Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1237/14.0TBSXL-B.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
DUPLA CONFORME
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO E ORDENADA A REMESSA DOS AUTOS À FORMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B) E 673.º.
Sumário :

I Os recursos continuados de despachos interlocutórios para no Supremo Tribunal de Justiça, seguem o regime específico prevenido no artigo 671º, nº2, alíneas a) e/ou b), do CPCivil.

II Ao recurso de um despacho proferido sobre uma questão questão formal suscitada no segundo grau – o requerimento para junção de documentos - aí decidida interlocutoriamente, pela primeira vez, aplica-se o preceituado no artigo 673º, proémio, do CPCivil, onde se predispõe que «Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de Revista que venha a ser interposto nos termos do artigo 671º,(…)».

III Tais decisões não são, assim, passíveis de impugnações recursórias autónomas.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nos presentes autos de acção de condenação sob a forma de processo comum que AA, Ldª intentou contra BB, Ldª, a Ré com a alegação formulada em sede de recurso de Apelação solicitou a junção aos autos de vários documentos, o que veio a ser indeferido.

Inconformada a Ré veio interpor recurso de Revista excepcional, impugnação essa que não foi admitida pela Formação a que alude o artigo 671º, nº3 do CPCivil - Acórdão que faz fls 902 , tendo sido ordenada a distribuição dos autos em sede de Revista normal, para apreciação da sua viabilidade, porque além do mais se entendeu que o seu objecto seria uma decisão interlocutória, insusceptível de tal meio recursório excepcional.

Porque a Relatora entendeu entendi que se não se poderia conhecer do objecto do recurso interposto, enquanto Revista regra, ordenou a notificação das partes para se pronunciarem e após foi produzida decisão singular julgar findo o recurso por não haver de conhecer do respectivo objecto, vindo agora a Recorrente reclamar para a conferência, nos termos do artigo 652º, nº3 do CPCivil, aplicável por força do disposto no artigo 679º do mesmo Código, aventando a seguinte argumentação, em apertada síntese:

- A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa não comporta, apenas, a enunciada decisão interlocutória.

- Aliás, essa situação já havia sido retratada pela Recorrente quer nas alegações ainda nas conclusões de recurso de Revista Excepcional, aquando da «Interposição subsidiária do Recurso de Revista no termos do art.° 671.° n.° 1 do CPC».

- Trata-se ali, com efeito, de duas situações distintas, as quais não devem ser confundidas, sendo que a primeira se prende com a entrega superveniente de documentos os quais foram efectivamente alvo de uma decisão interlocutòria pelo TR Lisboa e;

- A segunda tem a ver com a omissão de pronúncia quer da 1ª Instância quer do TRLisboa, porquanto nem uma nem outra das instâncias se pronunciaram em relação à apresentação de documentos que oportunamente foram requeridos pela Ré (ora Recorrente) à Autora.

- Aqui chegados e não perdendo de vista que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, de novo nos remetemos para o que então se elencou na alínea B) do recurso sob a epígrafe «Da interposição subsidiária de Recurso de Revista, nos termos do artº 671,°, n° 1».

 - De notar, que é este recurso interposto subsidiariamente, ou seja, o recurso de revista interposto subsidiaramente nos termos do artº 671º, nº1 do CPC, o que está em causa e não o Recurso de Revista Excepcional.

 

-Assim sendo e sempre com o devido respeito, que é muito, não pode colher a afirmação plasmada na Decisão Singular em crise, segundo a qual, conclui que a impugnação recursiva operada pela Recorrente visa apenas e tão só, a aludida decisão Interlocutória, nessa medida não se verificando a hipótese prevenida no normativo inserto no artigo 671º,1 doCPCivil.

- Ora, correndo o risco da repetição a Recorrente insiste em sublinhar que o objecto do Recurso de Revista que interpôs subsidiariamente, nada tem a ver com o pedido de apresentação superveniente de documentos pela Ré (Recorrente), essa sim, que foi alvo de decisão interlocutória pelo TRL.

- De salientar, em toco o caso, sem conceder, que atento o poder cognitivo do tribunal, pode dizer-se que há hoje uma garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado peia previsão do principio da cooperação e por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.

A parte contrária não se pronunciou.

Analisemos.

No despacho singular da aqui Relatora, agora posto em crise, alinhou-se a seguinte fundamentação:

«[C]omo deixei consignado no despacho preliminar, o objecto da impugnação recursiva encetada pela Ré não é o Acórdão final, mas antes a decisão interlocutória produzida no mesmo que se pronunciou sobre a inadmissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso, aliás, na sequência do que foi constatado pelo Acórdão da Formação que não admitiu a Revista excepcional e ordenou a remessa dos autos à distribuição para a apreciação do eventual conhecimento do objecto da impugnação como Revista normal.

Aí lê-se o seguinte:

«AA Lda., intentou contra BB Lda. acção em que esta foi condenada a pagar àquela determinados montantes a liquidar e no âmbito do respectivo incidente foi proferida sentença condenando a mesma a pagar à A as quantias de € 165.279,71, € 350.126,34 e € 922.707,2.

