Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
360/19.0PBFAR.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
PENA DE PRISÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Na sequência de acórdão da 1.ª instância que aplicou em dois cúmulos sucessivos uma pena unitária superior a 5 anos de prisão e outra inferior a este limite (com todas as penas parcelares em ambos englobadas também inferiores a 5 anos de prisão) o STJ é o competente para conhecer integralmente de recurso per saltum dessa decisão, visando exclusivamente matéria de direito e, nomeadamente, para apreciar o recurso também no que toca à pena unitária aplicada inferior a 5 anos de prisão.
II - Tem sido entendimento consensual serem admissíveis os recursos, em sede de direito, para o STJ, de decisões que apliquem pena única de prisão superior a 5 anos, ainda que as penas individuais aplicadas a cada crime (que integra o concurso) sejam inferiores, entendimento que foi sedimentado com o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 5/2017.
III - A considerar-se, no referido caso de cúmulo jurídico sucessivo, não ser o STJ competente para conhecer da pena única inferior a 5 anos , enviando-se o recurso para a Relação, não mais poderia haver recurso, restrito a matéria de direito, quanto à outra pena única superior a 5 anos, por força do disposto no art. 432.º, n.º 2, do CPP pois que, da análise do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CPP, conclui-se que a regra é a de uma única via de recurso restrita a matéria de direito, só excecionalmente se admitindo duas vias de recurso em matéria de direito quando anteriormente se recorreu também de matéria de facto, orientação esta acolhida já no Ac. do STJ de 16 de fevereiro de 2017, 5.ª secção- no Processo n.º 2118/13.0PBBRG.G1.S1(Helena Moniz)
IV - A determinar-se a remessa dos autos para conhecimento integral da decisão abrangendo ambos os cúmulos jurídicos pela Relação, ficaria inviabilizada a possibilidade de recurso posterior, ainda que restrito a matéria de direito, para o STJ por força daquele dispositivo.
V - Inexiste obstáculo a que se proceda a cúmulo jurídico entre penas de prisão efetiva e penas de prisão que foram substituídas por outras, ainda não cumpridas, nem extintas, sendo ainda orientação da jurisprudência mais relevante do STJ que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição (vg. a pena de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da pena), mas antes sobre a medida da pena, sendo a substituição da pena de caráter provisório e, portanto, enquanto não se extingue, está sujeita à cláusula rebus sic stantibus, o que significa, que “o caso julgado” fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para determinação da nova moldura do concurso.
Decisão Texto Integral:


Recurso per saltum para o STJ

PROC. 360/19.0PBFAR.S1. 5ª Secção.

Relator- Agostinho Torres

TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE FARO JUÍZO Central Criminal ... juiz ...

Recorrente: Arguido AA

Cúmulo jurídico; competência do Supremo Tribunal de Justiça- penas unitárias sucessivas acima de 5 e abaixo de 5 anos de prisão; fundamentação de acórdão; medida das penas unitárias.

Acordam em Conferência os Juízes na 5 ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro- Juízo Central Criminal ... – juiz ..., no Proc. 360/19.0PBFAR, por acórdão (cúmulo jurídico de penas) de 21 de Novembro de 2022 o tribunal colectivo decidiu:

« 6.(…)

- proceder ao cúmulo das penas impostas ao arguido AA:

a) nos processos indicados em 9 a 5 [proc. 406/15, proc. 712/16, proc. 89/16, proc. 20/17 e proc. 123/15] dos factos assentes, condenando-o na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) nos processos indicados em 4 a 1 [proc. 748/18, proc. 272/19, proc. 9/19 e proc. 360/19] dos factos assentes, condenando-o na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

(…)

2. O Tribunal a quo considerou, para o efeito:

“(…)

Realizou-se nos autos a audiência prevista no art. 471º do CPP para a realização de cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido AA (…)”.

2. Factos provados

A. O arguido foi condenado:

1. no presente processo (360/19), por decisão de 15.06.2022, transitada em 15.07.2022, pela prática, como reincidente, de um crime de furto qualificado (art. 75º, 76º, 203º n.º1 e 204º n.º1 al. f) CP), na pena de 1 ano de prisão [entre a noite do dia 29.03.2019 e a manhã do dia 30.03.2019, o arguido dirigiu-se a prédio de habitação (Bloco ...) na Rua ..., em ..., entrou na garagem do prédio, onde se encontrava uma bicicleta BTWIN, no valor de € 200,00, presa a um pilar da garagem com uma corrente, cortou a corrente e saiu do prédio levando a bicicleta; a bicicleta foi recuperada pelas autoridades policiais, no dia 30.03.2019, na posse do arguido; agiu livre, deliberada e conscientemente].

2. no processo 9/19, por decisão de 01.02.02022, transitada em 03.03.2022, pela prática de um crime de furto qualificado tentado (art. 203º n.º1, 204º n.º2 al. e), 22º, 23º e 25º do CP), na pena de 6 meses de prisão [no dia 28.12.2018, antes das 09.45 hrs., o arguido, juntamente com indivíduo não identificado, dirigiram-se à residência sita na Rua ..., ..., a fim de fazerem suas quantias monetárias ou bens que encontrassem, e partiram e extraíram o canhão da fechadura da porta de entrada da habitação; perante dificuldades a abrir da porta, o arguido abandonou o local, onde deixou o companheiro, que do interior da habitação retirou bens no valor de 250 euros; agiu livre, deliberada e conscientemente].

3. no processo 272/19, por decisão de 20.12.2021, transitada em 01.02.2022, pela prática de um crime de roubo (art. 210º n.º1 do CP), na pena de 3 anos de prisão [no dia 24.02.2019, por volta das 09.00 hrs., BB e AA entraram na residência de CC, onde este se encontrava, na Rua ..., ..., em ...; o arguido AA empurrou depois CC para a sala, tendo este ficado sentado no sofá. Vendo os anéis que CC tinha nos dedos, um deles tentou tirá-los sem conseguir por estarem apertados, tendo o arguido AA dito «mata-se?», referindo-se ao CC, tendo a BB dito que não. Depois um deles disse para cortarem os dedos do CC, tendo entretanto conseguido tirar três anéis de ouro, no valor de pelo menos 1000 euros, dos dedos de CC, contra a vontade deste; depois, um deles retirou do bolso da camisa a carteira do CC, que continha: cartões bancários de débito e crédito, documentos, e anotação escrita dos códigos dos cartões bancários; após, o arguido AA colocou-se atrás do sofá onde o CC estava sentado, passou um braço pelo pescoço deste CC, apertou-lhe o pescoço e disse-lhe para lhes dar mais coisas; em momento não determinado, andaram pela casa à procura de mais objectos para levarem, tendo retirado uma máquina fotográfica do quarto da filha de CC e um ipad da sala; depois, o AA e a BB saíram da residência levando os anéis, a carteira (com o seu conteúdo), a máquina fotográfica e o ipad com eles; a BB, na sequência de acordo com o arguido AA, efectuou o levantamento, em caixas multibanco, de 200, 60, 100 e 30 euros com um cartão, e 200, 100 e 60 euros com outro cartão; 35 euros, a carta de condução e o cartão de cidadão do CC e o cartão do Millennium BCP foram recuperados pela PSP; o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente].

4. no processo 748/18, por decisão de 25.06.2019, transitada em 10.09.2019, pela prática de um crime de furto qualificado (art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP), na pena de 3 anos de prisão [após as 23.00 hrs. do dia 21.08.2018 e as 07.45 hrs. do dia 22.08.2018, o arguido entrou em prédio sito em ..., acedendo a um elevador aí existente, no qual entrou; aí, entortou a botoneira de cabine, provocando uma abertura e assim acedeu aos fios que integram o circuito elétrico de um botão dotado de uma fechadura, que, quando acionado pela respetiva chave, movimenta o elevador até ao piso onde fica situada a garagem comum a alguns dos moradores do prédio; após, colocou os fios elétricos em contacto directo, accionando o comando associado ao referido botão e que lhe permitiu, sem recurso à chave, colocar em movimento o elevador até ao piso onde fica a garagem, onde entrou e de onde retirou dois microfones no valor de € 199 e € 70 respetivamente, um cabo no valor de € 5 e uma bicicleta com bolsa de ferramentas de valor não inferior a € 300; após, abriu o portão da garagem através de uma alavanca acoplada ao portão e saiu dessa forma da garagem, na posse dos bens; agiu livre, deliberada e conscientemente].

Neste proc. 748/18 foi efectuado o cúmulo com as penas aplicadas nos proc. 712/16, 89/16, 123/15 e 20/17, tendo o arguido sido condenado na pena única de 6 anos de prisão.

5. no processo 123/15, por decisão de 22.05.2019, transitada em 21.06.2019, pela prática, como reincidente, de um crime de furto qualificado (art. 76º, 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP), na pena de 3 anos de prisão [entre as 10.30 hrs. do dia 14.03.2015 e as 06.00 hrs. do dia 15.03.2015, o arguido partiu o trinco da janela da fachada frontal de acesso a residência situada em Caminho ..., ..., ..., ..., entrou nela e daí retirou um computador portátil no valor de 300 euros, um telemóvel no valor de 89 euros, um computador portátil de valor não apurado e um computador portátil com o valor de 200 euros; agiu livre, deliberada e conscientemente].

6. no processo 20/17, por decisão de 21.06.2018, transitada em 19.05.2019, pela prática de um crime de burla (art. 217º n.º1 do CP), na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sujeita a condições [no dia 30.12.2016, na página da internet «OLX», o arguido fez publicar um anúncio  dando conta que possuía uma caravana para venda, pelo preço de € 500, por forma a conseguir o adiantamento de despesas de transporte da caravana, sem que a pretendesse vender ou enviar; no dia 01.012017, pelas 17.00hrs., o arguido foi contactado telefonicamente por DD, que, após ter visto o anúncio, pretendeu adquirir a caravana; o arguido transmitiu ao DD que era o proprietário da caravana, que esta correspondia às fotografias que constavam do anúncio e que tinha a documentação em dia; após terem acordado na aquisição da caravana pelo preço de € 500, o arguido comprometeu-se a assegurar o seu transporte até à E.N. n.º ..., em ..., ..., após o pagamento imediato de € 50, através de transferência bancária; pelas 19.16 hrs. do mesmo dia, DD, confiando, efetuou a transferência bancária; momentos depois, o arguido contactou telefonicamente DD, dando-lhe conta de que, na sequência de contacto com a transportadora, a quantia transferida era insuficiente para pagar o transporte da caravana, solicitando-lhe uma transferência adicional de €20, que o DD fez pelas 20.59 hrs., do mesmo dia; o arguido não mais contactou o DD, não procedeu à entrega da caravana e não lhe devolveu os € 70; agiu livre, deliberada e conscientemente].

7. no processo 89/16, por decisão de 04.02.0216, transitada em 10.09.2019, pela prática de um crime de furto qualificado (art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão [entre as 18.30 hrs. do dia 04.02.2016 e as 08.00 hrs. do dia 05.02.2016, fazendo-se transportar num veículo ligeiro de mercadorias, o arguido e outro indivíduo empurraram e torceram o portão elétrico que separa a estrada de um pátio interior descoberto, pátio este que dá acesso à garagem comum do prédio de apartamentos sito no n.º ...3 da Rua ..., em ..., ..., logrando, dessa forma, abri-lo; de seguida entraram naquela garagem e dela retiraram um motociclo, no valor de € 7.000, colocando-o na traseira do ligeiro de mercadorias; no dia 05.02.2016 foram intercetados por uma patrulha da GNR na posse do motociclo, o qual foi recuperado; o arguido ; agiu livre, deliberada e conscientemente].

8. no processo 712/16, por decisão de 12.12.2017, transitada em 01.10.2018, pela prática de um crime de furto qualificado (art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP), na pena de 3 anos de prisão [no dia 01.12.2014, cerca das 04.45 grs., o arguido retirou um painel da janela do escritório na traseira do estabelecimento "Á...", em ..., introduziu-se, dessa forma, no seu interior e daí retirou duas torres de computador, no valor global de pelo menos trezentos e cinquenta euros; as torres foram recuperadas; agiu livre, deliberada e conscientemente].

9. no processo 406/15, por decisão de 11.11.2017, transitada em 10.02.2017, pela prática de dois crimes de furto qualificado (art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP), nas penas de 3 anos e 2 anos e 10 meses de prisão [no verão de 2015, o arguido deslocou-se ao prédio Edifício ..., na Avenida ..., em ..., introduziu-se no seu interior, subiu à varanda do edifício, onde acedeu a uma escada exterior que integra o edifício e pela qual desceu para um terraço do edifício, e daí saltou para a varanda do apartamento localizado no ... andar; abriu a porta da varanda que dá acesso ao apartamento e por ela entrou no apartamento, onde, depois de comer e beber, o arguido retirou um televisor LCD no valor de 100 euros, e um telescópio no valor de pelo menos 60 euros; no dia 07.08.2015, entre as 02.00 hrs. e as 03.00 hrs., o arguido deslocou-se para a baixa de ..., ao Snack Bar C..., abeirou-se da porta de entrada do estabelecimento, arremessou uma pedra contra o vidro da porta, que partiu, tendo por aí penetrado no interior do estabelecimento: deste retirou garrafas de bebidas alcoólicas, três garrafas de cerveja, a caixa registadora, contendo no seu interior mais de 6 euros em moedas, tudo com valor superior a 102 euros; a caixa registadora foi recuperada; agiu livre, deliberada e conscientemente],

e, em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, suspensão posteriormente revogada.

B. Foi ainda condenado:

- por decisão de 19.05.2010, transitada em 08.06.2010 [proc. 842/11 do Tribunal ...], na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, pela prática em 01.10.2008 de um crime de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP.

- por decisão de 18.01.2011, transitada em 28.02.2011 [proc. 153/08 do Tribunal ...], na pena de 250 dias de multa, à taxa de 5 euros, pela prática em 23.12.2008 de um crime de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º1 al. f) do CP.

- por decisão de 09.05.2011, transitada em 24.10.2011 [proc. 761/10 do Tribunal ...], na pena conjunta de 4 anos e 2 meses de prisão, pela prática em 19.05.2010, 19.06.2010 e 22.06.2010 de dois crimes de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.ºº2 al. e) do CP e um crime de roubo.

- por decisão de 08.06.2012, transitada em 08.06.2012 [proc. 1508/08 do Tribunal ...], na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática em 23.11.2008 de um crime de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º1 al. f) do CP.

Neste processo foram cumuladas as penas aplicadas nos proc. 842/11 e 761/10, tendo sido fixadas duas penas conjuntas, de 3 anos e 3 meses de prisão e de 2 anos de prisão, além da pena de 250 dias de multa.

Beneficiou de liberdade condicional por decisão de 30.06.2014 (até 04.07.2014 pela pena do primeiro cúmulo efectuado, e até 19.02.2016 por referência à pena do segundo cúmulo realizado). Esta liberdade condicional foi depois revogada.

No mesmo proc. 1508/08 a pena de multa foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade por decisão de 14.02.2014 e extinta por prescrição.

C. O arguido viveu até aos 2 anos de idade com os pais em ..., integrando uma fratria de três elementos, sendo o mais novo dos irmãos. Na sequência da separação dos pais, o arguido e as irmãs ficaram a cargo da mãe, tendo passado a residir no ..., em .... Aos 10 anos e por mútuo acordo, voltou a reintegrar durante um ano o agregado paterno, no ..., sendo já evidentes alguns sinais de irreverência e incapacidade dos progenitores imporem um modelo educacional normativo. Por esse motivo regressou ao ... para junto da mãe. Algum tempo depois a família mudou-se para a zona de ..., onde permanecem.

Com modelos educativos pautados por uma fraca estimulação para o percurso escolar, o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade com 17 anos, na sequência de elevado absentismo e desinteresse, sem qualquer motivação para adquirir competências escolares/formativas mais elevadas.

Durante o cumprimento da sua primeira pena de prisão, no Estabelecimento Prisional ..., concluiu em 2014, por equivalência, o 12º ano de escolaridade.

Iniciou actividade profissional por volta dos 18 anos como servente de pedreiro, profissão a que não deu continuidade para frequentar um curso profissional de operador de armazém.

Posteriormente trabalhou no Hotel ... em ..., no bar de apoio à praia, e mais recentemente desenvolveu actividade para a empresa O..., sem vínculo laboral.

Com 17 anos autonomizou-se para iniciar uma relação marital, da qual resultou o nascimento do seu único filho, presentemente com 10 anos e que reside com a mãe, em ..., tendo existido encontros frequentes entre ambos.

Esta relação durou cerca de quatro anos e terminou pouco tempo depois de ser detido pela primeira vez em 2010. Saiu em liberdade condicional em 2014 e voltou a ser novamente preso em 2019.

Nesta fase viveu inicialmente com a mãe e mais tarde partilhou a casa com um amigo.

Iniciou-se com cerca de 16 anos no consumo de haxixe e de álcool em excesso em contexto de grupo de pares. Indiferente à censura familiar, ocorreu um processo crescente de consumo de cocaína, que revelou dificuldade em abandonar, sendo os capitais que conseguia angariar canalizados em exclusivo para estes consumos.

À data dos factos residia sozinho na Estrada ..., em ..., em casa arrendada.

Mantinha um grande afastamento da família, nomeadamente da mãe, subsistindo com recurso a alguns biscates que fazia na construção civil e de proventos não convencionais.

Mantinha hábitos regulares de consumo de cocaína, gerindo o seu quotidiano com base nas necessidades de aquisição e consumo, sem conseguir organizar o seu modo de vida.

Regista vários períodos de distanciamento da sua família de origem, por razões relacionadas com o seu modo de vida desestruturado, tendo em momentos diferentes optado por residir sozinho em quartos arrendados, em espaços devolutos como sem abrigo ou com a irmã, em ..., para onde se deslocou há cerca de 3 anos, como forma de se distanciar do seu grupo de pares, o que nem sempre foi conseguido.

Durante o cumprimento da pena tem-se verificado uma aproximação à mãe, passando as suas perspectivas de futuro por retomar a vivência junto desta, que de momento se encontra a residir só. Mantém o apoio da irmã mais nova e refere ser seu desejo consolidar os laços afectivos com o filho.

Apresentou dificuldade em manter um comportamento adequado no EP, tendo sido alvo de alguns procedimentos disciplinares. Permanece inactivo, estando inscrito em bolsa de trabalho.

Justifica o seu comportamento criminal com o consumo de drogas.

3. Factos não provados

Inexistem factos por provar.

4. Fundamentos da decisão sobre os factos em discussão

O apuramento dos factos referidos em A e B assentou no acórdão, nas certidões e no CRC juntos aos autos. Os factos descritos em C foram colhidos do relatório social junto aos autos (que descrevia a situação do arguido até à sua reclusão e no qual, pelas suas fontes e metodologia, se confiou) e dos documentos de fls. 631 e ss..


5. Fundamentos da decisão sobre o direito aplicável e determinação da sanção aplicável
5.1. Por força do disposto no art. 77º n.º1 do CP deve ser aplicada uma única pena quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. Ao que não obsta a circunstância de tal sucessão de crimes se tornar conhecida após uma condenação transitada em julgado, nos termos do art. 78º n.º1 do CP. Porém, estas hipóteses de conhecimento superveniente de concurso supõem sempre que exista uma verdadeira situação de concurso, para os termos do referido art. 77º n.º1 do CP. Assim, encontram-se numa relação de concurso para este efeito (concurso de penas) as penas aplicadas por crimes praticados antes do trânsito em julgado da primeiramente transitada das condenações a cumular (solução fixada pelo AUJ 9/2016, in DR I de 09.06.2016) – ou seja, todas as condenações a cumular têm que ter transitado depois da data da prática dos crimes (de qualquer um dos crimes) em causa.

5.2. Atendendo à situação dos autos, verifica-se que as penas aplicadas nos processos referidos em B se mostram excluídas pois, e além de outras razões, as respectivas decisões transitaram em julgado antes da data da prática de qualquer um dos crimes em causa nos processos referidos em A. Existe nesta parte, pois, apenas uma situação de sucessão de penas.

Quanto aos demais processos, não é viável a cumulação de todos os processos (das respectivas penas) em causa pois nem todos se encontram entre si numa relação de concurso no sentido exposto - a título exemplificativo, vê-se que o proc. 406/15 se encontra numa relação de concurso com o proc. 20/17 (factos deste anteriores ao trânsito em julgado daquele) mas não com o proc. 748/18 (cujos factos são posteriores ao trânsito em julgado no proc. 406/15), enquanto estes proc. 20/17 e 748/18 se encontram entre si numa relação de concurso. Assim, não é possível reconduzir todas as penas aplicadas nos processos referidos em A) a uma única pena (conjunta), por estrita oposição legal do art. 77º n.º1 do CP. E a recusa do denominado «cúmulo por arrastamento» [traduzindo-se o arrastamento na circunstância de se incluir no cúmulo pena que não está em relação de concurso com todas as demais mas que se encontra nessa relação com uma ou mais dessas penas, que a arrastariam assim para o cúmulo] constitui hoje solução pacífica, exigindo-se que os crimes a considerar no concurso tenham sido praticados (qualquer um deles) antes de ter transitado em julgado a condenação em qualquer um dos processos intervenientes [por razões sobejamente conhecidas, que, além do mais, se prendem com a literal exigência legal, com a teleologia do instituto (efectuar o cúmulo de penas que poderiam ter sido, ab initio, cumuladas, o que equivale a dizer crimes que foram praticados antes de transitar em julgado qualquer decisão concorrente), com a distinção legal que decorre dos pressupostos formais da reincidência (que vai abranger os crimes praticados após o trânsito de anteriores condenações) e por a solução contrária se traduzir num benefício injustificado para quem cometeu um crime após o trânsito de anterior condenação, cuja advertência desrespeitou, e que, por isso, deveria ser passível de maior censura - sobre a questão, e com argumentos adicionais, v., entre outros, os Acs. STJ proc. 06P1713 [2006], proc. 04P1391 [2004], proc. 99P4410 [23.01.2003], proc. 99P245 [06.05.99], proc. 287/12.6TCLSB [14.03.2003], proc. 125/07.1SAGRD.S1 [15.05.2003] ou proc. 34/05.9PAVNG.S1 [2012], todos in 3w.dgsi.pt, ou P. Dá Mesquita, O Concurso de Penas, Coimbra Editora 1997, pág. 57 e ss., Vera Lúcia Raposo, Anot. ao Ac. do STJ de 07.02.2002 in RPCC, Out./Dez. 2003, pág. 583 e ss., e L. Moutinho, Da Unidade À Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, Universidade Católica Editora 2005, págs. 1246 e 1327 e ss.]. Deste modo, a solução passa por realizar o cúmulo apenas com as penas em relação às quais entre si se verificam os respectivos pressupostos legais.

5.3. Importaria então fixar o critério que deveria presidir à determinação das penas (ou processos) a englobar no concurso, ponto onde são mobilizáveis essencialmente dois critérios: ou se parte da decisão que primeiramente transitou em julgado para fixar a relação concursal relevante (isto é, avança-se a partir da primeira decisão, integrando no cúmulo todos os processos que se encontram numa relação de concurso com essa primeira condenação) ou se parte da última decisão proferida (ou transitada), e se regride em direcção à mais antiga (integrando no cúmulo, também aqui, todos os processos que se encontram numa relação de concurso com aquela última condenação)[1]. Um outro grupo de critérios tem sido invocado, optando-se por incluir no cúmulo, de entre os processos concorrentes, aqueles cujos factos respeitam ao mesmo período temporal, ou aqueles cujas penas sejam mais elevadas (de modo a agrupar entre si estas penas mais elevadas) – critérios estes que, sem prejuízo de melhor opinião, se excluem por assentarem em opções que no limite se mostram arbitrárias (no estrito sentido de desprovidas de razões fundadas), que não decorrem do regime legal penal, e se mostram assim empíricas, inseguras e falíveis (v.g. porque muitas vezes o problema não assenta na data dos factos mas na data do trânsito em julgado das várias decisões, pelo que as decisões incompatíveis podem respeitar todas ao mesmo período temporal); e critérios algo distanciados do valor legal determinante, assente na data do trânsito em julgado e não na data dos factos ou na dimensão das penas aplicadas.

5.3.1. O primeiro critério julga-se mais ajustado, por melhor corresponder à letra e à teleologia do art. 78º n.º1 do CP quando se refere a uma decisão transitada em julgado à qual se segue a descoberta de novos crimes, referindo-se pois à primeira decisão transitada como critério de aferição do cúmulo superveniente, na qual, de acordo com o regime do art. 77º n.º1, os demais crimes deveriam (a serem conhecidos) ter sido logo considerados – o que, aliás, tende a ajustar-se à forma como a questão subjacente ao AUJ 9/2016 foi equacionada [neste sentido, Ac. do STJ, proc. 282/05.1PAVNF.S1 (2015), in 3w.dgsi.pt: «Para determinação do momento temporal relevante para se conhecer do concurso superveniente de crimes é preciso encontrar a condenação em relação à qual existe em primeiro lugar o pressuposto exigido pelo art. 78.º, n.º 1, do CP, da anterioridade de um ou mais crimes, e operar um primeiro cúmulo jurídico englobando as penas dessa condenação e das aplicadas pelo crime ou crimes que lhe são anteriores. Em relação às penas dos crimes cometidos posteriormente a essa primeira condenação procede-se de modo idêntico, podendo ser todas englobadas num segundo cúmulo, se identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores, ou, se assim não for, ter de operar-se outro ou outros cúmulos, seguindo sempre a referida metodologia». Isto porque, como se referiu no proc. 295/07.9GBILH.S2 (STJ, do mesmo relator daquele primeiro Acórdão) «Se estes crimes fossem conhecidos naquele primeiro processo poderiam ter sido ali considerados, aplicando-se então uma pena única. No fundo, o que agora há a fazer é repor a situação que se verificaria se o recorrente houvesse sido condenado por todos estes crimes logo no primeiro momento em que isso podia acontecer (…). Nestes casos não há espaço para critérios aleatórios ou de maior favor para o arguido.»]. Solução esta também sustentada por L. Moutinho [op. cit., pág. 1329], com justificação idêntica: é esta a solução que melhor atenua o atraso na devida consideração conjunta das várias condenações do agente pois sem tal atraso seria naquela primeira condenação que a situação global se consideraria [nesta questão não releva, naturalmente, o regime do art. 471º n.º2 do CPP pois esta norma supõe que esteja assente a existência de uma relação de concurso entre penas aplicadas em vários processos, visando apenas indicar em qual, de entre esses processos incluídos no cúmulo, se deverá realizar a audiência com vista à efectivação do cúmulo de penas (questão adjectiva ou processual, de competência), não pretendendo intervir na determinação dos processos que devem ser incluídos no cúmulo (questão material)]. Desta forma, será a primeira decisão relevante que vai fornecer o critério a partir do qual se determinarão o(s) cúmulo(s) a efectuar e as penas a incluir nele(s), excluindo-se aquelas cujos factos sejam posteriores ao trânsito de tal decisão.

Assim, partindo da primeira decisão transitada (referida em 9 - proc. 406/15), deveriam cumular-se as penas aplicadas nos processos referidos em 9 a 5, de um lado, e em 4 a 1, de outro lado.

5.4. Nota-se que a esta afirmação não obsta a circunstância de a pena de prisão singular aplicada no proc. 20/17 (referida em 6) ter sido, em tal processo, substituída pela pena de suspensão da sua execução, cujo prazo estaria já ultrapassado, porquanto tal pena de substituição foi já eliminada pelo cúmulo realizado no proc. 748/18. A remodelação deste cúmulo nesta sede, em função de circunstâncias supervenientes (conhecimento de novas penas), não recupera ou repristina a pena de substituição, que continua excluída (prejudicada) pelo cúmulo realizado, havendo apenas que considerar a pena principal no novo cúmulo. Tal deriva, de um lado, da circunstância de aquele cúmulo manter a sua eficácia até ao trânsito em julgado da presente decisão e, assim, não haver espaço para considerar a pena substituída como ainda subsistente. E deriva ainda, de outro lado, da natureza do cúmulo realizado, que eliminou a possibilidade de atender a qualquer pena substitutiva (e assim de avaliar o seu destino), asserção que se mantém agora, em que apenas se trata de reavaliar globalmente e em termos finais a situação de todas as penas impostas ao arguido. Assim, o (eventual) decurso do prazo da pena de substituição original é irrelevante porque tal pena em rigor já não existe - e, nessa medida, nem se pode afirmar que tal prazo se esgotou. 

5.5. Desta forma, perante os crimes considerados nos dois cúmulos a realizar (e as penas correspondentes), as respectivas molduras penais têm, face ao disposto no art. 77º n.º2 do CP, os seguintes limiares:

- limiar mínimo 3 anos e 6 meses de prisão e limiar máximo 15 anos e 11 meses de prisão (cúmulo 1 - proc. 406/15, proc. 712/16, proc. 89/16, proc. 20/17 e proc. 123/15), e

- limiar mínimo 3 anos de prisão e limiar máximo 7 anos e 6 meses de prisão (cúmulo 2 - proc. 748/18, proc. 272/19, proc. 9/19 e proc. 360/19).

Na determinação da pena concreta deverá atender-se aos factos e à personalidade do agente revelada no conjunto dos factos.

Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa e a personalidade do agente (cfr. art. 77º n.º1, 2ª parte), releva a gravidade relativa dos crimes (variável), o seu número, o lapso de tempo em causa (Verão de 2015 a Janeiro de 2017, no primeiro cúmulo, e Agosto de 2018 a Março de 2019 no segundo cúmulo), a sua natureza (estão sempre em causa crimes de natureza patrimonial, embora numa situação esse relevo patrimonial venha associado também a valores pessoais - roubo), e a importância dos bens jurídicos em causa (mormente no roubo, com a sua vertente pessoal). Releva ainda o percurso de vida do arguido, algo desinvestido, e marcado pela prática de outros delitos. Monta também a sua situação no EP (mormente com o registo de sanções disciplinares).

Considerando estes dados, globalmente ponderados, reputa-se ajustada a fixação das seguintes penas:

- 7 anos e 6 meses de prisão (cúmulo 1), e

- 4 anos e 6 meses de prisão (cúmulo 2).

5.6. Pese embora, face à segunda pena, o arguido ainda se encontre formalmente em condições de beneficiar do regime do art. 50º do CP, é manifesto que, quer pela situação pessoal do arguido, quer pelo seu percurso vivencial e delitivo, tal substituição é manifestamente inviável (de ambos os pontos de vista mobilizáveis, preventivo especial e preventivo geral de reintegração).

5.7. Eventual desconto (equitativo) de penas suspensas não se coloca nesta sede pois uma delas (proc. 406/15) foi revogada, o que exclui qualquer desconto (art. 56º n.º2 do CP); e a outra já foi desconsiderada em anterior cúmulo.

5.8. Afastamos, sem perda do devido respeito por opinião contrária, a utilização de fórmulas que utilizam quadros ou factores matemáticos (mormente o denominado factor de compressão) por não corresponderem ao critério legal (a lei não tem que o proibir; tem que fixar o critério relevante, e este não corresponde à utilização das aludidas fórmulas; a invocação da igualdade suscita sérias reservas na casuística e, sobretudo, nos efeitos que se lhe atribuem).

(….)”»

3. Inconformado , o arguido recorreu directamente para este Supremo Tribunal de Justiça ( STJ) dizendo em conclusões:

1.

O presente recurso tem por objeto a medida das penas únicas, respectivamente, de 07 anos e 06 meses e de 04 anos e 06 meses de prisão aplicadas ao arguido nos dois cúmulos jurídicos realizados pelo Tribunal «a quo», emergentes das penas parcelares aplicadas ao Recorrente nos presentes autos e nos processos 406/15, 712/16, 89/16, 20/17, 123/15, 748//18, 272/19 e 9/19.

DA         INSUFICIÊNCIA             DA         FUNDAMENTAÇÃO     DA         DECISÃO           NA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA

2.

No caso de realização de cúmulo jurídico de penas, a específica fundamentação da pena única determinada em função da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, também deve ser esclarecedora das razões por que o tribunal alcançou determinada pena única, o que obriga a uma especial fundamentação, sendo que a sentença referente ao concurso de crimes de conhecimento superveniente deve ser elaborada nos termos e em respeito pelo disposto no artigo 374º do Código de Processo Penal, com enfoque no critério especial de determinação da pena conjunta fundado no juízo global dos factos e da personalidade do agente – donde, o especial dever de fundamentação da decisão-.

3.

In casu, e salvo o devido respeito, a fundamentação do douto acórdão «sub judice» afigura-se manifestamente insuficiente para justificar a aplicação das penas únicas em questão; o tribunal «a quo» não deu cumprimento àquela exigência legal (artigo 77.º do CP) ocorrendo insuficiência da fundamentação da decisão na determinação da medida da(s) pena(s) única(s) a aplicar.

4.

Deveria o tribunal a quo cuidar de apreciar não só as condições pessoais e económicas do aqui Recorrente, como a sua personalidade por forma a poder ajuizar se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si, bem como o efeito da pena na vida futura do mesmo.

5.

A decisão recorrida é omissa quanto à idade do arguido à data da factualidade em causa nos autos em concurso, nem pondera, ainda que perfunctoriamente, a factualidade de que o recorrente, aquando do cometimento de tais delitos, se encontrava na faixa etária dos 25 aos 30 anos, no início da vida adulta; Nem o facto dos “grupos” de condenações sobre que versa o acórdão recorrido demonstram que os factos perpetrados pelo aqui Recorrente, se encontram bem definidos dentro de um período temporal relativamente curto e não disperso; assim como foram praticados dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido, movido também por comportamentos aditivos;

6.

O acórdão         recorrido   não                 fundamenta,                     assim,       suficientemente,       a determinação da(s) pena(s), não assegurando, por isso, a controlabilidade e a racionalidade da medida das mesmas, padecendo da nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379.º, com referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos CPP, e viola, também, dessa forma a decisão recorrida, entre o mais, o disposto nos artigos 70º, 71º, 77º e 78.º ambos do Código Penal.

SEM CONCEDER

DA MEDIDA CONCRETA DA(S) PENA(S) ÚNICA(S)

7.

Quanto à medida concreta da pena conjunta resultante do concurso de crimes, dispõe o art. 77, nº 1 do Código Penal, que « quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.», estabelecendo o nº2 deste mesmo artigo que « A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão(#)e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

8.

Como refere o acórdão desse Colendo STJ, de 13.09.2006 (proc. 06P2167) « o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do C. Penal, aplicável ao “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente».

9.

Na determinação desta pena única devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos nos arts. 71.º e 40º do CP – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial fornecido pelo citado art. 77º, n.º 1, 2ª parte - a apreciação, em conjunto,dos factos e da personalidade do agente.

10.

No caso em apreço, podemos classificar os crimes cometidos pelo Recorrente na pequena/média criminalidade, porquanto, na sua quase totalidade, trata-se de crimes que não atentam contra a vida e/ou a integridade física (conta apenas com um crime de roubo), a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade publica (cfr. al. j do artigo 1.º do CPP), nem constitui criminalidade altamente organizada nos termos previstos na al. m) do mesmo preceito legal.

11.

E no que tange ao grau de ilicitude, cremos não ser mais do que mediano, atendendo às particulares circunstâncias de facto in casu, às consequências das mesmas e ao que supra fica dito a respeito da integração jurídica de tal factualidade.

12.

Não desconsideremos as condições pessoais, económicas e sociais do arguido, a precaridade social do meio social em que a infância e juventude do arguido se desenrolaram, e a consequente influência do grupo de pares, assim como o facto dos delitos em causa terem sido praticados dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido, movido também por comportamentos aditivos.

13.

No que tange às exigências de prevenção especial e ao juízo de prognose a ponderar nesta sede, particularmente revelante se revela a aproximação à família de origem, nomeadamente o apoio da irmã mais nova e da progenitora, com as suas perspectivas de futuro de retomar a integrar o agregado familiar desta última, e o seu desejo de consolidar os laços afectivos com o filho, afastando-se assim do modo de vida desestruturado, num quadro de dependência aditiva, em que as condutas infractoras ocorreram.

14.

Assim, face ao supra explanado, e salvo o devido respeito – que é muito -impunha-se que o cúmulo jurídico harmonizasse as finalidades punitivas com a almejada reintegração do arguido, o que não o fez; não efetuou, como devia, uma apreciação global conjunta, dos factos e da personalidade do agente; não reapreciou, como exige a lei, as exigências de prevenção geral especial, seja na sua veste positiva seja negativa, nem as de prevenção especial tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.

15.

Salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, as penas únicas encontradas extravasam a culpa, refletida nos factos, e são desproporcionadas às exigências de prevenção quer geral, quer especial.

16.

Deveria o douto tribunal “a quo”, ponderada a ilicitude global do facto, a medida da culpa do recorrente e as exigências de prevenção gerais e especiais, dentro das molduras penais a considerar ter fixado penas únicas mais próximas do limite mínimo de cada uma das molduras penais em causa (limiar mínimo 3 anos e 6 meses de prisão no caso do cúmulo 1 - proc. 406/15, proc. 712/16, proc.89/16, proc. 20/17 e proc. 123/15 e limiar mínimo 3 anos de prisão quanto ao cúmulo 2 - proc.748/18, proc.272/19, proc. 9/19 e proc. 360/19) – particularmente no tange ao cúmulo 1, impunha-se a fixação de uma pena única mais próxima do limiar mínimo daquela moldura penal, que é de 03 nos e

17

6 meses, e nunca superior a 05 anos de prisão - o que realizaria de forma mais adequada, e absolutamente suficiente, as finalidades da punição.

17.

Nesta confluência, a decisão recorrida pela incorrecta interpretação e aplicação que deles faz, viola os seguintes dispositivos legais: artigos 40.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 56.º, 71.º, 77.º, 78.º do Código Penal; artigos 374.º, nº2 e 379.º,) do C.P.P; artigos 18.º, 20.º, nº 4 e 32.º todos da Constituição da República Portuguesa; artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

(…)

Deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida por se mostrar inquinada de nulidade, e a sua substituição por outra que aplique ao Recorrente penas únicas mais próximas do limiar mínimo de cada uma das molduras penais em causa - limiar mínimo 3 anos e 6 meses de prisão no caso do cúmulo 1 - proc. 406/15, proc. 712/16, proc.89/16, proc. 20/17 e proc. 123/15 e limiar mínimo 3 anos de prisão quanto ao cúmulo 2 - proc.748/18, proc.272/19, proc. 9/19 e proc. 360/19 -.

*

4. O Ministério Público apresentou  resposta à motivação de recurso interposto pelo arguido AA dizendo em síntese:

1ª Salvo melhor opinião, não assiste razão ao ora recorrente.

2ª Pois, em sede de determinação concreta da pena, o aresto em crise considerou as consequências das sucessivas condutas do arguido e evidenciou as especiais exigências de prevenção geral e especial na determinação concreta da pena, por referência à sua personalidade, gravidade e número das suas condutas ilícitas face ao reduzido lapso temporal em que decorreram.

3ª Face a essas circunstâncias, o Tribunal a quo foi equilibrado ao considerar os fins das penas, designadamente ao sublinhar a erosão dos bens jurídicos na comunidade.

4ª Nesse âmbito, o Tribunal a quo atendeu, convenientemente, ao percurso de vida do ora recorrente, que é pautado por desinvestimento pessoal e com um percurso com registos disciplinares no Estabelecimento Prisional.

 5ª Por conseguinte, Tribunal a quo aplicou penas parcelares ajustadas face aos comandos consagrados nos artigos 40º, 50º, 51º, 52º, 53º, 56º, 71º, 77º e 78º do Código Penal e, concomitantemente, uma pena única em obediência a esses comandos legais, bem como em função dos artigos 18º, 20º, nº 4 e 32º da Constituição da República Portuguesa, como, ainda, o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Por conseguinte, o recurso interposto não deverá de merecer provimento.”

*

5.  Admitido o recurso e remetido a este STJ foi emitido parecer pelo MP nos termos seguintes (aqui em síntese):

(…)

A)-Insuficiência da Fundamentação (arts. 374º/2 e 379º/1-a) do Código do Processo Penal).

(…)  Diz o Ministério Público:

A medida, a minúcia e a natureza da fundamentação é algo que o Legislador Processual-Penal não define.

Nem poderia fazê-lo, não sendo essa a técnica do Direito.

(…)

A decisão de cúmulo jurídico superveniente não é lógica, ontológica e normativamente uma reedição das anteriores decisões condenatórias.

Cumpre uma tarefa bem específica:

A consideração global dos factos cometidos e da personalidade de quem os cometeu, em ordem à definição abrangente e dialéctica da sua situação jurídico-penal, tendo por fim último alcançar a paz jurídica do condenado.

(…)

* Vejamos.

6

O Colectivo fundamentou, assim, no essencial, a medida das penas únicas (para além de descrever o seu percurso de vida, com traços da sua personalidade, e o seu historial criminal, com especial ponderação dos factos-crime que integram os cúmulos):

(…)”

7 Ou seja:

Não o fez recorrendo a apenas a conceitos teórico-doutrinais ou à jurisprudência sobre a matéria:-Cotejou e valorou, de forma dialéctica, as condenações do arguido, nos seus termos e na sua evolução executória, considerando-as autonomamente e na sua relevância à luz do instituto da pena única, de forma a revelar o grau de contribuição de casa uma delas para a entidade unitário que é a pena conjunta.

8

É certo que da decisão sub judice não consta, especificamente, a idade do arguido, mas facilmente se extrai que tem cerca de 32 anos, o que o Colectivo valorou, pois que descreveu tofo o seu percurso de vida (cfr, pág. 06 do Acórdão, quando discorre sobre o período após a relação marital e a paternidade).

9

E mostrando-se, embora, algo exígua – com todo o respeito – o decisivo é, pois, que o Colectivo tenha, claramente, ponderado individual e globalmente cada um dos crimes, no cotejo com a personalidade do arguido.

*

Não padece a decisão “sub judice” do vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pelo que não violou o disposto nos arts. 205º/1 da Constituição da República e 374º/2 do Código do Processo Penal;

Sendo que, aliás, vigorando em matéria recursória atinente a invalidades o modelo da cassação, o recorrente não extrai, sequer, da arguição em causa as devidas consequências processuais.

* B)-Medida das penas únicas.

(…)

Não concorda a recorrente com as sanções que lhe foram aplicadas, que considera excessivas, porque deviam estar maios próximas dos limiares mínimos da cada uma das molduras penais: :

-3 anos e 6 meses de prisão; e

-3 anos de prisão, respectivamente.

(…)

Contrapõe, contudo, o Ministério Público, que as concretas circunstâncias da prática dos crimes, com relevância ao nível da formulação dos juízos de ilicitude e de culpa (que constam dos factos-provados e são ponderadas na douta fundamentação) – valoradas, pois, à luz dos critérios tipológicos previstos nas disposições dos arts. 71º e 77º/1 do Código Penal para a determinação da pena –, permitem a conclusão de que as penas únicas concretamente aplicadas se mostram, adentro das molduras abstractas do concurso, justas e criteriosas (com adequação e proporcionalidade), dando expressão acertada às exigências da prevenção geral e especial – integrada e limitada, aquela, pela moldura da culpa.

3.1 Nomeadamente: A expressiva amplitude   da           moldura              penal    do          concurso;

Algum grau de especialização na actividade criminosa; A idade do arguido, que, não sendo já um adolescente ou um jovem adulto, estaria em condições – assim o quisesse – de procurar abraçar um projecto de vida pessoal e socialmente responsável; Sendo que não colhe que os factos-crime que constituem objecto do cúmulo jurídico assumam a alegada natureza de pequena/média criminalidade, pois que a maior parte são puníveis com prisão de 02 a 08 anos, sendo que, por outro lado, se o arguido tivesse atentado contra a vida, teria sido condenado como homicida.

*

Não violou a douta decisão recorrida o disposto nos arts. 71º e 77º do Código Penal.

(…)

IV Em conclusão:

Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:

Deve o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter em conformidade os termos da decisão recorrida. ”

6. Notificado o recorrente nos termos do artº 417,nº2 do CPP, nada veio dizer.

O DIREITO

7.  O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (artigos 403.º e 412.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação as questões a decidir, propostas pelo recorrente, são as  seguintes:
· Insuficiência de fundamentação.
· Medida das penas únicas.

8.  Mostra-se o presente recurso interposto de acórdão do Tribunal colectivo de 21.11.2022 que efectuou cúmulo jurídico superveniente, proferido pelo Juízo Central Criminal ..., Juiz-..., do Tribunal Judicial ...;

O arguido e ora recorrente foi condenado nas penas únicas sucessivas de 07 anos e 06 meses e de 04 anos e 06 meses de prisão.

Retira-se das conclusões oferecidas que o recorrente pretende discutir o que qualifica de insuficiência de fundamentação do acórdão e a medida das penas unitárias alcançadas, que considera excessivas.

9. Uma nota prévia  importa aqui consignar e que se atém à competência deste Supremo Tribunal para apreciar o recurso também no que toca à pena unitária aplicada inferior a 5 anos de prisão . Consideramos que a deve assumir.

Por um lado, estando perante um acórdão da 1ª instância que aplicou em dois cúmulos sucessivos uma pena unitária   superior a 5 anos de prisão e outra inferior a este limite. Todas as penas parcelares em ambos englobadas  são inferiores  a 5 anos de prisão . O recurso vem diretamente da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (CPP), apenas é admissível o recurso, restrito a matéria de direito, das decisões que apliquem pena de prisão superior a 5 anos. In casu, estamos perante uma pena unitária de  7 anos e 6 meses  de prisão por crimes punidos com penas parcelares inferiores a  5 anos de prisão e noutro com pena unitária de 4 anos e 6 meses.

Sabemos que tem sido entendimento consensual serem admissíveis os recursos em sede de direito para o STJ de decisões que apliquem pena única de prisão superior a 5 anos, ainda que as penas individuais aplicadas a cada crime (que integra o concurso) sejam inferiores. Entendimento que foi sedimentado com o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017 segundo o qual “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo‑lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.”

Por outro lado, estando agora em causa na mesma decisão recorrida também uma outra pena unitária mas inferior a 5 anos de prisão  (i.e. de 4 anos e  6 meses de prisão) poderia perguntar-se se o STJ teria competência para a apreciar nesta parte.

Na verdade como muito bem o referiu, desde logo o Ac. de 16 de fevereiro de 2017 desta 5ª secção proferido no Processo n.° 2118/13.0PBBRG.G1.S1 ( Helena Moniz) –[e cremos que na mesma linha de pensamento, embora o refira de forma mais sintética e,  em parte implicitamente, a pagª 25, o Ac do STJ de 23 de março de 2022, também desta 5ª Secção- da mesma relatora] a competência deve manter-se no STJ.

Tal como nesse Acórdão, proferido no processo n.° 2118/13.0PBBRG.G1.S1, indicado e bem desenvolvido foi por excurso sobre a tipologia e admissibilidade dos diversos recursos para o STJ, para onde remetemos a leitura por economia de esforços, concluíu-se, também aqui em concordância,  que:

“ (…)1.2. Mas o recurso foi igualmente interposto quanto à outra pena única de 3 anos de prisão; trata-se de uma pena única que não é superior a 5 anos de prisão. Ora sabendo que concluímos supra que a regra, nos casos de recurso exclusivamente em matéria de direito, é a de os recursos serem interpostos na Relação — nos casos de penas inferiores a 5 anos —, e no STJ — nos casos de penas superiores a 5 anos — , então o recurso, mesmo que restrito a matéria de direito relativo à pena única aplicada com a duração de 3 anos (portanto, inferior a 5 anos) parece nunca poder ser diretamente interposto para o STJ.

Porém, não podemos esquecer que temos no mesmo processo um recurso abarcando duas penas em que num caso é admissível o recurso direto para o STJ e no outro caso o não é.

Poderíamos começar por considerar que estamos perante uma situação idêntica à que ocorre quando existem diversos processos conexos: nestes casos quando uns processos são da competência de um certo tribunal e outros da competência de outro tribunal determina-se, no art. 27.° do CPP: "Se os processos conexos devessem ser da competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie, é competente para todos o tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada".

Cabe, então, perguntar: ao caso que temos que decidir nestes autos poderá ser aplicada analogicamente aquela regra de conexão estabelecida no art. 27.°, do CPP? (caso em que se teria que concluir que sendo competente o STJ para conhecer do recurso interposto da pena única superior a 5 anos, seria igualmente competente para conhecer do recurso da pena única inferior a 5 anos, ou seja, da pena única de 3 anos, por ser o tribunal de hierarquia mais elevada).

Comecemos por salientar que segundo a regra estabelecida naquela norma "os tribunais de hierarquia diferente são considerados enquanto funcionando como tribunais de l.a instância" (Código de Processo Penal — Comentários e notas práticas de Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 69), isto é, "esta disposição só estabelece a regra da competência dos tribunais enquanto funcionam como tribunais de primeira instância" (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: UCP, 4.a ed., 2011, art. 27.°/ nota 3, p. 108); ou dito de outra forma "a referência da norma a hierarquia não tem que ver com a competência funcional dos tribunais superiores como tribunais de recurso, mas com a competência específica nos casos em que detenham competência material primária — são os casos das competências das relações e do STJ para julgamento em primeira instância (...); [aqui] a competência para o julgamento de todos os agente do crime cabe a este tribunal" (Henriques Gaspar, Código de Processo Penal, Coimbra: Almedina, 2.'1 ed., 2016, art27.°/ nota 2, p. 89; no mesmo sentido ). Ou seja, o disposto naquele art. 27.°, do CPP, não constitui uma regra geral em matéria de conexão; não constituindo uma regra geral que permitisse eventualmente a sua aplicação analógica, nem se referindo aos casos em que se coloca o problema da competência material segundo os poderes de cognição atribuídos a cada tribunal pela lei em sede de recurso, não nos auxilia no problema que temos que resolver. E porque aquela regra não visa regulamentar problemas de conexão de processos em sede de recurso, até porque a conexão dos processos ocorre quando os processos estejam simultaneamente na fase de inquérito, instrução ou julgamento (cf. art. 24.°, n.° 2, do CPP) o que significa que os processos já estão conexionados uma vez chegados à fase de recurso, apenas nos resta verificar se alguma norma em sede de recursos nos resolve o problema.

Ora, em sede de recursos vale o disposto no art. 414.°, n.° 8, do CPP, segundo o qual "Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto." Ou seja, sabendo que o STJ apenas conhece de direito (cf. art. 434.°, do CPP), havendo num mesmo processo recurso quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito é competente o Tribunal da Relação, isto é, aquele que tem poderes de cognição para ambas as matérias. Não se trata aqui de conexionar processos, mas sim de verificar quais as questões que são colocadas ao tribunal ad quem e saber se este tem poderes de cognição para conhecimento de todo o objeto de recurso. Sabendo que os poderes de cognição do STJ estão restritos a matéria de direito, não pode aquele conhecer de matéria de facto, e por isso é atribuído o recurso ao Tribunal que tem ambos os poderes de cognição. E nestes casos, e atentas as regras do art. 400.°, do CPP, ainda pode ser admissível recurso para o STJ ainda que restrito a matéria de direito. Aliás, o art. 432.°, n.° 2, do CPP, que determina expressamente que havendo recurso restrito a matéria de direito não pode haver recurso prévio para a Relação, acaba por ressalvar as situações consagradas no art. 414.°, n.° 8, do CPP, ou seja, aquelas situações em que apesar de haver diversos recursos, uns restritos a matéria de direito e outros abrangendo igualmente a matéria de facto, ainda assim, após a decisão da Relação, aqueles arguidos que haviam interposto apenas recurso restrito a matéria de direito podem recorrer (se assim for permitido de acordo com o disposto nos arts. 432.°, n.° 1, ai. b) e 400.°, ambos do CPP) para o STJ. Todavia, a necessidade de o recurso ser inicialmente da competência da Relação deve-se ao facto de o STJ não ter poderes de cognição em matéria de facto. Ora, não podemos considerar que o STJ não tem poderes de cognição em matéria de direito quando os crimes sejam punidos com penas menores que 5 anos. O que subjaz a esta última limitação não são razões relativas à restrição dos poderes de cognição em razão da matéria, mas razões subjacentes a todo o regime de recursos — a limitação do acesso ao STJ a casos mais graves. E por isso a competência do STJ é bastante restrita.

No entanto, quando toda a decisão da qual se recorre apenas quanto a questões de direito engloba penas graves e menos graves e sabendo que, nos termos do art. 402.°, n.° 1, do CPP, se deve conhecer de toda a decisão (embora o recurso possa ser limitado apenas a parte da decisão, nos termos do art. 403.°, do CPP), no caso o arguido não quis limitar o recurso querendo um recurso que abranja a análise de ambas as penas únicas aplicadas), estando nesta decisão matéria relativa a crimes mais graves deverá o STJ conhecer destes e simultaneamente daqueles outros crimes, ainda que, como no caso dos autos não estejam numa relação de concurso. E isto é assim, pois de outra forma estar-se-ia a modificar toda a estrutura dos recursos em matéria de direito. Na verdade, da análise do disposto no art. 432.°, n.° 1, al. c) e n.° 2, do CPP, conclui-se que a regra é a de uma única via de recurso
restrita a matéria de direito, só excecionalmente admitindo duas vias de recurso em
matéria de direito quando anteriormente se recorreu também de matéria de facto
(assim de acordo com o disposto no art. 432.°, n.° 2, do CPP).

E determinando a remessa dos autos para conhecimento integral da decisão pela Relação ficava inviabilizada a possibilidade de recurso posterior, ainda que restrito a matéria de
direito, para o STJ por força daquele dispositivo. Dito de outro modo: por força do
disposto no art. 432.°, n.° 2, do CPP, qualquer recurso restrito a matéria de direito de
decisão que puna o agente em pena de prisão superior a 5 anos terá que ser um
recurso interposto diretamente para o STJ, com ele subindo os restantes recursos
interpostos por outro ou o mesmo arguido relativo a condenação em pena de prisão
inferior a 5 anos.

(…)

Assim, e no que se reporta aos presentes autos, quer no que respeita ao recurso relativo à medida da pena superior a 5 anos de prisão, quer no recurso relativo à medida da pena inferior a 5 anos de prisão o recurso é apenas de matéria de direito, integrando-se, pois, no âmbito dos poderes de cognição deste STJ.

E a não admissibilidade do recurso da pena única de 3 anos de prisão e a consequente remessa dos autos à Relação determinaria que, sendo a outra pena única de 8 anos de prisão, não haveria mais possibilidade de recurso até ao STJ não só no caso de confirmação da sentença (cf. art. 400.°, n.° 1, al. f), do CPP), mas em qualquer situação atenta a limitação imposta pelo disposto no art. 432.°, n,° 2, do CPP.

Ou seja, valem as mesmas razões expostas anteriormente para que consideremos ser admissível o recurso interposto da pena única superior a 5 anos ainda que as parcelares sejam inferiores, isto é, também aqui ao considerar não ser o STJ competente para conhecer da pena única de 3 anos (inferior a 5 anos) e enviando o recurso para a Relação, não mais poderia haver recurso, restrito a matéria de direito, quanto à pena única superior a 5 anos, por força do disposto no art. 432.°, n.° 2, do CPP:

Assim sendo, e considerando que o STJ é competente para apreciar o recurso interposto quanto à pena única de 8 anos de prisão, deverá igualmente ser competente para apreciar o recurso interposto quanto à pena única de 3 anos de prisão. (…)”

Damos pois, também aqui, como válidos, os argumentos ali indicados e desenvolvidos, por isso será que consideraremos que também deve ser assumida a competência deste STJ quanto ao conhecimento da questão levantada em relação à pena unitária aplicada  inferior  a 5 anos de prisão.

10- Voltando agora ao caso concreto e em abordagem da primeira questão enunciada: a insuficiência de fundamentação.

10.1- Convoca o recorrente, na sua motivação, em síntese, o seguinte argumentário:

(…)

A específica fundamentação da pena única determinada em função da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, na dimensão assinalada supra, também deve ser esclarecedora das razões por que o tribunal alcançou determinada pena única. que obriga a uma especial fundamentação, «só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da “arte” do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário».

In casu, e salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, o tribunal «a quo» não deu cumprimento a essa exigência legal (artigo 77.º do CP) ocorrendo insuficiência da fundamentação da decisão na determinação da medida da(s) pena(s) única(s) a aplicar. Com efeito, a esse respeito o douto acórdão «sub judice» refere:

“Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa e a personalidade do agente (cfr. art. 77º n.1,2ª parte), releva a gravidade relativa dos crimes (variável), o seu número, o lapso de tempo em causa (Verão de 2015 a Janeiro de 2017, no primeiro cúmulo, e Agosto de 2018 a Março de 2019 no segundo cúmulo), a sua natureza (estão sempre em causa crimes de natureza patrimonial, embora numa situação esse relevo patrimonial venha associado também a valores pessoais roubo), e a importância dos bens jurídicos em causa (mormente no roubo, com a sua vertente pessoal). Releva ainda o percurso de vida do arguido, algo desinvestido, e marcado pela prática de outros delitos. Monta também a sua situação no EP (mormente com o registo de sanções disciplinares).”

Salvo melhor e douta opinião, essa fundamentação afigura-se manifestamente insuficiente para justificar a aplicação das penas únicas em questão, não olvidando que a mais elevada das quais ascende a 07 anos e 06 meses de prisão. Não se podendo também desconsiderar a longevidade da outra pena única, de 04 anos e 06 meses de prisão e o facto, significativo, de que, ainda que o percurso de cumprimento de punições do Recorrente se cingisse a tais períodos temporais, sempre estaria perante um período temporal de doze anos.

Deveria o tribunal a quo cuidar de apreciar não só as condições pessoais e económicas do aqui Recorrente, como a sua personalidade por forma a poder ajuizar se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si, bem como o efeito da pena na vida futura do mesmo.

Em parte alguma do texto da decisão recorrida se alude à idade do arguido à data da factualidade em causa nos autos em concurso, impondo-se colmatar essa lacuna nesta sede.

Assim, do cotejo entre a data de nascimento do recorrente (.../.../1990) e as datas da prática dos crimes nos processos que integraram o presente cúmulo jurídico resulta que o recorrente, aquando do cometimento de tais delitos, se encontrava na faixa etária dos 25 aos 30 anos, no início da vida adulta.

os “grupos” de condenações sobre que versa o acórdão recorrido demonstram que os factos perpetrados pelo aqui Recorrente, se encontram bem definidos dentro de um período temporal relativamente curto e não disperso; assim como foram praticados dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido, movido também por comportamentos aditivos;

Factualidade que o tribunal “a quo” errou na valoração e/ou não considerou, de todo, na ponderação da sua decisão,.

O acórdão recorrido não fundamenta, assim, suficientemente, a determinação da(s) pena(s), não assegurando, por isso, a controlabilidade e a racionalidade da medida das mesmas, padecendo da nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379.º, com referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos CPP .

(….)”

10.2- Ora,resulta do texto da decisão recorrida, não uma qualquer evidência de insuficiência mas, tão somente,  uma alusão sintética aos factores tidos como mais relevantes.

A idade do arguido é a conhecida no processo, resulta notório (e está documentado ter nascido a .../.../1990.)

À data da decisão recorrida (Novembro de 2022) tinha 32 anos.

Os factos mais antigos do cúmulo a que foi aplicada pena mais elevada ( 7 anos e 6 meses de prisão) abrangendo os processos 406/15,-712/16- 89/16, -20/17- e 123/15, reportam-se a 1/12/2014- (procº 712/16) ( tinha nessa altura 24 anos) e estenderam-se por um período que terminou a 30/12/2016 (procº 20/17).

Portanto, por cerca de 2 anos. Todos por crimes contra o património (furtos qualificados e burla). E, ainda, todos com penas parcelares  de prisão  situadas entre os 7 meses (procº 20/17)  e os 3 anos e 6 meses de prisão (procº 89/16). Numa moldura abstracta entre 3 anos e 6 meses -crime mais grave, e os 15 anos e 11 meses, em soma material das penas aplicadas).

Num dos casos foi condenado como reincidente em  3 anos de prisão ( proc º 123/15 por factos de 14.2.2015)

Os factos mais antigos respeitantes aos crimes abrangidos no outro cúmulo de que resultou a pena de 4 anos e 6 meses de prisão ocorreram em 28/12/2018-(procº 9/19), tendo o arguido nessa altura 28 anos, e estenderam-se até  10.9.2018  (procº 748/18), portanto por cerca de 9 meses.

Nestes processos abrangidos no segundo cúmulo os crimes foram também de furto qualificado (748/18, 9/19 e 360/19 e de roubo (este, no caso do procº 272/19), tendo sido a pena mais leve a de 6 meses de prisão (procº 9/19) , outra intermédia de 1 ano de prisão (procº 360/19) e a mais grave  de 3 anos de prisão (procºs  2712/19 e 748/1). No dito procº 360/10, por furto qualificado, foi condenado como reincidente, por factos de 29/3/2019.

O tribunal a quo na verdade, referiu :

“Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa e a personalidade do agente (cfr. art. 77º n.1,2ª parte), releva a gravidade relativa dos crimes (variável), o seu número, o lapso de tempo em causa (Verão de 2015 a Janeiro de 2017, no primeiro cúmulo, e Agosto de 2018 a Março de 2019 no segundo cúmulo), a sua natureza (estão sempre em causa crimes de natureza patrimonial, embora numa situação esse relevo patrimonial venha associado também a valores pessoais roubo), e a importância dos bens jurídicos em causa (mormente no roubo, com a sua vertente pessoal). Releva ainda o percurso de vida do arguido, algo desinvestido, e marcado pela prática de outros delitos. Monta também a sua situação no EP (mormente com o registo de sanções disciplinares).”

Ponderou-se assim, ainda que sintética e globalmente, o conjunto de circunstâncias atinentes aos crimes em causa e a personalidade do arguido, a natureza daqueles (patrimonial e, no caso do roubo, pessoal) , o período da sua verificação, a gravidade relativa (variável), o seu número, a importância dos bens jurídicos, o  registo de sanções disciplinares no EP e o percurso de vida do arguido, “(…)algo desinvestido, e marcado pela prática de outros delitos (…)”.

Ou seja, estão identificados os elementos mais relevantes que o tribunal a quo teve em ponderação e que retirou  quer dos factos provados quer, em particular,  do  relatório social.

Faz parte integrante da fundamentação da decisão a descrição precisa dos factos a analisar, pelo que através da leitura atenta de toda a matéria de facto sabemos quais os factos praticados e as circunstâncias em que o foram. Essa matéria é a que foi disponibilizada na narrativa de facto do acórdão e é clara, de apreensão intelectual e leitura fácil e compreensível. Seria despiciendo o tribunal estar na fundamentação das penas únicas a repetir o que já se sabia ter acontecido e provado estava.

Embora no tocante à fundamentação específica de cada pena única que veio a ser aplicada esta se mostra bastante sucinta, como se viu, o certo é que se percebe o percurso decisório do tribunal a quo. Na verdade, tendo de analisar globalmente os factos e a personalidade neles refletida, começou por referir, quanto à globalidade dos factos, que na sua maior parte se tratou de crimes contra o património (furtos qualificados) e não deixando de salientar o crime de roubo; e, perante estes factos globalmente considerados bem como no que respeita à pessoa do arguido, salientou o percurso de desinvestimento revelado também pela prática de outros delitos.

Podia realmente ter ido mais longe, acentuando as exigência de prevenção , nomeadamente as especiais.

Porém, essa conclusão resulta facilmente da  leitura do texto do acórdão revelando-se ali bem à evidência o percurso do arguido quer pelo número de delitos ocorridos entre 2014 e 2019 , dois deles em reincidência, quer do passado criminal até 2014, explicitado no ponto 2-B dos Factos provados:

“ (…)B. Foi ainda condenado:

- por decisão de 19.05.2010, transitada em 08.06.2010 [proc. 842/11 do Tribunal ...], na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, pela prática em 01.10.2008 de um crime de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º2 al. e) do CP.

- por decisão de 18.01.2011, transitada em 28.02.2011 [proc. 153/08 do Tribunal ...], na pena de 250 dias de multa, à taxa de 5 euros, pela prática em 23.12.2008 de um crime de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º1 al. f) do CP.

- por decisão de 09.05.2011, transitada em 24.10.2011 [proc. 761/10 do Tribunal ...], na pena conjunta de 4 anos e 2 meses de prisão, pela prática em 19.05.2010, 19.06.2010 e 22.06.2010 de dois crimes de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.ºº2 al. e) do CP e um crime de roubo.

- por decisão de 08.06.2012, transitada em 08.06.2012 [proc. 1508/08 do Tribunal ...], na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática em 23.11.2008 de um crime de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.º1 al. f) do CP.

Neste processo foram cumuladas as penas aplicadas nos proc. 842/11 e 761/10, tendo sido fixadas duas penas conjuntas, de 3 anos e 3 meses de prisão e de 2 anos de prisão, além da pena de 250 dias de multa.

Beneficiou de liberdade condicional por decisão de 30.06.2014 (até 04.07.2014 pela pena do primeiro cúmulo efectuado, e até 19.02.2016 por referência à pena do segundo cúmulo realizado). Esta liberdade condicional foi depois revogada.

No mesmo proc. 1508/08 a pena de multa foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade por decisão de 14.02.2014 e extinta por prescrição.

 Ou seja, cremos que dos autos resultam os elementos necessários à compreensão suficiente do iter de convicção que esteve na base do sopesar da medida das penas unitárias, ainda que se reconheça, como atrás o dissemos, que o tribunal a quo bem poderia ter ido mais a fundo na explicitação em maior detalhe do seu pensamento.

Os autos contém todos os factores que suportarão a decisão em termos de compreensão adequada dos níveis de prevenção exigíveis bem como a relação entre si mesmos, a natureza e gravidade dos crimes, a sua perduração em tempo, e a tendencialidade do próprio na sua comissão, não sendo de afastar que foi condenado duas vezes como reincidente.

Deste modo consideramos que a fundamentação, mesmo breve e sintética, apresenta os pontos essenciais para a sua aceitação sem que se possa dizer estar-se perante vício ou mesmo nulidade insanável.

Ou seja, se, por um lado, ocorreu uma breve análise da globalidade dos factos a que acresce a remissão para descrição dos factos praticados, por outro lado, considerou-se expressamente no que se refere  ao conjunto dos factos praticados pelo arguido, tratar-se de uma pessoa que revela  um percurso algo desinvestido.

É certo que da decisão em recurso não consta, especificamente, a idade do arguido, mas facilmente se lê quando nasceu,  o que o Colectivo valorou, pois cfr, pág. 06 do Acórdão, ali se discorre sobre o período após a relação marital e a paternidade.

O tribunal recorrido fundamentou, assim, no essencial, a medida das penas únicas para além de descrever o seu percurso de vida, com traços da sua personalidade, o seu historial criminal, com especial ponderação dos factos-crime que integram os cúmulos, enunciou e deu significado ao comportamento do arguido ao mencionar as condenações sofridas e a sua evolução, considerando-as de forma a revelar-se delas o grau de contribuição de cada uma delas para a formação das penas conjuntas.

Não se alcança, pois, que o Colectivo a quo não tenha, com transparência, ponderado individual e globalmente cada um dos crimes, no cotejo com a personalidade do arguido.

Improcede assim a invocada insuficiência de fundamentação.

11. Da medida das penas unitárias

11.1. O segundo plano de impugnação apresentado pelo recorrente atém-se à medida das penas unitárias.

No seu modo de compreensão defende que:

No caso sub judice, podemos classificar os crimes cometidos pelo Recorrente na pequena/média criminalidade, porquanto, na sua quase totalidade, trata-se de crimes que não atentam contra a vida e/ou a integridade física (conta apenas com um crime de roubo), a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade publica (cfr. al. j do artigo 1.º do CPP), nem constitui criminalidade altamente organizada nos termos previstos na al. m) do mesmo preceito legal.

No que em apreço, e no que tange ao grau de ilicitude cremos não ser mais do que mediano, atendendo às particulares circunstâncias de facto in casu, às consequências das mesmas e ao que supra fica dito a respeito da integração jurídica de tal factualidade.

Não desconsideremos as condições pessoais, económicas e sociais do arguido, a precaridade social do meio social em que a infância e juventude do arguido se desenrolaram, e a consequente influência do grupo de pares, assim como o facto dos delitos em causa terem sido praticados dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido, movido também por comportamentos aditivos.

Por outro lado, e no que tange às exigências de prevenção especial e ao juízo de prognose a ponderar nesta sede, particularmente revelante se revela a aproximação à família de origem, nomeadamente o apoio da irmã mais nova e da progenitora, com as suas perspectivas de futuro de retomar a integrar o agregado familiar desta última, e o seu desejo de consolidar os laços afectivos com o filho, afastando-se assim do modo de vida desestruturado, num quadro de dependência aditiva, em que as condutas infractoras ocorreram.

Assim, face ao supra explanado, e salvo o devido respeito – que é muito -impunha-se que o cúmulo jurídico harmonizasse as finalidades punitivas com a almejada reintegração do arguido, o que não o fez, de todo, pelo que se impõe a sua censura.

Assim como, salvo melhor opinião, não efetuou, como devia, uma apreciação global conjunta, dos factos e da personalidade do agente,

Não reapreciou, como exige a lei, as exigências de prevenção geral especial, seja na sua veste positiva seja negativa, nem as de prevenção especial tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.

Deveria o douto tribunal “a quo”, ponderada a ilicitude global do facto, a medida da culpa do recorrente e as exigências de prevenção gerais e especiais, dentro das molduras penais a considerar

- limiar mínimo 3 anos e 6 meses de prisão e limiar máximo 15 anos e 11 meses de prisão (cúmulo 1 - proc. 406/15, proc. 712/16, proc.89/16, proc. 20/17 e proc. 123/15),

- limiar mínimo 3 anos de prisão e limiar máximo 7 anos e 6 meses de prisão (cúmulo 2 - proc.748/18, proc.272/19, proc. 9/19 e proc. 360/19),

Ter fixado penas únicas mais próximas do limiar mínimo de cada uma das molduras penais em encontradas,

Com especial enfoque no que tange ao cúmulo 1, cuja pena única encontrada não deveria ser superior a 05 anos de prisão(…)”

 

11.2- Vejamos então se lhe assiste razão.
Segundo o art. 77.º, n.º 1, d,o Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O artigo 78.º, n.º 1, por sua vez, preceitua que se depois de uma condenação transitada em julgado se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
 A propósito do conhecimento superveniente do concurso o STJ fixou jurisprudência no sentido de que «[o] momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso» (acórdão 9/2016, DR, 1.ª série, n.º 111, de 09.06.2016).
Ou seja,  como a jurisprudência tem vindo a repetir, tendo sido muito bem sublinhado e seguido no acórdão recorrido, é o trânsito em julgado da primeira condenação que fixa o momento a partir do qual se considera que existe o concurso superveniente de penas, devendo então ser englobadas para efeitos de cúmulo jurídico, numa pena única, todas as penas individuais que se reportem a factos anteriores à data do trânsito daquela primeira condenação transitada em julgado (ver ac. do STJ n.º 9/2016, in DR I de 9.06.20164).
Por sua vez, os crimes que tiverem sido praticados depois do trânsito em julgado dessa primeira condenação, consoante os casos, tanto podem integrar outro (ou outros) cúmulo(s) jurídico(s), a sancionar com outra(s) pena(s) única(s), desde que se verifiquem os mesmos pressupostos, como, em caso negativo, terão de ser excluídos, mantendo autonomia.
Portanto, tudo dependendo da verificação dos respetivos pressupostos, podem os crimes subsequentes integrar outros cúmulos jurídicos e, respetivas penas únicas, de execução sucessiva, funcionando, de todo o modo, o trânsito em julgado da condenação respetiva (que funciona como advertência para o condenado levar uma vida conforme ao direito) como elemento determinante de cada grupo de infrações que integra cada “cúmulo jurídico” de penas.
Foi o que sucedeu no caso dos autos.
Por outro lado, e como bem se refere no Ac. deste. STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção,
-“I. A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização”.
 Como ensina Figueiredo Dias [in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 291. ] na escolha da medida da pena única «tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
 Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma ‘carreira’) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».
Ora, as penas em concurso respeitam a crimes nos quais está em causa um conjunto de valores idênticos (patrimoniais e pessoais), mas no qual é possível descortinar uma preocupante indiferença do recorrente.
Muito relevantes se mostram, pois, as necessidades de prevenção especial, evidenciadas ainda pelo passado criminal do recorrente e por isso muito elevadas.
De igual modo face aos valores tutelados nas normas violadas, elevadas são as necessidades de prevenção geral.
Finalmente, como também foi  muito bem explicitado no acórdão em recurso, vem sendo decidido,  cremos que uniformemente, pelo STJ, que não existe obstáculo a que se proceda a cúmulo jurídico entre penas de prisão efetiva e penas de prisão que foram substituídas por outras como v.g. por PTFC, que ainda não estão cumpridas, nem extintas (como sucede neste caso) e como a jurisprudência mais relevante do STJ, que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição (seja sobre a PTFC, seja, por exemplo, sobre a suspensão da execução da pena), mas antes sobre a medida da pena, sendo a substituição da pena de caráter provisório e, portanto, enquanto que não se extingue, está sujeita à clausula rebus sic stantibus.
Ou seja, o caso julgado relativo ao conhecimento superveniente tem um valor rebus sic stantibus, o que significa, que “o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura do concurso.”

12. Ademais, é patente que o arguido tem revelado percurso delitivo desde 2008  (tinha 18 anos à data) e sempre praticamente por crimes contra o património e também por crime de roubo antes dos casos que agora nos ocupam [vid proc. 761/10 do Tribunal ...], na pena conjunta de 4 anos e 2 meses de prisão, pela prática em 19.05.2010, 19.06.2010 e 22.06.2010 de dois crimes de furto qualificado, p. pelos art. 203º n.º1 e 204º n.ºº2 al. e) do CP e um crime de roubo.]

Beneficiou em 2014 de liberdade condicional, que lhe foi revogada entretanto.

Não obstante o contacto havido com a vida de reclusão e o dito benefício da libertação condicional voltou a praticar crimes de que resultou a dupla cumulação sucessiva de penas em apreciação no presente recurso.

Só por aí seria de concluir com certeza elevada a sua falta de vontade em se determinar por uma vida lícita porquanto, é bom de ver, aquela reclusão e condenações não lhe surtiram efeito dissuasor algum.

No entanto, as penas encontradas estão situadas num patamar moldural ligeiramente abaixo da média.

O tempo de actividade criminosa global desde que o arguido começou a praticar delitos dimensionou-se  por cerca de  11 anos (desde 2008 ) e entre 2014 e 2019 no caso dos dois cúmulos  jurídicos que aqui curamos de analisar.

Encontra-se desde logo uma impressiva amplitude da moldura penal dos concursos e até com algum grau de especialização na actividade criminosa bem como  a idade do arguido que, não sendo já um adolescente ou um jovem adulto, estaria em condições – assim o quisesse – de procurar abraçar um projecto de vida pessoal e socialmente responsável como oportunamente o salientou no seu parecer o MPº, neste STJ, já pouco releva em termos de necessidades de prevenção especial positiva face ao seu comportamento anterior delitivo.

Falharam claramente as melhores prognoses positivas de recuperação e integração.

Consequentemente, tendo em atenção os limites máximos e mínimos moldurais de ambos os cúmulos efectuados, partindo-se das penas individuais mais graves e localizados os máximos resultantes das somas materiais das penas parcelares, confrontamo-nos com um caso em que o arguido revela clara tendência criminosa, desprezo e indiferença pelos valores que desrespeitou e manutenção de modo de vida social, laboral e familiar desestruturado, tendo adquirido apenas no EP algumas competências escolares mais relevantes.

Do relatório social, com maior ênfase, avulta uma narrativa  coincidente com um percurso de vida resistente à intervenção de modelos normativos:

“ (…) revelou sinais de irreverência e houve incapacidade dos progenitores imporem um modelo educacional normativo; (…)teve modelos educativos pautados por uma fraca estimulação para o percurso escolar (…); o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade com 17 anos, na sequência de elevado absentismo e desinteresse, sem qualquer motivação para adquirir competências escolares/formativas mais elevadas; (…) no Estabelecimento Prisional ..., concluiu em 2014, por equivalência, o 12º ano de escolaridade; (….) Iniciou actividade profissional por volta dos 18 anos ; (…)com 17 anos autonomizou-se para iniciar uma relação marital, da qual resultou o nascimento do seu único filho, presentemente com 10 anos e que reside com a mãe; (...) aquela relação durou cerca de quatro anos e terminou pouco tempo depois de ser detido pela primeira vez em 2010; (…)Iniciou-se com cerca de 16 anos no consumo de haxixe e de álcool em excesso em contexto de grupo de pares. Indiferente à censura familiar, ocorreu um processo crescente de consumo de cocaína, que revelou dificuldade em abandonar, sendo os capitais que conseguia angariar canalizados em exclusivo para estes consumos;(…)Mantinha um grande afastamento da família, nomeadamente da mãe, subsistindo com recurso a alguns biscates que fazia na construção civil e de proventos não convencionais,(…)Mantinha hábitos regulares de consumo de cocaína, gerindo o seu quotidiano com base nas necessidades de aquisição e consumo, sem conseguir organizar o seu modo de vida Regista vários períodos de distanciamento da sua família de origem, por razões relacionadas com o seu modo de vida desestruturado, tendo em momentos diferentes optado por residir sozinho em quartos arrendados, em espaços devolutos como sem abrigo ou com a irmã, em ..., para onde se deslocou há cerca de 3 anos, como forma de se distanciar do seu grupo de pares, o que nem sempre foi conseguido;(…)Apresentou dificuldade em manter um comportamento adequado no EP, tendo sido alvo de alguns procedimentos disciplinares,(…) Permanece inactivo, estando inscrito em bolsa de trabalho.;(…)Justifica o seu comportamento criminal com o consumo de drogas; (…)”

Ou seja, em fases estruturantes da sua personalidade, o arguido nunca se conseguiu adaptar  a modelos de disciplina e autocontrole e mantém-se centrado em justificações atinentes a consumo de estupefacientes, nada se revelando de concreto acerca da evidência de uma segura eliminação dos mesmos.

Em suma, podemos afirmar que revela ainda personalidade inconsistente, autocentrada, um modo de  funcionamento tendencialmente orientado para a satisfação apenas das suas necessidades, com falha  de capacidade de utilização de pensamento autocrítico e com propensão para a prática de ilícitos criminais, desconforme ao Direito, evidenciada por um trajeto de vida pautado pela prática, essencialmente, de crimes contra o património (normalmente por meio de assaltos a residências ou estabelecimentos comerciais e, nalguns casos, contra pessoas, já com alguma intensidade de violência) pela ausência de consistência  de balizamento por valores normativos e pelo consumo de substâncias estupefacientes, do qual é dependente.

Entendemos, pois, perante o exposto, apesar de elevada exigência de prevenção especial, que o acórdão recorrido enquadrou, quiçá até com alguma benevolência, ainda assim, abaixo do limite médio moldural, as penas unitárias , por isso que se deverão confirmar nos seus precisos termos.

Deverá efectuar-se ainda, oportunamente, na 1ª instância, em execução das penas de prisão aplicadas, o desconto de medidas processuais eventualmente sofridas nos diferentes processos abrangidos nos cúmulos efectuados, nos termos do artº80º do Código Penal.

Improcede pois em toda a linha o recurso do arguido.

13. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes na 5ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso do arguido.

Taxa de justiça criminal a seu cargo e que se fixa em 7 UC nos termos do RCP-Tabela III (artigos 513º nº 1, 514º nº 1, estes do CPP e 8º nº 9 da referida tabela)

Supremo Tribunal de Justiça, 27 .04. 2023

[Texto Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos].

Agostinho Soares Torres  (Juiz Conselheiro Relator)

António Latas  (Juiz Conselheiro Adjunto)

José Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro Adjunto)

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[1] Nestes critérios, existe ainda uma solução variada, conforme se incluam no cúmulo todos os crimes (penas) anteriores ao trânsito em julgado relevante ou apenas aqueles que se situem, na sequência temporal de condenações, antes da primeira condenação por factos posteriores ao trânsito em julgado relevante (e ainda que após esta condenação existam outras condenações por factos anteriores ao primeiro trânsito em julgado): neste caso, esta condenação iria interromper a sequência de penas a incluir no cúmulo. Este segundo sub-critério contraria a ratio do cúmulo de penas supervenientes, e por isso não se adopta.