Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A966
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: SJ20080506009661
Data do Acordão: 05/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
- A incompatibilidade de pedidos, enquanto vício gerador de ineptidão da petição inicial, só justifica colher tal relevância, determinando a anulação de todo o processo, quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir, por confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto, irrelevando, para o efeito, o antagonismo que ocorra no plano legal ou do enquadramento jurídico.
- O conhecimento da ineptidão da petição inicial, por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, tem como limite de apreciação o despacho saneador nos processos em que a ele haja lugar, só a ela podendo haver lugar até à sentença nos processos que o não comportem.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “V….., L….., Limitada” intentou acção declarativa contra “R….. – S….. C….. de V….. e A…., Ldª” e “Banco C…. P…., S.A.”, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de Esc. 4 800 000$00, sendo a 1ª R. ainda condenada a pagar ao A. a quantia de Esc. 18 734 725$00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, bem como a devolver à A. toda a documentação, sinalização e literatura sobre os produtos de marca “V….” em seu poder, e juros legais desde a citação.

Alegou, para tanto, e em síntese, que a A. e a 1.ª R. celebraram um contrato de fornecimento de óleos, nos termos do qual a primeira se obrigou a adquirir à segunda 50.000 litros de produtos “V…..”, durante os cinco anos de duração do contrato, na quantidade anual mínima de 10.000 litros, e que, por a 1ª R. não ter adquirido as quantidades a que se obrigou, resolveu o contrato. Do incumprimento resultou para a A. um prejuízo de esc. 16 334 725$00, correspondente ao valor dos produtos que a R. projectara vender e não vendeu, sendo que foi ainda estabelecida uma cláusula penal aplicável à 1ª R. no montante de esc. 1.200.000$00 por cada ano ou fracção em falta do contrato, caso este fosse resolvido pela A. por incumprimento contratual da 2ª R., faltando à data de resolução um ano e dois meses para o fim do contrato, sendo de esc. 2.400.000$00 o valor da cláusula penal a pagar-lhe
A 2ª Ré emitiu a favor da A. uma garantia bancária relativa ao pagamento de quaisquer quantias devidas à A. emergentes do contrato celebrado com a 1ª R., reduzida a 4 800 000$00 à data da resolução.

As RR. contestaram.
A primeira alegou impossibilidade de cumprimento do contrato por lhe ter sido retirada uma concessão de comercialização de veículos.
A segunda, invocando a natureza de fiança da garantia prestada, já reduzida a esc. 1 500 000$00 e a falta de fundamento para a resolução do contrato, que deveria, antes, ser prorrogado.

A A. ampliou o pedido para esc. 6.000.000$00, relativamente à Ré “B…C…P…., SA”.

Após completa tramitação da acção, na sentença final julgou-se existir ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos e causas de pedir substancialmente incompatíveis, foi declarado nulo todo o processo e as RR. absolvidas da instância.

Mediante recurso da A., a Relação julgou apta a petição inicial e, conhecendo do mérito da causa, julgou a acção parcialmente procedente, condenando solidariamente as RR. a pagarem à A. o montante de € 11.971,15 (equivalentes a esc. 2 400 000$00), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, “sendo o B…. C… P…., S.A. até ao montante de € 29.927,87, absolvendo-se a Apelada R…. do restante peticionado”.


