507,50 euros e 6.308,85 euros.

W) O prémio deveria ser calculado nos termos do acordo de fls. 63 do apenso G.

X) A Direção da R. deliberou instituir o que designou por acréscimo de remuneração, nos termos que constam do documento junto a fls. 474 do processo 192/10.

Y) A partir Agosto de 2005, nesse mês inclusive, a A. passou a auferir um acréscimo de remuneração mensal equivalente ao seu vencimento ilíquido e que era em Agosto de 2.388,00 euros.

Z) Nos termos do documento assinado e que consta de fls. 474, o pagamento deste acréscimo de remuneração mensal estava condicionado à emissão de um documento, ordem de pagamento de acréscimo de remuneração, que a direção da R. assinaria, validando o seu processamento e autorização de pagamento.

AA) Em 2005 foram emitidas 5 ordens de pagamento desse valor, no montante global de 11.939,85 euros.

AB) No ano de 2006 o volume de negócios foi de 20.454.296,33 euros e que a R. pagou à A. a título de prémios a quantia líquida de 103.073,32 euros, em 16 parcelas de 6.069,10 euros, 7.130,16 euros, 6.713,00 euros, 5.750,00 euros, 6.555,00 euros, 2.885,91 euros, 6.210,00 euros, 4.110,00 euros, 7.072,50 euros, 7.607,25 euros, 7.199,00 euros, 7.300,00 euros, 7.222,00 euros, 7.273,75 euros, 6.500,65 euros e 7.475,00 euros.

AC) O prémio deveria ser calculado nos termos do acordo de fls. 480 e 481 do processo 192/10.

AD) No ano de 2006 a A. auferiu a título de acréscimo de remuneração o valor líquido de 28.984,08 euros.

AE) O valor estabelecido era definido nos termos de fls. 474, sendo que o valor ilíquido do vencimento da A. passou a ser, em Janeiro de 2006, de 2.448,00 euros.

AF) Nos anos de 2007 e 2008 os prémios anuais passaram a ser pagos mês a mês, originando a emissão das respetivas ordens de pagamento, validadas com a assinatura dos três elementos da Direção da R..

AG) No ano de 2007 o volume de negócios foi de 23.017.064,59 euros e que a R. pagou à A. a título de prémios a quantia líquida de 73.464,70 euros, em 12 parcelas de 7.532,50 euros, 5.106,00 euros, 7.187,50 euros, 6.700,90 euros, 4.237,50 euros, 3.712,50 euros, 6.977,75 euros, 7.043,75 euros, 4.050,00 euros, 7.096,40 euros, 6.554,00 euros e 7.265,90 euros.

AH) No ano de 2007 a A. auferiu a título de acréscimo de remuneração o valor líquido de 27.551,63 euros.

AI) O valor estabelecido era definido nos termos de fls. 474, sendo que o valor ilíquido do vencimento da A. passou a ser, em Janeiro de 2007, de 2.522,00 euros.

AJ) No ano de 2008 a R. pagou à A. a título de prémios a quantia líquida de 45.686,69 euros, em 15 parcelas de 2.700,70 euros, 2.915,40 euros, 2.966,25 euros, 2.966,25 euros, 3.543,75 euros, 2.966,25 euros, 3.107,50 euros, 4.050,00 euros, 3.192,25 euros, 3.051,00 euros, 3.107,50 euros, 3.192,25 euros, 2.507,84 euros, 3.192,25 euros e 2.227,50 euros.

AK) No ano de 2008 a A. auferiu a título de acréscimo de remuneração o valor líquido de 26.109,44 euros.

AL) O valor estabelecido era definido nos termos de fls. 474.

AM) O salário e as gratificações recebidas pela A. pelos outros trabalhadores foram atribuídos expressa e formalmente pela Direção da R..

AN) Existia um Acordo – Prémio anual e de gratificações fixado pela Direção.

AO) As gratificações recebidas pela A. constavam das contas anuais que foram aprovadas em assembleia geral com parecer prévio e favorável do conselho fiscal, não tendo os membros da Direção comunicado ao presidente do conselho fiscal, quando questionados por este, qual o montante das gratificações pagas à A..

AP) O conselho fiscal sempre assinou os pareceres para a aprovação das contas.

AQ) A A. recebeu a título de prémios e acréscimo de remuneração as seguintes quantias ilíquidas.

- no ano de 2005 € 123.778,00, sendo a quantia de 103.013,00 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 5.420,00 euros, 2.318,00 euros, 5.800,00 euros, 1.369,83 euros, 5.800,00 euros, 2.650,00 euros, 7.300,00 euros, 4.370,00 euros, 6.120,00 euros, 4.000,00 euros, 8.321,17 euros, 10.365,00 euros, 10.219,00 euros, 10.250,00 euros, 9.500,00 euros e 9.210,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração 5 x 4.153,00 euros;

- no ano de 2006 € 218.324,93, sendo a quantia de 167.888,93 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 8.860,00 euros, 10.409,00 euros, 9.800,00 euros, 10.000,00 euros, 11.400,00 euros, 4.213,00 euros, 10.800,00 euros, 6.000,00 euros, 12.300,00 euros, 13.230,00 euros, 12.520,00 euros, 10.656,93 euros, 12.560,00 euros, 12.650,00 euros, 9.490,00 euros e 13.000,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 4.153,00 euros + 10 x 4.213,00 euros;

- no ano de 2007 € 176.009,06 sendo a quantia de 127.398,06 euros a título de prémio anual em 12 parcelas de 13.100,00 euros, 8.880,00 euros, 12.721,24 euros, 11.860,00 euros, 7.500,00 euros, 5.500,00 euros, 12.350,00 euros, 12.466,82 euros, 6.000,00 euros, 12.560,00 euros, 11.600,00 euros e 12.860,00 euros, 7.123,90 euros e 10.371,00 euros, e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 4.213,00 euros + 9 x 4.465,00 euros;

- no ano de 2008 € 128.882,00 sendo a quantia de 78.055,00 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 4.465,00 euros, 4.780,00 euros, 5.160,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.500,00 euros, 6.000,00 euros, 5.650,00 euros, 5.400,00 euros, 5.500,00 euros, 5.650,00 euros, 4.465,00 euros, 5.650,00 euros e 3.300,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 11 vezes x 4.465,00 euros + 1.712,00 euros.

AR) A R. procedia ao pagamento de gratificações líquidas.

AS) As gratificações da A. são líquidas desde o ano de 2005, tendo a Direcção da R. conhecimento desse facto desde essa data.

AT) Em princípios do ano de 2006, a R. foi alvo de uma inspeção por parte dos serviços da Segurança Social.

AU) A R. procedeu ao pagamento das contribuições bem como a parte correspondente aos descontos, encargo dos colaboradores, bem como os juros correspondentes, tendo tudo atingido o montante de 192.979,00 euros.

AV) A A. recebeu em 2007 a quantia de 4.289,18 euros a título de ajudas de custo.

AW) Em data indeterminada a A. solicitou ao funcionário EE uma listagem das retribuições dos funcionários, tendo este apresentado uma listagem onde eram referidos todos os processamentos desse mês.

AX) A A. recusou essa listagem pedindo uma outra em que constasse apenas o salário base dos funcionários, incluindo o seu.

AY) As quantias pagas à A. a título de prémios eram processadas em separado do vencimento mensal e, as pagas a título de acréscimo de retribuição, foram, até Agosto de 2008, inclusive, processadas em conjunto com o vencimento mensal, sendo que, a partir de Setembro de 2008, por ordem da A. AA ao funcionário EE, passaram a ser, também, processadas em separado.

AZ) A R. tinha frequentes dificuldades de tesouraria, sendo a sua situação muito difícil, facto de que a A. tinha conhecimento, recorrendo a crédito bancário, com encargos e juros, situação que, causada embora pelas dívidas dos cooperadores nos termos referidos no n.º 110 do Processo 194/10, foi agravada pelo pagamento à A. AA das quantias mencionadas na al. AQ).

BA) Por iniciativa das As. e atentas as dificuldades de tesouraria, a R. solicitou um empréstimo e para o efeito e subscreveu uma livrança junto do Millenium BCP, em 28/11/2008, no montante de 200.000,00 euros, com vencimento em 19/01/2009, em data anterior àquela em que se verifica o pagamento do preço do leite, tendo as eleições sido realizadas em 03/12/2008.

BB) A A. sabe que o produto resultante do fornecimento do leite era destinado ao pagamento dos produtores do leite.

BC) Nas contas de 2008 os resultados apurados foram negativos e no valor de €3.142.695,15.

BD) Era com as suas remunerações que a A. suportava as despesas de alimentação, vestuário, alojamento, educação e lazer do seu agregado.

BE) Até à instauração do processo disciplinar em causa nestes autos, a A. não tinha sido objeto de qualquer outro processo disciplinar, considerando a Direção da R. que esta era competente no exercício das suas funções.

BF) A A. executava ordens emanadas da Direção como qualquer funcionário da R..

BG) A A. não tinha poderes para, por si ou por intermédia pessoa, conceder créditos a cooperadores, e nem o fez.

BH) Os cooperadores FF, GG, HH, cujos montantes em débito ascendem por si só ao valor de € 1.755.000,00, aumentaram continuamente o seu débito para com a R., com a permissão da Direção desta e sem oposição da A..

BI) A R. foi elaborando acordos de pagamento com alguns cooperadores como FF e Sociedade Agrícola irmãos ..., Lda que não foram por estes cumpridos em grande medida.

BJ) Encontrava-se na mesma situação o cooperador II, o qual foi durante o último quadriénio membro efetivo da Direção da R., e que apresentava em Fevereiro de 2009 um saldo negativo em conta corrente de 543.149,48 euros.

BK) A Direção da R. tinha conhecimento há mais de 60 dias, considerando a data da instauração do procedimento disciplinar, dos débitos dos cooperadores FF, GG, HH e Sociedade Agrícola Irmãos ....

BL) A Direção da R. deliberou anular saldos de dois dos membros da Direção, II e JJ, com data de 30/12/2008, em montantes que ascendem a € 79.163,87 e € 14.370,79, respetivamente, nos termos do documento de fls. 1063 do proc. 192/10.

BM) A A. não tinha poderes para anular saldos de conta corrente de quem quer que seja, nem o fez.

BN) Existiam em carteira letras de câmbio sem que tivessem sido apresentadas a pagamento e sem que a A. ou a R. as tivesse movimentado ou agido judicialmente para a obtenção da sua cobrança, nomeadamente, de LL, MM, NN e JJ, Soc. Agrícola Irmãos ..., HH, relativas a cláusulas penais assumidas por estes em relação à R., sendo que a atual direção da R. entende que tais cláusulas penais são nulas.

BO) As letras aceites pelos cooperadores para pagamento dos seus débitos eram muitas vezes descontadas junto das instituições bancárias sem que nas respetivas datas de vencimento fossem amortizadas, factos que eram do conhecimento da A., da Diretora Geral CC e da Direção da R..

BP) Desta forma, a R. mantinha um débito constante junto da banca relativo Irmãos ..., NN, JJ, OO, etc.

BQ) As letras de câmbio não movimentadas existem em carteira desde os anos de 2005 e 2006, tendo a Direção da R. conhecimento dessa situação há mais de 60 dias, considerando a data da instauração do procedimento disciplinar.

BR) A A. não tinha poderes para decidir sobre a política referente à importação de animais.

BS) A R. promovia uma política de importação de animais de raça bovina, entregando por vezes animais a cooperadores que, aquando das entregas, se encontravam já em débito para com a cooperativa, em montantes elevados, factos que eram do conhecimento da A. AA e da Diretora Geral CC.

BT) Era a R. quem se responsabilizava, perante o vendedor dos animais, pelo seu pagamento, sendo que, por vezes e em relação a alguns cooperadores, o preço dos animais ficava por pagar.

BU) Sendo exemplo de tal situação a venda de tais animais à Sociedade Agrícola Irmãos ..., bem como a PP e a GG, este declarada insolvente poucas semanas após ter recebido nas suas instalações um carregamento de tais animais.

BV) A importação de tais animais era efetuada através do importador R...A..., que recebia as respetivas comissões, não tendo qualquer responsabilidade nas cobranças do preço de tais animais.

BW) Era a R. quem prestava as garantias exigidas ao fornecedor estrangeiro e sendo a respetiva fatura emitida em nome da R..

BX) A venda pela R. dos animais aos cooperadores, nestas condições, agravou os montantes em débito dos cooperadores que os adquiriam, facto que era do conhecimento da A..

BY) A A. AA era a Diretora Administrativa e Financeira da R. e nunca se opôs aos atos praticados pela Direção e relativos à importação de animais.

BZ) A importação de animais de raça bovina ocorre desde 2002, pelo que a Direção da R. tem conhecimento dos factos desde 2002.

CA) A R. deu ordem de emissão de documentos, notas de lançamento em 2006 e faturas em 2007 invocando a retificação e atualização de preços de ração e adubo já fornecidos durante o ano em curso.

CB) O que fazia aumentar a dívida daqueles cooperadores.

CC) No final do ano de 2008 a R. deu ordem para anular tais faturas referentes ao ano de 2007, tendo alguns dos cooperadores reclamado junto da R. a falta de fundamento para a imputação de tais débitos.

CD) A emissão de novos documentos relativos às vendas efetuadas e a sua posterior anulação afetam a imagem da R. perante os seus cooperadores.

CE) As ordens de emissão de notas de lançamento/faturas relativas às correções de preços foram emitidas em 2006 e 2007, tendo a Direção da R. conhecimento desses factos desde essa data.

CF) A A. não se imiscuía na área de contabilidade.

CG) A R. tinha as suas Contas Auditadas desde o ano de 2001 pela QQ & Associados, SROC S.A., sem qualquer reserva.

CH) O que não aconteceu com as contas do ano de 2008.

CI) A R., através de uma operação contabilística decorrente da adopção de diferente critério na contabilização dos “ajustamentos de contas a receber”, inverteu um resultado líquido positivo de € 175.749,31 (€ 3.318.686,00 – € 3.142.936,69), num resultado líquido negativo do exercício de € 3.142.936,69.

CJ) Com repercussão nos capitais próprios da R., que assim passou de positivo de 1.140.729,12€, para negativo de (2.001.727,57€) = +1.140.729,12€ - 3.142.936,69€.

CK) A A. AA recebeu em Dezembro de 2008 as quantias ilíquidas de 5.650,00 euros, 4.383,74 euros e 3.300,00 euros, acrescida do seu salário base.

CL) Tais pagamentos foram efetuados antes do final do mês de Dezembro de 2008.

CM) Pelo trabalho prestado no mês de Janeiro de 2009, a R. apenas pagou à A. a quantia de € 1.863,62.

CN) De igual modo, no mês de Fevereiro de 2009, a A. apenas recebeu da R. a quantia de € 710,07.

CO) A A. esteve de baixa de 09/02/2009 a 21/04/2009.

CP) A R. não entregou à A. o certificado de trabalho, com indicação das datas de admissão e de saída, bem como o(s) cargo(s) que desempenhou.

CQ) A A. sentiu-se vexada na sua dignidade pessoal e no seu brio profissional como consequência direta dos factos que lhe foram imputados na nota de culpa.

CR) A situação descrita traduz-se para a A. em frustração, desânimo e ansiedade.

CS) A A. sente-se desgostosa, nervosa e abalada com as ocorrências suscitadas, sendo este estado visível.

CT) Face à conjuntura de crise laboral que o país atravessa sabia e sabe que irá ter dificuldades em conseguir arranjar um novo emprego para fazer face aos encargos da vida pessoal e familiar.

CU) A A. tem uma filha menor.

CV) Toda esta situação mereceu contornos mediáticos com amplo destaque nos meios de comunicação locais, regionais e nacionais.

CW) Os valores das retribuições pagas à A. e à Diretora Geral CC foram amplamente divulgados na imprensa regional e mesmo nacional, com suspeitas de não ser legítimo o seu pagamento, pondo em causa o nome da R., sendo considerados exorbitantes os valores pagos a título de gratificações.

CX) A A. ficou envergonhada com as notícias publicadas nos meios de comunicação social.

CY) As notícias eram do conhecimento de todos os que lidavam com a R., bem como das pessoas que vivem na cidade de Vila Nova de Famalicão.

CZ) As notícias publicadas provocam na A. receio pelo futuro exercício da sua atividade profissional.

DA) A A. teme ser surpreendida, em qualquer local, com a imputação de factos relacionados com as funções exercidas na R..

DB) A A. sente-se constrangida e envergonhada perante outras pessoas que tiveram conhecimento das notícias publicadas sobre o assunto.

DC) A A. sofreu incómodos pelo tempo perdido.

Resultaram provados quanto ao processo da A. CC (Apenso A):

1 - A R. é uma cooperativa que se integra no ramo agrícola do sector cooperativo, tendo como objeto principal efetuar, quaisquer que sejam os meios e as técnicas por ela utilizados, as operações respeitantes à natureza dos produtos provenientes das explorações dos cooperadores, nos domínios da sua atividade agrícola, pecuária, de produção integrada, da proteção integrada das culturas e florestal, incluindo a prestação de serviços conexos com tais atividades.

2 - Sem prejuízo da unidade da pessoa jurídica, a cooperativa funciona por secções distintas, com regulamentos e organização contabilística próprios, podendo, a título complementar, desenvolver atividades próprias de qualquer outro ramo do sector cooperativo, necessárias à satisfação de necessidades dos seus membros.

3 - A R. é uma Cooperativa regularmente constituída desde 26/10/1977.

4 - Por deliberação tomada em 15/12/2004, em Assembleia Geral Ordinária da BB foi eleita a seguinte Direção: Presidente – RR; Secretário – II; e Tesoureiro – JJ.

5 - Os referidos Senhores RR, II e JJ, tomaram posse dos cargos para que foram eleitos em 27 de Janeiro de 2005.

6 - O mandato da Direção eleita pela deliberação tomada na identificada Assembleia-Geral iniciou-se no dia 01/01/2005 e, em condições normais, terminaria a 31/12/2008.

7 - Por convocatória datada de 30/10/2008, foi convocada a Assembleia-Geral de Cooperadores da R. para reunir, em sessão ordinária, no dia 03/12/2008.

8 - O ponto único da ordem de trabalhos era a eleição dos membros titulares aos cargos dos órgãos sociais da R. para o quadriénio de 2009 a 2012.

9 - Foram apresentadas duas listas, designadas por A e B: a primeira integrada pelos mesmos membros da Direção ainda em funções e por um ou outro elemento e a segunda por outras pessoas devidamente identificadas nos documentos que serviram de base à candidatura.