Com a apelação que interpôs dessa sentença, a R pediu a junção de vários documentos, que a Relação indeferiu por a considerar impertinente em sede recursiva.

A Ré pretende agora interpor recurso de revista, ao abrigo do art. 672° n° 1 a) do CPC, visando impugnar, em substância, a decisão proferida pela Relação mediante a qual esta não admitiu a apresentação de documentos com a apelação, para o que a recorrente invocou a relevância jurídica em que, no seu entender, radicaria o fundamento constitutivo da exigência suplementar para a admissibilidade excepcional da revista apenas com a alegação de que a junção se teria «tomado necessária em virtude de ocorrência» «após o limite temporal previsto no nº 2» do art. 423° do CPC, não identificando para o efeito qualquer outra questão que se prenda com o mérito da decisão da causa.

Assim sendo, no que concerne à decisão impugnanda relativamente à qual vem invocado o requisito para a admissibilidade excepcional da revista, não pode considerar-se que a recorrente vise a rediscussão de matéria já dirimida pelas instâncias de modo coincidente, uma vez que sobre a questão da junção de documentos com a apelação, a Relação, obviamente, não poderia ter confirmado uma qualquer decisão de 1ª instância, não se verificando, nesse ponto, a dupla conformidade das decisões de ambas as instâncias, obstativa, por essa razão, da admissibilidade do recurso regra.

Ora, a pretendida admissibilidade de revista a título excepcional só poderia ser ponderada se a mesma fosse obstaculizada pela verificação de uma situação de dupla conforme (arts. 672° n° 1 e 671° n° 3 do CPC).

Por outro lado, a pretendida impugnação visa uma decisão que, na realidade incide sobre uma questão de natureza interlocutória que nem sequer admite recurso de revista ao abrigo do art. 671° n° 1 do CPC, pressuposto essencial para a admissibilidade da revista com fundamentação excepcional, ao abrigo do art. 672°, n° 1, ai. a).

 Assim, devem os autos ser remetidos à conferência com competência para apreciar a pretensão da recorrente, subsidiariamente apresentada, à admissibilidade da revista a título "normal" (fls. 765).

Pelo exposto, não se admite o recurso de revista excepcional e determina-se a remessa dos autos à distribuição como revista normal.».

Analisemos, então.

Como deflui inequivocamente da fundamentação do Acórdão extractado, o mesmo explicitou suficientemente que o que está efectivamente em causa no recurso e que deu origem à impugnação encetada não foi a decisão final do Acórdão, a única que em tese, poderia sustentar a Revista excepcional, pois confirmou a decisão de primeiro grau, mas antes a decisão introdutória que antecedeu aqueloutra, que ordenou o desentranhamento dos documentos juntos com as alegações de recurso de Apelação,

Essa específica decisão, integrante do Acórdão, mas autónoma em relação ao mesmo, precedendo-o, traduz uma decisão interlocutória incidente sobre a relação processual, passível de recurso apenas nos termos do disposto no artigo 671º, nº2, alíneas a) e/ou b) do CPCivil, insusceptível , deste modo, de ser passível de Revista excepcional, porquanto se tratou de uma decisão ex novo, produzida pelo segundo grau, afastada do disposto no artigo 671º, nº3 e 672º, nº1, alíneas a), b) e/ou c), este como aquele do mesmo diploma.

É esta e não outra, a leitura que temos de fazer do Acórdão da Formação: aquele Aresto limitou-se a dizer que não havia qualquer ataque a um Acórdão produzido em dupla conformidade, mas antes a uma decisão interlocutória produzida no seu seio, a ordenar o desentranhamento de documentos dos autos, sendo esta a suscetível de recurso de Revista, não excepcional, mas regra.

Ora, a impugnação recursiva operada pela Recorrente e que visa, apenas e tão só, aquela intercorrência processual, apenas poderia ter como fundamento uma das circunstâncias prevenidas nas alíneas  a) ou b) do nº2 do artigo 671º do CPCivil, as quais não foram alegadas, o que obsta ao conhecimento da pretensão da Recorrente.

Destarte, de harmonia com o preceituado no artigo 651º, nº1, alínea h), aplicável ex vi do artigo 679º, ambos do CPCivil, julga-se findo o recurso por não haver que conhecer do respectivo objecto.».

Reanalisando a problemática exposta.

Insiste a Reclamante/Recorrente  que a decisão proferida pelo segundo grau não comporta, apenas, a enunciada decisão interlocutória, situação essa já por si tratada, quer nas alegações ainda nas conclusões de recurso de Revista Excepcional, aquando da «Interposição subsidiária do Recurso de Revista no termos do artigo 671,° n.° 1 do CPC» e reitera que estamos perante  duas situações distintas, as quais não devem ser confundidas, sendo que a primeira se prende com a entrega superveniente de documentos os quais foram efectivamente alvo de uma decisão interlocutória pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, uma segunda, que tem a ver com a omissão de pronúncia quer da primeira quer da segunda Instância, porquanto nem uma nem outra se pronunciou em relação à apresentação de documentos que oportunamente foram requeridos pela Ré (ora Recorrente) à Autora.

