Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
427/19.4YLPRT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
PROCESSO URGENTE
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÕES CONTRADITÓRIAS
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
O procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso o prazo de interposição de recurso é de quinze dias, nos termos conjugados dos nºs 5 e 8 do artigo 15º-S (aditado à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pela Lei n.º 31/12, de 14 de agosto) e do artigo 638º, nº1, segunda parte do Código de Processo Civil
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1.  Os presentes autos tiveram início com o procedimento especial de despejo proposto no Balcão Nacional do Arrendamento (B.N.A.) por AA e outros contra Capital Criativo, SCR, SA, visando a resolução do contrato arrendamento celebrado entre as partes respeitante aos pisos 2, 3 e Águas Furtadas do imóvel sito na Rua ......., nº ... e ..., em ..., bem como o pagamento de rendas em dívida até à presente data e ainda as rendas vincendas até ao momento da entrega do locado.


2. O tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte, conforme se exarou na parte dispositiva da sentença, que se passa a transcrever:

«Pelo exposto, vistos os factos e o direito, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

a) Declarar válida a comunicação de resolução do contrato de arrendamento efectuada pelos Requerentes à Requerida em 9 de Julho de 2018 e, consequentemente, decretar a resolução do contrato de arrendamento relativo ao piso dois, três e águas furtadas, do nº ... e ..., do prédio urbano, sito na Rua ......., em ...;

b) Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes das rendas referentes aos meses de Maio de 2017 a Julho de 2018, cada uma no valor de € 15 000,00, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento, até efectivo pagamento.

c) Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes a título de indemnização da quantia correspondente as rendas mensais, cada uma no valor de € 15 000,00, que se venceram desde Julho de 2018 até à data de entrega do locado (2 de Junho de 2020), acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento, até efectivo pagamento».


3. C2 Capital Partners - SCR, S.A., anteriormente denominada Capital Criativo - SCR, S.A., inconformada, interpõe recurso de apelação, em que impugna a decisão relativa à matéria de facto e invoca que a sentença do tribunal de 1.ª instância interpretou e aplicou erradamente os artigos 406.º, 424.º, 762.º, 798.º e 1031.º, al. b) e 1037.º, todos do Código Civil, pedindo, em consequência, a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão que reconheça o seu crédito sobre a Requerida e admita a compensação com o crédito dos Requerentes.


4. No Tribunal da Relação ......, a Relatora proferiu despacho singular de não admissibilidade do recurso de apelação, por extemporaneidade.


5. C2 Capital Partners – SCR, S.A., notificada do despacho que rejeitou por extemporâneo o recurso de apelação por si interposto, veio reclamar para a conferência, no Tribunal da Relação, nos termos do disposto nos artigos 643.º n.º 1 e 652.º n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).


6. A Conferência, no Tribunal da Relação ......, com um voto de vencido, indeferiu a reclamação, confirmando o despacho reclamado, entendendo que o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos dos n.ºs 5 e 8 do art.º 15.º-S, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro e 638.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC.


7. Inconformada, a Capital Partners interpõe recurso de revista deste acórdão do Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:

«a) O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido a 3.06.2021 no processo n.º 427/19...., que correu termos na 6.ª Secção do Tribunal da Relação ......, e que confirmou, com voto de vencido, a Decisão Singular proferida pelo Tribunal da Relação ...... a 26.04.2021, que julgou extemporâneo o Recurso de Apelação interposto pela Recorrente.

b) No âmbito do Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal da Relação confirmou a decisão da Decisão Singular, rejeitando o recurso interposto pela Recorrente a 11.12.2020, por considerar que o mesmo foi apresentado extemporaneamente, na medida em que “… o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos dos números 5 e 8 do art.º 15.º-S da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro e 638.º n.º 1 2.ª parte do CPC.”.

c) Para sustentar a posição adotada no Acórdão de que ora se recorre, o Acórdão do Tribunal da Relação ..... utiliza argumentos de três ordens: (i) a letra da lei, (ii) a ratio legis da norma, e (iii) a jurisprudência (divergente) a respeito do tema. Sucede que, conforme melhor se verá infra, o Tribunal da Relação não apreciou corretamente tais argumentos.

d) No que diz respeito ao argumento literal,cumpre notar que, não obstante o Tribunal da Relação ...... no Acórdão de que ora se recorre considerar que existe uma forte correspondência verbal quanto à qualificação do processo com urgente, na medida em que conferiu ao processo características de urgência (nomeadamente, a não suspensão dos prazos em férias e o carácter urgente aos atos a praticar pelo Juiz).

e) Todavia, o legislador optou criar um regime de excecionalidade aplicável aos atos praticados pelo Tribunal, nos termos do qual os atos a praticar no procedimento especial de despejo assumem carácter urgente, conforme se refere no n.º 8 do art.º 15.º - S da Lei n.º 6/2006, sem, contudo, criar um regime equivalente para os atos praticados pelas partes, mormente, para o prazo de interposição de recurso. Ora, ao abrigo do disposto nos n.º 2 e 3 do art. 9.º do Código Civil, não pode ser considerada pelo intérprete uma solução que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

f) De facto, e como reconhecido na declaração de voto de vencido pela Juiz Desembargadora Anabela Calafate no Acórdão de que ora se recorre, se todo o procedimento especial de despejo tivesse carácter urgente, seria redundante estabelecer nos nº 5 e 8 do art. 15º- S da Lei 6/2006 de 27/02.

g) Neste sentido, é inequívoco concluir que o legislador pretendeu somente atribuir carácter de urgência a determinados atos, e não ao procedimento especial de despejo no seu todo, motivo pelo qual sempre terá que se entender que o prazo aplicável ao recurso de sentenças proferidas no âmbito de tal procedimento será de 30 dias, e não de apenas 15 dias.

h) Já no que diz respeito à ratio legis da norma, o Acórdão de que ora se recorre entende que “… nada justifica, nem faria sentido que o processo fosse urgente apenas quanto aos actos do juiz e não para os actos das partes.”. Sucede que a finalidade do procedimento especial de despejo é a viabilização da rápida desocupação do imóvel, motivo pelo qual se encurtam os prazos para prática de atos pelo Tribunal e se evitam eventuais delongas que pudessem advir da existência de dilações ou suspensão do processo durante o período de férias.

i)    Ora, no que ao presente processo diz respeito, o recurso interposto não versa sobre qualquer obstáculo à desocupação do Imóvel – o qual foi entregue a 2 de junho de 2020 – mas sim à apreciação e reconhecimento do direito de crédito da Recorrente (o qual, se fosse exercido em processo autónomo, sempre beneficiaria do prazo de 30 dias).

j)    Neste sentido, ao abrigo do disposto nos arts. 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 30.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República, é inequívoco concluir que a ratio da atribuição de carácter urgente a alguns dos atos a praticar no procedimento especial de despejo não é extensível aos demais atos que ocorram após tal desocupação.

k) Por fim, no que diz respeito à existência de jurisprudência (divergente) a respeito do tema, cumpre notar que no Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal da Relação ...... acaba por desconsiderar demais jurisprudência garantística dos direitos da Recorrente, nomeadamente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 21.04.2015 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016.

l)  Ora, o art. 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa confere aos Tribunais a função de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e dirimir os conflitos de interesses privados, acentuando, assim, que a tutela efetiva a que se refere o art. 20.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa implica a prevalência da decisão de mérito sobre a decisão baseada no jogo das preclusões processuais. Assim, perante a existência de jurisprudência divergente, o Tribunal da Relação, no âmbito do Acórdão de que ora se recorre deveria ter adotado o entendimento mais garantístico dos direitos da Recorrente.

m) Em face do supra exposto, é inequívoco concluir que se encontram verificados todos os pressupostos necessários à admissibilidade de interposição de recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC, na medida em que:

(i)    a decisão proferida no Acórdão de que ora se recorre implica para a Recorrente um efeito processual equivalente à extinção da instância, na medida em que rejeita a apreciação do acórdão porque o mesmo, no entender do Tribunal da Relação foi apresentado extemporaneamente;

(ii)    o valor da ação é de €795.000,00; e

(iii)   o prejuízo que advém para a Recorrente pela não apreciação do recurso é de, pelo menos €168.079,53.

n) Por outro lado, ainda que se entendesse que o Acórdão de que ora se recorre é uma decisão interlocutória – o que não se concede, em face do supra exposto no que diz respeito à interpretação do disposto non.º 1 do art. 671.º do CP, veiculada por ABRANTES GERALDES, e por mero dever de patrocínio se equaciona – sempre se teria que considerar que a decisão de rejeição do recurso por extemporaneidade do mesmo se encontra em contradição com o acórdão transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016, e, nestes termos, sempre seria admissível a interposição do presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 2, alínea b) do CPC, na medida em que, na ausência de acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o Acórdão de que ora se recorre, o Acórdão de que ora se recorre – e nos termos do qual se considera que o prazo de interposição de recurso era de 15 dias e, consequentemente, o mesmo foi interposto extemporaneamente – está em contradição com o aludido acórdão transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016, que versa sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: a interpretação do disposto nos n.º 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, conjugado com o disposto no art. 638.º do CPC.

o) Acresce que, não obstante se verificarem os pressupostos necessários à interposição de recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC, se, por absurdo, tal recurso de revista não fosse admitido – o que não se concede e por mera cautelade patrocínio se equaciona – o presente recurso de revista sempre teria que ser admitido ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea c) do CPC, na medida que foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016 que expressamente reconhece que “… não é lícito qualificartodo aquele procedimento como urgente, o que deixa de fora os prazos para as partes interporem recurso ordinário, que é de trinta dias…”. Ora:

(i)   no Acórdão de que ora se recorre e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016 é apreciada a mesma questão fundamental de direito: a interpretação do disposto nos n.º 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, conjugado com o disposto no art. 638.º do CPC para determinar se o processo especial de despejo é (ou não) um processo urgente;

(ii)   a resposta do Acórdão de que ora se recorre à questão fundamental de direito em apreço é de que o procedimento especial de despejo se deve qualificar como urgente e, em consequência, o prazo para interposição de recurso no âmbito do mesmo é de 15 dias. Por sua vez, a resposta do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016 é de que o procedimento especial de despejo não assume carácter urgente, motivo pelo qual se entende que o prazo aplicável à interposição de recurso no âmbito do mesmo é de 30 dias; e

(iii)  a oposição entre o decidido no Acórdão de que ora se recorre e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016 não é meramente formal, na medida em que, a consequência do entendimento do Acórdão de que ora se recorre é a rejeição de um recurso de apelação interposto no prazo de 30 dias, por considerar que o mesmo é extemporâneo, ao passo que no processo objeto de decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça tal recurso de revista teria sido admitido.

p) Subsidiariamente, caso o presente recurso de revista não fosse admitido quer ao abrigo do disposto no art. 671.º, n.º 1, quer ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC – o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona – o Supremo Tribunal de Justiça não poderia recusar a apreciação do presente recurso, atendendo à relevância jurídica da questão em apreço e à necessidade da sua apreciação para uma melhor aplicação do direito.

q) Com efeito, a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça sobre a interpretação do disposto nos n.º 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, conjugado com o disposto no art. 638.º do CPC, é absolutamente essencial para assegurar o tratamento igualitário de casos análogos exigido pelo art. 8.º, n.º 3 do Código Civil, evitando-se assim que num caso exatamente igual de interposição de recurso de uma decisão de 1.ª Instância proferida no âmbito de um procedimento especial de despejo se admita um recurso interposto no prazo de 30 dias (como sucedeu no caso decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão proferido a 24.11.2016) e, noutros casos – como o presente – em que o recorrente interponha recurso no prazo de 30 dias de uma decisão de 1ª Instância proferida no âmbito do procedimento especial de despejo, o recurso venha a ser considerado intempestivo.

r) Por fim, cumpre notar que uma interpretação da norma do artigo. 15.º-S, n.º 5 e 8 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, conjugada com o art. 638.º, n.º 1 do CPC, no sentido de que o prazo para interposição de recurso em sede de procedimento especial de despejo é de 15 dias, sempre teria que ser considerada inconstitucional, por traduzir uma imposição injustificada e desproporcional que, sem ter qualquer apoio na letra da lei, importa uma lesão da garantia de acesso à justiça da Recorrente, e a consequente violação dos princípios da confiança, da proporcionalidade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 2.º e 20.º, n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.


NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE

DIREITO APLICÁVEIS:

1. Deverá o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o Acórdão de que ora se recorre, e que admita o recurso de apelação interposto pela Recorrente nos presentes autos.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder:

2. Deverá o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por se encontrar em contradição com outro já transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o Acórdão de que ora se recorre, e que admita o recurso de apelação interposto pela Recorrente nos presentes autos. Subsidiariamente, caso assim não se entenda,o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder:

3. Deverá o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nomeadamente, para assegurar o tratamento igualitário de casos análogos exigido pelo art. 8.º, n.º 3 do Código Civil, e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o Acórdão de que ora se recorre, e que admita o recurso de apelação interposto pela Recorrente nos presentes autos.

Só se assim se fazendo a costumada Justiça!»


 8. Notificadas as partes pelo Juiz Conselheiro de turno, para se pronunciarem, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, veio a recorrente pugnar pela admissibilidade do mesmo, em termos semelhantes aos já expostos na alegação de recurso de revista.


9. Nesta sequência, a Juíza Relatora proferiu despacho de admissibilidade do recurso de revista com o seguinte teor:

«Ouvida a recorrente, ao abrigo do artigo 655.º do CPC, decide-se pela admissibilidade do recurso de revista geral, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, em virtude de a decisão recorrida, o acórdão do Tribunal da Relação de 03-06-2021, que rejeita o recurso de apelação por extemporaneidade, consistir numa decisão que põe termo ao processo, extinguindo a instância, e, nessa exata medida, equivalente nos seus efeitos à absolvição da instância».

           

10. Após a prolação deste despacho, os recorridos apresentaram reclamação, que aqui se considera transcrita, pugnando pela não admissibilidade do recurso de revista.


 11. A recorrente, por sua vez, respondeu a esta reclamação, reiterando que o recurso de revista deve ser admitido.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação


1. No presente processo existem duas questões a decidir.

- Em primeiro lugar, será decidida a questão prévia de admissibilidade do recurso de revista, sendo ponderados os argumentos apresentados pelos recorridos na reclamação contra o despacho da Relatora que admitiu o recurso de revista, o qual não tem o valor de caso julgado.

- Em segundo lugar, no caso de a revista ser admitida, será decidida a tempestividade do recurso de apelação.

 

2. Questão prévia da admissibilidade do recurso de revista

2.1. Entendem os recorridos, na sua reclamação contra o despacho reclamado, que admitiu o recurso de revista do acórdão da Relação que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso de apelação, que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível. Alegam que não estão verificados os pressupostos de recorribilidade fixados no n.º 1 do artigo 671.º do CPC, por estar em causa um acórdão da Relação que tem natureza interlocutória, não põe termo ao processo, absolvendo o réu da instância, e que foi proferido em Conferência, como resultado de uma reclamação contra despacho do Relator, sem conhecer do mérito.

Todavia, existe uma posição jurídico-processual, representada na doutrina e na jurisprudência, que equipara à categoria legal dos acórdãos da Relação que põem termo ao processo, absolvendo da instância o réu, aqueles que põem termo ao processo por forma diversa da absolvição da instância, designadamente quando a extinção da instância é decorrência da rejeição, pelo Tribunal da Relação, do recurso de apelação interposto da sentença de 1.ª instância com fundamento na sua extemporaneidade ou na falta de pressupostos ou de requisitos legais (artigo 641.º, n.º 2, do CPC). Esta posição adotada por Abrantes Geraldes (in  Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 400) assenta na ideia de que «(…) o acento tónico deve ser posto no “termo do processo” (total ou parcial), sendo de admitir também recurso de revista do acórdão da Relação que determine esse efeito a partir da confirmação ou da verificação primária de circunstâncias reveladoras da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide, da deserção da instância, da deserção do recurso de apelação ou da sua rejeição, por inverificação dos respetivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou por falta de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões)».  O autor refere mesmo, na nota 557 da página 401 da obra citada, que há uma situação em que é especialmente visível a necessidade de superar a literalidade do preceito, de modo a admitir o recurso de revista: é o caso de a Relação proferir acórdão a rejeitar oficiosamente o recurso de apelação interposto da sentença de 1.ª instância, com base na sua putativa extemporaneidade ou na falta de cumprimento de determinados requisitos legais (v.g. falta de conclusões) ou também no não acatamento do despacho de aperfeiçoamento das conclusões. Assim se decidiu nos seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que admitiram o recurso de revista em situações semelhantes:  28-01-2016, proc. n.º 1006/12; 20-10-2019, proc. n.º 738/03; 03-03-2020, Revista n.º 3402/08.0TBVLG-E.P1.S1; 17-11-2020, Revista n.º 1193/07.1TBBNV.E1.S1.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-01-2016, sumariou-se, em síntese, esta orientação jurisprudencial:  

«1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.

2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva.

3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso».


2.2. Invocaram ainda os recorridos, como impeditivo da admissão do recurso de revista, a circunstância de estarmos perante um acórdão da Relação, que resultou de uma reclamação para a Conferência de despacho singular do Relator, que não admitiu o recurso de apelação. Mas não têm razão, pois estamos perante um caso em que sempre o recurso de revista seria admissível por estarmos perante uma contradição de acórdãos, nos termos do artigo 671.º, n.º 2, al. b) ou do artigo 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC. No caso sub judice, como assinalou a recorrente, o acórdão do Tribunal da Relação, agora recorrido, decidiu em contradição, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-11-2016, proferido no processo n.º 470/15.2T8MNC.G1-A.S1), como de seguida analisaremos.


3. Pelo exposto, admite-se o recurso de revista a fim de decidir se o prazo para a interposição do recurso de apelação é, ou não, o prazo dos processos urgentes.


4. Questão da tempestividade do recurso de apelação

4.1. O presente recurso de revista diz respeito à questão de saber se o recurso de apelação interposto de uma sentença, que decretou o despejo da autora e a condenou ao pagamento das rendas em dívida até à entrega do locado, deve ser interposto no prazo geral de 30 dias ou no prazo de 15 dias, previsto para os processos urgentes.

O Tribunal da Relação entendeu que o recurso de apelação era intempestivo porque interposto para além do prazo de 15 dias, com o seguinte fundamento:

«Como resulta da análise dos autos, as partes foram notificadas da sentença recorrida em 29 de outubro de 2020. O recurso foi interposto no dia 11 de Dezembro de 2020.

Coloca-se a questão de saber qual o prazo de interposição do recurso, aplicável ao presente processo.    

E tem havido divergência na Jurisprudência relativamente a esta questão, decorrente da qualificação do procedimento especial de despejo (PED) como processo urgente ou não urgente.


Há quem entenda que não obstante o que consta do art.º 15.º S n.ºs 5 e 8 da Lei 6/2006 de 27-2 (NRAU) com a redacção introduzida pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, a lei não qualifica o PED como processo urgente.

Vejamos o teor desses normativos legais:

“5 - Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código do Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação.

8 - Os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente”.


Por sua vez, o art.º 638.º n.º 1 do CPC determina:

“O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 667.º”.

E com base nestes normativos, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2016:

“Como é sabido, em certos casos, a lei qualifica determinados processos como urgentes na sua globalidade, sem distinção de atos ou de fases neles integrados. Todavia, não foi essa a solução consagrada no citado artigo 15.º-S, que se limitou a determinar, no procedimento especial de despejo, a continuidade dos prazos processuais em férias judiciais e o carácter urgente dos atos a praticar pelo juiz. Assim sendo, não se mostra lícito qualificar todo aquele procedimento como urgente, mormente para além daquelas duas hipóteses, o que deixa de fora, por exemplo, os prazos para as partes interporem recurso ordinário, que é de trinta dias, ainda que correndo em férias judiciais, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC ex vi do n.º 5 do mencionado art.º 15.º-S da Lei n.º 6/2006”.

Ora, afigura-se-nos que este entendimento não é aquele que mais se coaduna com a coerência do sistema jurídico e com as regras de hermenêutica jurídica, designadamente a que resulta do disposto no art.º 9.º n.º 2 do Código Civil, segundo a qual não pode ser considerada pelo intérprete uma solução que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

Ora, no caso em análise, há uma forte correspondência verbal quanto à qualificação do processo como urgente na medida em que o legislador conferiu ao processo as características do processo urgente no que respeita à não suspensão dos prazos nas férias e à obrigatoriedade de o juiz dar prioridade à decisão desses processos. Assim, nada justifica, nem faria sentido que o processo fosse urgente apenas quanto aos actos do juiz e não para os actos das partes. Por que motivo iria       o legislador prever que os prazos do procedimento especial de despejo correm durante as férias judiciais, se não o considerasse um processo de natureza urgente? Por que motivo se obrigaria o juiz a dar prioridade aos despachos no âmbito do processo especial de despejo em detrimento dos restantes, se não pretendesse atribuir-lhe um caracter urgente?

“Processo urgente é, sem dúvida alguma, aquele cujos prazos não se suspendem durante as férias judiciais e em que os despachos e promoções deverão ser exaradas no prazo máximo de 2 dias. Quando, pois, o n.º 5 deste art. 15-S NRAU declara que, aos prazos do procedimento especial de despejo, “aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação” parece evidente e incontestável que se está a reportar a um processo urgente, pelo seu regime.

Se este é o estatuto do processo urgente, como  poderá negar-se o carácter urgente do procedimento especial de despejo, sem contrariar a própria evidência?”

É este, igualmente, o entendimento constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-03-2017, que sufragamos, segundo o qual o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos dos números 5 e 8 do art.º 15.º-S da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro e 638.º n.º 1 2.ª parte do CPC.

Assim sendo, o presente recurso tendo sido interposto, muito para além do referido prazo legal, deve ser rejeitado por extemporâneo».


4.2. Invoca a recorrente, Capital Partners, que o legislador optou por criar um regime de excecionalidade aplicável aos atos a praticar pelo tribunal no procedimento especial de despejo, os quais assumem carácter urgente, conforme se refere no n.º 8 do art.º 15.º - S da Lei n.º 6/2006 (com as alterações da Lei n.º 31/12, de 14 de agosto), sem, contudo, criar um regime equivalente para os atos praticados pelas partes, mormente, para o prazo de interposição de recurso. Entende ainda que a ratio deste regime diz respeito à necessidade de obter a desocupação rápida do imóvel, daí o juiz ter prazos curtos, que correm em férias judiciais, para praticar atos durante a pendência do processo na 1.ª instância, razão que já não é aplicável aos prazos de recurso, sobretudo porque no presente caso o imóvel já foi entregue aos proprietários-senhorios, e está em causa apena a discussão acerca de um direito de crédito da arrendatária, Capital Partners. Mais alega que a interpretação que encurta o prazo do recurso de apelação para 15 dias viola o direito fundamental de acesso à justiça, devendo, por isso, prevalecer, em caso de dúvida, a tese garantística.


4.3. Sobre esta questão existem na jurisprudência duas orientações distintas.

Uma tese, para a qual, não tendo o legislador qualificado como urgente o procedimento especial de despejo, limitando-se a prever a suspensão dos prazos em férias judiciais e a atribuir natureza urgente aos atos praticados pelo juiz durante a tramitação do processo em 1.ª instância, deve entender-se que se aplicam as regras gerais do Código de Processo Civil na fase de recurso, aplicando-se então o prazo geral de recurso de 30 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1, do CPC.

Esta tese está consagrada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-11-2016 (proc. n.º 470/15.2T8MNC.G1-A.S1): «I. Segundo os números 5 e 8 do artigo 15-S da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, no procedimento especial de despejo ali regulado, os prazos correm em férias judiciais e os atos a praticar pelo juiz têm carácter urgente, não existindo norma que estabeleça, em termos globais, a urgência desse procedimento. II. Afora aquelas duas hipóteses, não é lícito qualificar todo aquele procedimento como urgente, o que deixa de fora os prazos para as partes interporem recurso ordinário, que é de trinta dias, ainda que correndo em férias judiciais, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC ex vi do n.º 5 do mencionado art.º 15.º-S da Lei n.º 6/2006».


Para a segunda tese, consagrada no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 07-03-2017 (proc. n.º 2732/15.0YLPRT.L1-A.S1), o procedimento especial de despejo é um processo urgente, sendo o prazo do recurso de 15 dias, sem suspensão em férias judiciais: «O procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso o prazo de interposição de recurso é de quinze dias, nos termos conjugados dos nºs 5 e 8 do artigo 15º-S da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro e 638º, nº1, segunda parte do CPCivil».


5. Vejamos:

O Artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, sob a epígrafe «Disposições Finais», dispõe o seguinte, para o que aqui releva:

(…)

5. Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação.

(...)

8. Os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente».


O ponto de partida da interpretação é o texto da lei, o qual deve ser conjugado com outros elementos de interpretação, como o argumento sistemático, histórico e o teleológico ou racional, a fim de reconstituir o pensamento legislativo (artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), tendo por referência a presunção de acerto do legislador consagrada no artigo 9º, n.º3, do Código Civil, de onde decorre que "[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".

Para além de ter regulado o regime do contrato de arrendamento, a nova lei do arrendamento urbano veio igualmente inovar ao prever um novo procedimento para obtenção do despejo. Nos termos do n.º 1 do citado artigo 15.º, «O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes».

Com efeito, o artigo 15.º, n.º 1, da NRAU determina que o procedimento especial de despejo (doravante, designado por PED), serve para efetivar a cessação de um contrato de arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes. Acessoriamente, o procedimento pode também ser utilizado para obter coercivamente o pagamento de rendas, encargos e despesas que corram por conta do arrendatário, desde que não tenha sido intentada ação executiva para esse mesmo fim (artigo 15.º, n.º 5, da NRAU).

 O PED é um procedimento de injunção, uma vez que se destina a criar títulos executivos para entrega de coisa certa quando e se o locatário não se pronunciar, no prazo que lhe é dado para o efeito, relativamente à pretensão de efetivação do despejo do locador.

  Trata-se de um procedimento de injunção de natureza documentada, pois, não basta motivar a necessidade de efetivação no requerimento próprio, sendo, antes, necessário instruir o requerimento em causa com o contrato de arrendamento e com os documentos que determinaram a cessação deste contrato.

 A tramitação deste procedimento é variável em função da dedução da oposição por parte do arrendatário. Assim, não havendo oposição forma-se o título com o qual se fará o despejo. Já se o arrendatário deduzir oposição, o PED transmuta-se para uma ação declarativa que passa a ser apreciada fora do BNA, no âmbito judicial, no tribunal da comarca onde se situe o imóvel.  

O PED tem, assim, uma natureza tendencialmente extrajudicial, mas transforma-se numa ação declarativa a tramitar no tribunal, como um processo especial e urgente, despoletado por iniciativa do próprio arrendatário ao opor-se. Carateriza-se por ser um «processo híbrido» e «evolutivo», pois começa por ser uma injunção, para passar a ser um processo judicial se houver oposição do arrendatário, para poder ser, no âmbito do mesmo procedimento e depois de formado o título executivo, uma execução (não judicial) para entrega de coisa certa, ou seja, para efetivação do despejo (cfr. Elizabeth Fernandez, “O procedimento especial de despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional)”, Revista Julgar, n.º 19, 2013, p. 78), p. 78).

Como se afirma em dissertação de mestrado orientada por Olinda Garcia (cfr. António Lopes Regadas, Procedimento especial de despejo. A eventual limitação de Direitos Fundamentais, Dissertação de Mestrado, Universidade de Coimbra, 2017, p. 29, disponível para consulta, in

https://eg.uc.pt/bitstream/10316/83864/1/disserta%C3%A7%C3%A3o_com_capa.doc.pdf«Trata-se de uma fase jurisdicional marcada assumidamente pela celeridade processual mas que tem de procurar um ponto de equilíbrio entre dois interesses antagónicos e em litígio: por um lado, o direito de exercício do contraditório para permitir ao requerido a apresentação da sua defesa e, por outro, a possibilidade do arrendatário ter interesse, apenas e só, em retardar o despejo com o recurso ao incidente de oposição frustrando, pelo menos temporariamente, a pretensão do senhorio. A solução encontrada pelo legislador para equilibrar estas antagónicas pretensões radica num prazo relativamente curto entre a marcação da data de audiência de julgamento e a prolação da respetiva sentença: 20 dias, nos termos do disposto no artº 15º-I do NRAU/12 para se realizar a audiência de julgamento a contar da distribuição».


Todavia, o legislador, diferentemente do que fez, por exemplo, em sede de procedimento cautelar (artigo 363.º, n.º 1, do CPC), não classificou o PED como um processo urgente, limitando-se a afirmar que os prazos deste procedimento especial não suspendem durante as férias judiciais e não há lugar a qualquer dilação, frisando também que os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente.

Na base da qualificação legal de um processo como urgente está a ideia de que o conjunto das diligências a realizar nele tem como fim ou função última a prevenção de um dano que o legislador presumiu irreparável para uma das partes (...)" (cfr. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, p.122).

A natureza urgente dos procedimentos cautelares, consagrada de forma inequívoca no artigo 382.º do CPC, na redação dada pelo DL n.º 180/96, de 25-9, (correspondente ao atual 363.º do CPC/2013), decorre da sua estrutura simplificada e dos seus objetivos de concentração, eficácia e celeridade, e não está limitada à tramitação anterior à decisão cautelar, valendo o fator aceleração para estender a natureza urgente a toda a tramitação dos procedimentos cautelares, na 1.ª instância ou nos tribunais de recurso, não havendo razões para excluir deste regime o prazo para a  interposição de recurso (cfr. Abrantes Geraldes, Procedimento Cautelar Comum, in Temas da Reforma do Processo Civil, Volume III, 4.ª edição revista e ampliada, p. 145).

Esta solução já era defendida, por alguma jurisprudência, antes da consagração expressa, na letra da lei, da natureza urgente dos procedimentos cautelares, e inferia-se da sua natureza, pressupostos e objetivos.

Os procedimentos cautelares antes da Reforma de 1995/95 não eram expressamente classificados como urgentes pelo legislador na falta de uma norma semelhante ao atual artigo 363.º, n.º 1, do CPC. No contexto anterior à Reforma de 95/96, a posição dominante na jurisprudência era aquela que cindia o processo em fases, entendendo que os prazos suspendiam durante as férias judiciais nas fases de oposição do requerido, por embargos ou por agravo (cfr. por todos: acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08-03-1984, CJ, 1984, T. II, p. 269). Todavia, a Reforma de 1995/96, consagrando expressamente o “(…) caráter urgente do procedimento cautelar, sem distinguir entre a fase que precede a decisão e a que se lhe segue, por via do recurso interposto pelo requerente ou pelo requerido ou por dedução de oposição ex post, leva a concluir que respeita a todas as suas fases, devendo assim os atos do procedimento preceder sempre os atos a praticar em processos não urgentes (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Artigos 362.º a 326.º, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 17). Deixou, pois, de existir um processo que se podia dizer de natureza mista, urgente e não urgente, e que nunca foi consensual na jurisprudência. O diferendo jurisprudencial em torno desta questão foi resolvido pelo AUJ n.º 09/2009, que uniformizou jurisprudência, estipulando que “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso”.


6. Será que a omissão do legislador quanto à classificação do Procedimento Especial de Despejo (PED) como processo urgente assume um sentido jurídico segundo o qual as questões não abrangidas expressamente pelos n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º-S do NRAU, como p. ex. os prazos de recurso, estariam excluídas do regime dos processos urgentes?  

O problema interpretativo reside precisamente na circunstância de o legislador ter previsto que os atos a praticar pelo juiz no PED assumem carácter urgente, mas não ter qualificado o processo como urgente.

Para a primeira tese, tendo o legislador expresso uma posição quanto à natureza urgente dos atos a praticar e dos prazos a observar pelo tribunal de 1.ª instância, sem atribuir ao procedimento de despejo, como um todo, uma natureza urgente, tal significaria que quis remeter os prazos de recurso para o regime geral do Código de Processo Civil fixado no artigo 638.º, n.º 1.

Esta tese, mais garantística para os recorrentes, apresenta, contudo, a fragilidade de admitir um processo que para determinados efeitos é tratado como um processo urgente, designadamente para a sua tramitação no tribunal de 1.ª instância, e para outros efeitos – os atos das partes em sede de recurso – como um processo comum, o que sempre constituiria uma figura anómala no processo civil e desprovida de uma razão de ser forte, pois se o legislador pretende, como expressamente afirmou, que estas ações sejam decididas com celeridade, não parece ser coerente com esta ratio admitir prazos de recurso mais longos

Para a segunda tese, a classificação de um processo como urgente pode resultar da atividade interpretativa do julgador, mesmo que o legislador não o tenha qualificado expressamente como tal. A operação de qualificação pode ser feita pelo próprio intérprete, tendo como referência o regime jurídico fixado pelo legislador e deduzindo desse regime a natureza do processo. Ou seja, a omissão do legislador relativamente à qualificação do procedimento de despejo como urgente, seguindo uma técnica legislativa distinta da adotada para os procedimentos cautelares, que expressamente qualificou como urgentes (artigo 363.º, n.º 1, do CPC), não permite ler os n.ºs 5 e 8 através de um argumento a contrario, que sujeita todos os atos não previstos nesses preceitos ao regime geral dos prazos de recurso, num contexto legislativo em que o legislador estabeleceu um regime de prazos curtos e urgentes para a tramitação no tribunal de 1.ª instância. Assim, julga-se mais conforme com a intenção do legislador que a natureza urgente do PED se alargue à fase de recurso, permitindo a agilização da resolução definitiva das questões jurídicas decorrentes do despejo e das rendas em dívida, não se destinando a natureza urgente apenas à obtenção célere da desocupação do imóvel. O argumento a contrario, enquanto uma expressão de lógica jurídica, que permite deduzir de uma disciplina excecional estabelecida para certo caso, um princípio regra de sentido oposto para os casos não abrangidos na norma excecional, tem de ser utilizado com muita prudência, como defendia Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1982, p. 187), exigindo-se que a norma seja clara na tipificação dos casos sujeitos ao regime excecional, assim sucedendo quando a hipótese legal é constituída por uma enumeração taxativa ou quando exprime um ius singulare. Ora, no caso vertente, a norma constante do n.º 5 recebeu uma formulação suficientemente ampla para abranger outros casos para além dos prazos a observar pelo juiz no tribunal de 1.ª instância, podendo, também, potencialmente, dada a sua amplitude, referir-se aos atos das partes em sede de recurso, o que impede o funcionamento do argumento a contrario, por não existir uma “implicação intensiva”, na expressão de Baptista Machado, entre a hipótese e a estatuição, na medida em que não se demonstra que a consequência jurídica – a continuidade dos prazo em férias judiciais – só se produz nas hipóteses definidas nos n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º‑S da Lei do Arrendamento, e não noutras.

Por outro lado, a ratio que presidiu à criação deste procedimento especial de despejo foi a da celeridade, o que equipara este meio processual, até na expressão usada pelo legislador para o designar - “procedimento” - aos procedimentos cautelares. Esta qualificação legal baseia-se na ideia de que a tramitação do PED deve ser simples e expedita, pautada por um imperativo de brevidade, tendo por objeto proceder à desocupação do imóvel e cumulativamente à condenação do arrendatário no pagamento de rendas, despesas ou encargos em dívida, aplicando-se quer ao arrendamento habitacional, quer ao não habitacional (cfr. Pinto Furtado, Comentário ao regime do arrendamento, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 853).

 A doutrina que se debruça sobre o regime do contrato de arrendamento tem também defendido a natureza urgente do PED, afirmando que foi intenção do legislador que o contencioso fosse resolvido com celeridade, não se justificando uma dualidade de regimes, que fizesse atrasar a decisão definitiva do processo com a aplicação do prazo geral de recursos ordinários, e deduzindo a natureza urgente do processo das soluções consagradas pelo legislador nos n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º-S do NRAU.

Assim, Elizabeth Fernandez (ob. cit., p. 78): «Isto decorre do preceituado no artigo 15.º-S da NLAU, mais especificamente do n.º 5, o qual revela que aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar a suspensão por férias judiciais, nem a qualquer dilação. Do mesmo modo, essa mesma natureza urgente decorre do n.º 8 do mesmo preceito, segundo o qual, os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente, o que significa que tais atos são praticados em férias judiciais e que as diligências que lhe digam respeito têm preferência sobre quaisquer outras não urgentes».

Também em dissertação de mestrado orientada por Olinda Garcia (cfr. António Lopes Regadas, ob. cit., p. 24), se defendeu que «O PED é um procedimento com carácter urgente pois, nos termos do artº 15º-S nº 5 do NRAU/12, não há lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação, referindo ainda o nº 8 do mesmo artigo que os atos a praticar pelo juiz assumem carácter urgente».

No mesmo sentido, considerando o PED um processo urgente, afirma Pinto Furtado (ob. cit., pp. 900-901), em anotação ao artigo 15.º-S, por força do estipulado nos n.º s 5 e 8 do preceito, o seguinte:

«Queremos crer que o preceito refere a natureza urgente mais a propósito do seu desenvolvimento na 1.ª instância do que porque o queira restringir a esse período.

É que toda a estrutura do procedimento especial de despejo está manifestamente construída, na redução dos seus prazos; cômputo durante férias e “sem dilação alguma”; na economia e simplicidade de termos, e na adopção de certas providências que se caracterizam peo objectivo de se finalizar prontamente constituindo-o, apenas como um procedimento que não chega a processo – tudo isto o caracteriza, a nosso ver, como urgente.

E que é esse o seu verdadeiro carácter, revela-o ainda, prontamente, o elemento histórico da interpretação.

Ele foi, com efeito, moldado em 2012, em vista da recomendação da troica de se estabelecer um sistema procedimento de despejo muito mais rápido do que os cinco anos que, escandalosamente, estavam a durar, em média, entre nós, as ações de despejo – e que as Reformas posteriores fundamentalmente, acrescentando-lhe os arts 15-T e 15-U, para lhe aditar o instituto da injunção.

Fixou-se mesmo, então, como temos dito, uma meta que se considerava recomendável como tempo normal para a sua conclusão: três meses.

Foi para se alcançar este objetivo que se traçou o novo procedimento, moldando-o pela injunção.

De resto e definitivamente, se, no n.º 5 deste artigo, vimos que os prazos do procedimento, não se suspendem e continuam a contar-se durante as férias judiciais sem dilação alguma, aqui esta marca indelével e específica da urgência.

A jurisprudência tarda, todavia, por vezes, em assimilar esse espírito estruturante do seu normativo legal, interpretando-o sob influência de um passado que o legislador substituiu».

 

7. Vejamos:

Em matéria de aferição do prazo recursivo, regem os artigos 638.º, 1 («O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.»), e 677.º do CPC, em conjugação com os artigos 138.º, n.º 1, 139.º, n.º 3, e salvaguardadas as situações de tempestividade anómala previstas nos artigos 139.º, n.º 4, e 140.º ("justo impedimento"), e 139.º, n.º 5 e ss (prorrogação em prazo adicional de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, condicionada ao pagamento de multa pelo beneficiário desta dilação), todos do CPC.

O regime legal dos processos urgentes encontra-se plasmado na parte final do n.º 1 do artigo 138.º do CPC: “O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes”.  (destaque nosso)

O prazo-regra de interposição de recurso, nos processos urgentes, é de 15 dias. Trata-se de um prazo contínuo, que não se suspende em férias judiciais – artigo 138.º, 1, do CPC. E é um prazo perentório, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC, que estipula «o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato». A não suspensão dos prazos em férias judiciais é assim um elemento caraterizador dos processos urgentes.


8. Em anteriores acórdãos uniformizadores de jurisprudência, este Supremo Tribunal já se debruçou sobre questões relativas a prazos, sendo possível da fundamentação neles exarada retirar argumentos relevantes para a questão em apreço.

No Acórdão Uniformizador 9/2009, publicado Diário da República n.º 96/2009, Série I de 2009-05-19, o Supremo Tribunal de Justiça chamado a conhecer a questão de saber se o caráter urgente dos procedimentos cautelares respeita a todas as suas fases, inclusive à fase de recurso, entendeu que não fazia sentido restringir o caráter urgente apenas a uma determinada fase do processo. Assim, o Supremo Tribunal procedeu à uniformização da jurisprudência nos seguintes termos: «Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso».

A fundamentação aduzida, para o que aqui releva, foi a seguinte: 

«No que concerne em concreto à característica da natureza urgente do procedimento, é de salientar que ela não estava expressamente afirmada na regulamentação anterior à Reforma de 1995 -1996 (operada pelos Decretos-Leis n.ºs 329 -A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro). Ainda assim, a orientação então dominante era a de que os procedimentos cautelares se inseriam na categoria de actos que se destinavam «a evitar dano irreparável» (antigo artigo 143.º, n.º 1, do CPC) e que, nessa medida, tinham carácter urgente (4).

Com a Reforma, a urgência do procedimento foi peremptoriamente assumida no artigo 382.º do CPC, cujo n.º 1 passou a dispor que «os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente».

A subordinação à urgência, dirigida à obtenção de uma decisão provisória no menor espaço de tempo, reflecte-se em vários aspectos da marcha cautelar, implicando, designadamente, que os actos praticados no seio dessa tramitação precedam qualquer outro serviço judicial (artigo 382.º, n.º 1, in fine, do CPC), que a decisão em 1.ª instância seja proferida em prazo máximo curto (artigos 382.º, n.º 2, 385.º, n.º 1, 394.º, e 408.º, n.º 1, do CPC), e que não se suspendam durante as férias judiciais os prazos processuais estabelecidos no âmbito dos processos cautelares (artigo 144.º, n.º 1, do CPC).

(…)

 Depois, os motivos que justificam a celeridade do processo cautelar até à prolação da decisão que conhece do pedido do requerente subsistem tanto na fase da oposição do requerido nos casos em que houve dispensa do contraditório prévio, como na fase recursiva. Na verdade, e por um lado, o requerido tem direito a que, na oposição deduzida ou no recurso interposto, seja proferida rapidamente a decisão sobre a falta de fundamento daqueloutra que decretou a providência, de modo a eliminar (ou prevenir) o dano que esta trouxe à sua esfera jurídica. Por outro lado, não se pode negar ao requerente que viu indeferida a providência requerida a tramitação célere do recurso que, entretanto, interpôs, na medida em que o perigo de insatisfação do seu direito aumenta à medida que o tempo passa.

Acresce ainda que somente uma tramitação célere de toda a instância cautelar consegue alcançar a segurança e a certeza procedimentais que imperiosamente devem nortear o traçado de qualquer regime processual: conceber momentos processuais dotados de carácter urgente e outros sem tal característica dentro do mesmo processo, sem razão aparente, contraria frontalmente tais objectivos. E não é só essa necessária unidade processual que impõe que nos procedimentos cautelares a urgência se estenda a todas as suas fases. Há que considerar e de forma decisiva que, para além do interesse das partes, há uma razão de fundo, de interesse público, que exige esta celeridade. Sublinhado nosso

(…)

Finalmente, a diversidade do regime de recursos, consoante se trate de decisão que não ordenou ou que revogou [efeito suspensivo — artigos 388.º, n.º 2, 738.º, n.º 1, alínea a), e 740.º, do CPC] ou que ordenou/manteve a providência [efeito devolutivo — artigos 388.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 738.º, n.º 1, alínea b), e 740.º, n.º 1, a contrario, do CPC], não permite a conclusão de que o procedimento apenas mantém carácter urgente na fase recursiva no primeiro tipo de decisões; significa apenas que a garantia provisória de um direito merece protecção especial, mas não exclui a urgência do processo quando a providência tenha sido decretada. De outra forma, estar-se-ia a admitir uma diversidade de tramitações processuais, definidas em torno do efeito do recurso, violadora do princípio da igualdade das partes (artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 3.º -A do CPC). Por outras palavras, a garantia provisória do direito não deve fazer esquecer a urgência da outra parte em infirmar essa garantia decretada de forma precária e que pode constituir uma lesão do seu direito que também o tempo agravará.

Assente a natureza urgente de todas as fases da instância cautelar, designadamente a da oposição do requerido, os prazos processuais a observar na sua tramitação devem obedecer ao disposto no artigo 144.º, n.º 1, segunda parte, do CPC e, nessa medida, são contínuos, não se suspendendo, portanto, durante as férias judiciais.

E porque os actos incluídos na marcha dos procedimentos cautelares são actos que se destinam «a evitar dano irreparável», pois respeitam a processos que a lei configura e qualifica como «urgente», eles devem ser praticados durante as férias judiciais, se o respectivo prazo terminar durante estas, de acordo com o disposto no artigo 143.º, n.º 2, do CPC».


Mais tarde, no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2021, o Supremo Tribunal chamado a resolver a questão de saber se, nos processos urgentes, terminando o prazo para a prática de um ato em período de férias judiciais e o ato a praticar não se destinar a evitar dano irreparável, essa prática se transfere para o primeiro dia útil seguinte, decidiu que “(…) todos os actos dos processos urgentes, inserindo-se na tramitação de um processo que a lei qualifica de forma especial particular, dispensam a concretização distintiva de apurar quais os destinados a evitar dano irreparável, e isto porque, todo o processo legalmente assim qualificado (como urgente) e não algum dos seus actos, está investido dos imperativos processuais de celeridade”, entendendo que este regime vale também para os prazos de recurso, que se devem considerar abrangidos, nos processos urgentes, por uma presunção de que o seu adiamento causa danos irreparáveis.

Assim se afirma no citado AUJ n.º 1/2021 o seguinte: «E com idêntica expressão se pronuncia Rui Pinto, considerando que "Em consequência da qualificação do processo como urgente, vigoram também nos recursos das decisões proferidas em procedimentos cautelares as regras da continuidade absoluta do prazo processual, isto é, os prazos recursais em procedimentos cautelares não se suspendem em férias judiciais (...) Conexamente, por aderirmos a tese de Lopes do Rego, o art. 143 n.º 2, com a sua regra excepcional da prática imediata do acto processual mesmo nos dias em que os tribunais estiverem encerrados e durante o período de ferias judiciais, vale igualmente, de modo irrestrito, também na instância recursal».

O segmento uniformizador consagrou o princípio de que «Os actos inseridos na tramitação dos processos qualificados como urgentes, cujos prazos terminem em férias judiciais, são praticados no dia do termo do prazo, não se transferindo a sua prática para o primeiro dia útil subsequente ao termo das férias judiciais».

Embora este Acórdão Uniformizador se refira aos processos que o legislador qualifica como urgentes – e no nosso caso o legislador não o fez, sendo precisamente essa omissão que suscita o problema a analisar – o Supremo Tribunal adota um critério normativo de unidade processual, que não permite destacar dentro do mesmo processo atos que seguem o regime dos processos urgentes e outros que seguem o regime geral.


9. Ora, em face do exposto não faz sentido que o legislador atribua aos atos a praticar pelo juiz no tribunal de 1.ª instância uma natureza urgente, baseada num interesse público de celeridade, e depois esse interesse público ceda em relação aos atos a praticar pelas partes, designadamente, para o prazo de interposição de recurso, que ficaria suspenso em férias judiciais. Aceitando a tese da unidade do processo, no que diz respeito à exigência de celeridade, o legislador seria contraditório, se consagrasse a urgência apenas para a fase em que o processo se encontra no tribunal de 1.ª instância, abandonando a mesma na fase de recurso. Pelo que, o facto de o legislador não ter qualificado como urgente o PED tem de ser visto como um lapso contrário ao plano legislativo para estes procedimentos de despejo, omissão que pode ser preenchida pelo intérprete recorrendo a um raciocínio dedutivo a partir do concreto regime jurídico em causa (artigo 15.º, n.ºs 5 e 8, do NRAU) e da sua razão de ser: a celeridade na obtenção de uma resolução definitiva do litígio entre senhorio e arrendatário.

A reforçar este argumento, constata-se que não são apenas estas duas normas – isto é, os n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º-S do NRAU – que impõem a qualificação do procedimento especial de despejo como um processo de natureza urgente.

Todo o regime e a estrutura do PED, tal como se encontram desenhados pelo legislador, apontam para esta qualificação, podendo falar-se de um regime jurídico disperso por várias normas do NRAU, onde se preveem mecanismos de agilização e economia do processo, que constituem um afloramento dessa natureza urgente:

i. Nos casos em que é requerido apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono judiciário e de pagamento de honorários, o prazo geral de 30 dias fixado por lei para a propositura da ação é reduzido para 10 dias (cfr. artigo 15.º-S, n.º 1, alínea a) do NRAU);

ii. A faculdade concedida ao patrono nomeado pela Ordem dos Advogados para requerer uma prorrogação do prazo para a propositura da ação, fundamentando o pedido, não se aplica ao procedimento especial de despejo (cfr. artigo 15.º-S, n.º 1, alínea b), do NRAU);

iii. O recurso da decisão judicial para desocupação do locado tem sempre efeito meramente devolutivo, o que significa que se encontra afastada a possibilidade de requerer a atribuição de efeito suspensivo, mediante o pagamento de uma caução, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 647.º do CPC (cfr. artigo 15.º-Q do NRAU);

iv. Após a notificação efetuada pelo Balcão Nacional do Arrendamento (“BNA”), o requerido tem um prazo de 15 dias para desocupar o locado e pagar a quantia peticionada, ou deduzir oposição à pretensão (cfr. artigo 15.º-D, n.º 1, alíneas a) e b) do NRAU);

v. A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a ata (cfr. artigo 15.º-I, n.º 10, do NRAU).


 A doutrina processualista parece admitir que a qualificação de um processo como urgente pode decorrer da interpretação das normas jurídicas e não de uma categorização feita expressamente pelo legislador na letra da lei. Neste sentido, Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 165), em anotação ao artigo 638.º do Código de Processo Civil, afirma que a aplicação do prazo de recurso de 15 dias “convoca a necessidade de averiguar casuisticamente quais os processos que a lei qualifica como tal”, indicando uma lista, não exaustiva, de processos urgentes na nota 269, em que inclui o procedimento especial de despejo.

 Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-03-2017 (proc. n.º 2732/15.0YLPRT.L1-A.S1): “(…) o processo ou é urgente ou não é urgente, aplicando-se o regime processual da urgência na sua totalidade, não podendo haver processos semi-urgentes, ou apenas urgentes em determinadas fases processuais, vg a contagem dos prazos, e muito menos, apenas urgentes, no que diz respeito à prolacção de despachos pelo Juiz”.

Com efeito, por força de critérios de racionalidade e de coerência com o objetivo de celeridade e estrutura simplificada do PED, não faz sentido que a fase de recurso siga, quanto a prazos, o regime geral dos recursos de revista, atrasando a decisão definitiva de um procedimento que o legislador quis conformar pelos princípios da simplificação e da celeridade. Impõe-se, pelo contrário, a aplicação do regime dos processos urgentes também nesta fase, deduzindo-se dos n.º 5 e 8 do artigo 15-S da Lei n.º 6/2006 (com as alterações subsequentes) e de toda a tramitação do PED que o ato de interposição de recurso deve ser processado em obediência às mesmas exigências de celeridade que ditaram a tramitação do processo no tribunal de 1.ª instância.

Para a resolução da questão de direito, objeto do presente processo, são válidos os critérios que conduziram ao alargamento do regime dos processos urgentes a todas as fases dos procedimentos cautelares, incluindo à fase de recurso, tal como afirmados por Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, Volume III, ob. cit., p. 146):

 «Não faz qualquer sentido que, na primeira fase, o procedimento corra os seus termos com celeridade e passe a pautar-se por critérios diferentes, potenciando maior arrastamento, quando o requerido se oponha à providência decretada e requeira a sua substituição ou a revogação pura e simples. Tanta protecção merece a posição do requerente que, com invocação e prova sumária dos requisitos legais, obtém uma providência com efeitos imediatos, como a do requerido que, discordando dos fundamentos de facto ou de direito em que se baseou a decisão, procura afastar os prejuízos que a execução imediata causa na sua esfera de interesses, requerendo o levantamento da providência ou a prestação de caução substitutiva.

Esta justificação deve ser estendida à fase de recurso, como claramente determina a doutrina que emana do Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ, n.º 9/09, de 31-3-09, no D.R., I Série, de 19-5-09, segundo o qual “os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso».


9. Todavia, invoca a recorrente que havendo divergência jurisprudencial, se criou uma situação de insegurança jurídica que impõe a aceitação do prazo mais longo por ser esta a solução mais garantística.

Mas não tem razão, pois, havendo jurisprudência contraditória quanto à extensão do prazo, compete às partes a diligência de adotar, por razões de prevenção, o prazo mais curto.

Não se pode, pois, afirmar que a classificação jurisprudencial do presente processo como urgente, para efeitos de determinação do prazo de recurso e do seu modo de contagem, constitua uma violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 5, da CRP), nem do princípio da confiança ínsito no artigo 2.º da CRP ou do princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, na medida em que a tramitação do processo foi considerada urgente no tribunal de 1.ª instância e existia já, à data do recurso de apelação, uma jurisprudência anterior dos tribunais da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça nesse sentido, não se podendo afirmar que a decisão do Tribunal da Relação fosse uma decisão-surpresa ou que a apelante tivesse uma expetativa sólida e juridicamente protegida de que o prazo aplicável fosse de 30 dias com suspensão em férias judiciais.


10. Entende ainda a recorrente que, sendo o concreto objeto do recurso apenas a determinação do montante exato das rendas em dívida, e não a desocupação do imóvel, deve neste caso ser admitido o recurso de apelação. Todavia, também neste ponto não lhe assiste razão, pois a ideia de unidade do processo impõe, não só que o regime jurídico quanto a prazos seja o mesmo em todas as fases do processo, como também a ausência de uma duplicidade de regimes jurídicos quanto a prazos consoante a questão jurídica discutida no processo, tanto mais que o artigo 15.º, n.º 5, prevê que o procedimento especial de despejo abranja o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário cumulativamente com o pedido de despejo.


11. Conclui-se, pois, que o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e que o prazo de interposição de recurso é de quinze dias e não se suspende durante as férias judiciais, nos termos conjugados dos nºs 5 e 8 do artigo 15º-S da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro e do artigo 638º, nº1, segunda parte do CPC.

Assim sendo, confirma-se o acórdão recorrido que rejeitou o recurso de apelação por extemporaneidade.


12. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

«O procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso o prazo de interposição de recurso é de quinze dias, nos termos conjugados dos nºs 5 e 8 do artigo 15º-S (aditado à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pela Lei n.º 31/12, de 14 de agosto) e do artigo 638º, nº1, segunda parte do Código de Processo Civil».


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Indeferir a reclamação e admitir o recurso de revista, confirmando-se o despacho reclamado;

b) Negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, que rejeitou o recurso de apelação por extemporaneidade.

Custas da reclamação pelos recorridos.

Custas da revista pela recorrente.


Lisboa, 4 de novembro de 2021


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Fernando Samões (2.º Adjunto)