10 - Na sequência de tais eleições, realizadas em 03/12/2008, os resultados da votação apresentaram, na sua contagem, uma diferença de cinco votos a favor da Lista B onde constavam os Senhores SS, TT e UU, para os cargos de Presidente, Secretário e Tesoureiro da Direção da R., respetivamente.

11 - No dia 05/01/2009, foi a A. notificada, por carta que lhe foi entregue em mão, nesse mesmo dia, pelo Senhor SS, o qual se encontrava acompanhado da Senhora Dr.ª VV, advogada, de outros elementos da Lista B e de duas trabalhadoras da R., de que se encontrava suspensa preventivamente, conforme documento junto a fls. 106 conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. junto com a petição sob o n.º 15).

12 - Posteriormente, a mesma carta foi-lhe remetida por correio registado para a sua residência, tendo sido rececionada pela A. no dia 07/01/2009.

13 - A R. enviou à A. a nota de culpa no dia 04/02/2009 a qual foi recebida pela A. no dia 06/02/2009, nota de culpa essa junta de fls. 110 a 117 (doc. junto à petição inicial sob o n.º 16), cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

14 - Em refutação a tal nota de culpa e às acusações constantes da mesma, a A. apresentou, em 20/02/2009, a sua resposta, conforme documento junto de fls. 118 a 148 (doc. junto com a petição inicial sob o n.º 17), cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

15 - A A. arrolou 6 testemunhas, 5 das quais foram inquiridas pelo instrutor nomeado pela R..

16 - Posteriormente, em 30/04/2009, pelas 16:00 horas, ou seja, 3 meses após a sua instauração, foi a A. notificada, na sua residência, por express mail service, da decisão do procedimento disciplinar em causa, o qual, considerou os factos constantes da nota de culpa provados e decidiu pelo despedimento com justa causa da A. sem direito a qualquer indemnização ou compensação, conforme documento junto de fls. 149 a 188 (doc. junto com a petição inicial sob o n.º 18) e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.

17 - O instrutor do processo deu como provados todos os factos imputados à A., concluindo pela violação dos deveres de zelo e diligência, de respeitar a sua entidade patronal, de promover e executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e, bem assim, de agir com diligência e rigoroso sentido de responsabilidade, conforme previsto no art. 121º do anterior Código do Trabalho, atual art. 128º, e considerando que os mesmos constituíam justa causa para o despedimento nos termos do disposto no art. 396º, nºs 1 e 3, alíneas d) e e) do anterior Código do Trabalho, atual art. 351º, nº 1 e 2, alíneas d) e e).

18 - A Autora, após ter concluído a sua Licenciatura em Economia, em 16 de Fevereiro de 1982, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, prestou a sua atividade à Ré desde, pelo menos, Março de 1982, havendo, aos 01.09.1983, sido admitida ao serviço desta e passando, pelo menos desde esta data, a receber ordens instruções da Ré.

19 - Eliminado.

20 - No início da sua prestação da sua atividade, a A. foi incumbida, pela Direção da R., de organizar a contabilidade desta, cujas contas não estavam encerradas para além do ano de 1979.

21 - No âmbito das suas funções como Diretora Geral, a A., entre outras, sempre com o conhecimento e autorização da Direção da R., preparava e elaborava, com a informação que lhe era facultada pelos Serviços Administrativos e Financeiros, de contabilidade, pessoal e informática, Serviços Comerciais, Serviços Técnicos e os demais Serviços da R., os Relatórios de Gestão Anuais e Planos de Atividade Anuais para serem submetidos à apreciação e discussão da Direção da R. e, posteriormente, dos restantes membros dos seus Órgãos Sociais: Conselho Fiscal, Mesa da Assembleia-Geral e, finalmente, à apreciação, discussão e votação da Assembleia-Geral da R..

22 - Sempre com conhecimento e autorização da R., preparava os Pareceres do Conselho Fiscal da R. para apreciação deste que os revia e assinava, em sinal da sua aprovação.

23 - Sempre com conhecimento e autorização da R. estudava, preparava e elaborava todas as Propostas: de Regulamentos, de Alteração de Estatutos, de Criação de novas Secções, de Criação de novos Serviços para apreciação da Direção da R. que as submetia à apreciação dos restantes órgãos sociais da R., Conselho Fiscal e Mesa da Assembleia Geral, antes de as submeter à Apreciação Deliberação da Assembleia Geral da R..

24 - Sempre com conhecimento e autorização da R., estudava, preparava e elaborava todas as Propostas relativas: às datas e pontos da Ordem de Trabalhos das Assembleias Gerais e à elaboração das respetivas convocatórias para apreciação e deliberação da Direção da R., ouvidos o Presidente do Conselho Fiscal e o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da R., competindo a este rever e assinar aquelas.

25 - Sempre com conhecimento e autorização da R., apresentava os vários assuntos da Ordem de Trabalhos nas Assembleias-Gerais da R. e prestar os esclarecimentos solicitados, a pedido da Direção da R., também e sempre presente nestas reuniões.

26 - Sempre com conhecimento e autorização da R., elaborava as atas da Assembleia-Geral e das reuniões da Direção, cujos termos e conteúdos eram aprovados pelos respetivos órgãos sociais que as assinavam e validavam.

27 - Sempre com conhecimento e autorização da R., participava nas reuniões da Direção, preparava a respetiva “agenda”, discutindo e mostrando toda a vida e atividade da R., desde os negócios, política de preços e andamento das campanhas agrícolas, desempenho dos comerciais e posicionamento da concorrência, à produção e leite, à relação/fidelidade/comportamento dos Cooperadores e à situação política, social e económica da agricultura e preço do leite, da carne e outros produtos provenientes da Agricultura, aos colaboradores/trabalhadores, seu desempenho e política remuneratória, etc..

28 - Nessas reuniões era presente a situação de tesouraria, e, muitas vezes, a dificuldade e resistência oferecida pelos Cooperadores em efetuar o pagamento das suas dívidas à Cooperativa, alegando dificuldades financeiras face à necessidade de regularizar outros compromissos - bancários e outros.

29 - Nas reuniões da Direção da R. era demonstrado o crescente endividamento dos Cooperadores desta e a crescente necessidade de recurso ao crédito bancário.

30 - O que implicava o aumento dos montantes avalizados pessoalmente pela Direção da R., e as consecutivas tentativas de renegociação de prazos com fornecedores, por parte da R..

31 - Competia ainda às decisões das reuniões da Direção a deliberação sobre obras, reparações e conservação, compras de equipamento, viaturas e/ou recrutamento de serviços, de pessoal, de Consultores, Advogados, Auditores, ROC, Informáticos, Higiene e Segurança no trabalho, Medicina no Trabalho e outros.

32 - A A. demonstrava e evidenciava as dificuldades de Tesouraria.

33 - Informava a Direção da R. sobre os pedidos dos Cooperadores, relativamente ao adiantamento do valor total, ou parte, da produção de leite para deliberação daquela.

34 - Participava nas várias reuniões, colóquios, seminários, etc., versando os mais variados assuntos de cariz, cooperativo, técnico, comercial, administrativo, financeiro, profissional, etc., na e fora das instalações da R., acompanhada ou não pela Direção desta, mas sempre com o seu conhecimento e consentimento.

35 - Participava em ações/cursos de formação, visitas de estudo, feiras e outros eventos nacionais e/ou internacionais, acompanhada ou não da Direção da R. mas sempre com o conhecimento e aprovação desta.

36 - Procedia à seleção de candidatos para posterior admissão, mediante deliberação da Direção da R. inclusive, quanto às remunerações.

37 - Reunia com os colaboradores/trabalhadores da R. colhendo informações sobre as respetivas tarefas e/ou serviços para reporte à Direção da R. da apreciação do desempenho daqueles e do funcionamento destes.

38 - Organizava e avaliava os Serviços das respetivas secções da R., conjuntamente com os responsáveis dos mesmos e em sintonia com as diretrizes estabelecidas nas reuniões com a Direção da R..

39 - Instruía / transmitia / dava ordens aos demais colaboradores / trabalhadores da R., diretamente ou através dos responsáveis / chefes dos respetivos serviços, tendo em conta o estabelecido / definido, sobre o assunto, com a sua Direção.

40 - Propunha à apreciação e deliberação de Direção da R. a criação de novos serviços ou a alteração do funcionamento dos existentes.

41 - A A. reunia com fornecedores e, em geral, com todos os parceiros de negócios, na presença ou não da Direção da R., conforme disponibilidade desta, mas sempre reportando a esta a ocorrência.

42 - Os assuntos tratados / falados com a A. eram comunicados à Direção da R., sendo que apenas esta a obrigava perante terceiros.

43 - A A. decidia sobre encomendas, avaliando o histórico dos produtos/mercadorias a encomendar, os fornecedores e as condições comerciais e mediante acordo conjunto das opiniões dos técnicos e comerciais da Cooperativa, sempre reportando e dando conhecimento à Direção da R..

44 - A A. decidia sobre entrada de novos produtos, mediante parecer técnico favorável da equipa técnica e/ou justificada a sua procura por parte dos comerciais e/ou pessoal de armazém/loja, mediante concordância da Direção da R..

45 - A A. recebia os Cooperadores da R., dando satisfação aos seus pedidos/necessidades, utilizando os meios ao seu alcance – telefonando, escrevendo, etc., – prestando informações e esclarecimentos diversos, de acordo com as solicitações e/ou tomando devida nota das suas sugestões e/ou reclamações para lhe dar o devido encaminhamento, com o conhecimento da Direção da R..

46 - A A. mantinha a Direção da R. informada de todos os assuntos, colhendo dela opinião quanto à tomada de decisão, sempre que necessário, pessoal e/ou telefonicamente.

47 - Todos os empréstimos, descontos de letras, assinatura de cheques, todos os atos de gestão e os que de alguma forma vinculassem a R., todos os relatórios de gestão e contas e planos de atividade e orçamentos previsionais anuais eram sempre assinados pela Direção da R..

48 - Estes dois últimos careciam do Parecer do Conselho Fiscal.

49 - Perante terceiros a A. assumia que as questões relacionadas com todas a áreas da Cooperativa estavam sob a sua responsabilidade, sendo que apenas a Direção da R. a vinculava.

50 - A A. agiu sempre com plena liberdade de ação em todas as matérias, e em particular, em todos os atos de gestão  (administrativa, pessoal, informática, financeira, comercial) em todas as matérias de ordem social (carácter cooperativo) e na componente técnica (de modernização/informatização da cooperativa), facto este que as sucessivas direções sempre consentiram, com o conhecimento da Direção da R. e a sua autorização.

51 - A Autora não tinha cheques da Ré e não os assinava.

52 – A Autora não tinha chaves do cofre existente nas instalações da Ré, nem efetuava transferências bancárias, não tinha cartões de crédito da Ré nem qualquer acesso às contas bancárias da Ré ou aos valores existentes em caixa.

53 - A A. nunca teve estatutariamente nem por delegação de funções poderes para vincular a R..

54 - As instruções eram dadas pela A. aos trabalhadores e as decisões eram tomadas com a concordância da Direção da R..

55 - A A. conhecia a situação económica e financeira da R., ao longo dos anos, nomeadamente desde o ano de 2004, até ao final do ano de 2008.

56 - A A. sabia, bem como a A. AA, o Conselho Fiscal e a Direção da R., qual era o risco de se manter a concessão de sucessivo crédito a cooperadores que poderiam oferecer dúvidas quanto à sua solvabilidade.

57 - Os cooperadores FF, GG, HH, cujos montantes em débito ascendem por si só ao valor de € 1.755.000,00, aumentaram continuamente o seu débito para com a R., com a permissão da Direção desta e da A. Diretora Geral da R..

58 - Estes cooperadores nem sequer eram fornecedores de leite, através da cooperativa, o que fez que esta ficasse impossibilitada, de obrigar ao pagamento de tal débito mediante compensação, com o valor devido, ao mesmo, por crédito de leite que este tivesse.

59 - A R. foi elaborando acordos de pagamento com alguns cooperadores como FF e Sociedade Agrícola irmãos ..., Lda que não foram por estes cumpridos em grande medida.

60 - Encontrava-se na mesma situação o cooperador II, o qual foi durante o último quadriénio membro efetivo da Direção da R., e que apresentava em Fevereiro de 2009 um saldo negativo em conta corrente de 543.149,48 euros.

61 - A Direção da R. deliberou anular saldos de dois dos membros da Direção, II e JJ, com data de 30/12/2008, em montantes que ascendem a € 79.163,87 e €14.370,79, respetivamente, nos termos do documento de fls. 1063 do proc. 192/10, alegando o facto de estes cooperadores NN e JJ serem avalistas pessoais da R., e que dessa forma estariam impossibilitados de recorrer a financiamentos para benefício pessoal e, ainda, por esta via, suprir as necessidades de tesouraria e de investimento das suas empresas agrícolas junto das competentes Instituições de Crédito, deliberou que os mesmos não deveriam estar obrigados à taxa de juro decorrente do “Regulamento Interno de Concessão de Crédito da BB”, tendo, por isso, deliberado no sentido de que o valor dos juros calculados, acima de 9 pontos percentuais (9)% ao ano, deveriam ser anulados.

62 - Sendo que estes cooperadores foram membros efetivos da direção cessante.

63 - Existiam em carteira letras de cambio sem que tivessem sido apresentadas a pagamento e sem que a A. ou a R. as tivesse movimentado ou agido judicialmente para a obtenção da sua cobrança, nomeadamente, de LL, MM, NN e JJ, Soc. Agrícola Irmãos ..., HH, relativas a cláusulas penais assumidas por estes em relação à R., sendo que a atual direção da R. entende que tais cláusulas penais são nulas.

64 - As letras aceites pelos cooperadores para pagamento dos seus débitos eram muitas vezes descontadas junto das instituições bancárias sem que nas respetivas datas de vencimento fossem amortizadas, factos que eram do conhecimento da A., da Diretora Financeira AA e da Direção da R..

65 - Desta forma, a R. mantinha um débito constante junto da banca, Irmãos ..., NN, JJ, OO, etc..

66 - As letras de câmbio não movimentadas existem em carteira desde os anos de 2005/2006.

67 – A A., de acordo com as determinações da Direção da Cooperativa, sempre tentou, junto dos Cooperadores, pressioná-los para que estes regularizassem os seus débitos à Cooperativa, instruindo os colaboradores da R. a procederem no mesmo sentido, sendo, designadamente, envolvidos diretamente neste processo a Diretora Administrativa e Financeira, a Tesoureira, a responsável pelos serviços de Secretaria e os Comerciais.

68 - Os membros da Direção, que também sentiam e viviam as dificuldades que o sector atravessava e que conheciam os Cooperadores, aceitavam e compreendiam as suas desculpas, as justificações de dificuldades e acreditavam nas promessas de pagamento que estes apresentavam, não adotando a posição de submeter aqueles montantes em dívida a cobranças judiciais, mas apenas as continuadas, sucessivas e diversas insistências e tomada de outras medidas de pressão, tendo em vista a recuperação dos referidos créditos.

69 - Os acordos de pagamento celebrados com FF e com a “Sociedade Agrícola Irmãos ..., Lda.”, e assinados pela Direção da R. nos anos de 2005 e 2006, foram uma tentativa de vincular os Cooperadores a um compromisso.

70 - Sendo que a regularidade e/ou irregularidade destas situações, como as demais, eram reportadas à Direção da R..

71 - Os Cooperadores da R. apresentavam justificações várias, alegando dificuldades financeiras, que eram aceites pela Direção da R. que consentia em apoiar, dilatando o prazo do pagamento.

72 - A A. reportava à Direção a falta de cumprimento dos acordos celebrados e / ou de promessas de pagamento.

73 - Tendo a Direção sempre decidido não intentar as competentes ações judiciais contra os Cooperadores, salvo em casos de tentativa deliberada de fuga ao pagamento e/ou suspeita de tal.

74 - A R. e a A., esta enquanto Diretora Geral, permitiu a sucessiva concessão de crédito a cooperadores.

75 - A situação dos cooperadores FF, GG e HH existe há cerca de 10 anos.

76 - Contra o GG chegou a ser instaurada providência cautelar de arresto antes do processo disciplinar que conduziu ao despedimento da A..

77 - Os cooperadores FF e Sociedade Agrícola Irmãos ..., Lda, não cumprem os seus acordos desde 2006.

78 - O Cooperador II, que fez parte da Direção da R. desde 1995, conjuntamente com os dois restantes elementos que nesta data passaram a constituir a Direção da R., deu o seu património pessoal para aval dos financiamentos da R. que, à data, se encontravam avalizados pessoalmente pela Direção cessante em 1995, composta por XX, YY e ZZ, e assumindo outros avais pessoais, a favor da R., por novos financiamentos a que esta teve que recorrer.

79 - No final de 2008 o débito do cooperador II era de cerca de 500.000,00 euros.

80 - A R. promovia uma política de importação de animais de raça bovina, entregando por vezes animais a cooperadores que, aquando das entregas, se encontravam já em débito para com a cooperativa, em montantes elevados, factos que eram do conhecimento da A. AA e da Diretora Geral CC.

81 - Era a R. quem se responsabilizava, perante o vendedor dos animais, pelo seu pagamento, sendo que, por vezes e em relação a alguns cooperadores, o preço dos animais ficava por pagar.

82 - Sendo exemplo de tal situação a venda de tais animais à Sociedade Agrícola Irmãos ..., bem como a PP e a GG, esta declarada insolvente poucas semanas após ter recebido nas suas instalações um carregamento de tais animais.

83 - A importação de tais animais era efetuada através do importador R...A..., que recebia as respetivas comissões, não tendo qualquer responsabilidade nas cobranças do preço de tais animais.

84 - Era a R. quem prestava as garantias exigidas ao fornecedor estrangeiro e sendo a respetiva fatura emitida em nome da R..

85 - A venda pela R. dos animais aos cooperadores, nestas condições, agravou os montantes em débito dos cooperadores que os adquiriam, facto que era do conhecimento da A..

86 - A decisão de importação de animais dependia de solicitação dos Cooperadores, e nem sempre a mesma era satisfeita pela R..

87 - Os animais eram importados por solicitação dos Cooperadores que, na maioria dos casos, procediam à sua seleção pessoalmente, no país de origem, com o conhecimento e aprovação da Direção da R..

88 - A A. registava a solicitação de compra dos animais, efetuada direta e pessoalmente pelos Cooperadores ou comunicada pelos colaboradores da área comercial, dava conhecimento da situação à Direção da R. e, com a aprovação desta, dava seguimento à realização do negócio.

89 - A importação de animais de raça bovina nos termos referidos iniciou-se em 2002.

90 - A R. deu ordem de emissão de documentos, notas de lançamento em 2006 e faturas em 2007 invocando a retificação e atualização de preços de ração e adubo já fornecidos durante o ano em curso.

91 - O que fazia aumentar a dívida daqueles cooperadores.

92 - No final do ano de 2008 a R. deu ordem para anular tais faturas referentes ao ano de 2007, tendo alguns dos cooperadores reclamado junto da R. a falta de fundamento para a imputação de tais débitos.

93 - As ordens de emissão de notas de lançamento e fatura relativas à correção de preços foram emitidas no final dos anos de 2006 e 2007.

94 - A emissão de novos documentos relativos às vendas efetuadas e a sua posterior anulação afetam a imagem da R. perante os seus cooperadores.

95 - A R. tinha frequentes dificuldades de tesouraria, sendo a situação muito difícil, recorrendo a crédito bancário, com encargos e juros, situação que, causada embora pelas dívidas dos cooperadores nos termos referidos no n.º 110 do Processo 194/10, foi agravada pelo pagamento à CC das quantias mencionadas no n.º 135.

96 - A R. procedia ao pagamento de gratificações líquidas, sendo que em relação à A. tal acontecia desde 2004.

97 - A A. e a Direção da R. sabiam que as quantias pagas a título de prémios e acréscimos salariais, atenta a periodicidade com que estavam a ser atribuídas, podiam estar sujeitas contribuições e descontos para a segurança social.

98 - Em princípios do ano de 2006, a R. foi alvo de uma inspeção por parte dos serviços da Segurança Social.

99 - A R. procedeu ao pagamento das contribuições bem como a parte correspondente aos descontos, encargo dos colaboradores, bem como os juros correspondentes, tendo tudo atingido o montante de 192.979,00 euros.

100 - O procedimento de não efetuar descontos para a Segurança Social teve o acordo e conhecimento da Direção da R., tendo esta deliberado não sujeitar os montantes pagos a título de gratificação aos referidos descontos, apelidando-os de ocasionais e esperando que assim fossem considerados pela Segurança Social.

101 - Tendo-se, ainda, sobre o assunto, questionado os Auditores da R. que conheciam a situação, sabendo a R. que, dependendo do entendimento atribuído à natureza das remunerações em causa, poderia vir a ter que efetuar aqueles pagamentos.

102 - Os montantes pagos a título de gratificações, prémios e acréscimos de remuneração eram autorizados pelos membros da Direção da R. que ordenavam o respetivo pagamento.

103 - A A. recebia ainda juntamente com a sua retribuição base valores pecuniários pagos a título de Kms que ascenderam, entre 2005 e 2008, em média a 3.200,00 euros mensais.

104 - Os valores eram apurados na elaboração de mapas destinados a esse fim, autorizando a direção da R. o pagamento da quantia em causa e relativa a cada mês.

105 - A A., diferentemente de outros trabalhadores, nunca teve uma viatura atribuída pela R. para as suas deslocações de serviço e/ou pessoais.

106 - Deslocando-se, por isso, na sua viatura própria mesmo em deslocações de serviço em prol dos interesses da R.

107 - O pagamento dos Kms era sempre autorizado/validado com a rubrica dos três elementos da Direção da R., tendo sido realizado diretamente pela R..

108 - Por iniciativa das As. e atentas as dificuldades de tesouraria, a R. solicitou um empréstimo e para o efeito subscreveu uma livrança junto do Millennium BCP, em 28/11/2008, no montante de 200.000,00 euros, com vencimento em 19/01/2009, em data anterior àquela em que se verifica o pagamento do preço do leite, tendo as eleições sido realizadas em 03/12/2008.

109 - O financiamento efetuado no Millennium teve por base necessidades de tesouraria.

110 – Sem prejuízo do referido na alínea AZ) do Proc. 192/10 e no n.º 95 do Proc. 194/10, as dificuldades de tesouraria decorriam da ausência de pagamento de alguns dos Cooperadores, muitos dos quais prometiam constantemente liquidar os seus débitos ou parte, junto da R., assegurando que tinham em curso financiamentos bancários, ou vendas de terrenos ou outros imóveis e até heranças, acabando por o tempo ir passando sem tal nunca mais se concretizar, vindo sendo sucessivamente adiados.

111 - Situação que era do conhecimento da Direção da R..

112 - A A. sabe que o produto resultante do fornecimento do leite era destinado ao pagamento dos produtores do leite.

113 - A R. tinha as suas Contas Auditadas desde o ano de 1995, sendo que, a partir do ano de 2001, as mesmas continuaram a ser Auditadas, passando, também, a ser Legalmente Certificadas, pela QQ & Associados, SROC S.A., sendo que o Revisor Oficial de Contas, anualmente, nas instalações da R., reunia com a Direção, Conselho Fiscal e Mesa da Assembleia Geral da R. para discutir as contas de cada exercício, projetando-as em PowerPoint e demonstrando sempre a evolução comparada da respetiva situação financeira.

114 - Igualmente, todos os anos, entre 1995 e 2008, após a reunião com o Revisor Oficial de Contas, ficava a Direção da R. com o Conselho Fiscal e Mesa da Assembleia-Geral, assinando-se, nesta altura o Parecer do Conselho Fiscal.

115 - Posteriormente a estas reuniões, tinha lugar a reunião da Assembleia-Geral da R., com a presença de todos os seus órgãos sociais e onde a Direção da R. apresentava, discutia e submetia à votação de todos os presentes: o Relatório de Gestão e as Contas de cada exercício, bem como o Parecer do Conselho Fiscal e a Certificação Legal das Contas, sendo a A. quem apresentava, perante os órgãos sociais, os Relatórios de Gestão e as Contas de cada exercício, bem como o Parecer do Conselho Fiscal e a Certificação Legal das Contas.

116 - Neste conjunto de documentos, distribuídos por todos os Cooperadores presentes na Assembleia-Geral e por todos os não presentes que os solicitavam, a situação económica e financeira da Ré encontrava-se ilustrada e demonstrada, embora de forma agregada.

117 - Os prémios e acréscimo salarial foram atribuídas pela Direção da R. à A..

118 - O pagamento de gratificações, denominadas prémios e acréscimos de remuneração, era uma prática habitual da R. em relação às As. AA e CC sendo pagas outras gratificações a um conjunto de outros funcionários da R., em regra duas vezes por ano e ainda a outros funcionários quando estes executavam, por um determinando período, e em acumulação, funções que não lhes eram próprias, sendo todas as “ordens de pagamento” dadas/assinadas/validadas pelos três elementos do órgão da Direção.

119 - O Conselho Fiscal e os elementos da Mesa da Assembleia Geral sempre foram convocados, pela Direção, entre 1995 e 2008, para as reuniões com o Revisor Oficial de Contas, tendo estado presentes e participado sempre nessas reuniões.

120 - Encontrando-se todos os montantes, nomeadamente os relativos a despesas com o pessoal, inscritos, embora de forma agregada, nas contas apresentadas pelo ROC as quais eram levadas à Assembleia-Geral, sem que alguma vez fosse levantada qualquer questão sobre a matéria salarial ou outra.

121 - O mesmo se passando relativamente às reuniões da Assembleia-Geral, em que todas as rubricas de custos e proveitos constavam, embora de forma agregada, nas contas que eram presentes, discutidas, submetidas a votação e aprovadas.

122 - A A. redigiu, no computador instalado no seu posto de trabalho, duas cartas em nome dos cooperadores AAA e BBB onde estes manifestavam a vontade de passar a receber o pagamento do leite diretamente da A..., fazendo constar ainda que não confiavam na direção da R. que acabara de ser eleita.

123 - Os membros que fizeram parte das sucessivas Direções, desde Setembro de 1983, e até Dezembro de 2008, continuaram a avalizar pessoalmente Financiamentos Bancários para permitir a concessão de crédito aos Cooperadores.

124 - Esta disponibilidade da Direção da R. mantinha-se no sentido de não onerar o património da R..

125 - Só após solicitação da A., a R. acabou por lhe remeter o modelo 5044 da Segurança Social e o certificado para o trabalho, fazendo constar de tais documentos que a data de início da atividade na R. era 01/09/1983, que a data da cessação do contrato de trabalho era 29/04/2009.

126 - Por carta de 23/06/2009, a A. devolveu tais documentos à R. e solicitou a emissão de novos preenchidos corretamente.

127 - A. foi acusada de desobediência, desonestidade, suspeição, falta de zelo e diligência e lesão de interesses patrimoniais da R., com alargada publicitação e difusão/publicação nos meios de comunicação social.

128 - A A. foi acusada de ter cometido ilegalidades e ameaçada com processos criminais.

129 - A perda do emprego e o receio de não arranjar outro angustiam a A..

130 - Com o despedimento perpetrado pela R. a A. sofre angústias, dor, sofrimento e vergonha por saber os efeitos que a atitude dos atuais dirigentes da R. está a causar à sua imagem, à sua dignidade, à sua honra, à sua família (em especial, filho, marido e mãe) aos amigos e conhecidos, ao seu futuro profissional, à subsistência da sua família.

131 - A A. sentiu-se e sente-se profundamente humilhada perante a sua família e os seus amigos, pelo facto de ter sido acusada da forma que foi e de ter sido despedida.

132 - Na data da cessação do seu contrato de trabalho, a A. auferia as seguintes quantias mensais ilíquidas:

- € 4.370,00, a título de retribuição base;

- € 135,74, a título de subsídio de alimentação, por 22 dias de trabalho;

- € 70,00, a título de diuturnidades.

133 - Estava ainda acordado com a R. o pagamento de um acréscimo de remuneração mensal equivalente ao valor do vencimento mensal ilíquido, nos termos do documento de fls. 474 do processo 192/10.

134 - A título de prémio anual, a A. auferiu, no ano de 2008 os seguintes montantes ilíquidos:

- € 4.780,00, no mês de Fevereiro;

- € 5.160,00 no mês de Março;

- € 5.250,00, no mês de Abril;

- € 5.250,00, no mês de Maio;

- € 5.250,00, no mês de Junho;

- € 11.500,00, no mês de Julho;

- € 5.650,00, no mês de Agosto

- € 5.400,00, no mês de Setembro;

- € 5.500,00, no mês de Outubro;

- € 16.680,01, no mês de Novembro.

135 - A. CC recebeu da R. as seguintes quantias ilíquidas:

- no ano de 2005 € 140.153,00, sendo a quantia de 104.173,17 euros a título de prémio anual em 14 parcelas de 6.200,00 euros, 6.210,00 euros, 5.800,00 euros, 2.700,00 euros, 7.300,00 euros, 4.370,00 euros, 6.250,00 euros, 4.800,00 euros, 8.321,17 euros, 12.993,00 euros, 10.219,00 euros, 10.300,00 euros, 9.500,00 euros e 9.210,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 5 vezes x 7.196,00 euros;

- no ano de 2006 € 258.407,93, sendo a quantia de 104.173,17 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 8.900,00 euros, 10.409,00 euros, 9.800,00 euros, 10.000,00 euros, 11.400,00 euros, 7.300,00 euros, 10.800,00 euros, 6.000,00 euros, 12.300,00 euros, 13.230,00 euros, 12.520,00 euros, 10.656,93 euros, 12.560,00 euros, 12.650,00 euros, 9.490,00 euros e 13.000,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 7.196,00 euros + 10 x 7.300,00 euros;

- no ano de 2007 € 244.577,96, sendo a quantia de 144.892,96 euros a título de prémio anual em 14 parcelas de 13.100,00 euros, 8.880,00 euros, 12.721,24 euros, 11.860,00 euros, 7.500,00 euros, 5.500,00 euros, 12.350,00 euros, 12.466,82 euros, 6.000,00 euros, 12.560,00 euros, 11.600,00 euros, 12.860,00 euros, 7.123,90 euros e 10.371,00 euros, e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 7.300,00 euros + 11 x 7.735,00 euros;

- no ano de 2008 € 173.131,52, sendo a quantia de 88.163,02 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 3.543,01 euros, 4.780,00 euros, 5.160,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.500,00 euros, 6.000,00 euros, 5.650,00 euros, 5.400,00 euros, 5.500,00 euros, 8.945,01 euros, 7.735,00 euros, 5.650,00 euros e 3.300,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 10 vezes x 7.735,00 euros + 4.440,00 euros + 3.178,50 euros.

136 - Os valores das retribuições pagas à A. e à Diretora Geral CC foram amplamente divulgados na imprensa regional e mesmo nacional, com suspeitas de não ser legítimo o seu pagamento, pondo em causa o nome da R., sendo considerados exorbitantes os valores pagos a título de gratificações.

137 - A a A. CC recebeu em Dezembro de 2008 as quantias ilíquidas de 5.650,00 euros, 3.178,50 euros e 3.300,00 euros, acrescidas do seu salário base.

138 - Tais pagamentos foram efetuados antes do final do mês de Dezembro de 2008.

139 - A data da sua cessação do contrato de trabalho, a A. tinha a categoria profissional de Diretora Geral.»

 O acórdão recorrido adita parte do teor dos acordos a que se reportam as als. Q), R), V), W), X) e AC) dos factos provados, bem como as notas de culpa referidas na al. L) e no n.º 13, que passaremos também a transcrever:

«- Do acordo de fls. 423 a 425 do Proc. 192/10 referido na al. Q) dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:


ACORDO – Prémio Anual/Gratificação Ocasional para 2003

(Celebrado entre a Directora-Geral e a Direcção da Cooperativa)


(…)

A Direcção da Cooperativa (…), reuniram em 25 de Junho de 2003, (…), tendo convocado, previamente, a Directora-Geral, Doutora CC (…), que compareceu e também participou.

(…)

Assim:

· Tendo em conta os Resultados Anuais, em termos de Volume de Negócios (venda e prestações de serviços totais);

· Tendo em conta os Novos Negócios/Serviços em perspectiva que esta havia já apresentado à Direcção;

· Tendo em conta a Crescente Fidelização dos Cooperadores;

· Tendo em conta o Incremento da Produção de Leite da Cooperativa, em 2002 e a entrada de Novos Produtores.

A Direcção entendeu acordar com a Doutora CC um Prémio Anual, pelo seu Desempenho e Contributo para satisfação/cumprimento dos Objectivos atrás apontados,

(…)

Para o ano de 2003, em curso, o Objectivo que a Direcção entendeu Definir, em termos de volume de negócios (vendas e prestação de serviços totais), tendo presente toda a apresentação, efectuada pela Doutora CC, da estratégia que vinha implementando e da previsão dos seus Resultados, foi de ultrapassar a “barreira” dos 18 Milhões de Euros. (…)

(…)

Assim:

· Ficou acordado que verificados os objectivos impostos pela Direcção, o Prémio Anual (bruto), para 2003, a receber pela Doutora CC, sob a forma de Gratificação Ocasional, fixar-se-ia no valor correspondente a 12 meses do seu ordenando mensal ilíquido (base).

· Tendo em conta tratar-se de um valor bastante significativo ficou acordado que o mesmo poderia ser pago parcelarmente ou por conta, o que entendia dever ser a forma a adoptar pois facilitaria a Tesouraria da Cooperativa.

· Todavia, todos os pagamentos parcelares/por conta, referentes ao prémio anual, ora instituído, estariam sempre condicionados à autorização expressa da Direcção, mediante a elaboração de uma “Ordem de Pagamento de Gratificações”, que aquela validaria com a sua assinatura.

(…)”.

- Do acordo de fls. 426 e 427 do Proc. 192/10 referido na al. R) dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:


“ACORDO – Prémio Anual/Gratificação Ocasional para 2003

(rectificação)

(Celebrado entre a Directora-Geral, a Directora Administrativa e Financeira e a Direcção da Cooperativa)


(…)

A Direcção da Cooperativa (…), reuniram em 24 de Setembro de 2003, (…), tendo convocado, previamente, a Directora-Geral, Doutora CC (…),

(…)

Assim, ao Prémio Anual/Gratificação Ocasional atribuído à Doutora CC, para 2003, por “Acordo” formalizado em Junho de 2003, serão subtraídos 6 mil Euros para a Doutora AA.

(…)

- Do acordo de fls. 436 a 439 do Proc. 192/10 referido na al. V) dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:


ACORDO – Prémio Anual/Gratificação Ocasional para o ano 2004

A Direcção da Cooperativa (…), reuniram em 17 de Dezembro de 2003, (…)

(…)

Assim:

· Ficou acordado que verificados os objectivos impostos pela Direcção, o Prémio Anual a receber pela Doutora CC, sob a forma de gratificação ocasional, em termos líquidos, fixar-se-ia em 112% do seu ordenado mensal líquido (base) a multiplicar por 15 meses.

· Quanto à Doutora AA ser-lhe-ia atribuído um valor correspondente a 50% do valor definido para a Doutora CC.

· Tendo em conta tratar-se de um valor bastante significativo ficou acordado que o mesmo poderia ser pago parcelarmente, o que facilitaria a Tesouraria da Cooperativa.

· Todavia, todos os pagamentos parcelares/por conta (uma a duas vezes por mês), referentes ao prémio anual, ora instituído, estariam sempre condicionados à autorização expressa da Direcção, mediante a elaboração de uma “Ordem de Pagamento de Gratificações”, que aquela validaria com a sua assinatura. (…)” (fls. 436 a 438).

E,


“ACORDO” Prémio Anual

(rectificação)


A Direcção da BB- (…), reuniram, em 28 de Julho de 2004, (…)

(…)

Segundo a Doutora CC o valor do prémio anual da Doutora AA deveria ser superior em 30% em relação ao valor acordado em Dezembro de 2003.

Esta proposta mereceu a apreciação dos presentes que se pronunciaram  favoravelmente (…) .

(…), tendo sido decidido passar a escrito todo o conteúdo deste “Acordo” rectificado para ser assinado por todos os presentes.

(…)” [fls. 439]

- Do acordo de fls. 63 do apenso G) referido na al. W) dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:


ACORDO – Prémio Anual/Gratificação Ocasional para o ano 2005

A Direcção da BB- (…), reuniram, em 12 de Janeiro de 2005, (…),

(…)

Assim, para o ano de 2005 os objectivos impostos eram:

· Estabilizar/manter o volume de negócios total (vendas e prestação de serviços totais), nos 20 milhões de Euros.

· Continuar a desenvolver os novos negócios;

· Criar novos serviços para a satisfação e apoio dos Cooperadores não esquecendo a Missão da Cooperativa;

· Promover o crescimento da produção de leite para, no mínimo, 45 milhões de litros.

(…)

Então, o Senhor Presidente, informou que cumpridos os objectivos atrás enunciados:

· O Prémio Anual viria a ser pago como gratificação ocasional, como era habitual;

· No ano de 2005, ascenderia a um montante liquido calculado nos mesmos termos que o de 2004, apenas acrescido de 5 pontos percentuais, ou seja 117% do valor ilíquido do vencimento (base), da Doutora CC, referente a quinze meses;

· À Doutora AA seria atribuído um prémio anual de igual valor ao da Doutra CC;

· O prémio anual devido pelo cumprimento de objectivos impostos, poderia ser pago parcelarmente/por conta, uma ou mais vezes por mês, o que facilitaria a Tesouraria da Cooperativa;

· Todavia, cada pagamento parcelar/por conta do prémio anual careceria de prévia autorização da Direcção, expressa pela sua assinatura em impresso próprio, intitulado “Ordem de Pagamento de Gratificações”.

Posto isto, que mereceu o acordo dos presentes, (…)”

- De fls. 474 do Proc. 192/10, referido na al. X) dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:

 


«ACORDO – Acréscimo de Remuneração

A Direcção da BB – Cooperativa (…), reuniram no dia 16 de Agosto de 2005, (…)

(…)

Tendo em conta todo o esforço de ambas as Doutoras, a Direcção comunicou-lhes que, a partir do presente mês, iriam ser beneficiadas por um “Acréscimo de Remuneração”, mensalmente, no valor do vencimento ilíquido de cada uma delas.

Esta situação manter-se-á até a Direcção decidir em contrário o que será, igualmente, posto por escrito e justificado.

Contudo, cada pagamento deste acréscimo de remuneração carecerá da Autorização da Direcção, expressa pela assinatura da Direcção no impresso, intitulado de “Acréscimo de Remuneração.

(…)”».

- De acordo de fls. 480 e 481 do Proc. 192/10, referido na al. AC) dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte:


ACORDO – Prémio Anual/Gratificação Ocasional 2006

A Direcção da BB – Cooperativa (…), reuniram no dia 11 de Janeiro  de 2006, (…)

(…) os objectivos que a Direcção pretendia fossem atingidos no ano de 2006 eram os seguintes:

· O Volume total de negócios da Cooperativa, em termos de vendas e prestações de serviços totais, teria que ultrapassar os 20 milhões de Euros;

· A crescente fidelização dos Cooperadores continuava a ser um objectivo;

· O crescimento da produção de leite deveria ir além dos 46 milhões de litros apesar de todas as condicionantes impostas pelas quotas leiteiras;

· Os novos negócios e novos serviços aos Cooperadores incluindo a Formação Profissional Agrária, tinham que ser uma realidade;

· A satisfação dos Cooperadores, tendo em conta a Missão da Cooperativa seria uma das prioridades;

· A conclusão dos trabalhos de certificação de Qualidade deveria verificar-se.

Posto isto, (…)

· Verificados os resultados pretendidos, ou seja, satisfeitos os objectivos apontados, a Direcção atribuiria um prémio anual, sob a forma de gratificação ocasional, às Doutoras CC e AA, de igual montante;

· O valor do Prémio anual seria calculado nos mesmos termos dos do ano de 2005;

· O valor de cada Prémio anual/gratificação ocasional seria um valor líquido, calculado sobre o vencimento ilíquido da Doutora CC, referente a 15 meses, 120% desse valor será o montante líquido a ser pago à Doutora CC e, igualmente, à Doutora AA.

· O prémio anual/gratificação ocasional fixado para as Doutoras CC e Doutora AA poderia e deveria, para facilidade de tesouraria da Cooperativa, ser pago parcelarmente/por conta, uma ou mais vezes por mês.

· Todavia, cada pagamento parcelar/por conta do prémio anual fixado, carecerá de prévia autorização da Direcção, que fica expressa pela sua assinatura no documento intitulado “Autorização de Pagamento de Gratificações”.

(…)”»

- Na nota de culpa deduzida contra a A. AA, de fls. 60 a 67 do Proc. 192/10 consta o seguinte:

“(…)

4º A arguida, exerceu e vem exercendo, praticamente desde o momento em que passou a trabalhar para a arguente funções que lhe permitem conhecer de forma absoluta a situação económica e financeira da arguente, sua entidade patronal, até ao final do ano de 2008..

5º A arguida, no desempenho das suas funções e em comunhão de vontades e esforços com a Directora Geral, CC, permitiu a sucessiva concessão de crédito a cooperadores, que avolumavam o seu débito para com a arguente, sem que se mostre evidenciado, na maior parte deles qualquer tendência de diminuição do passivo.

6º Efectivamente, a arguida, a título de exemplo e de maior relevância, ponderando os montantes em débito de cada um dos cooperadores como; FF, GG, HH, cujos montantes ascendem por si só ao valor de €1.755.000,00 aumentassem continuamente o seu débito para com a arguente.

7º de referir, que estes cooperadores nem sequer, eram fornecedores de leite, através da arguente, o que mais e maiores dificuldades de garantia de cobrança de créditos traz para esta.

8º Sendo certo que, sendo conhecido da arguente a existência de acordos de pagamento com alguns cooperadores, nomeadamente, do FF e Sociedade Agrícola Irmãos ..., Lda., verifica-se que os mesmos nunca cumpriram aqueles acordos de pagamento.

9º Encontra-se ainda nesta situação o cooperador II, com a particular agravante de ter sido durante o último quadriénio membro efectivo da Direcção da arguente, que apresenta actualmente, um saldo negativo em conta corrente na ordem dos 965.000,00€.

10º A arguida em conjugação de esforços e vontades com a trabalhadora CC, anulou ainda saldos de contas correntes dos cooperadores NN e JJ, com data de 30/12/2008, em montantes que ascenderam a €79163,87 e 14370,79, respectivamente, sendo que estes cooperadores foram membros efectivos da direcção cessante. Sendo que a justificação dada (o facto de os mesmos serem avalistas da arguente), não releva para o perdão da dívida em causa sendo também este, manifestamente, um acto de gestão danosa, porque para além do mais causador de dano patrimonial.” [nota de culpa contra a A. AA).

11º Existem ainda em carteira, sem que tenha sido apresentadas a pagamento diversas letras de câmbio, sem que as tenha movimentado ou agido judicialmente para a obtenção da sua cobrança, nomeadamente, LL, MM, NN e JJ, Soc. Agrícola Irmãos ..., HH, ascendendo os montantes em causa a centenas de milhar de euros.

12º Ainda e relativamente a letras de cambio, a arguida sempre em conluio com a trabalhadora CC, consentiu de forma sistemática, que letras de cambio aceites por cooperadores para pagamento dos seus débitos, fossem descontadas junto das mais diversas instituições bancárias, sem que as mesmas fossem nas respectivas datas de vencimento amortizadas, procedendo à reforma das mesmas por valor igual, sendo que desta fora, a arguente mantinha um débito constante junto da banca, Irmãos ..., NN, JJ, OO, etc.

13º Acresce que, igualmente, a arguida tinha conhecimento e não se opôs que a Directora Geral, CC, adoptou uma “política” incompreensível de sucessiva importação de animais de raça bovina, manifestando total disponibilidade para entregar animais a cooperadores que, aquando de tais entregas, se encontravam já em débito para com a cooperativa, em montantes elevados, incentivando-os a adquirir tais animais, ficando o preço dos mesmos em débito para com a arguente, sendo exemplo, de tal situação a venda de tais animais à Sociedade Agrícola Irmãos ..., bem como a PP e GG, esta declarada insolvente poucas semanas após ter recebido nas suas instalações um carregamento de tais animais, sem qualquer lucro atendível para a arguente, mesmo no caso de tais animais terem sido pagos.

14º Sendo a importação de tais animais efectuada através do importador R...A..., que recebia as respectivas comissões, não tendo qualquer responsabilidade nas cobranças do preço de tais animais, sendo a arguente, quem prestava as garantias exigidas ao fornecedor estrangeiro, sendo ainda a respectiva factura emitida em nome da arguente, ou seja, a arguida com tal “política”, agravou os montantes em débito dos cooperadores, agravando exponencialmente, o crédito mal parado da arguente, e sem que se vislumbre qualquer contrapartida económico-financeira para a arguente que determinasse a aceitação do risco do negócio, sendo pois tal política, totalmente desastrosa, para as finanças da arguente.

15º A arguida juntamente com a Directora Geral, CC, no final dos anos de 2005, 2006 e 2007, fez emitir documentos (notas de lançamento em 2005 e 2006 e facturas em 2007), que penalizavam os cooperadores, invocando a rectificação e actualização de preços de ração, e adubo, já fornecidos durante o ano em curso, o que fazia aumentar de forma substancial a dívida daqueles cooperadores, sem qualquer explicação para este procedimento, ou fundamentação legal.

16º Tal acto manifestamente ilegal, destinou-se, única exclusivamente, a alterar as contas anuais da arguente, manipulando resultados, que sabia não existirem e serem falsos, de forma a mascarar a realidade económico-financeira da arguente, com o intuito de disso tiar vantagens patrimoniais para si própria.

17º Que, no final deste ano de 2008, decidiram em conjunto, a arguida e a Directora Geral CC, dar ordens expressas para anular tais facturas, referentes ao ano de 2007, porquanto os cooperadores verificaram de tais débitos e reclamaram junto da arguente a falta de fundamentação para a imputação de tais débitos, o que deu origem a um enorme mal estar e afectação negativa da imagem da arguente, pondo em causa a dignidade consideração e respeito que a arguente é merecedora, não só perante os seus cooperadores como ainda da sociedade em geral, particularmente da inserida no mesmo meio territorial.”

18º Tal manipulação de resultados, ocorrida durante aqueles anos de 2005, 2006 e 2007, foi ainda praticada pela arguida de molde a obter junto da Banca, maiores e mais fáceis condições de financiamento da arguente. Fazendo aumentar o passivo da arguente, em vez de racionalmente, optar por políticas de redução de custos, mostrando, mais uma vez uma firme intenção de não cumprir com as práticas mais elementares de uma gestão que se pretende diligente e zelosa.

19º A arguida bem sabia até pelos procedimentos que levou a cabo, e supra enunciados, das dificuldades de liquidez de tesouraria da arguente, porem, não se imiscuiu de obter vantagens patrimoniais para si e para a Drª CC, em detrimento, do cumprimento de normas de controlo ou regras económicas que se impões numa gestão racional, provocando dessa forma, danos patrimoniais importantes à arguente.

20º A arguida não se imiscuiu de receber, entre os anos de 2004 a 2008, “gratificações” inaceitáveis e incompreensíveis para qualquer empresa, por muito boa saúde económico-financeira de que a mesma gozasse, muito menos, para uma cooperativa, como arguente, que visa, sem fins lucrativos a satisfação das necessidades e aspirações económicas dos seus membros.

21º A arguida durante o ano de 2005 recebeu a título de gratificações, a quantia de €123.778,00, no ano de 2006 a quantia de €218.325,00, no ano de 2007 a quantia de €176.009,00, no ano de 2008 a quantia de €128.882,00, sendo que tais quantias se tratam de valores ilíquidos, provocando, o total desequilíbrio económico-financeiro da arguente, determinando o recurso a sucessivo crédito bancário, com encargos, (juros e spred.s) cada vez mais altos, não manifestando, em momento algum, qualquer tipo de relutância em assim proceder continuamente, bem pelo contrário, já que sucessivamente dava ordens directas, para processar as designadas “gratificações” liquidas.

22º Na verdade, a arguida fez com que a arguente fosse ainda mais onerada com a obrigação de suportar todos os encargos fiscais com tais gratificações, de modo a que a arguida não sofresse qualquer tipo de agravamento fiscal com as mesmas provocando mais prejuízos e o avolumar do passivo da arguente.

23º A arguida, não atendeu ao facto de que as gratificações em causa, atenta a forma e periodicidade com que estavam a ser atribuídas, estavam sujeitas a desconto e contribuição para a segurança social, o que determinou, em princípios do ano de 2006, inspecção por parte dos serviços da segurança social, tendo sido aplicada à arguente, penalização de pagar as contribuições sobre as referidas gratificações, bem como a parte correspondente aos descontos, encargo dos colaboradores, e ainda os juros correspondentes, tendo tudo atingido o valor de 199.279,12 euros.

24º Caso a arguida tivesse agido, com zelo e diligencia, a arguente teria “poupado” 89.076,18 euros, correspondente ao valor dos juros de mora no montante de 30.229,94 euros e da parte correspondente aos descontos dos colaboradores, no montante de 58.846,24 euros mais uma vez, a arguida, demonstrou, não ter qualquer zelo ou diligência nas suas funções, não dando a conhecer este facto à arguente, causando-lhe, mais uma vez, graves prejuízos patrimoniais.

25º  Acresce que a arguida recebeu no ano de 2007, ainda juntamente com a sua retribuição base, valores pecuniários pagos a titulo de ajudas de custo, que ascendiam a, em media, a €4.000,00 mensais, sem que haja qualquer fundamento para a sua atribuição/obtenção, mais uma vez onerando sem qualquer motivo e de forma desproporcionada as finanças já de si precárias da arguente prejudicando-a de forma desmesurada, porque tais ”ajudas” ultrapassavam, em muito, os efectivos encargos que esta tinha.

26º A arguida, para além do mais, atentas as vantagens patrimoniais incomensuráveis que retirou para si e para a sua colega Drª CC, em detrimento em primeiro lugar dos cooperadores, e depois, dos demais colegas de trabalho, e sociedade em geral, provocou ainda grande alarde social, sento tais factos notícia de jornais de dimensões regionais e mesmo nacional, mais um vez pondo em causa o bom-nome, respeito, prestígio e consideração social, de que a mesma é credora.

27º A arguida e a Directora Geral, CC, sabendo da aproximação da data para a realização de eleições para os órgãos sociais da arguente, não se imiscuiu de obrigar a arguente, em 28/11/2008, junto banco Millennium bcp, através de uma livrança, no montante de 200.000€, com vencimento para 19/01/2009, a ser liquidada através do produto resultante do fornecimento do leite, referente ao mês de Dezembro, que bem sabia ser destinado ao pagamento aos produtores de leite.

28º Sendo certo que, o crédito obtido foi gasto no pagamento, nomeadamente, das gratificações concedidas a si própria e à Drª CC, nos montantes líquidos de €10.662,00 e €12.129,00, respectivamente a acrescer ao seu salário base, sendo que acresce ainda as quantias pagas a título de subsídio de Natal.

29º A arguida não se imiscuiu de ordenar o processamento de salários, e das ditas gratificações, não obstante, as dificuldades de tesouraria evidenciadas pelo recurso ao financiamento bancário referido no item 26º [[4]], ainda antes do final do mês em que pelo menos os salários eram devidos, ou seja,

30º Agiu a arguida de modo a que a nova Direcção entretanto eleita, contra sua vontade, não tivesse como não teve qualquer fundo de maneio quer em caixa, quer junto das instituições bancárias. Aliás,

31º Consentindo com a aceitação de tal livrança, nos termos e condições em que a mesma foi subscrita que a nova Direcção da arguente se visse, imediatamente, confrontada com a obrigação de liquidar uma dívida de €200.000,00 sem ter qualquer possibilidade de obter tal quantia agindo pois, sem o menor respeito pelos deveres de zelo, e de diligência, que lhe eram manifestamente impostos, até, porque, credora de toda a confiança da arguente.

32º A arguida agiu sempre de molde a não dar a conhecer os montantes que recebia, ela própria e a Drª CC, a titulo de gratificações evitando disso dar conhecimento mesmo a orgãos sociais que lhes solicitavam tais informações, nomeadamente, o Conselho Fiscal da arguente.

33º Em meados de Novembro de 2008, a arguida solicitou ao funcionário EE, listagem dos rendimentos dos funcionários, porém, tendo este apresentado uma listagem onde constavam os valores referentes a todos os processamentos do mês de Outubro, tendo esta arguida recusado tal listagem afirmando pretender unicamente que se fizesse constar o salário base dos funcionários, dando indicações para que aquele omitisse todas as demais quantias processadas em tal mês, nomeadamente, as gratificações recebidas por si e pela Drª CC, dando-lhe mesmo ordens para que tais gratificações deixassem de ser efectuadas juntamente com o processamento do vencimento mensal, tal acto consubstancia-se na violação do dever de respeito e lealdade, e determinando, a manutenção de uma situação causadora de grave prejuízo patrimonial à arguente.

34º A arguida com a sua conduta violou os mais elementares deveres de um trabalhador, mormente, agir com zelo e diligência, respeitar a sua entidade patronal, promover e executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, bem assim, agir com diligência e rigor sentido de responsabilidade, tudo conforme o disposto no art. 121º do Código do Trabalho.

35º Pelo contrário, a sua conduta foi causa de afectação do bom nome e prestigio da arguente, junto dos cooperadores e demais entidades que se relacional com a mesma, bem como, de lesão grave dos interesses patrimoniais desta, colocando-a numa situação de ruptura financeira, violando de forma sistemática as mais elementares regras de boa administração, agindo com total desprezo pela “saúde” económico-financeira daquela, em claro benefício próprio e da trabalhadora CC.

36º Demonstrando ainda a arguida estar totalmente alheia aos seus deveres enquanto elemento responsável na execução do fim visado na criação e desenvolvimento da actividade da arguente, chegando mesmo a agir contra tais fins, violando o dever de atender à satisfação das necessidades e aspirações económicas dos cooperantes, porque agindo única e exclusivamente na satisfação do seu interesse e da trabalhadora CC.

37º Estes comportamentos não são admissíveis e a arguente não lhe pode ficar indiferente quer do ponto de vista disciplinar, quer ainda em termos de responsabilidade civil e criminal, não havendo as mínimas condições para a trabalhadora continuar ao serviço, uma vez que a arguente perdeu completamente a confiança nesta, sendo ainda, que a sua presença factor de grande perturbação entre os colegas de trabalho.

38º Peça gravidade e perturbação causada a conduta da arguida tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento (Art. 396º nº 1 e 3 alínea d) e e) do Código do Trabalho).

(…)”

- Da nota de culpa deduzida contra a A. CC de fls. 110 a 117, consta o seguinte:

“(…)

1º A trabalhadora está ao seu serviço desde 01/09/1983, exercendo actualmente, funções identificadas na categoria profissional de Directora-Geral.

(…)

4º A arguida, exerceu e vem exercendo, praticamente desde o momento em que passou a trabalhar para a arguente funções próprias de gerente.

5º De facto é a mesma quem dá as ordens a todos os demais funcionários da arguente, agindo como efectiva “patroa”.

6º Era a arguida quem até antes de colher opinião ou instruções dos Directores, decidia por si o que fazer em relação a qualquer assunto que se colocasse, por ínfimo ou de extrema importância que fosse.

(…)

9º A arguida tinha a obrigação de conhecer, e conhecia, a situação económica e financeira da arguente, ao longo dos anos, nomeadamente desde o ano de 2004, até ao final do ano de 2008.

10º A arguida estava alertada quer por funcionários, quer pelo conselho fiscal em funções neste período, para o risco de se manter a concessão de sucessivo crédito a cooperadores, que ofereciam risco quanto à sua solvibilidade.

11º aliás, já em 2002, a arguida foi alertada, para o facto de estarem a ser admitidos como novos cooperadores, pessoas que, segundo se conhecia, não mereciam credibilidade quanto à sua solvebilidade, nomeadamente, Agro-..., Agro-..., ..., C..., L..., etc)…

12º A arguida permitiu a sucessiva concessão de crédito a cooperadores, que avolumavam o seu débito para com a arguente, sem que se mostre evidenciado, na maior parte deles qualquer tendência de diminuição do passivo, que põe em causa a liquidez da arguente, colocando-a perto do colapso financeiro.

13º Efectivamente, a arguida, a título de exemplo e de maior relevância, ponderando os montantes em débito de cada um dos cooperadores como FF, GG, HH, cujos montantes ascendem por si só ao valor de €1.755.000,00 aumentassem continuamente o seu débito para com a arguente.

14º de referir, que estes cooperadores nem sequer, eram fornecedores de leite, através da arguente, o que mais e maiores dificuldades de garantia de cobrança de créditos traz para a arguente, já que esta fica impossibilidade de obrigar ao pagamento de tal débito, mediante compensação, com o valor devido, ao mesmo, por “crédito de leite” que este tivesse, o que não é o caso.

15º Sendo certo que, sendo conhecido da arguente a existência de acordos de pagamento com alguns cooperadores, nomeadamente, do FF e Sociedade Agrícola Irmãos ..., Lda., verifica-se que os mesmos nunca cumpriram aqueles acordos de pagamento.

16º Encontra-se ainda nesta situação o cooperador II, com a particular agravante de ter sido durante o último quadriénio membro efectivo da Direcção da arguente, que apresenta actualmente, um saldo negativo em conta corrente na ordem dos € 965.000,00.

17º A arguida anulou ainda saldos de contas correntes dos cooperadores NN e JJ, com data de 30/12/2008, em montantes que ascenderam a € 79163,87 e 14370,79, respectivamente, sendo que estes cooperadores foram membros efectivos da direcção cessante. Sendo que a justificação dada (o facto de os mesmos serem avalistas da arguente), não releva para o perdão da dívida em causa sendo também este, manifestamente, um acto de gestão danosa, porque para além do mais causador de dano patrimonial.”

18º Existem ainda em carteira, sem que tenha sido apresentadas a pagamento diversas letras de câmbio, sem que as tenha movimentado ou agido judicialmente para a obtenção da sua cobrança, nomeadamente, LL, MM, NN e JJ, Soc. Agrícola Irmãos ..., HH, ascendendo os montantes em causa a centenas de milhar de euros.

19º Ainda e relativamente a letras de cambio, a arguida consentiu de forma sistemática, que letras de cambio aceites por cooperadores para pagamento dos eus débitos, fossem descontadas junto das mais diversas instituições bancárias, sem que as mesmas fossem nas respectivas datas de vencimento amortizadas, procedendo à reforma das mesmas por valor igual, sendo que desta forma, a arguente mantinha um débito constante junto da banca, Irmãos ..., NN, JJ, OO, etc., tais actos violam de forma grave as mais elementares regra, e práticas de boa gestão, sendo causa directa de dano patrimonial à arguente, implicando prejuízos graves, sem qualquer motivo, atendível para tais procedimentos.

20º Acresce que, igualmente, a arguida tinha conhecimento e não se opôs que a Directora Geral, CC, adoptou uma “política” incompreensível de sucessiva importação de animais de raça bovina, manifestando total disponibilidade para entregar animais a cooperadores que, aquando de tais entregas, se encontravam já em débito para com a cooperativa, em montantes elevados, incentivando-os a adquirir tais animais, ficando o preço dos mesmos em débito para com a arguente, sendo exemplo, de tal situação a venda de tais animais à Sociedade Agrícola Irmãos ..., bem como a PP e GG, esta declarada insolvente poucas semanas após ter recebido nas suas instalações um carregamento de tais animais, sem qualquer lucro atendível para a arguente, mesmo no caso de tais animais terem sido pagos.

21º Sendo a importação de tais animais efectuada através do importador R...A..., que recebia as respectivas comissões, não tendo qualquer responsabilidade nas cobranças do preço de tais animais, sendo a arguente, quem prestava as garantias exigidas ao fornecedor estrangeiro, sendo ainda a respectiva factura emitida em nome da arguente, ou seja, a arguida com tal “política”, agravou os montantes em débito dos cooperadores, agravando exponencialmente, o crédito mal parado da arguente, e sem que se vislumbre qualquer contrapartida económico-financeira para a arguente que determinasse a aceitação do risco do negócio, sendo pois tal política, totalmente desastrosa, para as finanças da arguente.

22º A arguida no final dos anos de 2005, 2006 e 2007, fez emitir documentos (notas de lançamento em 2005 e 2006 e facturas em 2007), que penalizavam os cooperadores, invocando a rectificação e actualização de preços de ração, e adubo, já fornecidos durante o ano em curso, o que fazia aumentar de forma substancial a dívida daqueles cooperadores, sem qualquer explicação para este procedimento, ou fundamentação legal.

23º Tal acto manifestamente ilegal, destinou-se, única exclusivamente, a alterar as contas anuais da arguente, manipulando resultados, que sabia não existirem e serem falsos, de forma a mascarar a realidade económico-financeira da arguente, com o intuito de disso tiar vantagens patrimoniais para si própria.

24º Que, no final deste ano de 2008, deu ordem expressas para anular tais facturas, referentes ao ano de 2007, porquanto os cooperadores verificaram de tais débitos e reclamaram junto da arguente a falta de fundamentação para a imputação de tais débitos, o que deu origem a um enorme mal-estar e afectação negativa da imagem da arguente, pondo em causa a dignidade consideração e respeito que a arguente é merecedora, não só perante os seus cooperadores como ainda da sociedade em geral, particularmente da inserida no mesmo meio territorial.”

25º Tal manipulação de resultados, ocorrida durante aqueles anos de 2005, 2006 e 2007, foi ainda praticada pela arguida de molde a obter junto da Banca, maiores e mais fáceis condições de financiamento da arguente. Fazendo aumentar o passivo da arguente, em vez de racionalmente, optar por políticas de redução de custos, mostrando, mais uma vez uma forme intenção de não cumprir com as práticas mais elementares de uma gestão que se pretende zelosa e diligente.

26º A arguida bem sabia até pelos procedimentos que levou a cabo, e supra enunciados, das dificuldades de liquidez de tesouraria da arguente, porem, não se imiscuiu de obter vantagens patrimoniais para si e para a Drª AA, em detrimento, do cumprimento de normas de controlo ou regras económicas que se impões numa gestão racional, provocando dessa forma, danos patrimoniais importantes à arguente.

27º A arguida não se imiscuiu de receber, pelo menos desde o ano de 2004 a 2008, “gratificações” inaceitáveis e incompreensíveis para qualquer empresa, por muito boa saúde económico-financeira de que a mesma gozasse, muito menos, para uma cooperativa, como a arguente, que visa, sem fins lucrativos a satisfação das necessidades e aspirações económicas dos seus membros.

28º A arguida durante o ano de 2005 recebeu a título de gratificações, a quantia de €140.153,00, no ano de 2006 a quantia de €258.408,00, no ano de 2007 a quantia de €244.577,00, no ano de 2008 a quantia de €180.867,00, sendo que tais quantias se tratam de valores ilíquidos, provocando, o total desequilíbrio económico-financeiro da arguente, determinando o recurso a sucessivo crédito bancário, com encargos, (juros e spred.s) cada vez mais altos, não manifestando, em momento algum, qualquer tipo de relutância em assim proceder continuamente, bem pelo contrário, já que sucessivamente dava ordens directas, para processar as designadas “gratificações” líquidas.

29º Na verdade, a arguida fez com que a arguente fosse ainda mais onerada com a obrigação de suportar todos os encargos fiscais com tais gratificações, de modo a que a arguida não sofresse qualquer tipo de agravamento fiscal com as mesmas provocando mais prejuízos e o avolumar do passivo da arguente.

30º A arguida, ainda quando a questão dos encargos fiscais, foi alertada pelo TOC, Dr. R...S..., que as gratificações em causa, atenta a forma e periodicidade com que estavam a ser atribuídas, estavam sujeitas a desconto e contribuição para a segurança social, o que naquela data não estava a acontecer, de facto as ditas gratificações, atenta a forma regular e periódica, como eram concedidas, determinaram uma presunção legal inaceitável, porque consideradas retribuições, nada fazendo a arguida para alterar tal estado de coisas.

31º A arguida não atendeu ao alerta do TOC da arguente, e em princípios do ano de 2006, esta foi alvo de uma inspecção por parte dos serviços da segurança social, tendo lhe sido aplicada a penalização de pagar as contribuições sobre as referidas gratificações bem como a parte correspondente aos descontos, encargo dos colaboradores, bem como os juros correspondentes, tendo atingido o valor de 199.279,13 euros.

32º Caso a arguida tivesse atendido ao alerta do mencionado TOC, a arguente teria “poupado” 89.076,18 euros, correspondente ao valor dos juros de mota no montante de 30.229,94 euros e da parte correspondente aos descontos dos colaboradores, no montante de 58.848,24 euros, mais uma vez a arguida demonstrou não ter qualquer zelo ou diligência nas suas funções, não dando a conhecer este facto à arguente, causando-lhe, mais uma vez, graves prejuízos patrimoniais.

33º Acresce que a arguida recebia ainda juntamente com a sua retribuição base valores pecuniários pagos a titulo de “Km.s”, que ascendiam a, em media, a €4.000,00 mensais, com base em elaboração de mapas, destinados a esse fim, que não correspondiam à verdade, (caso correspondessem a arguida nunca estaria na sede da arguente), mais uma vez onerando sem qualquer motivo e de forma desproporcionada as finanças já de si precárias da arguente prejudicando-a de forma desmesurada, porque tais ”ajudas” ultrapassavam, em muito, os efectivos encargos que esta tinha.

34º A arguida, para além do mais, atentas as vantagens patrimoniais incomensuráveis que retirou para si e para a sua colega Drª AA, em detrimento em primeiro lugar dos cooperadores, e depois, dos demais colegas de trabalho, e sociedade em geral, provocou ainda grande alarde social, sento tais factos notícia de jornais de dimensões regionais e mesmo nacional, mais um vez pondo em causa o bom-nome, respeito, prestígio e consideração social, de que a mesma é credora.

35º. A arguida, sabendo da aproximação da data para a realização de eleições para os órgãos sociais da arguente, não se imiscuiu de obrigar a arguente, em 28/11/2008, junto banco Millennium bcp, através de uma livrança, no montante de 200.000€, com vencimento para 19/01/2009, a ser liquidada através do produto resultante do fornecimento do leite, referente ao mês de Dezembro, que bem sabia ser destinado ao pagamento aos produtores de leite.

36º. Sendo certo que, o crédito obtido foi gasto no pagamento, nomeadamente, das gratificações concedidas a si própria e à Drª AA, nos montantes líquidos de €12.129,00 e €10.662,00, respectivamente a acrescer ao seu salário base, sendo que acresce ainda as quantias pagas a título de subsídio de Natal.

37º A arguida não se imiscuiu de ordenar o processamento de salários, e das ditas gratificações, não obstante, as dificuldades de tesouraria evidenciadas pelo recurso ao financiamento bancário referido no item 33º [[5]], ainda antes do final do mês em que pelo menos os salários eram devidos, ou seja,

38º Agiu a arguida de modo a que a nova Direcção entretanto eleita, contra sua vontade, não tivesse como não teve qualquer fundo de maneio quer em caixa, quer junto das instituições bancárias. Aliás,

39º consentindo com a aceitação de tal livrança, nos termos e condições em que a mesma foi subscrita que a nova Direcção da arguente se visse, imediatamente, confrontada com a obrigação de liquidar uma dívida de €200.000,00 sem ter qualquer possibilidade de obter tal quantia agindo pois, sem o menor respeitos pelos deveres de zelo, e de diligência, que lhe eram manifestamente impostos, até, porque, credora de toda a confiança da arguente, que lhe depositou nas suas mãos o seu destino e o destino dos seus cooperadores.

40º A arguida agiu contra os legítimos interesses da arguente e contra os seus próprios estatutos, a criar, em Dezembro de 2008, da sua livre e espontânea vontade, o teor de duas cartas que redigiu no computador da arguente instalado no seu posto de trabalho dirigidas à arguente em nome de outros tantos cooperadores, em concreto, AAA e BBB, onde fez manifestar, usando o nome dos mesmos, a vontade destes passarem a receber o seu crédito do leite através de transferência bancária, directamente da “A...”, fazendo ainda constar que não confiavam na direcção da lista B, bem sabendo que esta não era a efectiva vontade dos cooperadores em causa.

41º Com tal procedimento e caso lograsse obter a concordância dos mesmos, a arguida pretendia para além do mais, impossibilitar a arguente de obter o pagamento através da “A...” do cooperador com maior produção de leite entre todos os demais cooperadores, como é o caso do cooperador BBB, e ainda de um outro cooperador, que para além do mais, goza de prestígio pessoal e de grande consideração e que faz granjear para a arguente, igual respeito e consideração, dos seus demais parceiros comerciais.

Pelo que,

42º A arguida quis afectar o bom nome e consideração da arguente directamente, bem como dos novos órgãos sociais, querendo fazer recair sobre estes, e junto do maior parceiro comercial da arguente (“A...”), um forte estigma, de falta de confiança na capacidade destes novos órgãos sociais, com consequências gravosas para a arguente e seus cooperadores, atenta a mencionada consideração e prestígio que os cooperadores e causa gozam,

Aliás,

43º este comportamento da arguida, não apenas quis afectar o bom nome  da arguente perante terceiros, como chegou mesmo a afectá-lo, não apenas o seu bom nome, como ainda consideração e prestígio da arguente, já que o seu procedimento junto destes cooperadores, foi de molde a fazer incutir nestes falta de confiança na capacidade dos novos órgãos sociais, e consequentemente, do próprio futuro da arguente.

44º A arguida agiu sempre de molde a não dar a conhecer os montantes que recebia, ela própria e a Drª AA, a título de gratificações evitando disso dar conhecimento mesmo a orgãos sociais que lhes solicitavam tais informações, nomeadamente, o Conselho Fiscal da arguente.

45º A arguida com a sua conduta violou os mais elementares deveres de um trabalhador, mormente, agir com zelo e diligência, respeitar a sua entidade patronal, promover e executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, bem assim, agir com diligência e rigor sentido de responsabilidade, tudo conforme o disposto no art. 121º do Código do Trabalho.

46º Pelo contrário, a sua conduta foi causa de afectação do bom nome e prestígio da arguente, junto dos cooperadores e demais entidades que se relacional com a mesma, bem como, de lesão grave dos interesses patrimoniais desta, colocando-a numa situação de ruptura financeira, violando de forma sistemática as mais elementares regras de boa administração, agindo com total desprezo pela “saúde” económico-financeira daquela, em claro benefício próprio e da trabalhadora AA.

47º Demonstrando ainda a arguida estar totalmente alheia aos seus deveres enquanto elemento responsável na execução do fim visado na criação e desenvolvimento da actividade da arguente, chegando mesmo a agir contra tais fins, violando o dever de atender à satisfação das necessidades e aspirações económicas dos cooperantes, porque agindo única e exclusivamente na satisfação do seu interesse e da Dra. AA.

48º Estes comportamentos não são admissíveis e a arguente não lhe pode ficar indiferente quer do ponto de vista disciplinar, quer ainda em termos de responsabilidade civil e criminal, não havendo as mínimas condições para a trabalhadora continuar ao serviço, uma vez que a arguente perdeu completamente a confiança nesta, sendo ainda, que a sua presença factor de grande perturbação entre os colegas de trabalho.

49º Pela gravidade e perturbação causada conduta da arguida tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento (Art. 396º nº 1 e 3 alínea d) e e) do Código do Trabalho) (…)”.»

IV – Fundamentação de direito

 

1 – Erro de julgamento sobre as nulidades da sentença

A ré invoca que deveria ter sido admitida, por força do princípio do inquisitório consagrado no art. 27.º do CPT, a junção aos autos da Acta n.º 10 do Conselho Fiscal, ao abrigo do disposto no art. 524.º, n.º 1, do CPC, e que a não admissibilidade de junção deste documento teve por consequência a nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC. Alega também que deve ser revogada a decisão que ordena o desentranhamento dos autos da Acta e das cartas escritas pela CC pois quando foram juntas as cartas escritas pela CC contra a ré ainda não se encontrava encerrado o julgamento sobre a matéria de facto. Invocou também a ré a nulidade por omissão de pronúncia (art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC) e falta de especificação de facto e de direito (art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC), quanto ao sucedido com outros documentos relevantes para a boa decisão da causa  – Actas de Direcção e acordos de pagamento dos anos de 2006 a 2008 – no meio ano em que desapareceram e foram levados das instalações da Ré, entendendo que o Tribunal da Relação deveria ter aplicado ao caso sub iudice, o disposto nos arts 344.º, n.º 2, 376.º, n.º 1 do C.C. e 516.º do CPC. Não o tendo feito, violou a lei do processo, nomeadamente, os artigos 27.º do CPT, 344.º, n.º 2 e 376.º, n.º 1 do C.C., 516.º do CPC, e o art. 668.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC. 

 A ré entende, ainda, que relativamente aos pagamentos efectuados às Autoras e às ajudas de custo pagas à A. CC o Tribunal devia tê-los considerado ilegítimos à luz da lógica e das regras de experiência comum, não o tendo feito foi violado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 655.º do CPC, o princípio do inquisitório previsto no art. 27.º do CPT e o dever de especificação dos factos e do direito, o que implica a nulidade prescrita na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

 

 Relativamente à impugnação que teve por objecto as decisões do Tribunal de 1.ª instância de não permitir a junção aos autos da Acta do Conselho Fiscal da Ré e de ordenar o desentranhamento dos autos da referida Acta e das cartas escritas pela A. CC estas, por serem decisões interlocutórias, não são susceptíveis de recurso de revista conforme decorre do art. 721.º, n.º 5 do CPC, pelo que este Supremo Tribunal não pode conhecer estas questões.

O acórdão recorrido, no tocante à apreciação das nulidades imputadas à sentença, encontra-se fundamentado, de facto e de direito, assim como apreciou e decidiu todas as questões que lhe foram submetidas.

 Não se verifica a nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC.

«A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade da sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso»[6]. Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n.º 3 do art. 659.º do CPC.

Também não se verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Como tem vindo a ser defendido pela doutrina, questões e argumentos não se confundem; o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão[7]. Não enferma de nulidade o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o Tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. E só a omissão de pronúncia sobre as questões, e não sobre os argumentos, determina a nulidade da sentença ou do acórdão.

  

A recorrente parece confundir as causas de nulidade, designadamente por falta de fundamentação (de facto e de direito) e por omissão de pronúncia, com eventuais erros de julgamento, seja em matéria de facto seja de direito.

A Ré pretende, por esta via, implicitamente questionar o “erro na apreciação da prova”, o que está vedado a este Supremo Tribunal, em sede de revista, segundo o art. 722.º, n.º 3 do CPC, salvo os casos de prova vinculada.

 

 O recurso de revista circunscreve-se à apreciação do erro de direito, ou seja, erro de interpretação ou aplicação da lei substantiva, não podendo conhecer do erro de facto, que abrange o erro de apreciação de provas e de fixação dos factos materiais da causa.

 

Improcedem, portanto, na parte atinente às arguidas nulidades, as conclusões n.º 5 a 20, 22 a 30, 32 a 34 e 37 a 47 das alegações de recurso da Recorrente.

2 – A violação da prova vinculada

2.1. A ré invoca que no julgamento da alínea BG da matéria de facto, segundo o qual, a Autora não tinha poderes para conceder crédito, foi ignorada a confissão da AA de serem da sua autoria os papéis que deram origem a vários processamentos de pagamentos, sendo que como são documentos escritos, esta prova pode ser sindicada ao abrigo do disposto no art. 722.º, n.º 3 do CPC.

 A confissão, nos termos do art. 352.º do Código Civil, é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (art. 358.º, n.º 1 do Código Civil) A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art. 358.º, n.º 2 do Código Civil). Só a confissão judicial escrita constitui prova plena (art. 358.º, n.º 3, 1.ª parte, a contrario).

Este Supremo Tribunal conhece apenas de questões de direito, cumprindo-lhe acatar a decisão do tribunal de 2.ª instância sobre a matéria de facto. A sua função é definir o regime jurídico adequado aos factos fixados pela Relação e fazer aplicação dele a esses factos. A decisão do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode, portanto, ser alterada, salvo o caso excepcional do art. 722.º. n.º 3, in fine, do CPC. Segundo esta norma, o Supremo Tribunal pode sindicar o erro na apreciação da prova, quando se trate da violação de direito probatório material, ou seja, ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

A confissão judicial, quando seja escrita, ou a extra-judicial, prestada em documentos autênticos ou particulares, faz prova plena e como direito probatório material pode ser conhecida por este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 722.º, n.º 3 do CPC.

Acerca desta questão, pronunciou-se o Tribunal de 1.ª instância, em acta da audiência de julgamento, a fls. 671 (Volume IV do Processo n.º 192/10.0TTVNF.P1.S), a propósito do depoimento de parte prestado pela A. AA, reduzindo a escrito as declarações desta que poderiam ter carácter confessório, relacionadas com os quesitos 89, 90, 91 e 95, mas nada referiu em relação ao quesito 31, que deu origem ao facto provado BG).

Em consequência, concluímos que não houve qualquer confissão da AA relativamente a concessão de crédito aos cooperadores, sem autorização da Direcção. O mesmo entendeu o Tribunal da Relação do Porto que procedeu à audição da gravação do depoimento de parte da AA e entendeu que as declarações de conteúdo confessório não relevavam para as questões em recurso, referindo que “nem dos seus depoimentos se pode retirar que a A. AA, ou a A. CC concedessem crédito e, muito menos, que o fizessem sem o conhecimento e/ou consentimento da Direção, tanto mais que não estavam presentes nas reuniões do Direção ou nos atos de decisão de concessão do crédito. No essencial, dessa prova apenas se retira que os cooperadores iam à Cooperativa, falavam com a A., indo-se embora aparentemente com o assunto resolvido, já que não voltavam.!”

Esta ilação de facto é da exclusiva competência do Tribunal da Relação, sendo insindicável por este Supremo Tribunal de Justiça, não se vislumbrando qualquer violação de direito probatório material.

Em conclusão, não tendo a Ré indicado a que documentos escritos se refere para fundamentar a confissão da A. AA relativamente às concessões de crédito, nem tendo havido, no seu depoimento de parte, qualquer confissão quanto ao quesito 31, não pode este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 722.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, alterar o facto provado BG), no sentido pretendido pela Ré.

2.2. A ré sustenta, ainda, nas suas conclusões de recurso, que ocorreu erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, na matéria de facto dada como provada quanto à A. CC relativa à data em que foi admitida ao serviço da Ré, devendo a prova dos quesitos 1, 2, 4 e 5 ser negativa porque o registo que conferiu personalidade jurídica à ré data de 14-07-1986. A ré entende que a certidão faz prova plena do facto que nela consta – a aquisição de personalidade jurídica da ré – devendo considerar-se que a data de admissão da CC na cooperativa não é a que consta da matéria de facto, mas a data desta certidão e entendendo que o Tribunal da Relação não atribuiu à prova – um documento autêntico – a força que a lei lhe confere.

Contudo, a certidão do registo comercial apenas prova plenamente a data da constituição da cooperativa mas não em que data a A., CC começou a trabalhar para a mesma, uma vez que a cooperativa antes da aquisição de personalidade jurídica pelo registo, já existia “de facto” e tinha trabalhadores ao seu serviço.

Sendo assim, não se verifica qualquer violação de direito probatório material e improcedem as conclusões n.ºs 31 e 35 a 36.

3) Dos prazos do exercício do direito de instauração do procedimento disciplinar (art. 372.º, n.º 1 do CT de 2003) e de prescrição das infracções (art. 372.º, n.º 2 do CT de 2003)  

Discute-se nestes autos a licitude de dois despedimentos realizados pela Ré e que foram impugnados pelas trabalhadoras.

Considerando que os factos provados, em ambos os despedimentos, ocorreram todos em data anterior à do início de vigência do Código de Trabalho de 2009, o direito substantivo aplicável é o do Código de Trabalho de 2003.

Na medida em que se discutem os mesmos factos e a mesma subsunção jurídica, apreciaremos em conjunto as pretensões das duas trabalhadoras, autonomizando apenas as questões que sejam particulares a cada Autora.

1. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e do respectivo autor, nos termos do art. 372.º, n.º 1, do CT de 2003. Apesar de este prazo de 60 dias ser muito curto, a doutrina e a jurisprudência têm defendido que a aplicação das regras da caducidade à instauração do procedimento disciplinar se baseia na necessidade de tutela de interesses colectivos em matéria de segurança jurídica, em especial, dos interesses dos trabalhadores [8].

As infracções disciplinares prescrevem, contudo, ao fim de um ano a contar do momento da sua prática, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal (art. 372.º, n.º 2 do CT, de 2003).

Este prazo de 60 dias após o conhecimento não pode, portanto, ultrapassar o prazo de um ano após a prática de infracção disciplinar, nos termos do n.º 2 do art. 372.º do CT de 2003.

O prazo de prescrição de um ano, após a data em que os factos tenham ocorrido, tem por finalidade não só evitar que a perspectiva da punição seja mantida como uma ameaça indefinidamente suspensa sobre o trabalhador, a fim de lhe condicionar o comportamento e, inclusive, a capacidade reclamatória[9], como também a preservação do próprio fim da punição, de forma a evitar o excessivo distanciamento entre a infracção e a sua correspondente sanção (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16-01-2002, Processo n.º 01S1316).

Em caso de dúvida sobre as datas relevantes para a prescrição do procedimento ou das infracções, tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal que a dúvida corre contra o trabalhador: “É ao trabalhador que incumbe o ónus de alegação e prova dos factos determinantes da prescrição (ou caducidade, para quem assim o entenda) do exercício da acção disciplinar” (acórdão de 05-03-2013, Proc. n.º 1361/09.1TTPRT.P1.S1; acórdão de 18-02-2011, Proc. n.º 1214/06.5TTPRT.P1.S1; acórdão de 13-01-2010, proc. n.º 1164/07.8TTPRT.S1).

           

2. Alega a Ré que o momento do conhecimento da infracção, para efeito da determinação deste prazo de 60 dias, se afere em relação à nova direcção e não em relação à direcção cessante, co-autora dos factos.

Entendeu, também, a recorrente, que, estando em causa um crime de administração danosa, a cooperativa pode beneficiar do prazo de prescrição previsto na lei penal – 10 anos – tal como estipula o art. 373.º, n.º 2 do CT de 2003, em conjugação com os arts 235.º e 118, n.º 1 al. b) do CP.

Em sentido diferente, entendeu o acórdão recorrido que o prazo de 60 dias correu ainda durante o período de gestão da direcção cessante, não começando a correr um novo prazo a partir do início de funções da nova direcção, sob pena de se subverter a intenção da lei e as expectativas dos trabalhadores.

Logo, considerou o acórdão recorrido que o direito de instaurar procedimento disciplinar já se tinha extinguido relativamente aos factos conhecidos pela anterior direcção da Cooperativa, que foi também a autora dos mesmos.

 O acórdão recorrido baseou-se na ideia segundo a qual, remontando grande parte dos factos a anos muito anteriores aos 60 dias que antecederam a instauração do procedimento disciplinar, e conhecendo-os, desde então, a Ré, através da Direcção que os praticou, já se encontrava prescrita a acção disciplinar em relação aos seguintes factos: importação de animais (factos BR) a BZ) e n.ºs 80 a 89); letras em carteira não utilizadas (factos BN), BO), BP), BQ) e n.ºs 63 a 66); alteração de preços (factos CA a CE e n.ºs 90 a 94); concessão de crédito com o avolumar da dívida (factos BG a BK e n.ºs 56 a 60 e 69 a 77); pagamento de gratificações líquidas com a excessiva oneração da ré perante a Segurança Social (factos AR a AU e n.º 96 a 102); pagamento de Kilómetros à CC (factos n.ºs 103 a 107); pagamento de ajudas de custo à AA (facto AV).

O acórdão recorrido entendeu que, ainda que os factos constituíssem um ilícito criminal, esgotado o prazo de 60 dias após o conhecimento, prescreve o direito de acção disciplinar, não aproveitando à empregadora o alargamento do prazo de prescrição penal. 

«Conhecida a infração pelo empregador (ou pelo superior hierárquico em quem aquele tenha delegado a competência disciplinar) não pode estar o trabalhador mais de 60 dias a aguardar pela instauração do procedimento disciplinar e, muito menos, pode estar a aguardar anos a fio que tal aconteça, ainda que as eventuais infrações possam constituir ilícito de natureza criminal. Se o empregador tem, ou deveria ter, conhecimento de que o comportamento do trabalhador poderia constituir crime, então, a partir do momento desse conhecimento, terá que iniciar o procedimento disciplinar, sob pena de ver prescrito o direito a esse exercício, não beneficiando, para o efeito dessa instauração, do prazo de prescrição criminal.

Ou seja, no caso, e face ao crime de administração danosa que a Recorrente imputa às AA., conhecido(s) o(s) pela Ré os factos suscetíveis de integrarem, eventual e simultaneamente, infração(ões) disciplinar(es) e tal ilícito criminal, não tem ela, nos termos do citado art. 372º, nº 1, o prazo de 10 anos a contar desse conhecimento  para instaurar o procedimento disciplinar. Tê-lo-ia que o fazer no prazo de 60 dias.»

(…)

«Aliás, o prazo de 60 dias para instaurar o procedimento disciplinar previsto no art. 372.º, n.º 1, pressupõe que o empregador não tenha conhecimento da infração disciplinar, o que não ocorre se é o empregador o autor dos factos, não podendo ele atuar disciplinarmente contra o trabalhador por factos que não sejam a este imputáveis.»

(…)

«Face ao que se disse no ponto precedente, a questão é irrelevante para a solução da causa, ficando, aliás, prejudicada pela procedência da prescrição do exercício da ação disciplinar. Com efeito, toda a mencionada factualidade – seja ela a que a sentença considerou não constituir ilícito penal, seja a que considerou que o poderia constituir – está abrangida pela prescrição do exercício da ação disciplinar, pelo que é irrelevante se o prazo prescricional dessas imputadas infrações disciplinares é o de um ano, previsto no CT/2003 (art. 372.º, n.º 2), se é o da lei penal.

Não se conhece, pois, da referida questão, uma vez que se encontra prejudicada pela solução dada à da prescrição do exercício da ação disciplinar.»

Tudo ponderado, sufragamos o entendimento acolhido no acórdão recorrido e, bem assim, o juízo decisório transcrito. 

Sendo assim, em relação aos factos enumerados no acórdão recorrido,  extinguiu-se já o direito de acção disciplinar: importação de animais; letras em carteira não utilizadas; alteração de preços; concessão de crédito com o avolumar da dívida; pagamento de gratificações líquidas com a excessiva oneração da ré perante a Segurança Social; pagamento de Kilómetros à CC; pagamento de ajudas de custo à AA.

Pelo exposto, improcedem as conclusões n.º 21, n.º 48, n.ºs 51.º a 54.º e n.º 73 das alegações de recurso da ré.

 

4) Da justa causa de despedimento

1. O acórdão recorrido confirmou que algumas infracções disciplinares imputadas às Autoras não estavam prescritas e em relação a elas também não estava prescrito o exercício da acção disciplinar: Alteração das contas correntes; Matéria relativa ao valor das gratificações/prémios; Subscrição da livrança de €200.000,00; Cartas escritas pela A. CC.  

A este propósito explicitou-se, no acórdão recorrido, o seguinte:

«Por fim relativamente à factualidade a seguir referida a sentença recorrida entendeu que não ocorre nem a prescrição do exercício da ação disciplinar, nem a prescrição das infrações disciplinares imputadas:

- Alteração das contas correntes;

 - Matéria relativa ao valor das gratificações/prémios;

 - Subscrição da livrança de €200.000,00;

- Cartas escritas pela A. CC.

As recorridas CC e AA não requereram, quanto a este segmento decisório, a ampliação do objeto do recurso (art. 684º-A, nº 1, do CPC), sendo que a A. AA nem contra-alegou, pelo que, nesta parte, o mesmo transitou em julgado.»

Contudo, entendeu o acórdão recorrido que estas infracções não preenchiam os requisitos necessários para constituírem justa causa de despedimento, adoptando fundamentação idêntica à sentença de 1.ª instância e citando alguns excertos desta:

 

Alteração das contas correntes

«A esta imputação reporta-se a factualidade vertida nas als. BL), BM), CC), CD), quanto à A. AA, e nos nºs 61, 62 e 92 (este na sequência do referido nºs 90, 91 e 93, quanto à A. CC) (…). 

                O que está agora em causa apreciar não é a emissão, em 2006 e 2007, dessas notas de lançamento e faturas, uma vez que, quanto a estas e como já referido, prescreveu o direito de exercício da ação disciplinar, mas sim essa anulação.

Ora, quanto à anulação, a decisão foi da Direção da Ré, não decorrendo da matéria de facto provada que as AA. tenham tido, sequer, qualquer participação ou influência em tais factos, pelo que não há qualquer infração disciplinar a elas imputável, não se vendo que dever teria sido por elas violado. Não tendo elas participação em tais factos, nem neles tendo tido, sequer, influência, ou disso não tendo sido feita prova, não lhes pode ser assacada a responsabilidade por um ato da Direção, nem, sequer, com fundamento nas funções (de Diretora-Geral e de Diretora Administrativa e Financeira) que as AA. exerciam. Tratam-se, as anulações, de um acto próprio de quem o praticou, ou seja, da Direção então cessante da Ré.»

Subscrição da livrança

«A subscrição da livrança, só por si, não constitui infração disciplinar, sendo certo que a sua necessidade decorreu de dificuldades de tesouraria e não tendo ficado  provado que, tal como a ré alegara, essa subscrição  se tenha destinado a descapitalizar a nova Direção. Até porque a livrança foi subscrita em Novembro, antes do resultado das eleições, não decorrendo que fosse previsível que a Direção cessante perdesse as eleições. Por outro lado, a coincidência entre as datas do vencimento e do pagamento do leite, só por si, também não induz no sentido da existência de infração disciplinar, tanto mais que se desconhece, e não ficou provado que, aquando dessa subscrição, não tivessem as AA. ponderado como resolver a situação ou, após o vencimento da livrança, não haja a Ré obtido meios para proceder ao pagamento do leite.»

 

Gratificações/Prémios e seus montantes

«Todos os actos imputados às As. (com excepção de um imputado à A. CC e que será autonomamente considerado), foram praticados pela R. através dos seus Directores então em funções. Entendendo a Direcção posterior que aqueles actos lesaram os interesses da R. enquanto Cooperativa, bem como dos seus membros (os cooperadores), compete-lhes agir contra aqueles Directores (como o fizeram), e mesmo que possam vir a imputar-se às As. responsabilidades penais pelos actos praticados (considerando as concretas funções que exerciam, mas presumindo-se estas, até à data de hoje, inocentes), tal não implica que, no momento em que foi instaurado o processo disciplinar, enquanto trabalhadoras por conta de outrem, tenham agido contra a vontade da sua empregadora, antes pressupondo aquela imputação conjunta que sabe a R. que as trabalhadoras agiram em comunhão de esforços com aquela.

É nesta sede laboral que se discute esta acção e não no foro criminal.

E no foro laboral, nenhum facto resultou provado que permita concluir que as trabalhadoras agiram contra a vontade da R., nos termos em que esta foi sendo expressa, ao longo de anos consecutivos, pela anterior Direcção, ou sequer que determinaram as decisões que foram sendo tomadas.»

 (…)

Contudo, se bem que tenha resultado inequívoco da matéria de facto provada, como se disse já, que as As. sabiam que a gestão da cooperativa não era efectuada de forma racional, daí não retirámos que, estando sujeitas ao poder disciplinar da R., tivessem o dever de se opor às suas decisões, leia-se, dos seus Directores que agiam em representação daquela.

Por outro lado, não nos parece também que estas tenham omitido qualquer dever de informação perante a R. ou os seus Directores que tivesse gerado os actos que esta e estes praticaram, pois que a situação da R. era por todos conhecida e os actos imputados às As. foram assumidos por dois dos Directores da R.»

    «(…) pese embora a onerosidade dos acordos celebrados entre a Ré e as AA. e o elevado o montante das gratificações pagas e as dificuldades de tesouraria, a verdade é que tudo foi autorizado pela Direcção da Ré que, à data, se encontrava em funções, a qual de tudo tinha conhecimento, sendo também que, embora questionável a “bondade” desses montantes,  não compete ao tribunal interferir na política remuneratória praticada entre os sujeitos da relação laboral (a menos que contrária aos mínimos legal ou  impostos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho), a qual se situa no campo da liberdade de gestão do empregador.

Acresce que não poderiam as AA. ser despedidas, sob pena da verificação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, com fundamento numa tal política que foi aceite e praticada pela Direcção da Ré ao longo dos anos, sendo certo que não existem tantas RR quanta as suas diferentes direcções. Era à direcção da Ré, e não às AA., enquanto trabalhadoras (subordinadas) e pese embora as funções que exerciam, que cabia a definição do estatuto e termos de política remuneratória dos seus trabalhadores, incluindo das AA., sendo que os pagamentos a estas efectuados foram sempre autorizados pela Direção da Ré.»

Das cartas escritas pela A. CC

 

«Resta apreciar um último comportamento que foi imputado à A. CC e que diz respeito a duas cartas que este escreveu em nome de dois cooperadores para pagamento do leite directamente pela A..., de onde constava uma expressa referência por parte daqueles cooperadores à não confiança na Direcção da R. que acabara de ser eleita.

 (…)

A culpa e a gravidade da infracção disciplinar hão-de procurar-se na figura do ‘bom pai de família’ e em face do caso concreto, segundo critérios de razoabilidade e objectividade, só se podendo considerar como grave o que resultar da aplicação destes critérios, devendo, por outro lado, a sanção disciplinar aplicada ao trabalhador ser proporcionada à gravidade da sua infracção e ao grau da sua culpa.

Neste contexto, entende o Tribunal que o comportamento da trabalhadora CC embora ilícito e culposo, não constituía justa causa de despedimento.

E explicámos porquê.

Em primeiro lugar porque apenas resultou provado que as cartas foram escritas e não que as mesmas chegaram a ver a luz do dia ou que tivessem sido levadas ao conhecimento de quem quer que fosse.

Em segundo lugar porque não se provou que não tivesse sido aquela a vontade dos cooperadores em causa (prova que competia à R.) e que, portanto, o conteúdo das mesmas fosse falso.

 (…)

Note-se que não se sabendo se as cartas chegaram efectivamente ao destinatário, não é possível afirmar-se quais as consequências das mesmas.

Estamos perante uma trabalhadora com quase 27 anos de serviço para a empregadora, pelo que o comportamento verificado – sem mais - não torna inexigível à empregadora a manutenção do contrato de trabalho. Seria sem dúvida fundamento de instauração de processo disciplinar mas a sanção aplicada é, em meu entender, desproporcionada à gravidade do ilícito.»

2. O poder disciplinar da entidade empregadora exerce-se, não só contra o incumprimento dos deveres contratuais pelos trabalhadores, mas também, por força da complexidade da prestação do empregador e do trabalhador, contra a violação de deveres legais, organizacionais, convencionais colectivos ou decorrentes de conceitos indeterminados, mesmo nos casos em que as prestações das partes sejam escrupulosamente executadas[10].

Bernardo Lobo Xavier tem defendido os despedimentos por perda total de confiança, para fazer face a comportamentos de reconhecida desonestidade do trabalhador, os quais assumem especial gravidade, por exemplo, por violarem normas penais, apesar de não constituírem uma infracção disciplinar devido ao seu carácter extra-laboral ou cuja relevância disciplinar tenha desaparecido por decurso do prazo de prescrição de direito laboral[11]. Entende o autor que «não se pode reduzir a justa causa a situações de falta disciplinar», em domínios em que é «socialmente razoável e necessária a ruptura imediata do contrato», exemplificando com as profissões em que os trabalhadores administram dinheiro alheio, sobretudo se estiverem em causa bens jurídico-criminais, os quais devem ser protegidos em todas as áreas do Direito e em todas as comunidades por este protegidas[12].

O conceito de infracção disciplinar não está definido na lei.

Na falta de um conceito legal, a delimitação das infracções pode ser feita a partir da conjugação de dois preceitos legais: o art. 121.º do CT de 2003 (128.º do CT de 2009), que enuncia os deveres do trabalhador e o art. 396.º, n.º 3 do CT de 2003 (art. 351.º, 2 do CT de 2009), que enumera as situações constitutivas de justa causa para despedimento.

Contudo, embora estas normas permitam identificar um conjunto de infracções disciplinares, desde logo pela sua enumeração meramente exemplificativa, não são suficientes para operar uma delimitação precisa do conceito de infracção disciplinar. Ao conjunto dos deveres legais e especificamente laborais do trabalhador, juntam-se outros deveres gerais decorrentes de conceitos indeterminados como a boa fé[13].

Assim, nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, “pode ser qualificado como infracção disciplinar todo e qualquer comportamento do trabalhador que viole um dos seguintes deveres: o dever principal de prestação da actividade laboral; os deveres acessórios e autónomos da prestação de trabalho; outros deveres decorrentes do contrato de trabalho, de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho ou de regulamento empresarial; e ainda deveres legais e contratuais gerais, bem como deveres resultantes de conceitos indeterminados.

            Constituem deveres do trabalhador o de realizar o serviço com zelo e diligência, guardar lealdade ao empregador, promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (art. 121.º, n.º 1, als. c), e), g), do CT de 2003), dispondo ainda o art. 119.º do CT que tanto o empregador, como o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa-fé (n.º 1), devendo ainda colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador (n.º 2).

A lesão de interesses sérios do empregador pode constituir justa causa de despedimento, desde que subsumível ao conceito previsto no art. 396.º, n.º 3, al. e), do CT de 2003.

            O dever de lealdade, de acordo com a doutrina, tem uma dimensão ampla, que abrange, para além do cumprimento do contrato, de acordo com a boa fé, um aspecto pessoal e um aspecto organizacional, que incluem a relevância de condutas extra-laborais do trabalhador e deveres de cuidado com os interesses da organização.

            Como acentua Maria do Rosário Ramalho, o dever de lealdade, nesta dimensão ampla, comporta um duplo sentido que se materializa no «envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo» e na «componente organizacional do contrato»[14].

O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extra-laborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito».

Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização»[15], dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto»[16].

Conforme refere Monteiro Fernandes, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador»[17].

O dever de lealdade dos trabalhadores assume uma particular pertinência, quando este desempenha funções de responsabilidade, caracterizadas pela administração ou gestão de interesses alheios, e que exigem uma relação de especial confiança com a empregadora[18].

Na lei, o dever de lealdade tem autonomia própria e está consagrado na al. e) do art. 120.º do CT de 2003, assumindo, de acordo com os seus contornos legais, nomeadamente, duas dimensões: 1.º) Não negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador; 2.º) Nem divulgar informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

            Estas duas dimensões são apenas afloramentos do dever de lealdade, como indicia a expressão “nomeadamente” e têm uma natureza patrimonial, porque visam a tutela da actividade externa da empresa e a protecção do interesse do empregador ao lucro. Contudo, existem outras dimensões do dever de lealdade, pressupostos essenciais da colaboração entre trabalhador e empregador, não especificadas na lei, e que decorrem directamente do dever geral de boa fé, consagrado no art. 119.º do CT de 2003, nos termos do qual trabalhador e empregador, no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres, devem actuar de boa fé e colaborar na obtenção da maior produtividade. 

Nos termos do n.º 1 do art. 396.º do CT, «O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento», enunciando a lei, no n.º 3 da mesma disposição, e a título meramente exemplificativo, diversos comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa do despedimento.

Não basta, contudo, que os comportamentos se integrem nas hipóteses exemplificativas do n.º 3 desse art. 396.º do CT de 2003, sendo necessário que esses comportamentos sejam culposos, e que, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a relação de trabalho.

A lei exprime-se através de uma cláusula geral e de conceitos indeterminados para assim permitir uma adaptação do direito às particularidades de cada caso. 

Como dizia Baptista Machado, «O que sobretudo importa frisar é que a utilização destes conceitos indeterminados, assim como o recurso a cláusulas gerais, se justifica, ou para permitir a adaptação da norma à complexidade da matéria a regular, às particularidades do caso ou à mudança das situações, ou para facultar uma espécie de osmose entre as máximas ético-sociais e o Direito, ou para permitir levar em conta os usos do tráfico, ou enfim, para permitir uma ‘individualização’ da solução[19]. (…) Nestes sistemas, a função do juiz e o papel do jurista apresentam características especiais. Ao passo que nos domínios jurídicos “fechados” o jurista procura fundamentalmente “enquadrar” ou integrar no sistema o caso a decidir, nestes outros domínios o julgador utiliza aquelas aberturas ou “lacunas” do sistema para configurar juridicamente o caso como que fora do sistema, atendendo às particularidades daquele, fazendo assim evoluir o Direito. A sua decisão é sempre fundada nos critérios indicados pela lei, mas a concreta definição da fisionomia relevante do caso exige uma reconstrução que tenha em conta os dados da realidade de facto[20]

O conceito de justa causa é um conceito valorativo e sempre casuístico, que faz apelo ao contexto, às circunstâncias do caso concreto e a uma ideia de adequação social, num quadro em que o despedimento constitui uma ultima ratio, para os casos em que, de acordo com a boa fé, não há espaço para o uso de sanções conservatórias do vínculo[21].

 A noção de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho é um conceito normativo-objectivo[22], que não tem em conta a sensibilidade pessoal do empregador, mas o critério de uma empregadora razoável colocada naquela situação.    

Conforme enumera a lei, no art. 396.º, n.º 2 do CT 2003, para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

A justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos:

                        - A existência de um comportamento culposo do trabalhador (requisito subjectivo);

                        - A verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objectivo);

                        - A existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

          A justa causa de despedimento pressupõe, portanto, a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres contratuais, legais ou decorrentes de conceitos indeterminados, como a boa fé, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.

3. Vejamos, à luz das normas jurídicas aplicáveis e deste enquadramento doutrinal, qual o valor dos comportamentos das autoras, para o efeito da sua integração no conceito de justa causa de despedimento.

            Afirmou o acórdão recorrido, em relação aos acordos de gratificações e prémios, bem como à subscrição da livrança, que as trabalhadoras, agindo autorizadas pela Direcção da Cooperativa e sem oposição do Conselho Fiscal, não praticaram qualquer ilícito disciplinar, tendo agido legalmente e em cumprimento de instruções da empregadora.

Para responder a esta questão, temos de ter em conta a especificidade da natureza jurídica das cooperativas: uma pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública, que visa a realização de fins económicos não lucrativos, isto é, pretende obter vantagens económicas para os seus associados, mas não cuida de obter lucros para repartir pelos mesmos[23]. Por outro lado, os fins da pessoa colectiva não são egoísticos, pois há uma estreita ligação entre estes e o interesse público, como sempre salientou a doutrina civilista e resulta da Lei n.º 51/96, de 7 de Setembro (Código Cooperativo). Com efeito, o Código Cooperativo, ao responsabilizar civilmente os directores, gerentes ou outros mandatários, não só perante terceiros, mas também perante a cooperativa (art. 65.º da Lei n.º 51/96), reconhece que esta, enquanto sujeito ou pessoa jurídica, é autónoma relativamente às pessoas físicas que, em concreto, actuam como seus representantes ou órgãos.

As pessoas colectivas de substracto pessoal gozam de autonomia, como diz Hörster, tanto em relação aos seus membros (associados, sócios, etc.), como também relativamente ao pessoal ao seu serviço, como a respeito dos titulares dos seus órgãos e ainda em relação a quaisquer terceiros[24]. O Autor, referindo-se às cooperativas, afirma que estas apresentam características e fins próximos das associações de direito privado e utilidade pública, que prosseguem um fim económico não lucrativo. Neste sentido, as cooperativas congregam “os mais fracos”, conferindo-lhes poder competitivo ao juntar esforços individuais débeis, e dão assim mais um exemplo de como é realizado, com os meios do direito privado, o princípio da protecção dos mais fracos[25].

Já Manuel de Andrade, na mesma linha de pensamento, afirmava o seguinte:


“É que o escopo visado por estas associações, ao mesmo tempo que interessa de modo egoístico aos associados, interessa também à colectividade; e interessa-lhe em tal medida que as leis devem e costumam instituir para os ditos organismos uma disciplina jurídica bastante parecida com a das pessoas colectivas de fim desinteressado – disciplina em que se reflictam de modo apropriado as fortes conexões que intercedem aqui entre o interesse público e o interesse particular dos associados. Numa palavra: as leis devem preocupar-se e costumam preocupar-se altamente (tal o caso entre nós) com as importantes consequências que para o interesse público podem resultar da actividade destas pessoas colectivas. Tal preocupação exteriorizar-se-á num regime jurídico adequado: uma fiscalização assaz meticulosa e vigilante, a concessão de certos favores ou privilégios, etc.» [26]

Mota Pinto, no mesmo sentido, entende que, “nas próprias cooperativas de produção ou de comercialização, que congregam agentes económicos perseguidores de lucros, a cooperativa não é criada para potenciar ou maximizar os lucros dos cooperadores. Tem, antes, em vista defendê-los contra a posição dominante de intermediários, comprando em comum bens de produção ou realizando em comum investimentos e escoando directamente para os consumidores finais os seus produtos – tudo isto proporcionando vantagens para eles e para os consumidores, na medida em que pode tornar os produtos mais baratos. Visam, portanto, também eles superar antagonismos económicos. Assim se compreende que todo o cooperativismo, incluindo as cooperativas de produção e de comercialização, assuma marcado interesse público e que a lei conceda às cooperativas especiais benefícios e tome medidas de carácter global, destinadas a permitir-lhe o prosseguimento efectivo da sua actuação económica, social e cultural.”[27]

Em consequência, a lei prevê um regime jurídico especial para as cooperativas, o Código Cooperativo (Lei n.º 51/96, de 7 de Setembro).

            Nos termos do art. 2.º, n.º 1 do Código Cooperativo, as cooperativas são «pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.»

            O art. 3.º consagra os «princípios cooperativos», a que devem obedecer:

1.º princípio – Adesão voluntária e livre;

2.º princípio – Gestão democrática pelos membros;

3.º princípio – Participação económica dos membros;

4.º princípio – Autonomia e independência;

5.º princípio – Educação, formação e informação;

6.º princípio – Intercooperação;

7.º princípio – Interesse pela comunidade.

O sector cooperativo abrange as unidades económicas ou meios de produção “possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos” (art. 82.º, n.º 4, al. a) da CRP). O Estado não assume um papel neutro em relação ao sector cooperativo. Pelo contrário, segundo as normas constitucionais tem a obrigação de o proteger especialmente (art. 80.º, al. f) da CRP) e de apoiar e de estimular as cooperativas (art. 85.º da CRP), consagrando uma discriminação positiva em seu benefício[28]. Com efeito, segundo o art. 85.º n.º 1 da CRP o Estado estimula e apoia a criação e a actividade de cooperativas e segundo o n.º 2 da mesma disposição constitucional, a lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico. Relativamente às cooperativas agrícolas, como o caso dos autos, o art. 97.º da CRP elenca as formas de auxílio do Estado, através de uma enumeração não taxativa: concessão de assistência técnica; apoio à comercialização a montante e a jusante da produção; apoio à cobertura de riscos resultantes dos acidentes climatéricos e fitopatológicos imprevisíveis ou incontroláveis; estímulos ao associativismo dos trabalhadores rurais e dos agricultores, nomeadamente à constituição por eles de cooperativas de produção, de compra, de venda, de transformação e de serviços e ainda de outras formas de exploração por trabalhadores.

 

            4. Os trabalhadores das cooperativas, sobretudo aqueles que têm cargos de responsabilidade, estão vinculados, no exercício dos seus deveres laborais, a executar o contrato, tendo em conta os princípios cooperativos e os objectivos de interesse público e social da Cooperativa. Estes princípios e valores cooperativos definem o âmbito e o conteúdo dos deveres laborais. Em consequência, o dever de lealdade dos trabalhadores não é um dever reduzido à dimensão da obediência e oponível, apenas, perante os membros da direcção - as pessoas físicas que actuam em nome da pessoa jurídica - mas um dever oponível à Cooperativa, enquanto pessoa jurídica autónoma, que tem o sentido amplo decorrente do conceito de boa fé. O conteúdo dos deveres laborais assumidos pelas trabalhadoras, enquanto economistas, foi definido e densificado em função dos interesses da pessoa colectiva e dos princípios cooperativos, que não se confundem com os interesses particulares das sucessivas direcções que em cada momento a possam representar.

            A lei laboral, como vimos, vincula os trabalhadores a procederem de boa fé, no exercício dos seus direitos e deveres, e a contribuir para a produtividade da empresa. Inerente a este princípio está uma noção comunitária de empresa, particularmente importante nas pessoas colectivas ligadas à prossecução de interesses públicos e sociais, como as cooperativas. Os trabalhadores com cargos de responsabilidade nestas pessoas jurídicas não podem ser vistos como sujeitos que devem apenas uma obediência passiva e acrítica às direcções da pessoa colectiva, mas como sujeitos a quem cabe um papel activo na promoção dos fins sociais da pessoa colectiva.  

             

4.1. Quanto ao valor das gratificações, prémios e acréscimos de remunerações acordados entre as Autoras e a Direcção da Cooperativa, afirmaram as instâncias que o facto de estas receberem tais montantes em dinheiro, num contexto em que tais valores foram atribuídos pela Direcção, sem oposição nem do Conselho Fiscal nem da Assembleia-Geral, nada haveria de ilícito neste comportamento, afinal meramente passivo, de recepção dos referidos valores.

De acordo com factualidade não prescrita, as Autoras auferiram prémios/ gratificações e acréscimos de remuneração discriminados nos factos provados Q), R), S), U), V), W), X), Y), AA), AB), AC), AD), AG), AH), AI), AJ), AK), AL), AQ), bem como nos factos n.º 132, 133 a 135 e 137. Atente-se, sobretudo, nos factos AQ), em relação à A. AA e n.º 135, em relação à A. CC que passamos a transcrever:

«AQ) A A. recebeu a título de prémios e acréscimo de remuneração as seguintes quantias ilíquidas.

- no ano de 2005 € 123.778,00, sendo a quantia de 103.013,00 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 5.420,00 euros, 2.318,00 euros, 5.800,00 euros, 1.369,83 euros, 5.800,00 euros, 2.650,00 euros, 7.300,00 euros, 4.370,00 euros, 6.120,00 euros, 4.000,00 euros, 8.321,17 euros, 10.365,00 euros, 10.219,00 euros, 10.250,00 euros, 9.500,00 euros e 9.210,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração 5 x 4.153,00 euros;

- no ano de 2006 € 218.324,93, sendo a quantia de 167.888,93 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 8.860,00 euros, 10.409,00 euros, 9.800,00 euros, 10.000,00 euros, 11.400,00 euros, 4.213,00 euros, 10.800,00 euros, 6.000,00 euros, 12.300,00 euros, 13.230,00 euros, 12.520,00 euros, 10.656,93 euros, 12.560,00 euros, 12.650,00 euros, 9.490,00 euros e 13.000,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 4.153,00 euros + 10 x 4.213,00 euros;

- no ano de 2007 € 176.009,06 sendo a quantia de 127.398,06 euros a título de prémio anual em 12 parcelas de 13.100,00 euros, 8.880,00 euros, 12.721,24 euros, 11.860,00 euros, 7.500,00 euros, 5.500,00 euros, 12.350,00 euros, 12.466,82 euros, 6.000,00 euros, 12.560,00 euros, 11.600,00 euros e 12.860,00 euros, 7.123,90 euros e 10.371,00 euros, e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 4.213,00 euros + 9 x 4.465,00 euros;

- no ano de 2008 € 128.882,00 sendo a quantia de 78.055,00 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 4.465,00 euros, 4.780,00 euros, 5.160,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.500,00 euros, 6.000,00 euros, 5.650,00 euros, 5.400,00 euros, 5.500,00 euros, 5.650,00 euros, 4.465,00 euros, 5.650,00 euros e 3.300,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 11 vezes x 4.465,00 euros + 1.712,00 euros.»

«135 - A. CC recebeu da R. as seguintes quantias ilíquidas:

- no ano de 2005 € 140.153,00, sendo a quantia de 104.173,17 euros a título de prémio anual em 14 parcelas de 6.200,00 euros, 6.210,00 euros, 5.800,00 euros, 2.700,00 euros, 7.300,00 euros, 4.370,00 euros, 6.250,00 euros, 4.800,00 euros, 8.321,17 euros, 12.993,00 euros, 10.219,00 euros, 10.300,00 euros, 9.500,00 euros e 9.210,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 5 vezes x 7.196,00 euros;

- no ano de 2006 € 258.407,93, sendo a quantia de 104.173,17 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 8.900,00 euros, 10.409,00 euros, 9.800,00 euros, 10.000,00 euros, 11.400,00 euros, 7.300,00 euros, 10.800,00 euros, 6.000,00 euros, 12.300,00 euros, 13.230,00 euros, 12.520,00 euros, 10.656,93 euros, 12.560,00 euros, 12.650,00 euros, 9.490,00 euros e 13.000,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 7.196,00 euros + 10 x 7.300,00 euros;

- no ano de 2007 € 244.577,96, sendo a quantia de 144.892,96 euros a título de prémio anual em 14 parcelas de 13.100,00 euros, 8.880,00 euros, 12.721,24 euros, 11.860,00 euros, 7.500,00 euros, 5.500,00 euros, 12.350,00 euros, 12.466,82 euros, 6.000,00 euros, 12.560,00 euros, 11.600,00 euros, 12.860,00 euros, 7.123,90 euros e 10.371,00 euros, e o restante a título de acréscimo de remuneração por 2 vezes x 7.300,00 euros + 11 x 7.735,00 euros;

- no ano de 2008 € 173.131,52, sendo a quantia de 88.163,02 euros a título de prémio anual em 16 parcelas de 3.543,01 euros, 4.780,00 euros, 5.160,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.250,00 euros, 5.500,00 euros, 6.000,00 euros, 5.650,00 euros, 5.400,00 euros, 5.500,00 euros, 8.945,01 euros, 7.735,00 euros, 5.650,00 euros e 3.300,00 euros e o restante a título de acréscimo de remuneração por 10 vezes x 7.735,00 euros + 4.440,00 euros + 3.178,50 euros.»

Para além de valores recebidos em ajudas de custo (em Kilómetros), que para a A. CC ascendiam a uma média mensal superior a 3000 euros mês, aqui não contabilizados, até porque o acórdão recorrido os considerou abrangidos pela prescrição/caducidade do procedimento disciplinar, cada uma das autoras recebeu, segundo os factos AQ) e n.º 135, e somando os valores anuais dos prémios/gratificações e acréscimos de retribuição aí referidos, as seguintes quantias ilíquidas, nos anos de 2005 a 2008: A A. AA, 646.993, 99 euros e A. CC 816.270,41 euros.

A matéria de facto provada demonstra que as Autoras tinham consciência da situação financeira da Cooperativa e dos seus resultados negativos e que, não obstante esse conhecimento, não alteraram, como seria exigível, a forma de gestão que adoptaram em conjunto com a Direcção, nunca tendo manifestado oposição à mesma e continuando a receber as avultadas quantias designadas por prémios e gratificações, sabendo que assim agravavam a situação financeira da Cooperativa (factos provados AZ e n.º 95). Por outro lado, como as contas eram apresentadas de forma agregada, o controlo, por parte dos órgãos da Cooperativa, resultava dificultado (factos provados 116, 120 e 121), tendo a A. AA, a partir de Setembro de 2008, ordenado que os pagamentos dos acréscimos de remuneração fossem processados em separado do seu vencimento, tal como se fazia em relação aos prémios, também processados em separado (facto provado AY).

Vejamos, então, os seguintes factos provados:

 

«O) A A. conhece, pelo exercício das suas funções, a situação económico-financeira da R.

AY) As quantias pagas à A. a título de prémios eram processadas em separado do vencimento mensal e, as pagas a título de acréscimo de retribuição, foram, até Agosto de 2008, inclusive, processadas em conjunto com o vencimento mensal, sendo que, a partir de Setembro de 2008, por ordem da A. AA ao funcionário EE, passaram a ser, também, processadas em separado.

AZ) A R. tinha frequentes dificuldades de tesouraria, sendo a sua situação muito difícil, facto de que a A. tinha conhecimento, recorrendo a crédito bancário, com encargos e juros, situação que, causada embora pelas dívidas dos cooperadores nos termos referidos no n.º 110 do Processo 194/10, foi agravada pelo pagamento à A. AA das quantias mencionadas na al. AQ).

BA) Por iniciativa das As. e atentas as dificuldades de tesouraria, a R. solicitou um empréstimo e para o efeito e subscreveu uma livrança junto do Millenium BCP, em 28/11/2008, no montante de 200.000,00 euros, com vencimento em 19/01/2009, em data anterior àquela em que se verifica o pagamento do preço do leite, tendo as eleições sido realizadas em 03/12/2008.

BC) Nas contas de 2008 os resultados apurados foram negativos e no valor de €3.142.695,15.

55 - A A. conhecia a situação económica e financeira da R., ao longo dos anos, nomeadamente desde o ano de 2004, até ao final do ano de 2008.

95 - A R. tinha frequentes dificuldades de tesouraria, sendo a situação muito difícil, recorrendo a crédito bancário, com encargos e juros, situação que, causada embora pelas dívidas dos cooperadores nos termos referidos no n.º 110 do Processo 194/10, foi agravada pelo pagamento à CC das quantias mencionadas no n.º 135.

108 - Por iniciativa das As. e atentas as dificuldades de tesouraria, a R. solicitou um empréstimo e para o efeito subscreveu uma livrança junto do Millennium BCP, em 28/11/2008, no montante de 200.000,00 euros, com vencimento em 19/01/2009, em data anterior àquela em que se verifica o pagamento do preço do leite, tendo as eleições sido realizadas em 03/12/2008.

109 - O financiamento efetuado no Millennium teve por base necessidades de tesouraria.

116 - Neste conjunto de documentos, distribuídos por todos os Cooperadores presentes na Assembleia-Geral e por todos os não presentes que os solicitavam, a situação económica e financeira da Ré encontrava-se ilustrada e demonstrada, embora de forma agregada.

120 - Encontrando-se todos os montantes, nomeadamente os relativos a despesas com o pessoal, inscritos, embora de forma agregada, nas contas apresentadas pelo ROC as quais eram levadas à Assembleia-Geral, sem que alguma vez fosse levantada qualquer questão sobre a matéria salarial ou outra.

121 - O mesmo se passando relativamente às reuniões da Assembleia-Geral, em que todas as rubricas de custos e proveitos constavam, embora de forma agregada, nas contas que eram presentes, discutidas, submetidas a votação e aprovadas.»

 

As autoras, com os prémios e gratificações que aceitaram receber, agravaram a situação económica da cooperativa, não cumprindo, com culpa, dada a natureza dos cargos que ocupavam, deveres de boa fé e de lealdade para com a pessoa colectiva. 

 

Efectivamente, no caso sub iudice, estamos perante uma Cooperativa, que não tem intuito lucrativo, e que, como refere o art. 2.°, n.º 1, do Código Cooperativo, visa, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.

A personalidade jurídica da Cooperativa (arts 2.º e 16.º do Código Cooperativo) distingue-se das pessoas que em cada momento concreto a representam, aplicando-se-lhe o princípio da especialidade do fim, consagrado no art. 160.º, n.º 1 do C.C. Enquanto pessoa jurídica, a cooperativa é titular dos direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins (art. 160.º, n.º 1 do C.C.), direitos estes que, não só transcendem as pessoas físicas que integram os seus órgãos, como também não estão na livre disposição destas.

Refira-se que a capacidade de gozo de uma pessoa colectiva está demarcada por três limites: 1.º) Só compreende os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins; 2.º) Só compreende direitos e obrigações que não sejam vedados por lei; 3.º) Só compreende direitos e obrigações que não sejam inseparáveis da personalidade singular.

Nas palavras de Oliveira Ascensão, os actos estranhos ao objecto social são irrelevantes para a pessoa colectiva, no sentido em que não lhe são imputáveis e, portanto, não obrigam a pessoa colectiva[29].   

Está em causa o interesse do Estado e da sociedade no funcionamento do sector cooperativo, sector especialmente protegido pela lei e pela Constituição e que beneficia de uma discriminação positiva, de acordo com a qual o Estado tem deveres de protecção especiais em relação aos interesses do sector cooperativo, que os Tribunais não podem equiparar a meros interesses privados.

É importante relembrar, neste conspecto, que a jurisprudência tem acentuado o carácter não societário das cooperativas, dada a ausência de escopo lucrativo[30]. A gestão das cooperativas está sujeita a princípios que as distanciam das sociedades comerciais e que as aproximam das pessoas colectivas de finalidade ideal ou altruísta.

Logo, as trabalhadoras, que beneficiaram dos elevados pagamentos discriminados na matéria de facto dada por assente, num contexto em que tinham conhecimento da situação económico-financeira da ré e de que o valores recebidos a agravavam (factos provados O), AZ) e n.º 95), desempenhando funções de especial relevância na gestão da vida da Ré – economistas que tinham as categorias de Directora Geral e de Directora Financeira – deviam ter actuado de boa fé, zelando pelos interesses da pessoa colectiva e pela sua estabilidade financeira, deveres que incumpriram.  

O conteúdo do dever de lealdade dos trabalhadores, como resulta do art. 119.º e 121.º, n.º 1, al. e) do CT de 2003, densifica-se à medida que o trabalhador assume cargos de responsabilidade na gestão económica da empresa e deve ser aferido em função da natureza social dos fins da pessoa colectiva. Em consequência, o facto de as trabalhadoras estarem sujeitas ao poder de direcção da Ré não as isentava da observância de deveres de lealdade para com os interesses ou fins da pessoa colectiva.  

Estas considerações valem, também, para as infracções respeitantes às alterações das contas correntes e à subscrição da livrança, sendo que, relativamente às cartas escritas pela A. CC em face das considerações acolhidas no acórdão recorrido, as mesmas não assumem relevância para este efeito.

Violaram, assim, as autoras, com culpa grave, deveres de respeito, lealdade e de boa fé para com a pessoa jurídica da Cooperativa (enquanto pessoa autónoma da Direcção) e para com os interesses e direitos dos cooperadores, com prejuízo sério para a Cooperativa.

O facto de as trabalhadoras terem agido autorizadas pela Direcção e sem oposição da Assembleia-Geral e do Conselho Fiscal não exclui a culpa destas, pois ninguém se pode eximir dos seus deveres jurídicos, alegando a negligência alheia ou omissões de deveres de outrem. 

Deste modo, não é exigível à empregadora a manutenção da relação laboral, por ter ficado rompida a relação fiduciária essencial ao vínculo laboral neste tipo de cargos. Com efeito, a quebra da relação da confiança com a Cooperativa, enquanto pessoa jurídica autónoma, assume um aspecto decisivo na avaliação da justa causa de despedimento, pela particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, domínio em que a “confiança”, mais que mero “suporte psicológico” de uma relação jurídica inter-pessoal duradoura, se traduz afinal no exercício de uma “função de confiança”, essencial para a prossecução dos interesses públicos adjudicados ao sector cooperativo, pela lei e pela Constituição.

Efectivamente, à luz da orientação seguida por este Supremo Tribunal (acórdãos de 05-01-2012, Recurso n.º 3937/04.4TTLSB.L1.S1, de 23-11-2012, Processo n.º 28/06.7TTLSB.L1.S1 e de 13-01-2010, Recurso n.º 2277/03.0TTPRT.S1), assume especial relevo o papel da inexigilidade à luz do carácter fiduciário da relação de trabalho:

«A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador» (cf. acórdão, de 13-01-2010, Recurso n.º 2277/03.0TTPRT.S1).

«No âmbito dos juízos valorativos que hão-de presidir à indagação da justa causa, assume especial relevância o papel da confiança nas relações de trabalho: a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins-prático-económicos a que o contrato se subordina» (cf. acórdão de, 05-01-2012, Recurso n.º 3937/04.4TTLSB.L1.S1).

 

Tudo para concluir que os sobreditos factos praticados pelas autoras, no respectivo contexto situacional, constituem justa causa de despedimento porquanto, pondo em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho, tornam imediata e praticamente impossível a sua subsistência.

Nesta conformidade, procedem as conclusões n.ºs 2 a 4, 55, 58 a 66, 68 a 70, 74 a 79 e 85 da alegação de recurso da Recorrente, quanto à justa causa do despedimento, pelo que fica prejudicada o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente nas alegações de recurso. De facto, o n.º 2 do art. 660.º do CPC, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal da Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.   

 

            V – Decisão

            Pelo exposto, decidimos conceder a revista, pelo que:

Revogamos o acórdão recorrido, na parte em que declarou a ilicitude do despedimento das autoras, absolvendo a Ré dos respectivos pedidos indemnizatórios, no mais, se mantendo o acórdão recorrido. 

              

            Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal a cargo da Recorrente e das Recorridas, na proporção do respectivo decaimento.

(Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).


Lisboa, 05 de Junho de 2013


Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Pinto Hespanhol
Isabel São Marcos

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[1] Constituído por:
- Proc. 192/10.0TTVNF.P1, 9 volumes;
- Proc. 194/10.7TTPNF.P1, apenso àquele, 5 volumes;
- 8 Apensos:
- Apenso A, com Volumes I a VII – Livros de Atas da Direção da Ré (atas nº 2/2002 a ata nº 1/2009);
- Apenso B, com I e II Volumes – Livros de Atas da Assembleia Geral da Ré (atas de 30.04.02 a 02.02.05 e de 05.05.05 a 18.12.09, estando esta incompleta).
- Apenso C – 6 cadernos relativos à gestão e contas do exercício da Ré relativos aos anos de 2003 a 2008;
- Apenso D – 1 pasta contendo documentos relativos aos pagamentos efetuados à A. CC;
- Apenso E – 1 pasta contendo documentos relativos aos pagamentos efetuados à A. AA;
- Apenso F – 1 pasta contendo documentos relativos a “Boletins de Itinerário” e pagamentos efetuados à A. CC;
- Apenso G – Contendo documentos remetidos pela Segurança Social relativos ao processo que correu termos nessa instituição;
- Apenso H – Contendo documentos diversos.
- 1 Apenso não numerado – contendo os originais dos documentos de fls. 702 a 835 do Proc. 194/10.7TTVNF.
[2] De ora em diante, as fls. do processo, sem menção da localização, constam do Processo principal.
[3] Os factos assinalados a itálico foram objecto de alterações pelo Tribunal da Relação do Porto.
[4] Certamente por lapso pretender-se-ia, na nota de culpa, fazer referência ao nº 27 e não ao nº26.
[5] Certamente por lapso pretender-se-ia, na nota de culpa, fazer referência ao nº 27 e não ao nº26.
[6] Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 2009, p. 55.
[7] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 143.
[8] Cf. Maria Manuela Maia da Silva, «O Tempo no Processo Disciplinar», in I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, pp. 204-209 e Inês Albuquerque e Castro, «A repercussão do tempo no procedimento disciplinar – Da prescrição, caducidade, duração da instrução e inobservância do prazo de decisão», in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. III, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 502-513, embora a opinião das autoras se refira ao 31.º da LCT e não ao CT de 2003.  
[9] Cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 281-282.
[10] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 635.
[11] Cf. Bernardo da Gama Lobo Xavier, «Prescrição de infracção disciplinar», RDES, Janeiro-Dezembro – 1990, pp. 243-247.
[12] Ibidem, pp. 243, 247, 255 e 267.
[13] Cf. Maria Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito de Trabalho, ob. cit., p. 645.
[14] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, ob. cit., p. 382.
[15] Ibidem, p. 382.
[16] Ibidem, p. 382.
[17] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2004, p. 233.
[18] Theo Mayer-Maly, Treue- und Fürsorgepflicht in rechtstheoretischer und rechtsdomatischer Sicht, in Treu- unf Fürsorgepflicht im Arbeitsrecht, Stuttgart, 1975, pp. 71 e ss.
[19] Cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114.
[20] Ibidem, pp. 119-120.
[21] Cf. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 947 e 952; João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 371.   
[22] Cf. Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 250.
[23] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 289.
[24] Cf. Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, n.º 578.
[25] Ibidem, n.º 603.
[26] Cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Sujeitos e Objecto, Coimbra, 1997, p. 79.
[27] Cf. Mota Pinto, ob. cit., p. 291.
[28] Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 960 e 1010.
[29] Cf. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, p. 233.
[30] Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2006, 06A3250; 18-04-2006, Proc. n.º 06A846; de 25 de Outubro de 2012, Proc. n.º1059/06.2TBVCD.P1.S1.