Remata a Recorrente, que se não pode perder de vista que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, e de novo remete para o que então elencou na alínea B) do recurso sob a epígrafe «Da interposição subsidiária de Recurso de Revista, nos termos do artº 671,°, n° 1», fazendo notar, que era afinal este recurso interposto subsidiariamente, ou seja, o recurso de revista interposto subsidiaramente nos termos do artº 671º, nº1 do CPC, o que está em causa e não o Recurso de Revista Excepcional.

Como decorre do requerimento de interposição de recurso oportunamente formulado pela Ré, aqui Recorrente e Reclamante, a fls 761, a mesma não se conformando com o teor do Acórdão da Relação que confirmou a sentença de primeiro grau, dele veio «interpor recurso de Revista Excepcional ao abrigo dos Arts.360º, Nº3, 671º e e 672º, Nº1, alínea a) e Nº2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil e subsidiariamente, caso a Revista Excepcional não seja admitida, interpor Recurso de Revista ao abrigo dos Arts 360º, Nº3 e 671º, Nº1, do Código de Processo Civil». 

Constitui agora uma perplexidade que se não pode deixar passar em claro, a circunstância de a Recorrente, aqui Reclamante, vir inverter os termos da sua interposição de recurso: a mesma interpôs recurso de Revista excepcional arrimada no dispositivo legal referido no artigo 672º, nº1, alínea a) do CPCivil, presumimos que por se estar face a uma dupla conformidade decisória, a mesma entenderia que a questão suscitada deveria ser apreciada por via da sua relevância jurídica que seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, aliás, tendo começado nesse preciso e específico sentido a sua motivação, cfr fls 761.

Ora, tendo a Recorrente interposto Revista excepcional, como interpôs, os autos foram distribuídos pela Formação a que alude o normativo inserto no artigo 672º, nº3, para apreciação da bondade do pressuposto invocado, o que foi feito, cfr Acórdão de fls 902 e verso, não lhe tendo sido admitida a impugnação, uma vez que ali se entendeu que, atentas as alegações e conclusões produzidas, o que estaria em causa, não era a substância do Arest, a se, mas a decisão que este encerrava de não admissibilidade dos documentos que aquela pretendeu juntar com as alegações do recurso de Apelação.

Naquele Aresto, pressupôs-se, como a Relatora igualmente pressupôs no seu despacho inicial, que se estaria perante um despacho interlocutório em recurso continuado, sendo-lhe aplicável o preceituado no artigo 671º, nº2, alíneas a) e/ou b) do CPCivil, e, não como acontece, revisitados que foram os autos, perante um despacho sobre uma questão formal, suscitada no segundo grau – o requerimento para junção de documentos -  aí decidida interlocutoriamente, pela primeira vez, ao qual se aplica o preceituado no artigo 673º, proémio, do CPCivil, onde se predispõe que «Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de Revista que venha a ser interposto nos termos do artigo 671º,(…)».

Ora, para além da decisão proferida sobre a inadmissibilidade dos documentos fazer parte integrante do Acórdão produzido, constituindo uma questão prévia, ela constitui o cerne da própria decisão de mérito, agora impugnada em sede de Revista, não sendo a mesma passível de recurso autónomo.

O recurso interposto, incide sobre uma decisão que confirmou a decisão de primeira instância, pelo que estamos face a uma situação de dupla conformidade decisória, a qual não permite qualquer impugnação a título normal, artigo 671º, nº3 do CPCivil e por isso a Revista regra interposta a título subsidiário não tem aqui cabimento.

Assim sendo, há que inverter o decidido singularmente, embora por razões diversas das então aventadas, já que, tendo em atenção o preceituado no artigo 673º e 671º, nº3 do CPCivil, o recurso de revista normal não pode ser conhecido, porque a tal se opõe a identidade das decisões em tela.

Contudo, tendo em atenção aquele mesmo artigo 673º do CPCivil, supra enunciado, face à dupla conformidade decisória e ao fundamento invocado para o efeito pela Recorrente, o preceituado no artigo 672º, nº1 alínea a) do mesmo diploma normativo, cuja verificação é da competência da Formação, nos termos do nº3 deste último ínsito, deverão os autos voltar a esse colégio para apreciar a problemática em causa, dilucidados que estão os respectivos parâmetros, se assim for entendido por bem.

III Destarte, indefere-se a reclamação apresentada, embora com fundamentos diversos, altera-se o despacho reclamado e ordena-se a remessa dos autos de novo à Formação, para apreciação da verificação do pressuposto invocado, fundamento da Revista excepcional interposta, após trânsito, caso se entenda que há ainda lugar a tal conhecimento.

 

Custas pela Reclamante.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2019

Ana Paula Boularot - Relatora

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho