Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2970/19.6YRLSB-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
OFENSA DO CASO JULGADO
CONSTITUCIONALIDADE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário : I. - O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado constantemente o art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, no sentido de que a regra de que não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação proferido sobre decisão arbitral só é derrogada desde que o recurso seja sempre admissível, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2,. do Código de Processo Civil
II. - Quando o acórdão recorrido se tenha pronunciado exclusivamente sobre a questão do caso julgado, o recurso de revista não poderá ter como fundamento específico as situações previstas nas demais alíneas do art. 629.º, n.º 2 — designadamente, a violação das regras de competência em razão da matéria
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

  1. Zentiva K.S. e Zentiva Portugal, Limitada, vêm apresentar reclamação do despacho da Exma. Senhora Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 9 de Janeiro de 2020.

 2. O despacho impugnado é do seguinte teor:

1. ZENTIVA K.S. e ZENTIVA PORTUGAL, LDA, vieram interpor recurso! de revista do acórdão desta Relação proferido em recurso interposto de decisão do tribunal arbitral constituído na vigência e nos termos da Lei 62/2011, que rege quanto à composição extrajudicial dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial em que estejam em causa medicamentos de referência e genéricos.

Alegou, em síntese, quanto à admissibilidade do recurso, que, tendo o acórdão decidido sobre matéria relevante quanto à competência material do tribunal, sempre seria admissível revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 629.5, n.o 2, alínea a), do CPCivil.

Concretamente, refere:

Ao concluir que o Despacho n.s 8 impedia o Tribunal Arbitral - e que também impedia, consequentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto órgão de recurso - de apreciar a defesa por excepção fundada na nulidade do certificado complementar de protecção da patente, o acórdão recorrido decidiu sobre a questão relativa à competência material dos tribunais arbitrais constituídos ò luz da Lei n.? 62/2011, de 12 de Dezembro.

Nas suas contra-alegações, a GILEAD SCIENCES, INC. defendeu que o acórdão não decidiu sobre a matéria da competência material do tribunal, antes expressamente referiu que lhe estava vedado dela conhecer.     ;

Concluiu que, não sendo o caso passível de integração na previsão do artigo 629.2, n.a 2, está vedada a revista pelo disposto no artigo 3.2, n.s 7, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro (Litígios emergentes de Direitos De Propriedade Industrial - Medicamentos De Referência/Genéricos).

2. Não está em causa nem a tempestividade nem a legitimidade das Recorrentes, sendo apenas controversa a questão da admissibilidade do recurso.

Quanto a ela, no âmbito em causa, o dos litígios relativos a propriedade industrial entre medicamentos de referência e medicamentos genéricos, a doutrina e a jurisprudência têm-se pronunciado amiudadas vezes, estando em causa a norma do artigo 3.9, n.9 7, que pode ser interpretada segundo três linhas de orientação dominantes. São elas:

a) Está previsto apenas um grau de recurso da decisão arbitral para o Tribunal de Relação competente, estando vedado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Apenas é admissível a revista excepcional.

b) Está previsto apenas um grau de recurso, sem prejuízo dos casos em que no regime processual geral é sempre admissível recurso da decisão das Relações, nos termos do artigo 629.e, do CPCivil. Apenas são admissíveis a revista excepcional e a revista normal atípica ou extraordinária.

c) A norma limita-se a estatuir a admissibilidade de recurso da decisão
arbitral para a Relação, regendo após as normas processuais civis gerais quanto à admissibilidade da revista. São admitidas as modalidades de revista normal, normal atípica e excepcional.

3. Apreciando as indicadas orientações.

3.1. A primeira posição louva-se no teor da norma do artigo 3.9, n.s 7, interpretada à luz da exposição de motivos da proposta de Lei 13/XII que esteve na origem da Lei 62/2011 onde se lê:

Adopta-se, ainda, uma tramitação consentânea com a preocupação de celeridade, com garantia pelo devido contraditório das partes, bem como o direito a uma instância de recurso, fixando-se o efeito meramente devolutivo do mesmo, de modo a manter os efeitos da decisão arbitral até à decisão que sobre o mesmo recair.

Não encontrámos jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que sufrague esta posição.

3.2. A segunda orientação nega a possibilidade de revista normal:

a) Pelos indícios colhidos do elemento gramatical de interpretação recolhido do texto da norma - da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente - que expressamente refere o recurso para a Relação e não o recurso amplo para os tribunais estaduais;

b) Pelo elemento histórico constituído pela mencionada exposição de motivos da proposta de iei;

c) Pelo elemento sistemático que recolhe, como indicado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017, proferido no processo 17/15.0YRLSB.S1 (António Piçarra), das normas que sobre recursos regem no Código da Propriedade Industrial ou na Lei da Arbitragem Voluntária:

Com efeito, o n.$ 3 do artigo 46.? do Código da Propriedade industrial - em cujo regime substantivo se buscaria, em parte, a solução para o caso em apreço - prevê que «Do acórdão do Tribunal da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível»[15j, fixando, assim, a Relação como normal tecto recursórío para o recurso, de plena jurisdição, previsto no artigo 39.º desse Código, tendo por objecto a impugnação das decisões que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial.

Por outro lado, a alínea g) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro[16]), define como tribunal judicial competente para conhecer das específicas questões ou decisões arbitrais aí referidas, relativas a litígios pertencentes ò respectiva jurisdição, a Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem, atrlbuindo-lhe «o grosso das questões e decisões que devem ser sujeitas (em 1ª ou 2ª instância) aos tribunais judiciais»[17j e o n.2 8 do mesmo preceito que estatui sobre o recurso dessas decisões salvaguarda, na parte final, sempre «que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa».

Esta linha hermenêutica pondera ainda que a norma do artigo 3.2, n.9 7, enuncia uma restrição da recorribilidade das decisões arbitrais em sede de arbitragem necessária estabelecida para litígios emergentes de direitos da propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e genéricos, mas que essa restrição não é aplicável nos casos em que o recurso de acórdãos das Relações são sempre admissíveis, ou seja, nos casos do artigo 629.9, n.° 2, do CPC.

A posição vem exposta exaustivamente no acórdão de STJ de 23 de Junho de 2016, proferido no processo 1248/14.6YRLSB.S1 (Lopes do Rego), sendo a específica matéria em apreciação no acórdão a da contradição de decisões da Relação.

E a decisão pela recorribilidade funda-se na consideração de que se pode considerar como princípio geral do direito processual a admissibilidade de recurso quando se destine a resolver conflitos jurisprudenciais.

Diz-se no acórdão:

Pode, aliás, considerar-se como princípio geral subjacente ao nosso actual ordenamento adjectivo a existência de um específico mecanismo recursório que - mesmo em matérias que, pela sua natureza, não comportem a possibilidade de acesso ao STJ - se destine a suprir ou resolver conflitos jurisprudenciais que, sem ele, se poderiam eternizar.

Esta posição é sufragada pela maioria da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos acórdãos de 12 de Setembro de 2019, proferido no processo 222/18.8YRLSB.S1 (Oliveira Abreu) de 15 de Março de 2018, proferido no processo 1503/16.0YRLSB.S1 (Hélder Almeida), de 23 de Junho de 2016, de 2 de Fevereiro de 2017, proferido no processo 393/15.5YRLSB.S1 (Olindo Geraldes), ou de 10 de Dezembro de 2019, proferido no processo 1849/17.0YRLSB.S2 (Oliveira Abreu), para além dos acima citados.

3.3. A terceira posição pondera que o artigo 3.2, n.e 7, da Lei 62/2011, deve ser interpretado no contexto que lhe deu origem, a saber, a sucessiva pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a conformidade dos regimes de arbitrabilidade necessária com a lei fundamental se encontrar indissociavelmente ligada à admissibilidade de recurso para os tribunais estaduais, o que justificaria a menção do artigo 3.5, n.e 7, de pendor afirmativo mais do que limitativo da possibilidade de recurso.

Nesse sentido e mais decisivamente, a interpretação decorrente da aplicação subsidiária da lei da arbitragem voluntária estatuída pelo n.9 8 da norma:

Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime gerai da arbitragem voluntária.

Esta norma determina a aplicabilidade da do artigo 59.9, n.e 8 da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária - LAV), com o seguinte teor:

Salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo [tribunais estaduais], de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.

Ora, defende esta orientação, se assim é quanto a decisões arbitrais proferidas no âmbito da arbitragem voluntária com regime restrito de recorribilidade, mais o deve ser em sede de arbitragem necessária, cuja constitucionalidade anda de par com o regime de recorribilidade.

No sentido da recorribilidade, embora sem que a natureza da expressão (voto de vencida) permitisse enunciação da motivação, pronuncia-se a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza no acórdão 393 supra.

4. No sentido da jurisprudência maioritária se pronuncia Evaristo Mendes (cf. http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo Menses Patentes de medicamentos- Instancias de recurso na arbirtragem necessária ao abrigo da Lei 62-2011.pdf):

Incidentalmente Sofia Ribeiro Mendes refere a Relação como instância de recurso, sem indicar outra (cf. O Novo Regime da Arbitragem Necessária de Litígios Relativos a Medicamentos de Referência e Genéricos, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, p. 1028, ponto 3).

O Professor Dário Moura Vicente parece pressupor a Relação como a instância de recurso, embora não trate especificamente a matéria em O Regime Especial de Resolução de Conflitos em matéria de patentes, ROA, Ano 72, Vol. Ill, p. 976 e 985)

5. Apreciando, adiantamos que seguimos a posição intermédia referida no ponto 3.

No que se refere à restrição do recurso para a Relação, por um lado, porque a
ampla recorribilidade das decisões arbitrais necessárias proferidas no âmbito da Lei n.º 62/2011, choca com a declaração expressa do legislador na exposição de motivos que se refere a apenas um grau de recurso; por outro, porque todo o diploma é perpassado por uma necessidade de agilidade e celeridade processual incompatível com a multiplicação das instâncias de recurso.

No que tem que ver com a admissibilidade da revista normal atípica ou extraordinária, ou seja, aquela que é sempre admissível independentemente dos pressupostos gerais do valor e da sucumbência, porque concordamos com a enunciação do acórdão 1248 de um princípio geral de recorribilidade em tais situações limite que confrontam o sistema jurídico com a sua própria contradição ou que colocam as partes em outros "becos sem saída" como é o caso da decisão quanto ao valor.

Com o que concluímos pela admissibilidade do recurso, verificando-se as situações de apreciação da competência absoluta, de ofensa de caso julgado, de valor pressuposto do recurso, de oposição de julgado ou de contradição de jurisprudência uniformizada.

6. Apreciando a situação concreta que concitou estas considerações.

6.1. A Recorrente defende que a decisão que impugna se pronunciou sobre a competência material do tribunal arbitral (e do tribunal de recurso) e a Recorrida entende que a mesma decisão se limitou a afirmar a impossibilidade de conhecer da competência material do tribunal arbitral por considerar formado caso julgado formal anterior.

6.2. O acórdão desta Relação que se pretende impugnar nada decidiu a respeito da competência material do tribuna! arbitral ou da própria Relação. O acórdão antes decidiu que a decisão arbitral recorrida era nula por violação de caso julgado anterior formado pela prolação de decisão sobre a competência material do tribuna! arbitral.

O recurso incidia também sobre o mérito da decisão na parte que havia considerado o tribunal arbitral competente para conhecer da invalidade do CCP, tendo sido considerado prejudicado tal conhecimento.

Entende-se que tal não basta para que se considere que a decisão incidiu sobre a competência material do tribunal arbitral, ao menos implicitamente.

Tendo em atenção que a norma que amplia a recorribilidade apenas pode servir para confrontar o Tribunal Superior com a discussão da matéria em causa, ficando excluídas outras questões que são submetidas à regra geral (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.2 edição, Almedina 2018, p. 48), o critério para a admissibilidade do recurso será o de a impugnação possibilitar ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento da matéria relativa à competência.

Ora, o presente recurso não permite tal. Como bem se evidencia das alegações de recurso, como sublinha a Recorrida. O recurso apenas permite a reapreciação do decidido quanto à nulidade da decisão arbitral.

Consideramos por isso que o recurso em causa se não inscreve no disposto no artigo 629.º, n.5 2, alínea a), 2.ª parte, do Código de Processo Civil, não se verificando essa causa de admissibilidade.

6.3. Porque a decisão incide sobre o caso julgado como pressuposto da nulidade, interessa ainda abordar a possibilidade de integração do artigo 629.5, n.2, alínea a), ll. parte, do Código de Processo Civii: ofensa de caso julgado.

Refere Abrantes Geraldes (cf. op. cit. p. 50) quanto a tal que, nestas situações, a admissibilidade excecional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a exceção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a "ofensa" do caso julgado já constituído (…).

Não é este o caso de decisão que apenas tem o caso julgado como pressuposto.

Também por aqui se não encontra fundamento para a admissibilidade da revista normal atípica.

7. Por todo o exposto, não se admite o recurso interposto. […]

3. Inconformadas, as Reclamantes Zentiva K.S. e Zentiva Portugal, Limitada, fundamentaram a sua reclamação em dois argumentos:

  I. — Em primeiro lugar, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa teria apreciado indirectamente a questão da violação das regras de competência em razão da matéria.

   Em consequência, o recurso seria admissível ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a), segunda alternativa, do Código de Processo Civil.

 II. — Em segundo lugar, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa teria apreciado directamente a questão da ofensa de caso julgado.

   Em consequência, o recurso seria admissível ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a), terceira alternativa do Código de Processo Civil.

  4. A Reclamada Gilead Sciences, Inc., respondeu pugnando pelo indeferimento da reclamação.

 5. Em 27 de Outubro de 2020, foi proferido despacho que indeferiu a reclamação.

 6. Inconformada, a Reclamante requer que sobre a matéria da reclamação recaísse acórdão, ao abrigo dos arts. 643.º, n.º 4, e 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

 7. O requerimento apresentado é do seguinte teor:

I. ENQUADRAMENTO PRÉVIO DA DECISÃO RECLAMADA

1. Antes de tudo o mais, importa alertar a conferência da 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça para a natureza particularmente anómala de toda a tramitação dos autos cautelares que deram causa à presente reclamação.

2. Com efeito, jamais estaríamos colocados perante este incidente processual se o Tribunal Arbitral – ou melhor, o seu Presidente – não tivesse proferido uma decisão insólita e ilegal, no sentido de que um recurso de constitucionalidade interposto de um despacho saneador não impediria a continuação da marcha do processo arbitral, apesar de o artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional (de ora em diante, apenas designada por LTC).

3. Deve frisar-se, perante o Supremo Tribunal de Justiça, que, caso a lei tivesse sido efetivamente aplicada, o despacho saneador – relativamente ao qual a Recorrente fundou o seu recurso da decisão arbitral favorável às ora Recorridas e que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou como produtor de força de caso julgado – nunca teria produzido quaisquer efeitos.

4. Com efeito, o despacho saneador (cfr. Despacho n.º 8) foi proferido pelo Tribunal Arbitral em 28 de Julho de 2017.

5. Porém, foi imediata e tempestivamente, em 02 de agosto de 2017, alvo de recurso para o Tribunal Constitucional, por parte das Recorridas (ora Reclamantes), o que determinou a sua suspensão automática, ope legis”, por força do artigo 78.º, n.º 4, da LTC.

6. Por conseguinte, o referido despacho saneador (cfr. Despacho n.º 8) não produziu – nem nunca poderia produzir – qualquer força de caso julgado, visto que os seus efeitos ficaram suspensos, ex lege”, e continuam, ainda, suspensos, por ainda não ter sido proferida decisão pelo Tribunal Constitucional.

7. A circunstância de o Tribunal Arbitral ter decidido – erradamente e em flagrante violação da lei (cfr. artigo 78.º, n.º 4, da LTC – prosseguir a marcha do processo, ao ponto de ter realizado audiência de julgamento e de ter proferido acórdão arbitral final (que, aliás, acabou por ser favorável às Recorridas, ora Reclamantes), resultou, assim, de uma tramitação anómala do processo arbitral, que não aguardou pela decisão do Tribunal Constitucional sobre o recurso de constitucionalidade que suspendeu aquele despacho saneador.

8. Por conseguinte, não podia o Tribunal da Relação de Lisboa ter entendido que houve violação de caso julgado, visto que o despacho saneador (cfr. Despacho n.º 8) ainda nem sequer transitou, por aguardar decisão do Tribunal Constitucional.

9. Obviamente, caso o Tribunal Constitucional vier a declarar inconstitucional a interpretação extraída de uma interpretação normativa que, recusando o conhecimento sobre a nulidade de patentes pelos tribunais arbitrais, contrariava (e contraria) a jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão n.º 251/2017, da 1ª Secção, proferido em 24 de maio de 2017).

10. Aliás, tanto contraria essa jurisprudência que o próprio legislador decidiu alterar a Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, através do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, de modo a que o n.º 3 do artigo 3.º passasse a determinar, expressamente, que é admissível invocar, em sede de defesa por excepção, a nulidade de uma patente ou respetivo certificado complementar de proteção, desde que inter partes”.

11. Em suma, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, fundando-se na (pretensa) existência de caso julgado, reverteu o acórdão arbitral favorável às Recorridas (ora Reclamantes) incorreu em flagrante erro de Direito, visto que não é verdade que o despacho saneador goze de força de caso julgado, na medida em que dele foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ainda não transitado em julgado.

12. Assim sendo, logo que o Tribunal Constitucional reafirme a sua jurisprudência consolidadada (verbi gratia, a que resulta do Acórdão n.º 251/2017), o despacho saneador será alvo de reforma, com a sua consequente revogação.

13. Significa isto que, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos processuais, o acórdão arbitral entretanto proferido – ainda que indevidamente, visto que os autos deveriam ter ficado suspensos até prolação de decisão do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 78.º, n.º 4, da LTC – acabaria por ser mantido, visto que não se encontrava vinculado ao teor da decisão (errada e inconstitucional) tomada pela maioria dos Juízes-Árbitros, em sede de despacho saneador.

14. Ora, o que não pode suceder – pois tal configuraria uma violação do direito fundamental das Recorridas (ora Reclamadas) à tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) – é que aquelas viessem a ser condenadas pela simples circunstância de se vir a entender – contra a Constituição e contra o artigo 3.º, n.º 3, da redação atual da Lei n.º 62/2011 – que não seria possível invocar e conhecer da nulidade de uma patente ou do respetivo certificado complementar de proteção.

Portanto, vejamos:

15. A reclamação incidiu sobre despacho que não admitiu recurso para o Supremo Tribunal de acórdão que, na sequência de recurso da Recorrente, declarou a nulidade de acórdão arbitral proferido por colectivo de árbitros constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que havia negado provimento a pedido de condenação das originariamente Recorridas (e ora Reclamantes) a não comercializarem um medicamento genérico composto por tenofovir disoproxil e por emtricitabina.

16. Nos termos do recurso de apelação interposto, pretendia-se que fosse declarada a nulidade do referido acórdão arbitral por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional e do caso julgado, ao abrigo dos artigos 613.º n.º 1 e 3 e 619.º nº 1 do CPC” (sic).

17. Isto porque, em 28 de Julho de 2017, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho saneador (isto é, o Despacho n.º 8), de natureza meramente interlocutória, nos termos do qual se pronunciou sobre a defesa por exceção, fundada na nulidade de certificado complementar de proteção de patente já expirada, concluindo o seguinte:

«5. A competência exclusiva para declarar a nulidade de patente, logo, também do CCP a que serve de base, é do Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos dos artºs 35º, nº 1, do CPA, artºs 15º, nº 2, e 19, nº 1, do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, e art.º 111º, nº 1, alínea c), da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto). Permitir que, por via incidenteal, e em instância arbitral, como são as instituídas ao abrigo da Lei 62/2011, de 12 de dezembro, se decida, para o caso sub judice”, da validade de uma patente, viola o exclusivo legal de competências supra referido, fundado na indispensabilidade de a certeza e segurança jurídicas, de par com a garantia de que todos os agentes económicos interessados estarão perante a patente em condições de igualdade, serem asseguradas por decisão erga omnes”, proferida por tribunal judicial, em ação para o efeito intentada. Tal exclusivo não impede que, em arbitragem necessária, como a dos presentes autos, seja requerida a suspensão da instância, que este tribunal entende lícita, até que este decidida a questão da validade da patente, que, antes ou no curso da ação arbitral, tenha sido suscitada na sede doméstica para o efeito competente – o Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do referido artº 111.º, n.º 1, alínea c). O que as demandadas não fizeram.

6. Vai, assim, indeferida a sua pretensão de que este tribunal declare a invalidade do CCP 202, gozando a demandante da presunção estabelecida no art.º 4º, nº 2, do CPI.»

18. O referido Despacho n.º 8 apenas foi proferido por maioria, tendo tido o voto contrário do árbitro Prof. Doutor Dário Moura Vicente.

19. Sucede que, em 2016, já havia sido instaurada ação para declaração de nulidade do referido CCP n.º 202, no Tribunal de Propriedade Industrial, que ali correu termos e que foi concluída com a declaração de nulidade erga omnes” do referido certificado complementar de proteção, posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, como aliás, reconhece o acórdão recorrido, ao aditar o seguinte tópico à matéria dada como provada:

«SSSS – Foi proferida sentença pelo Tribunal da Propriedade Industrial que anulou, ao abrigo do disposto no art. 15º, 1, a) e 3º, a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, o Certificado Complementar de Proteção, a qual foi confirmada por esta Relação por acórdão datado de 28 de Novembro de 2019.» (cfr. p. 20/60 do acórdão recorrido)

20. Acresce que o Despacho n.º 8 ainda não transitou em julgado e não produz quaisquer efeitos jurídicos, até lá, na medida que dele foi interposto, em tempo (isto é, no já longínquo dia 02 de Agosto de 2017), recurso para o Tribunal Constitucional – quer pelas Recorridas (ora, Reclamantes) quer também pelo Ministério Público, a título obrigatório, por contrariar jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional –, com efeito suspensivo, nos termos do artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional.

21. Lamentavelmente, porém, depois de várias vicissitudes (incluindo a cessação de funções da Relatora junto do Tribunal Constitucional), até à data, ainda não foi proferido acórdão sobre aquele recurso de constitucionalidade.

22. Tendo em conta o disposto no artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, o processo arbitral deveria ter ficado suspenso, aguardando a decisão do Tribunal Constitucional sobre o recurso interposto; em especial, quando já existia jurisprudência consolidada naquele tribunal, no sentido da inconstitucionalidade da interpretação normativa que impedia o conhecimento sobre a nulidade de patentes pelos tribunais arbitrais (cfr. Acórdão n.º 251/2017, da 1ª Secção, proferido em 24 de maio de 2017).

23. Porém, o Tribunal Arbitral, através do Despacho n.º 11, proferido pelo respetivo Presidente, em 25 de Outubro de 2017, considerou – na perspetiva das Recorridas (ora Reclamantes), erradamente – que o recurso de constitucionalidade, interposto em 02 de Agosto de 2017, apesar de dispor de efeito suspensivo sobre a decisão a proferir, não suspenderia a marcha do processo (?!?), pelo que determinou a extração de traslado, fazendo-o subir ao Tribunal Constitucional.

24. Essa decisão foi (e é) incompreensível, pois constitui uma violação gritante do artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, que determina o efeito suspensivo dos recursos para o Tribunal Constitucional de toda a tramitação do processo.

25. Não pode, em simultâneo, afirmar-se que um recurso de constitucionalidade suspende a decisão proferida – ainda por cima, um despacho saneador que aplica normas já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional – e, ao mesmo tempo, entender-se que a marcha do processo deve prosseguir (!).

26. Porém, apesar dessa flagrante violação do artigo 78.º, n.º 4, da LTC, desde essa subida, a acção arbitral (e o respetivo incidente cautelar) tem tramitado normalmente, tendo sido realizada audiência de julgamento e tendo sido proferido acórdão final, favorável às Recorridas (ora Reclamantes), que foi agora (surpreendentemente) revogado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

27. Entretanto, o referido Despacho n.º 8 foi sendo sucessivamente complementado, quer pelo Despacho n.º 13, quer pelo Despacho n.º 15.

28. Em especial, o Despacho n.º 8, que fixava o Guião de Prova, foi alvo de reclamação por parte das Recorridas (ora Reclamantes), por requerimento apresentado no dia 11 de Setembro de 2017, nos termos do qual as mesmas salientaram a subsistência de um recurso de constitucionalidade que poderia alterar o sentido da decisão interlocutória tomada e requereram o aditamento de vários pontos ao referido Guião de Prova.

29. Ora, através do Despacho n.º 15, proferido em 03 de Janeiro de 2018, o Tribunal Arbitral validou esse entendimento das Recorridas (ora Reclamantes), determinando o aditamento de vários pontos ao Guião de Prova, com o seguinte fundamento:

«14. Considerando que pode vir a ter provimento o recurso interposto pela demandada e pelo MP para o Tribunal Constitucional e o aditamento ao guião de prova dos factos relativos à validade do CCP dos autos referido no despacho nº 8, formulam-se os seguintes factos controvertidos, a acrescentar ao guião de prova, imediatamente a seguir ao facto 21: (…)»

30. Em suma, ainda se encontra pendente um recurso de constitucionalidade relativo ao Despacho n.º 8, que constituiu fundamento para o acórdão ora recorrido afirmar a nulidade do acórdão arbitral proferido em 29 de Abril de 2019.

31. Para boa decisão da questão controvertida em apreço nos presente autos, não pode deixar de começar por ter-se em consideração que:

1.º) Em bom rigor, os autos arbitrais deveriam ter ficado suspensos, desde a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, em 02 de Agosto de 2017, e até que este proferisse decisão sobre o mesmo;

2.º) O prosseguimento da tramitação dos autos arbitrais foi anómalo e contrário ao artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, tendo as ora Reclamantes impugnado essa decisão, que viria a ser confirmada pelo tribunal arbitral;

3.º) O acórdão revogado pelo Tribunal da Relação de Lisboa não contraria um despacho definitivo e vinculativo, na medida em que o mesmo não produz quaisquer efeitos jurídicos, nos termos do artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, desde que dele foi interposto recurso de constitucionalidade, pois o mesmo assume efeito suspensivo.

II.   DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

▪VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

32. Ao concluir que o Despacho n.º 8 impedia o Tribunal Arbitral – e que também impedia, consequentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto órgão de recurso – de apreciar a defesa por excepção fundada na nulidade do certificado complementar de protecção da patente, o acórdão recorrido decidiu sobre a questão relativa à competência material dos tribunais arbitrais constituídos à luz da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro.

33. E também decidiu sobre alegada ofensa do acórdão arbitral a caso julgado, por entender que o referido Despacho n.º 8 assumiria essa mesma força.

34. Razões pelas quais o recurso atípico para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível, ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), 2ª parte e in fine, do CPC.

35. Tanto assim é que, várias vezes, o acórdão recorrido afirma não poder conhecer da questão da nulidade da patente, por estar vinculado pela decisão (sujeita a recurso com efeito suspensivo e, portanto, não transitada em julgado) proferida pelo Despacho n.º 8, aplicando, precisamente, essa ratio decidendi”.

Senão, vejamos:

36. Logo quando apreciou o pedido subsidiário, constante do recurso da Recorrida, no sentido de revogar o acórdão arbitral, com fundamento na (alegada) falta de competência material para conhecer da nulidade de certificado complementar de patente, o acórdão recorrido decidiu o seguinte:

«Esta questão foi suscitada e tem sentido na improcedência da anterior, pelo que se encontra prejudicado o seu conhecimento.» (cfr. § 6., fls. 33/60 e 34/60, do acórdão recorrido)

37. Isto é, o acórdão recorrido entende que nem sequer precisa de apreciar o pedido subsidiário da Recorrida, visto que, a propósito da nulidade do acórdão arbitral, por (pretensa) violação de despacho saneador, já teria concluído pela inadmissibilidade de conhecimento de defesa por excepção fundada na nulidade de certificado complementar de patente.

38. Mas, ainda assim, mais adiante, não deixa de demonstrar que, mediante aplicação do Despacho n.º 8 (ainda que aquele permaneça sujeito a recurso com efeito suspensivo e, portanto, não tenha transitado em julgado), não conhece da defesa por excepção fundada na nulidade de certificado complementar de patente, sendo que tal seria decisivo para a boa decisão da causa.

39. É o que sucede, por exemplo, no § 9.2. (a fls. 36/60), quando, a propósito de um pedido de alteração da matéria de facto dada como provada, relativa à nulidade do certificado complementar de protecção, o acórdão recorrido recusa alterar essa matéria, por considerar que a alteração seria irrelevante, face à nova decisão de considerar inadmissível a apreciação da defesa de excepção fundada na nulidade do certificado complementar de protecção de patente:

«9.2. Tal reapreciação é suscitada para fundar a apreciação da validade do CCP, como resulta claro da consideração da matéria de facto em causa e das alegações das partes, sendo aliás apresentada subsidiariamente para o caso de não ser declarada a nulidade da sentença na parte em que aprecia da validade do CCP202.

Assim sendo, a apreciação de tal matéria está prejudicada, sendo ademais irrelevante face à impossibilidade de reapreciação da validade do CCP202 fora do âmbito das consequências do recurso interposto, nomeadamente face à impossibilidade de a Relação se pronunciar sobre a matéria no presente recurso.» (cfr. § 9.2., fls. 36/60, com sublinhado nosso)

40. Ou, ainda, quando afirma:

«O âmbito de protecção da patente base, a EP´894, não é convocado nesta análise, uma vez que apenas o poderia ser em sede de apreciação da validade do CCP 202, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do RegCCP. A correspondência entre a abrangência do CCP e a patente base, no caso, quanto à questão de saber se a reivindicação 27 supra mecnionada é idónea à inclusão da emtricitabina como outro ingrediente terapêutico descrito de forma funcional e não estrutural, não está em causa nesta decisão, repete-se.» (cfr. fls. 39/60 do acórdão recorrido, com sublinhado nosso)

41. Ou seja, o acórdão recorrido apenas não apreciou a questão da nulidade do CCP n.º 202, de modo explícito. Mas fê-lo implicitamente (!).

42. Assim é porque concluiu, simplesmente, no sentido da incompetência material do tribunal arbitral (e, consequentemente, de si próprio) para conhecer dessa defesa por excepção.

43. Como é evidente, ao entender que o Despacho n.º 8 – que decidiu sobre a competência material – impedia o Tribunal Arbitral de, em sede de acórdão final, conhecer da nulidade da patente, invocada a título de exceção, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa aplicou, de modo efetivo, uma decisão no sentido da incompetência material dos tribunais arbitrais (e dos respetivos tribunais de recurso) para conhecer da nulidade de patentes ou de certificados complementares de proteção.

44. O princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio pro actione” impõem (e impunham) que a Exma. Senhora Juíza-Relatora não se tivesse refugiado numa mera interpretação textual do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), 2ª parte, do CPC, já que, para qualquer observador médio, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, efetivamente, sobre a questão da competência material dos tribunais arbitrais.

45. Tanto assim é que a consequência jurídico-processual daquele acórdão é determinar a revogação do acórdão arbitral, proferido em 29 de abril de 2019, considerando que aquele Tribunal Arbitral não dispunha de competência material para conhecer da nulidade do certificado complementar de proteção, invocada mediante defesa por excepção.

46. Não pode, portanto, estar-se a brincar” com as palavras.

47. Isto é, a procurar refúgio num mero formalismo, para se escapar ao evidente: o acórdão recorrido decidiu revogar o acórdão arbitral, com base na incompetência material do mesmo para conhecer da nulidade da patente.

48. E, pior do que isso, o despacho de que se reclamou para este Supremo Tribunal de Justiça ainda veio acrescentar – salvo o devido respeito, erroneamente – que o referido acórdão nem sequer seria suscetível de recurso, assim frustrando a possibilidade de aplicação da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional, no sentido da necessidade de afastamento, por inconstitucionalidade material, da interpretação normativa do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011 (na sua redação original), que impediria (no entendimento maioritário do Despacho n.º 8) o conhecimento da questão da nulidade de patente ou de respetivo certificado complementar de proteção.

49. Encontrando-se pendente um recurso perante o Tribunal Constitucional, desde 02 de Agosto de 2017, com vista à aplicação da jurisprudência consolidada daquele Tribunal (vide Acórdão n.º 251/2017, da 1ª Secção, proferido em 24 de maio de 2017), a decisão reclamada (e o acórdão recorrido) permitir(iam) contornar – e, até, frustrar – a determinação legal de que os recursos de constitucionalidade suspendem a eficácia das decisões alvo de recurso (cfr. artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional).

50. Ora, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa entendeu aplicar um despacho arbitral interlocutório ineficaz e que se encontra suspenso (isto é, do Despacho n.º 8), até decisão final do Tribunal Constitucional, por efeito ex lege” (cfr. artigo 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional).

51. Em suma, o acórdão recorrido opta por aderir ao sentido da decisão constante de um despacho ineficaz e sobre o qual ainda pende um recurso (vide Despacho n.º 8), concluindo – por força disso – que nem o tribunal arbitral, nem o Tribunal da Relação de Lisboa dispõem de competência material para conhecer de defesa por excepção fundada na nulidade de certificado complementar de patente.

52. Sucede que o despacho ora reclamado concede que, em tese, apesar de o artigo 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (na sua redacção atual) determinar que apenas existe recurso de apelação para o competente Tribunal da Relação, é admissível interpor recurso atípico de revista, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, sempre que esteja em causa uma questão controvertida relativa à competência material dos tribunais para conhecer da validade de patentes e dos respetivos certificados complementares de protecção.

53. Ou sempre que o acórdão proferido em segunda instância se pronuncie sobre (alegada) ofensa do caso julgado [cfr. alínea a), in fine, do n.º 2 do artigo 629.º do CPC].

54. Ou seja, adere à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça invocada pelas ora Reclamantes, que admite, sempre em tese, a interposição de recurso atípico de revista (a mero título de exemplo, ver os Acórdãos proferidos, respetivamente, em 23 de Junho de 2016, pela 7ª Secção, no âmbito do Proc. n.º 1248/14.6YRLSB.S1; e em 17 de Outubro de 2019, pela 7ª Secção, no âmbito do Proc. n.º 2552/18.0YRLSB.S2).

55. Sucede, porém, que o despacho reclamado entende que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 09 de Janeiro de 2020, não decidiu – sequer implicitamente – sobre a incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da nulidade do certificado complementar de proteção:

«6.2. O acórdão desta Relação que se pretende impugnar nada decidiu a respeito da competência material do tribunal arbitral ou da própria Relação. O acórdão antes decidiu que a decisão arbitral recorrida era nula por violação de caso julgado anterior formado pela prolação de decisão sobre a competência material do tribunal arbitral.

O recurso incidia também sobre o mérito da decisão na parte que havia considerado o tribunal arbitral competente para conhecer da invalidade do CCP, tendo sido considerado prejudicado tal conhecimento.

Entende-se que tal não basta para que se considere que a decisão incidiu sobre a competência material do tribunal arbitral, ao menos implicitamente. (com sublinhados e realces nossos).

56. Diríamos, bem pelo contrário, que o referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa TUDO decidiu sobre a competência material do tribunal arbitral e da própria Relação.

57. Se assim não fosse, como é que o Acórdão Arbitral proferido em 29 de Abril de 2019 teria sido revogado?!? Com que fundamento?!?…

58. Obviamente, quando se procede a uma revogação de um acórdão que se pronuncia sobre o fundo da causa, importa que seja possível extrair, do acórdão em segunda instância que o revoga, qual é a fundamentação que sustenta a inversão de decisão sobre o mérito da causa.

59. Ora, a fundamentação alternativa ao Acórdão Arbitral proferido em 29 de Abril de 2019 é, precisamente, a que conclui no sentido de que aquele não podia conhecer da nulidade de certificado complementar de protecção, por não dispor de competência material para o efeito (!).

60. Ao contrário do que afirma o despacho ora reclamado, a consequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 09 de Janeiro de 2020, não é apenas afirmar que o Acórdão Arbitral não podia contrariar o teor do Despacho n.º 8, sob pena de falta de fundamentação para a decisão revogatória, que se substitui ao referido Acórdão Arbitral.

61. Na verdade, ainda que (apenas) não seja verbalizado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, certo é que o seu acórdão, proferido em 09 de Janeiro de 2020, ao remeter para o teor do Despacho n.º 8 – nos termos do qual se conclui pela incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da nulidade de certificado complementar de protecção –, acaba por reconhecer (pelo menos, implicitamente) que revogou o Acórdão Arbitral proferido em 29 de Abril de 2019 por aquele ter conhecido da nulidade de patente, sem que o Tribunal Arbitral tivesse competência material para o efeito.

62. Isto é, ao decidir que o Acórdão Arbitral ofende a força de caso julgado do despacho arbitral interlocutório que conclui pela incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da nulidade de certificado complementar de protecção (cfr. Despacho n.º 8), o acórdão recorrido toma – de modo material e substantivo – uma decisão sobre a questão da competência material para julgar o caso dos autos.

63. É que não pode remeter-se para o teor de um despacho – relativamente ao qual se afirma a força de caso julgado – para depois se alegar, como faz a Juíza-Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, no despacho reclamado, que não se aplicou o critério material que resulta do teor do mesmo despacho.

64. O excesso de formalismo não logra ultrapassar a circunstância de que a verdadeira ratio decidendi” do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa reside na conclusão de que o Tribunal Arbitral andou mal, quando se afirmou materialmente competente para conhecer da nulidade de certificado complementar de protecção.

65. Isto é, ao revogar o Acórdão Arbitral, o acórdão recorrido substituiu – ainda que implicitamente – a fundamentação daquele, adotando a posição oposta, de acordo com a qual o Tribunal Arbitral não dispunha de competência material para conhecer da questão da nulidade.

66. Assim é porque incumbe aos acórdãos revogatórios adotar e explicitar uma fundamentação alternativa àquela constante do acórdão revogado, ainda que o façam de modo implícito.

67. Neste termos, estamos perante um daqueles casos de revista atípica ou extraordinária, fundada na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, visto que o acórdão recorrido (que procedeu a uma profunda reforma do acórdão arbitral) recusou conhecer da nulidade do CCP n.º 202, por ter aplicado o Despacho n.º 8, anteriormente proferido pelo tribunal arbitral, que concluiu pela incompetência material dos tribunais arbitrais constituídos à luz da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, para conhecer dessa nulidade.

68. Com o devido respeito (que é muito), o despacho do Juiz-Relator junto deste Supremo Tribunal de Justiça não só não reconhece que a única consequência da aplicação do despacho saneador redunda na afirmação da incompetência do tribunal arbitral, em razão da matéria (por negação do conhecimento da nulidade da patente), como não se encontra devida e suficientemente fundamentado, conforme lhe impõe o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

69. O despacho proferido pelo Juiz-Relator limita-se a afirmar o seguinte:

«8. O acórdão recorrido pronunciou-se exclusivamente sobre a questão do caso julgado — e, como o acórdão recorrido se tenha pronunciado exclusivamente sobre a questão do caso julgado, o recurso não poderia ter como fundamento específico a violação das regras de competência em razão da matéria.»

70. Isto é, afirma – sem demonstrar – que o acórdão recorrido e proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa se sustentou, em exclusivo, numa (pretensa, mas inexistente) violação do caso julgado, mas nunca analisa os diversos argumentos expostos pelas Recorridas (ora Reclamantes).

71. Em especial, não responde porque é que a afirmação da força de caso julgado de um despacho saneador cuja única ratio decidendi” reside na falta de competência material do tribunal arbitral para conhecer da nulidade de uma patente não implica – pelo menos, indireta e implicitamente – uma decisão sobre regras de competência em razão da matéria.

72. Reitera-se que, caso o Tribunal da Relação de Lisboa não tivesse conhecido de regras de competência em razão da matéria, então não teria concluído pela revogação do acórdão arbitral que foi favorável às Recorridas (ora Reclamantes), pois a única razão para adoção de um acórdão reformado que passou a dar provimento ao pedido da Recorrente foi, precisamente, a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade da patente e do respetivo certificado complementar de proteção (!!!).

73. Daqui decorre que a interpretação extraída pelo despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça dos artigos 607.º, n.º 3, e 643.º, n.º 4, ambos do CPC, no sentido de que um despacho singular que decide sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentado sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indireta de regras de incompetência em razão da matéria é inconstitucional, por ofensa do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

74. Assim como será inconstitucional uma interpretação dos artigos 607.º, n.º 3, e 652.º, n.º 3, ex vi 643.º, n.º 4, in fine, todos do CPC, no sentido de que um acórdão que decide sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentado sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indireta de regras de incompetência em razão da matéria, também por ofensa do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

75. Deve, assim, o Supremo Tribunal de Justiça desaplicar tais interpretações, conforme determina o artigo 204.º da CRP, pronunciando-se, de modo claro e completo sobre todos os fundamentos constantes da reclamação apresentada pelas Recorridas (ora Reclamantes).

76. Em suma, trata-se, portanto, de uma situação que reclama a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por estar em causa um processo que correu termos enquanto arbitragem necessária e que foi decidido com base numa decisão sobre a (pretensa) incompetência material dos tribunais para conhecer da nulidade de certificado complementar de proteção de patente.

▪ FUNDAMENTAÇÃO NA OFENSA DE CASO JULGADO

77. Para além disso – conforme resulta da sua fundamentação reiterada –, mesmo a admitir-se a fundamentação inicial do despacho reclamado (o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se pondera), então, forçoso seria concluir que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 09 de Janeiro de 2020, se baseia, afinal, numa (alegada) ofensa de caso julgado.

78. Caso se admitisse que o acórdão recorrido apenas se pronunciou sobre a ofensa do caso julgado formado pelo despacho saneador que conclui pela incompetência material do Tribunal Arbitral (cfr. Despacho n.º 8), então, não pode negar-se que também existe fundamento para recurso atípico de revista, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil (desta feita, in fine).

79. Aliás, não se alcança ou descortina o que pretende dizer o despacho reclamado, proferido pela Juíza-Relatora junto do Tribunal da Relação de Évora, quando afirma:

«6.3. Porque a decisão incide sobre o caso julgado como pressuposto da nulidade, interessa ainda abordar a possibilidade de integração do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), II.ª parte, do Código de Processo Civil: ofensa de caso julgado.

Refere Abrantes Geraldes (cf. op. cit. p. 50) quanto a tal que, nestas situações, a admissibilidade excecional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a exceção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a ofensa” do caso julgado já constituído (…)”.

Não é este o caso de decisão que apenas tem o caso julgado como pressuposto. Também por aqui se não encontra fundamento para a admissibilidade da revista normal atípica.»

80. Este trecho do despacho reclamado enferma, assim, de uma evidente contradição: depois de afirmar que o fundamento do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa incidia, in totum, sobre a ofensa de caso julgado, vem, mais tarde, afirmar que, afinal, aquele apenas aplicou o (pretenso) caso julgado – que, recorde-se, não transitou, por ainda estar pendente de recurso perante o Tribunal Constitucional – como mero pressuposto da decisão de revogação do Acórdão Arbitral.

81. Sucede que – com o devido respeito pelo entendimento do Venerando Conselheiro ABRANTES GERALDES –, a letra da lei não circunscreve o direito ao recurso atípico de revista a tais casos, pelo que não é admissível (sob pena de inconstitucionalidade, conforme melhor demonstraremos, infra) uma interpretação restritiva ou corretiva daquele direito ao recurso.

82. Por outro lado – e até mais decisivo –, é o próprio despacho reclamado (e até o acórdão recorrido, por inúmeras vezes) que invoca a ofensa de caso julgado, pelo Acórdão Arbitral, para decidir no sentido da sua revogação.

83. Ora, não pode o despacho reclamado, por um lado, rejeitar o recurso atípico de revista por, alegadamente, não ter decidido sobre a competência material do Tribunal Arbitral, invocando antes a mera ofensa do caso julgado fixado pelo Despacho n.º 8, para, logo a seguir, afirmar que, afinal, não decidiu no sentido da ofensa de caso julgado anterior (ainda que a respetiva decisão se encontre pendente de recurso no Tribunal Constitucional).

84. Surpreendentemente, o despacho ora proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça vem reiterar tudo o que foi decidido pelo despacho de rejeição de recurso proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, limitando-se a afirmar o seguinte:

«11. O despacho recorrido distingue, como deve distinguir, as decisões impugnadas com fundamento na ofensa de caso julgado — abrangidas pela previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea a), terceira alternativa, do Código de Processo Civil — e as decisões impugnadas com fundamento na ofensa das regras sobre os efeitos do caso julgado.

12. O acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre a questão do caso julgado, deu como procedente a excepção deduzida — e, como o acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre a excepção de caso julgado, tenha dado como procedente a excepção deduzida, o recurso não poderia ter como fundamento específico a sua ofensa ou violação.»

85. Sucede, porém, que a alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil não exclui os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça fundados na ofensa de regras relativas ao caso julgado, devendo aquele preceito legal ser interpretado de modo conforme à Constituição; ou seja, de modo a ampliar (e não a restringir) o direito de recurso e de acesso à Justiça, tal como previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

86. Por todas as razões expostas, requer-se a V.as Ex.as que revoguem o despacho reclamado e que admitam o recurso interposto, ainda que atípico ou extraordinário, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

III – DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADES

87. Deve começar por notar-se que o despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça não conhece de nenhuma das questões de inconstitucionalidade normativa que foram expressa, adequada e tempestivamente suscitadas pelas Recorridas (ora Reclamantes).

88. Assim sendo, o despacho é nulo, por omissão de pronúncia, por força do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, o que deve ser prontamente declarado pela conferência.

89. Deve alertar-se que a falta de pronúncia expressa sobre a arguição de inconstitucionalidades normativas poderia impedir o acesso das Recorridas (ora Reclamantes) ao Tribunal Constitucional, sob o pretexto de que o Supremo Tribunal não teria aplicado tais interpretações normativas, assim privando-as do seu direito fundamental ao recurso.

90. Obviamente, porém, o Tribunal Constitucional tem vindo a salvaguardar essas situações de omissão (ou mero esquecimento) de pronúncia sobre incidentes de inconstitucionalidade.

91. Conforme se demonstra in MIGUEL PRATA ROQUE, Fiscalização Sucessiva Concreta, in «Enciclopédia da Constituição Portuguesa», Quid Iuris, Lisboa, 2013, p. 166:

«Excecionam-se, porém, os casos em que o tribunal recorrido, apesar de legítima e adequadamente confrontado com uma questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) normativa, optou por omitir decisão sobre a questão colocada. Assim, o Tribunal Constitucional tem admitido conhecer de questões de constitucionalidade (ou de ilegalidade) normativa, precisamente quando o tribunal recorrido – apesar de a isso estar obrigado – delas não conheceu (cfr. Acórdãos n.ºs 76/88, 318/90, 329/91, 101/2010 e 478/2011). Isto não significa que o Tribunal Constitucional disponha de poderes para decretar, com fundamento em omissão de pronúncia, a nulidade da decisão de um tribunal recorrido que não tenha conhecido – devendo fazê-lo – sobre questões de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade). Simplesmente, o Tribunal Constitucional ficciona que tal questão foi decidida em desfavor do recorrente, abrindo-lhe assim a via de recurso.»

92. Assim sendo, apenas para facilitar a identificação das questões de inconstitucionalidade normativa sobre as quais o Supremo Tribunal de Justiça é chamado a decidir, as Recorridas (ora Reclamantes) passam a individualizá-las, em capítulo autónomo.

▪ INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DOS ARTIGOS 607.º, N.º 3, E 643.º, N.º 4, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

93. O teor (excessivamente sintético) despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da alegada ausência de pronúncia do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre questões relativas às regras de competência em razão da matéria suscita a primeira questão de inconstitucionalidade.

94. A interpretação extraída pelo despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça dos artigos 607.º, n.º 3, e 643.º, n.º 4, ambos do CPC, no sentido de que um despacho singular que decide sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentado sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indireta de regras de incompetência em razão da matéria é inconstitucional, por ofensa do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

95. Assim como será inconstitucional uma interpretação dos artigos 607.º, n.º 3, e 652.º, n.º 3, ex vi 643.º, n.º 4, in fine, todos do CPC, no sentido de que um acórdão que decide sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentado sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indireta de regras de incompetência em razão da matéria, também por ofensa do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

96. Deve, assim, o Supremo Tribunal de Justiça desaplicar tais interpretações, conforme determina o artigo 204.º da CRP, pronunciando-se, de modo claro e completo sobre todos os fundamentos constantes da reclamação apresentada pelas Recorridas (ora Reclamantes).

▪ INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DO ARTIGO 3.º, N.º 7 DA LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO (NA SUA REDACÇÃO ORIGINAL) E DOS ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA A), E 671.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

97. Em segundo lugar, também se argui a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 629.º, n.º 2, alínea a), e 671.º, n.º 1, ambos do CPC, e o artigo 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011 (de acordo com a redação atual), quando interpretados no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante decisão implícita de incompetência material para conhecimento de nulidade de certificado complementar de protecção, por força da remissão para o teor despacho saneador arbitral que assim o entendeu, relativamente ao qual declarou a verificação de ofensa de caso julgado anterior.

98. A referida interpretação normativa ofende o direito fundamental ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da CRP), bem como o princípio geral da segurança jurídica (cfr. artigo 2.º da CRP), por implicar uma interpretação abrogante da lei, que dela não pode extrair-se, e, assim, ofendendo ainda a reserva de lei (cfr. artigo 18.º, n.º 3, e 112.º, n.º 5, da CRP).

99. Por outro lado, mais se suscita a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 629.º, n.º 2, alínea a), in fine, e 671.º, n.º 1, ambos do CPC, e o artigo 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011 (de acordo com a redação atual), quando interpretados no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante remissão para despacho saneador arbitral que concluiu pela incompetência material do tribunal arbitral para conhecimento de nulidade de certificado complementar de protecção, porque aquela norma apenas admitiria recurso fundado na ofensa de caso julgado anterior, mas já não a violação de regras relativas ao caso julgado.

100. A referida interpretação normativa ofende o direito fundamental ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da CRP), bem como o princípio geral da segurança jurídica (cfr. artigo 2.º da CRP), por implicar uma interpretação abrogante da lei, que dela não pode extrair-se, e, assim, ofendendo ainda a reserva de lei (cfr. artigo 18.º, n.º 3, e 112.º, n.º 5, da CRP).

101. Por serem contrárias à Lei Fundamental, devem as referidas interpretações normativas ser desaplicadas, conforme determina o artigo 204.º da CRP, o que desde já se requer.

▪ INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DO ARTIGO 613.º, N.ºS 1 E 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

102. Para os efeitos previstos pelo artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, reitera-se a arguição de inconstitucionalidade de eventual interpretação normativa extraída do artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, no sentido de que um tribunal arbitral não pode complementar, alterar ou adaptar um despacho interlocutório alvo de recurso de constitucionalidade, com efeito suspensivo, ficando esgotado o seu poder jurisdicional, de modo definitivo, por violação do direito de acesso à Justiça Arbitral (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), bem como dos direitos de livre desenvolvimento da personalidade dos intervenientes processuais arbitrais (cfr. artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e da liberdades de iniciativa económica privadas desses mesmos intervenientes económicos (cfr. 61.º da Constituição da República Portuguesa).

103. Com efeito, pretender que, em sede de processo arbitral, não se pode adotar decisões interlocutórias particularmente flexíveis e favoráveis a uma simplificação e celeridade processual constituiu uma restrição excessiva e, portanto, desproporcionada (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) daqueles direitos fundamentais, visto que a cristalização de uma mera decisão interlocutória, que apenas visava preparar a audiência de julgamento, impede um dos sujeitos processuais de defender o seu direito à comercialização de um medicamento genérico, por impedi-lo de exercer a sua legítima defesa.

104. In casu, quer o direito à tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), quer a liberdade de iniciativa económica privada (cfr. artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa) são direitos análogos a direitos, liberdades e garantias, pelo que beneficiam desse regime específico (cfr. artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa).

105. Com efeito, tal interpretação normativa é inconstitucional, pelas razões já supra aduzidas, por constituir uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva e à liberdade de iniciativa económica privada de que as Requeridas gozam (cfr. artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, e 61.º, da Constituição da República Portuguesa).

106. Assim, requer-se a sua não aplicação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento do artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa.

▪ INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DO ARTIGO 613.º, N.ºS 1 E 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E DO ARTIGO 13.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL

107. Para os efeitos previstos pelo artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade de interpretação extraída da conjugação entre o artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, e o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, no sentido de que seria admissível que um tribunal arbitral ficasse impedido de aplicar norma interpretativa que se integra, retroativamente, em norma interpretada anterior a despacho interlocutório, ainda que tal despacho não tivesse transitado em julgado e tivesse sido alvo de recurso de constitucionalidade, com efeito suspensivo, seria inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e do direito de acesso à Justiça Arbitral (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), bem como dos direitos de livre desenvolvimento da personalidade dos intervenientes processuais arbitrais (cfr. artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e da liberdades de iniciativa económica privadas desses mesmos intervenientes económicos (cfr. 61.º da Constituição da República Portuguesa).

108. Com efeito, pretender que, em sede de processo arbitral, não se pode adotar decisões interlocutórias particularmente flexíveis e favoráveis a uma simplificação e celeridade processual constituiu uma restrição excessiva e, portanto, desproporcionada (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) daqueles direitos fundamentais, visto que a cristalização de uma mera decisão interlocutória, que apenas visava preparar a audiência de julgamento, impede um dos sujeitos processuais de defender o seu direito à comercialização de um medicamento genérico, por impedi-lo de exercer a sua legítima defesa.

109. In casu, quer o direito à tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), quer a liberdade de iniciativa económica privada (cfr. artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa) são direitos análogos a direitos, liberdades e garantias, pelo que beneficiam desse regime específico (cfr. artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa).

110. Assim, requer-se a sua não aplicação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento do artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa.

▪ INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DO ARTIGO 2.º DA LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO (NA SUA REDACÇÃO ORIGINAL) E DOS ARTIGOS 35.º, N.º 1, E 101.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL

111. Para os efeitos previstos pelo artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, reitera-se a arguição de inconstitucionalidade de eventual interpretação normativa extraída da conjugação entre o artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (na sua redacção original), e os artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial quando interpretados no sentido de que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a parte não se pode defender, por excepção, mediante invocação da invalidade de patente com meros efeitos inter partes, seja em sede de acção principal, seja em sede de incidente cautelar nela deduzido.

112. Com efeito, tal interpretação normativa é inconstitucional, pelas razões já supra aduzidas, por constituir uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva de que as Recorrentes gozam (cfr. artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa), conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 251/2017, da 1ª Secção, proferido em 24 de Maio de 2017.

113. Assim, requer-se a sua não aplicação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento do artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, e nos demais de Direito, cujo douto suprimento expressamente se requer, deve ser concedido provimento à reclamação apresentada,  proferindo-se decisão que revogue o despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça e que mande subir imediatamente o recurso de revista excecional interposto pelas Recorridas do acórdão proferido em 09 de Janeiro de 2020, pois, só assim se fará inteira JUSTIÇA!

 8. A Recorrida, agora Reclamada, Gilead Sciences, Inc., respondeu, pugnando pela confirmação da decisão impugnada.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

 9. As Recorrentes, agora Reclamantes, Zentiva K.S. e Zentiva Portugal, Limitada, pedem que sejam apreciadas duas questões — alegam que o despacho que indeferiu a reclamação apresentada ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil é nulo, por omissão de pronúncia, e que o recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa deve ser admitido, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

  10. O ponto de referência para uma adequada apreciação das duas questões há-de encontrar-se na distinção estrita entre a questão da admissibilidade e a questão do mérito do recurso.

 11. As Recorrentes, agora Reclamantes, Zentiva K.S. e Zentiva Portugal, Limitada, ao alegarem que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa conheceu indirecta, implícita ou tacitamente da questão da competência material do Tribunal Arbitral, confundem as duas questões — admissibilidade e mérito — que deveriam distinguir.

 12. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se, tão-só, sobre se uma decisão proferida pelo Tribunal Arbitral tinha ou não transitado em julgado — e o facto de a decisão do Tribunal Arbitral ter incidido sobre uma questão de competência material não converte a decisão do Tribunal da Relação numa decisão implícita sobre a questão da competência material.

 13. Em substância, aquilo que as Recorrentes, agora Reclamantes, pretendem é que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre se a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral tem ou não tem valor de caso julgado, ou seja — que o Supremo Tribual de Justiça se pronuncie sobre o mérito da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

 14. O problema está em que não é admissível o recurso e em que, desde que não seja admissível o recurso, o tribunal ad quem não pode pronunciar-se sobre o mérito da decisão recorrida.

 15. Quanto à alegação das Recorrentes, agora Reclamantes, de que a decisão proferida em 27 de Outubro de 2020 é nula por omissão de pronúncia, dir-se-á o seguinte:

  16. As Recorrentes, agora Reclamantes, suscitaram questões de constitucionalidade nos arts. 61.º a 65.º da sua reclamação:

61. A título preventivo - porque se quer crer que o Supremo Tribunal de Justiça não aderirá à interpretação acolhida pelo despacho ora reclamado —, desde já se invoca, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação entre o artigo 629.°, n.° 2, alínea a), 2a parte, do CPC, e o artigo 3.°, n.° 7, da Lei n.° 62/2011 (de acordo com a redação atual), quando interpretados no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante decisão implícita de incompetência material para conhecimento de nulidade de certificado complementar de protecção, por força da remissão para o teor despacho saneador arbitral que assim o entendeu, relativamente ao qual declarou a verificação de ofensa de caso julgado anterior.

62. A referida interpretação normativa ofende o direito fundamental ao recurso (cfr. artigo 20.°, n.°s 1 e 4, ambos da CRP), bem como o princípio geral da segurança jurídica (cfr. artigo 2.° da CRP), por implicar uma interpretação abrogante da lei, que dela não pode extrair-se, e, assim, ofendendo ainda a reserva de lei (cfr. artigo 18.°, n.° 3, e 112.°, n.° 5, da CRP).

63. Por outro lado, mais se suscita a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação entre o artigo 629.°, n.° 2, alínea a), infine,. do CPC, e o artigo 3.°, n.° 7, da Lei n.° 62/2011 (de acordo com a redação atual), quando interpretados no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante remissão para despacho saneador arbitral que concluiu pela incompetência material do tribunal arbitral para conhecimento de nulidade de certificado complementar de protecção, por tal apenas decisão apenas ter por pressuposto a ofensa de caso julgado anterior.

64. A referida interpretação normativa ofende o direito fundamental ao recurso (cfr. artigo 20.°, n.°s 1 e 4, ambos da CRP), bem como o princípio geral da segurança jurídica (cfr. artigo 2.° da CRP), por implicar uma interpretação abrogante da lei, que dela não pode extrair-se, e, assim, ofendendo ainda a reserva de lei (cfr. artigo 18.°, n.° 3, e 112.°, n.° 5, da CRP).

65. Por serem contrárias à Lei Fundamental, devem as referidas interpretações normativas ser desaplicadas, conforme determina o artigo 204.° da CRP, o que desde já se requer.

  17. O art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil determina que a decisão é nula quando deixe de pronunciar-se sobre todas questões que devesse apreciar — e questão que devia apreciar-se era só a da admissibilidade do recurso de revista de um acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que se pronunciou sobre se a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral tinha ou não transitado em julgado.

  18. Estando a questão de constitucionalidade relacionada com o mérito do recurso, o Supremo Tribunal de Justiça não devia — e, em rigor, não podia — pronunciar-se.

  19. Em consequência, não há nenhuma omissão de pronúncia relevante para efeitos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

  20. Quanto à alegação das Recorrentes, agora Reclamantes, de que o recurso de revista deve ser admitido, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, dir-se-á o seguinte:

 21. O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado constantemente o art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, no sentido de que há uma regra e uma excepção.

    I. — Em regra, não será admissível recurso de revista do acórdão da Relação proferido sobre decisão arbitral. II. — Exceptua-se os casos em que o recurso seja sempre admissível, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2,. do Código de Processo Civil [1].

 22. A primeira questão suscitada pelas Reclamantes consiste em determinar se o recurso deve ser admitido, por ter como fundamento específico a violação das regras de competência em razão da matéria.

 23. O despacho reclamado distingue, correctamente, duas questões:

      I. — a questão do caso julgado formado sobre decisão em que se apreciou a violação das regras de competência em razão da matéria e — II. — a questão da violação das regras de competência em razão da matéria.

  24. O acórdão recorrido pronunciou-se exclusivamente sobre a questão do caso julgado — e, como o acórdão recorrido se tenha pronunciado exclusivamente sobre a questão do caso julgado, o recurso de revista não poderia ter como fundamento específico a violação das regras de competência em razão da matéria.

 25. Em consequência, não estão preenchidos os pressupostos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), segunda alternativa.

  26. A segunda questão suscitada pelas Reclamantes consiste em determinar se o recurso deve ser admitido, por ter como fundamento específico a ofensa se caso julgado.

  27. O despacho recorrido distingue, como deve distinguir, as decisões impugnadas com fundamento na ofensa de caso julgado — abrangidas pela previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea a), terceira alternativa, do Código de Processo Civil — e as decisões impugnadas com fundamento na ofensa das regras sobre os efeitos do caso julgado [2].

  28. O acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre a questão do caso julgado, deu como procedente a excepção deduzida— e, como o acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre a excepção de caso julgado, tenha dado como procedente a excepção deduzida, o recurso não poderia ter como fundamento específico a sua ofensa ou violação.

  29. Em consequência, não estão preenchidos os pressupostos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), terceira alternativa, do Código de Processo Civil.

  30. As Recorrentes, agora Reclamantes, alegam que a interpretação subjacente à decisão impugnada é inconstitucional e invocam cinco inconstitucionalidades:

           

  I. — Em primeiro lugar, seria inconstitucional — por constituir uma violação do art. 205.º, n.º 1, da Constitucional da República Portuguesa —, a interpretação extraída dos arts. 607.º, n.º 3, e 643.º, n.º 4, do Código de Processo Civil no sentido de que a decisão sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentada “sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indirecta de regras de incompetência em razão da matéria” (arts. 93-96).

  II. — Em segundo lugar, seria inconstitucional — por constituir uma violação do direito fundamental ao recurso do art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portugesa, do princípio da reserva de lei dos arts. 18.º, n.º 3, e 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da segurança jurídica, implícito na ideia de Estado de Direito —, a interpretação extraída do art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e dos arts. 629.º, n,º 2, alínea a), e 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante decisão implícita de incompetência material para conhecimento de nulidade de certificado complementar de protecção, por força da remissão para o teor despacho saneador arbitral que assim o entendeu, relativamente ao qual declarou a verificação de ofensa de caso julgado anterior” (arts. 97-101).

  III. — Em terceiro lugar, seria inconstitucional — “por constituir uma “restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efectiva e à liberdade de iniciativa económica privada de que as Requeridas gozam (cfr. artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, e 61.º, da Constituição da República Portuguesa)” —, a interpretação extraída do artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil “no sentido de que um tribunal arbitral não pode complementar, alterar ou adaptar um despacho interlocutório alvo de recurso de constitucionalidade, com efeito suspensivo, ficando esgotado o seu poder jurisdicional, de modo definitivo” (arts.. 102-106).

 IV. — Em quarto lugar, seria inconstitucional — por constituir uma violação “do direito de acesso à Justiça Arbitral (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)”, “dos direitos de livre desenvolvimento da personalidade dos intervenientes processuais arbitrais (cfr. artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e da liberdades de iniciativa económica privadas desses mesmos intervenientes económicos (cfr. 61.º da Constituição da República Portuguesa)” e do princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) — a “interpretação extraída da conjugação entre o artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, e o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, no sentido de que seria admissível que um tribunal arbitral ficasse impedido de aplicar norma interpretativa que se integra, retroativamente, em norma interpretada anterior a despacho interlocutório, ainda que tal despacho não tivesse transitado em julgado e tivesse sido alvo de recurso de constitucionalidade, com efeito suspensivo”. (arts.. 107-110).

  V. — Em quinto lugar, seria inconstitucional — por constituir uma “restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva de que as Recorrentes gozam (cfr. artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa)” — a interpretação “extraída da conjugação entre o artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (na sua redacção original), e os artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial… no sentido de que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a parte não se pode defender, por excepção, mediante invocação da invalidade de patente com meros efeitos inter partes, seja em sede de acção principal, seja em sede de incidente cautelar nela deduzido” (arts. 111-113).

 31. A primeira e a segunda questões de inconstitucionalidade agora suscitadas só seriam pertinentes desde que se aceitasse, como pressupõem as Recorrentes, agora Reclamantes, que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa apreciou indirectamente a questão da competência material e que, apreciando-a indirectamente, proferiu uma decisão implícita sobre a questão da competência material do Tribunal Arbitral.

 32. Ora o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não apreciou nem directa nem indirectamente a questão — e, como não a apreciou, não proferiu nenhuma decisão, nem explícita, nem implícita sobre a competência material do Tribunal Arbitral.

 33. A terceira e a quarta questões de inconstitucionalidade agora suscitadas só seriam relevantes desde que o Supremo Tribunal de Justiça pudesse e devesse pronunciar-se sobre o mérito do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e a quinta questão de inconstitucionalidade agora suscitada só seria relevante desde que o Supremo Tribunal de Justiça pudesse pronunciar-se sobre o mérito da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral.

 34. Ora o Supremo Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se nem sobre o mérito do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, nem sobre o mérito da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral — e não pode pronunciar-se sobre o mérito por não ser admissível o presente recurso.

III. — DECISÃO

  Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação para a conferência e confirma-se o despacho reclamado.

   Custas pelas Reclamantes  Zentiva K.S. e Zentiva Portugal, Limitada, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 14 de Janeiro de 2021

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

     Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

________

[1] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 23 de Junho de 2016 — processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1 —, de 2 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 393/15.5YRLSB.S1 —, de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 17/15.0YRLSB.S1 —, de 15 de Março de 2018 — processo n.º 1503/16.0YRLSB.S1 — ou de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 889/17.4YRLSB.S1.

[2] Em anotação ao regime dos recursos em direito processual civil explica-se: “Estão […] excluídas [da] previsão especial [do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil] as situações em que se afirme a existência da excepção de caso julgado ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efectivamente, nestes casos, não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (art. 629.º, n.º 1) e oportunidade da impugnação (arts. 644.º e 671.º)” [cf. António Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 629.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., págs. 41-75 (50-51)].