A Ré “B…. C…. P….., S.A.” interpõe agora recurso de revista para pedir a reposição da sentença da 1ª Instância e, subsidiariamente, a retirada da sua condenação até ao montante de € 29,927,87, ficando apenas a condenação solidária com a 1ª Ré.
Para tanto, terminou a sua alegação com as “conclusões” que se transcrevem:
1- O douto acórdão viola quer a lei substantiva, quer a lei processual civil.
2- A nulidade gerada por ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis, contrariamente ao entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa pode e deve ser conhecida pelo Juiz na sentença final e não apenas até ao despacho saneador ou até à sentença se àquele não tiver havido lugar.
3- De contrário, o juiz seria obrigado a proferir uma decisão sobre pedidos que não estão em condições formais e materiais de serem decididos.
4- Tal interpretação, para além de ser restritiva dos poderes de apreciação do Tribunal, o que só por si viola os princípios da justiça material e da justa composição da lide, contraria a letra e o espírito do artigo 660º n.º 1 do CPC.
5- O artigo 206º do CPC deve ser interpretado e aplicado de modo integrado com o restante normativo processual, donde se o legislador quisesse reduzir o poder de apreciação das nulidades processuais pelo Tribunal a quo a dois únicos momentos processuais teria introduzido na redacção e na epígrafe do artigo 206º do CPC a preposição "até", à semelhança do critério utilizado no artigo 204º do CPC.
6- A confirmar o entendimento que o juíz pode até à sentença conhecer da nulidade resultante da ineptidão da petição inicial, existe o artigo 660º n.º 1 do CPC que expressa que "a sentença conhece em primeiro lugar das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica."
7- Conforme disposto no artigo 493º do CPC, determinam a absolvição da instância as excepções dilatórias, que são aquelas que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa.
8- O artigo 494º do CPC, embora meramente indicativo, elabora uma lista de excepções dilatórias, entre elas a prevista no artigo 494º alínea b): nulidade de todo o processo.
9- Nos termos do artigo 193º n.º 1 do CPC a ineptidão da petição inicial implica a nulidade de todo o processo.
10- Pelo exposto, o tribunal a quo por força da aplicação do artigo 660º n.º 1 do CPC tem oportunidade de conhecer da ineptidão inicial até à sentença, mesmo que nos autos tenha havido despacho saneador e no mesmo não tenha sido detectado qualquer vício
11-0 douto acórdão ao ter decidido que tendo havido despacho saneador o tribunal a quo esgotou o seu poder de cognição da nulidade por cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis, negando a possibilidade de em sentença a conhecer, violou o disposto no artigo 660º n.º 1 do CPC.

12- O Tribunal a quo considerou que a causa de pedir do primeiro pedido, o de funcionamento da cláusula penal, foi a resolução do contrato e quanto ao segundo pedido, indemnização pelos prejuízos sofridos pelo não cumprimento do contrato, porque este pressupõe que não tenha havido resolução, não houve causa de pedir.
13-Sendo a causa de pedir o facto jurídico de onde emerge o direito do autor e este fundamenta a sua pretensão, não há dúvidas que a A. deduziu duas causas de pedir diferentes e incompatíveis entre si: por um lado a resolução do contrato e por outro os lucros emergentes que teria auferido se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
14-A causa de pedir de onde emerge um dos pedido é precisamente contrária e inconciliável com a causa de pedir do outro pedido, pois a primeira implica a destruição do contrato, deixando este de existir na esfera jurídica das partes e de continuar a produzir os seus efeitos, enquanto a segunda é baseada no interesse contratual positivo que pressupõe que o contrato esteja vigente e a produzir efeitos.
15- A existência de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis gera ineptidão da petição inicial nos termos do disposto no artigo 193º n.º 2 alínea c) do CPC, devendo ser consequentemente e conforme disposto nos artigos 1930 n.º 1, 494º alínea b) e 660º n.º 1, todos do CPC, absolvidos os RR. da instância.
16- Estando-se no domínio de causas de pedir e de pedidos cumuláveis, e não subsidiários ou alternativos, que devem ser analisados pelo Tribunal como um só corpo, não pode o Tribunal eleger, como fez, um só dos pedidos e rejeitar o outro quando denote incompatibilidade substancial entre os mesmos.
17-É nesse sentido que vai a redacção do artigo 470º n.º 1 do CPC que prevê a faculdade de cumulação de pedidos pelo A. quando estes sejam compatíveis.
18- O Tribunal não pode substituir-se às partes no impulso processual de escolher e determinar qual ou quais os fundamentos que servem para o pedido ou pedidos que quer ver apreciados, sob pena de subverter o Princípio da Auto­responsabilidade das partes.

19- No respeitante ao julgamento do pedido também o douto acórdão violou quer a lei substantiva, processual civil.
20- O Recorrente surge na acção como fiador, pelo que é, quer a lei conforme disposto no artigo 627º n.º 1 do Código Civil, garante da satisfação do crédito perante o credor.
21- O valor do crédito peticionado pela V…. com base no accionamento da cláusula penal ficou determinado em 2.400.000$00.
22-Dispõe o artigo 627º n.º 2 do Código Civil que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor, assim como dispõe o artigo 631º n.º 1 do Código Civil que a fiança não pode exceder a dívida principal.
23- Tal significa que a condenação do Banco Recorrente em valor diferente daquele que surge pela divida principal é violador das supra citadas normas substantivas que regem o instituto da fiança.
24- Acresce que o acórdão da Relação de Lisboa afirma que o pedido deduzido pela V….. contra os dois RR. foi no montante de 2.400.000$00, por faltarem um ano e dois meses para o final do contrato e ainda juros de mora a contar da citação, sendo esse o pedido que a própria Veneranda Relação considerou viável.
25-0ra, nunca pode o Tribunal condenar em valor superior ou em objecto diverso do que se pedir, sob pena de estar a contrariar o disposto no artigo 661º do Código Civil.
26- Não obstante, foi o que fez quando condenou o banco Recorrente até ao montante de 29.927,87, tendo excedido por isso os limites do peticionado.

A Recorrida respondeu em defesa do julgado, mas apenas quanto à matéria da nulidade do processo.

2. - O conteúdo das conclusões da Recorrente, medida do objecto do recurso, propõe a resolução das seguintes questões:
- Se a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição, resultante da cumulação de pedidos incompatíveis, não declarada no despacho saneador, pode ter lugar na sentença final;
- Se os pedidos cumulados pela Autora – de pagamento de indemnização por perda de lucros decorrentes da cessação antecipada do contrato e de pagamento da cláusula penal convencionada por incumprimento – são substancialmente incompatíveis; e,
- Se a responsabilidade da Ré Banco excede a do devedor principal, cuja obrigação garantiu.


3. - Vem assente a seguinte factualidade:

1. A A. é uma sociedade que se dedica ao comércio de óleos e lubrificantes.
2. A 1ª R. é uma sociedade que se dedica ou dedicou ao comércio de automóveis, suas peças e acessórios e respectiva indústria de reparação.
3. A 2ª R. dedica-se à actividade bancária.
4. No exercício das respectivas actividades comerciais, A. e 1ª R. subscreveram o escrito junto a fls. 5-9, datado de 96.04.02, nos termos de cuja cláusula 1ª:
«O presente contrato terá a duração de 5 (cinco) anos a contar da sua assinatura, sendo automaticamente renovado por períodos de igual duração, salvo denúncia de qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias antes do termo do período do referido contrato».
5. Dispõe a cláusula 5ª desse acordo que:
«O cliente obriga-se, por força do presente contrato, a adquirir à V…l um mínimo anual de 10.000 (dez mil) litros de produtos V…., ou seja, um mínimo mensal de 833 (oitocentos e trinta e três) litros, sendo que, o produto Super X deverá representar 94% do consumo, o produto Synthetic Z 6% do total das compras anuais.
Caso o consumo anual não seja atingido será o presente contrato automaticamente prorrogado até que o cliente perfaça integralmente o objectivo anual acordado, vezes os 5 (cinco) anos de vigência do contrato, ou seja 50.000 (cinquenta mil) litros de consumo de produtos Veedol».
6. Nos termos da cláusula 8ª desse acordo:
«Compromete-se o cliente a apresentar garantia bancária no montante de Esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) suportando a V…. o valor total do custo da garantia».
7. Estabelece a cláusula 9ª desse acordo que:
«Caso o cliente deixe de cumprir qualquer uma das obrigações decorrentes do contrato poderá o mesmo ser imediatamente rescindido pela V……l, por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando o cliente obrigado, a título de cláusula penal, ao pagamento da quantia de Esc. 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos) por cada ano ou fracção em falta, no máximo de 5 (cinco) anos, acrescido de juros moratórios à taxa legal mais alta em vigor».
8. Mostra-se junto a fls. 131 cópia de um escrito em papel timbrado do B…. P… do A…., S.A., do teor seguinte:
«Em nome e a pedido de R… – S… C… de V… e A…, Ldª, com sede na Avª ……., …, … dtº, 8100 Loulé, vem o Banco P…..s do A……, S.A., com sede na Praça D. ……, … – 4000 Porto, pessoa colectiva nº ……, com o capital social de Esc. 110.000.000.000$00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº 1/790910, prestar uma garantia bancária no valor de Esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), no âmbito do contrato por aquele celebrado com a V…. L…, Ldª, com sede na 2ª Rua….., nº …, Alcântara, em Lisboa, em 24 de Outubro de 1993, e cuja cópia se junta, respondendo nós dentro desta fiança, por fazermos entrega das importâncias que se tornem necessárias, até ao limite máximo capital e juros estabelecido, ou seja Esc. 6.000.000$00 se a referida firma faltar ao cumprimento do seu contrato. Fica determinado que este Banco renuncia ao benefício da excussão prévia da sua afiançada, supra citada R…. e se obriga a pagar a referida quantia, imediatamente após o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória decretada no âmbito de acção judicial proposta contra a afiançada.
Anualmente o valor desta garantia será reduzido na quota correspondente ao número de trimestres de duração da mesma, montante esse a indicar pela V…... A presente garantia poderá ser efectivada até 15 de Maio de 2001, considerando-se, a partir desta data, nula e sem qualquer efeito.
Para os litígios emergentes da execução da garantia será competente o foro da comarca de Lisboa».
9. O mandatário da A. enviou à 1ª R. a carta registada com datada de 00.03.08, de que existe cópia a fls. 10, do teor seguinte:
«Ass.: V….. L……, Ldª
Registada com aviso de recepção
Lisboa, 8 de Março de 2000
Reportando-me ao contrato celebrado em 96.04.02 entre a minha cliente V… L…, Ldª, e V. Exas., venho comunicar, em representação da minha cliente, que esta procede à resolução do mencionado contrato, com efeitos a partir da presente data, com fundamento no incumprimento por parte de V. Exas. das obrigações previstas no artigo quinto, com referência ao estabelecido no artigo nono, porquanto essa empresa se obrigou a adquirir um mínimo anual de 10.000 litros de produtos V… e decorridos quase 4 anos só adquiriu um total de 6.050 litros à média anual à volta dos 1.580 litros.
Assim sendo, deverão V. Exas. proceder ao pagamento da indemnização prevista no artigo nono bem como proceder à devolução de toda a documentação, literatura e propaganda V… que esteja em vosso poder.
Fico a aguardar que procedam em conformidade, pelo prazo máximo de oito dias quanto ao pagamento e pelo prazo de trinta dias quanto à devolução do material após o que recorrerei a tribunal reclamando o pagamento da totalidade dos prejuízos sofridos pela V… L…, Ldª».
10. O mandatário da A. enviou ao 2º R. a carta datada de 00.09.12 e recebida a 00.09.19, de que existe cópia a fls. 81, do teor seguinte:
«Ass.: Dep. de Garantias
Garantia N/Nº 50/1000030636
Lisboa, 12 de Setembro de 2000
Em 15 de Maio de 1996, prestaram V. Exas. a garantia bancária com o número em referência à minha cliente V… L…, Ldª, com sede na 2ª Rua ……, nº 26, Lisboa para garantir responsabilidades decorrentes do contrato celebrado em 2 de Abril do mesmo ano com a sociedade R…… – S… C…… de V…… e A……, Ldª.
Esta empresa não cumpriu as obrigações a que se vinculou no aludido contrato pelo que, com data de 8 de Março pºpº, a minha cliente rescindiu o contrato e exigiu o pagamento da quantia em dívida que ascende a PTE 36.074.639$00.
A garantia prestada por V. Exas. assegurava o pagamento da quantia de PTE 6.000.000$00 e que à data se encontrava reduzida a PTE 4.800.000$00.
A devedora não regularizou a dívida pelo que tenho preparada a acção judicial mas não a quero entregar em Juízo sem dar do facto conhecimento de modo a que, antes, possam regularizar o montante da responsabilidade de V. Exas..
Assim venho solicitar o favor de, no mais curto espaço de tempo possível, me transmitirem o que tiverem por conveniente».
11. O 2º R. sempre processou e calculou as comissões da garantia sobre o valor de Esc. 6.000.000$00.
12. Durante os cerca de 4 anos de vigência do contrato, a 1ª R. apenas adquiriu à A. a totalidade 6.050 litros numa média anual de 1.580 litros e assim discriminado:
- produto Super X: 5.187 litros
- produto Synthetic Z: 228 litros
- Outros: 635 litros (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
13. A margem líquida de lucro por litro de lubrificante Super X era de € 362, 51.
14. A margem líquida de lucro por litro de lubrificante Synthetic Z era de € 522,74.
15. A R… era a concessionária, na área geográfica do distrito de Faro, da distribuição e comercialização dos produtos Hyundai, designadamente automóveis, peças e acessórios daquela marca.
16. O acordo de concessão, celebrado entre a S…. (concessionária geral) e a R…, entrou em vigor no dia 1 de Novembro de 1991, e era renovável por períodos de um ano.
17. A Hyundai comunicou à R…. que nomeara como seu distribuidor exclusivo para Portugal o Grupo Entreposto.
18. Foi por questões inerentes ao relacionamento entre a Hyundai e a S…. que cessou a concessão à R…..
19. O fim da concessão determinou a redução da actividade da R…., tendo esta empresa cessado a sua actividade em 98.12.31, e que apresentou resultados negativos nos seus exercícios económicos dos anos de 1995 a 1998.
20. A A. tomou conhecimento de que a R. era concessionária da R….. e que a concessão da Hyundai cessou.
21. As comissões de garantia bancária eram pagas pela R…., a quem o B…C…P… debitava, e que o seu custo era reembolsado pela A..
22. A data de 93.10.24 inserta no escrito de fls. 131 deveu-se a lapso, reportando-se tal escrito ao contrato celebrado entre A. e 1ª R. em 96.04.02.


4. - Mérito do recurso.

4. 1. - A ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis e a preclusão do respectivo conhecimento oficioso.


Como decorre do anteriormente referido, na 1ª Instância foi oficiosamente decretada a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição com fundamento na incompatibilidade substancial dos pedidos formulados.

No acórdão impugnado, diversamente, entendeu que tendo havido despacho saneador e nada aí tendo sido dito, já não é possível conhecer dessa nulidade após a prolação de tal despacho.

A cumulação de causas de pedir ou de pedidos substancialmente incompatíveis integra um dos casos de ineptidão da petição inicial, vício que, por sua vez, gera a nulidade de todo o processo – art. 193º- 1 e 2.c) CPC.
Dispondo sobre a oportunidade e preclusão de conhecimento das nulidades principais, o art. 206º dispõe que:
- das nulidades por falta de citação, irregularidade da citação edital ou omissão de indicação do prazo para a defesa e falta de vista do Ministério Público, quando necessária – arts. 194º, 198º-2-2ª parte e 200º -, o juiz deve conhecer logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas;
- as nulidades da ineptidão da petição inicial (art. 193º) e erro na forma do processo (art. 199º) são apreciadas no despacho saneador, se não o tiverem sido antes. Não havendo lugar a despacho saneador, podem as nulidades ser conhecidas até à sentença final.

No sistema anterior à Reforma de 1996, o dito art. 206º previa um regime idêntico para o conhecimento de todas as aludidas nulidades: o juiz devia apreciá-las no despacho saneador, ou antes; proferido despacho saneador só poderia conhecer-se mediante reclamação dos interessados e, não havendo aquele despacho, poderia conhecer-se das nulidades até à sentença final.

Era, assim, claro, no sistema processual vigente anteriormente à Reforma, que o conhecimento oficioso da ineptidão da petição inicial precludia no despacho saneador quando o processo o comportasse.
De resto, sê-lo-ia em qualquer caso, pois que apresentada a contestação, vedada ficaria também a possibilidade de reclamação, como decorre do regime preclusivo estabelecido no art. 498º CPC (depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções supervenientes ou que se deva conhecer oficiosamente) e especificamente confirmado no n.º 1 do art. 204º do mesmo diploma.


Ora, crê-se que o regime de apreciação e preclusão da nulidade da ineptidão não sofreu alteração.
Continua a ter como limite de apreciação o despacho saneador, devendo sempre ser aí apreciada se o não tiver sido anteriormente - o que só acontecerá nos casos excepcionais em que a citação dependa de despacho judicial prévio e seja admissível indeferimento liminar (arts. 234º e 234º-A CPC) -, salvo nos processos em que não haja lugar á prolação de despacho saneador.

Com efeito, uma tal alteração contrariaria os confessados objectivos da Reforma no sentido de privilegiar o tratamento das questões de mérito relativamente ás de forma, a celeridade e a economia processuais.

Ter-se-á, tão só, querido ajustar a disposição legal – n.º 2 do art. 206º - à mencionada modificação das regras da citação, alargando a oficiosidade de conhecimento quanto às irregularidades relacionadas com a falta desse acto ou outros vícios com relevante repercussão no direito de defesa, cautelas que não colhem idêntica razão de ser em vícios como o erro na forma do processo ou ineptidão, os quais, como excepções dilatórias, devem ser arguidos na contestação e só até esse articulado podem ser arguidas – art. 204º.

Como faz notar LEBRE DE FREITAS (“CPC, Anotado”, I, 357), “a distinção ora feita entre a ineptidão e o erro na forma do processo (n.º 2) e a falta de citação, nulidade de citação (…) e falta de vista do ministério Público (n.º 1) é coerente com a distinção paralela estabelecida no art. 204 para o prazo de reclamação: as duas primeiras nulidades continuam a ter de ser apreciadas até ao despacho saneador, sem prejuízo de o serem até à sentença quando não haja despacho saneador, o que condiz com a faculdade de as arguir; (…); da separação de regimes, resultou naturalmente a supressão da anterior referência (quanto a estas mesmas nulidades) à possibilidade de conhecimento do vício após o despacho saneador, mediante reclamação dos interessados, o que só fazia sentido quanto às nulidades arguíveis além do momento da contestação”. No mesmo sentido se posiciona RODRIGUES BASTOS (“Notas ao CPC”, 3ª ed., 269) e se decidiu no acórdão de 17/4/2007 -Revista n.º 545/07-1, destes mesmos relator e Conferência.

Consequentemente, a decisão recorrida, ao julgar precludida a possibilidade de conhecimento oficioso da nulidade na sentença final, após declaração de ausência de nulidades no despacho saneador, não merece censura e é de manter.



4. 2. - A compatibilidade substancial de pedidos.

Perante a conclusão a que se chegou sobre a momento e fase processual em que ocorre a preclusão do conhecimento da ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, desnecessário seria, por prejudicado, tomar posição sobre a efectiva verificação do vício.

Porém, na medida em que o fez a decisão impugnada, dir-se-á que, também quanto a esse ponto, se concorda com o decidido.

Na verdade, o que acontece é que, invocando, como causa de pedir, um contrato de execução continuada e o seu incumprimento pela Ré, a Autora pede indemnização correspondente aos lucros que deixou de obter em consequência da interrupção de cumprimento (interesse positivo) e com esse pedido cumulou o de pagamento da cláusula penal pactuada para a hipótese do mesmo incumprimento.
Está-se, assim, perante uma pretensão que a lei veda ao credor, não permitindo cumular pedido do cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, nem o de pagamento da cláusula penal com o de indemnização segundo as regras gerais – art. 811º-1 e 2 C. Civil (cfr. CALVÃO DA SILVA “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 4ª ed., 253 e ss.).

Ora, a incompatibilidade de pedidos, sendo vício que gera a ineptidão da petição inicial, só justifica colher tal relevância, determinando a anulação de todo o processo, quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir, por confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto.

Com efeito, uma coisa é a incompatibilidade resultante da invocação de fundamentos não apreensíveis ou inteligíveis, atendendo à posição do autor, outra é as pretensões assentarem em razões inteligíveis e claras mas que no plano legal ou de enquadramento jurídico resultam antagónicos.
Nesta última hipótese, a incompatibilidade, porque existente apenas no plano da lei, não encerra o vício de ineptidão, mas apenas a improcedência do pedido cujo direito o autor não possa ver reconhecido, devendo o julgador admitir aquele que, segundo a lei, apresentando-se como fundado, é admissível e conhecer do respectivo mérito (cfr., neste sentido, o ac. STJ, de 06/4/1983, BMJ 326º-400 e ANSELMO DE CASTRO, “Lições de Processo Civil”; II, 762-769).


No caso, o pensamento e razões invocados pela A. são, como se viu, perfeitamente inteligíveis.
O que acontece é que a indemnização pelo incumprimento estava previamente fixada a forfait, nos termos pactuados na cláusula penal, vedando a lei a cumulação com a indemnização segundo as regras gerais, e concedendo-lhe apenas o direito àquela (art. 811º-2 cit.).

Na esteira do que se deixou alinhado, haveria, então, que desconsiderar a arguida incompatibilidade de pedidos, declarar a improcedência do pedido correspondente à pretensão que a lei não aceita e conhecer da procedência do que tem guarida em termos de enquadramento jurídico.
Foi o que se fez no acórdão impugnado, apreciando os efeitos da cláusula penal e a medida da indemnização por ela prevenida.



4. 3. - Medida da responsabilidade da Recorrente.

Queixa-se o Banco Recorrente da condenação “até ao montante de € 29.927,87”, isto é, para além dos € 11.971,15 e juros moratórios em que foi solidariamente condenado com a “R…”, a pretexto de ser fiador e, como tal, não poder a sua obrigação exceder a dívida principal.

A Recorrida, como notado, não respondeu a esta questão.


No acórdão impugnado teve-se por válida e eficaz a resolução do contrato, por incumprimento da “R…” e, consequentemente, reconheceu-se à Autora o direito ao pagamento, a título de cláusula penal, de esc. 1 200 000$00, por cada ano ou fracção em falta, no máximo de 5 anos, acrescido de juros moratórios à taxa legal. Faltando um ano e dois meses para o final do contrato, liquidou-se o valor a pagar em esc. 2 400 000$00 e juros.
Mais se considerou que o Banco assumiu a responsabilidade pelo pagamento das quantias devidas pela “R….” à Autora, emergentes do contrato, até esc. 6 000 000$00.


Como decorre do conteúdo da “Garantia” transcrita em 8. da matéria de facto o Banco assumiu a responsabilidade pela entrega das importâncias necessárias, até ao limite de 6 mil contos, se a referida firma faltar ao cumprimento do contrato, renunciando ao benefício de excussão e obrigando-se a pagar após sentença condenatória proposta contra a afiançada.

Está-se, assim, perante uma garantia, qualificável como fiança, em que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor principal, ou seja, não pode excedê-la – arts. 627º-1 e 2 e 631º, ambos do C. Civil.

Ora, determinado que a obrigação do devedor principal, decorrente da sua responsabilidade pelo incumprimento contratual, consiste no pagamento de € 11.971,15 e juros, idêntica há-de ser a obrigação do fiador, o Banco Recorrente, como responsável pelo pagamento das quantia devidas pela contraente faltosa “R….”.

Assiste, assim, inteira razão à Recorrente “B....C...P..., S.A.”.


5. - Decisão:

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
- Conceder parcialmente a revista;
- Revogar o acórdão impugnado na parte em que condenou o “Banco C…. P…., S.A.” no pagamento à Autora “até ao montante de € 29.927,87”, subsistindo a decretada condenação, solidariamente com a “R….., Lda”, no pagamento de € 11.971,15, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação.
- Manter, em tudo mais, a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo de Recorrente e Recorrida a meio.


Lisboa, 6 Maio 2008

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias