Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1272/16.4T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Data do Acordão: 07/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / NOÇÃO E ÂMBITO / PRESUNÇÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
-Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, p. 274, 275 e 277 ; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 229, 231 e 233;
-Joana Nunes Vicente, Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade, publicado em «Código do Trabalho – Revisão de 2009», Coimbra Editora. 2011, ps. 59 e ss.;
-João Leal Amado, Presunção de Laboralidade: Nótula sobre o art.º 12.º do novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação, publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, CEJ/Coimbra Editora, p.159 e ss.;
-Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspetiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489;
-Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho, 2016, 10.ª Edição, Almedina, p. 77.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 12.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
DL N.º 49.408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 02-05-2007, PROCESSO N.º 4368/06, IN WWW.DGSI;
- DE 17-10-2007, IN WWW.DGSI;
- DE 13-02-2008, PROCESSO N.º 356/07;
- DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 1426/08;
- DE 16-09-2008, IN WWW.DGSI;
- DE 22-04-2009, IN WWW.DGSI;
- DE 08-01-2013, PROCESSO N.º 176/10.9TTGRD.C1.S1;
- DE 18-09-2013, PROCESSO N.º 2775/07.7TTLSB.L1.S1;
- DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 329/08.0TTCSC.L1.S1;
- DE 21-09-2017, PROCESSO N.º 2011/13.7LSB.L2.S1;
- DE 26-10-2017, PROCESSO N.º 1175/14.7TTLSB.L1.S1.
Sumário :

I. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.

II. A presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova, o que poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.

III. Estando em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.

IV. Resultando da factualidade provada que o interesse de uma empresa era o resultado da atividade desempenhada por um colaborador, a quem era deixada margem de liberdade para organizar o serviço, e não existindo indícios de sujeição a ordens ou instruções, é de concluir que o autor não logrou provar, como lhe competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                               I

                Relatório:

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial para reconhecimento de contrato de trabalho, contra AA, S.A. pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e BB.

                Para o efeito alegou em síntese:

- Não obstante a celebração de um contrato de prestação de serviço, alvo de sucessivos aditamentos, existe entre o autor e a ré um verdadeiro contrato de trabalho;

- A atividade profissional desenvolvida pelo autor assume todas as características de contrato de trabalho subordinado, para além de se presumir a existência do mesmo, nos termos do art.º 12.º, n.º 1. alíneas a) e b), do Código do Trabalho. 

2. A ré contestou alegando que o contrato em causa é um contrato de prestação de serviço reunindo as características deste tipo contratual.

3. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e declarou existir um contrato de trabalho entre a ré e BB, desde 2 de novembro de 1995.

4. A ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar a mesma improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

5. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista excecional, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O presente Acórdão na sua fundamentação jurídica remete para a fundamentação já vertida no Acórdão 777/16.1T8LRS.L1 e também, para a presunção de laboralidade estabelecida no artigo 12.º do CT/2009.

2. No referido Acórdão 777/16.1T8LRS.LI vem expressamente referido, na sua linha de raciocínio, que foi tida em consideração não apenas a legislação em vigência à data do início da relação contratual entre as partes mas também "as normas estabelecidas, respetivamente, nos Códigos de Trabalho aprovados pela Lei n.º 99/2003 de 27/8 e pela Lei n.º 7/2009, de 12/2".

3. Fazendo depois inúmeras considerações sobre a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do atual Código do Trabalho, concluindo que "Se é verdade que a estipulação da presunção legal de laboralidade no Código do Trabalho de 2003 e em termos práticos, em nada beneficiava quem tinha o ónus de alegação e prova da existência de contrato de trabalho, com a estipulação desta última presunção, bastará que quem tem esse ónus alegue e demonstre que, na relação existente entre trabalhador e empregador se verificam alguns, pelo menos duas das apontados características, competindo, a partir daí, ao empregador o ónus da elisão dessa presunção de laboralidade. Ora, considerando tudo quanto acabámos de expor e revertendo ao caso em apreço..." Donde,

4. Dúvidas não há que a decisão recorrida se alicerçou na referida presunção do artigo 12º do atual Código do Trabalho, baseando a sua decisão jurídica na referida presunção. Com efeito,

5. Não apenas o Acórdão 777/16.1T8LRS.L1, para o qual se remete, tem essa menção expressa, como a decisão recorrida faz questão de salientar que a mesma é tomada também por referência à presunção de laboralidade estabelecida no artigo 12.º do CT/2009". Sendo que,

6. Conforme resulta do acervo factual constante na decisão recorrida, os presentes autos são uma ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho prevista na Lei n.º 63/2013, de 27-8.

7. Os presentes autos iniciaram-se com uma ação inspetiva da ACT no dia 16-11-2015 na sede e instalações da Recorrente (ponto 1 da matéria de facto).

8. A relação contratual entre a Recorrente e o alegado trabalhador iniciou-se no ano de 1995 com a assinatura de um contrato denominado de prestação de serviço (ponto 13 da matéria de facto).

9. Esse contrato foi sujeito a uma série de aditamentos, sem que se afigure da matéria constante nos autos que os mesmos tenham introduzido qualquer alteração relevante na relação entre as partes (ponto 14 da matéria de facto). Ou seja,

10. Considerou a decisão recorrida que a uma relação que se inicia antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 e de 2009 se aplicam as disposições legais constantes nestes diplomas, mais concretamente a presunção de laboralidade que consta atualmente no artigo 12.º, em vez da legislação aplicável à data de início dessa mesma relação, ou seja, o artigo 1.º da Lei do Contrato de Trabalho prevista no Decreto-Lei 49.408, de 24-11-1969. No entanto,

11. Há um acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, que está em contradição com a decisão recorrida, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, Com efeito,

12. No âmbito do processo 313/16.0T8VFX.L1 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 11-01-2017, em que foi relator CC, também no âmbito de uma ação especial para reconhecimento de contrato de trabalho prevista na Lei 63/2013, de 27-8, conforme cópia que ora se junta, protestando-se juntar certidão do mesmo com trânsito em julgado.

13. Esses autos tiveram igualmente início na supra referida ação inspetiva da ACT no dia 16-11-2015 na sede e instalações da Recorrente (ponto 2 da matéria de facto do Acórdão fundamento).

14. Nesses autos a relação contratual entre a Recorrente e o alegado trabalhador iniciou-se também no ano de 1995 com a assinatura de um contrato denominado de prestação de serviços (ponto 12 da matéria de facto do Acórdão fundamento).

15. Esse contrato foi também sujeito a uma série de aditamentos (os mesmos que na decisão recorrida) sem que se afigure da matéria constante nos autos que os mesmos tenham introduzido qualquer alteração relevante na relação entre as partes (ponto 16 da matéria de facto). No entanto,

16. Nesses autos, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que, a uma relação que se inicia antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 e de 2009 não se aplicam as disposições legais constantes nestes diplomas, mais concretamente a presunção de laboralidade que consta atualmente no artigo 12.º aplicando, ao invés, a legislação em vigor à data de início dessa mesma relação, ou seja, o artigo 1.º da Lei do Contrato de Trabalho prevista no Decreto-Lei n.º 49.408 de 24-11-1969. Com efeito,

17. Como se pode ler na fundamentação jurídica do Acórdão fundamento:

«Resta agora decidir se, face à matéria de facto provada, inicialmente e agora aditada, se o contrato estabelecido entre as partes é de trabalho. Tendo o contrato sido celebrado entre o DD e a recorrida em abril de 1995 [Facto provado enumerado em 12.] e executado sem solução de continuidade relevante, podemos dizer que é aplicável à sua qualificação o Regime Jurídico do Contrato individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, não relevando as presunções a esse título previstas no Código de Trabalho de 2003 e de 2009. [Artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil. Neste sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-05-2012, no processo n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1 – 4.ª. Secção, de 15-11-2012, no processo nº 247/10.1TTTM R.Cl.SI – 4.ª Secção, todos publicados em http://www.stj. p t/ficheiros/jurisp-tematica/contratodetrabalhovscontratodeprestacaooservico_socíal.pdf de 05-03-2013, no processo n.º 3247/06.2TTLSB.L1.S1, de 15-04-2015, no processo n.º 329/08.0TTCSC.Í1.S1 e de 09-09-2015, no processo n.º 3292/13.1TTLSB.L1.S1, estes publicados em http://www.dgsi.pt.

[...]

De todo modo, sendo o contrato de trabalho facto constitutivo do direito do trabalhador, uma vez que é a partir da prova da sua realidade que pode ver declarado o direito que peticiona em juízo, sobre o demandante Ministério Público impendia o respetivo ónus de prova. [Como refere o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.]

Mas se alegou que o contrato celebrado entre DD e a recorrida era de trabalho, já não logrou provar que assim fosse.»

Sendo que, convém realçar,

18. Deste último Acórdão não foi interposto recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado.

Assim,

 19. Dúvidas não podem subsistir que estamos perante uma situação de um acórdão da Relação que está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pela mesma Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

20. Importando ainda referir que não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência sobre este tema em concreto. Pelo que,

21. A presente decisão é passível de recurso de revista excecional nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo n.º 672.º do Código de Processo Civil. Ora,

22. Sendo admissível o recurso e versando o mesmo apenas questões de direito, importa, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do Código de Processo Civil indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

23. A primeira norma jurídica violada é precisamente o artigo 342.º do Código Civil e os artigo 8.º, n.º 1, da Lei Preambular da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto e 7º da Lei Preambular da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro. Sendo que, 

24. Uma correta aplicação destes preceitos deveria ter concluído pela aplicação, ao caso concreto, do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 49.408 de 24-11-1969 (de ora em diante LCT) e 1154.º do Código Civil, tendo em consideração a data de início da relação contratual existente entre as partes que ora se discute, o que aliás fez a sentença de primeira instância. Com efeito,

25. Ainda que se entendesse que tais normas não foram efetivamente violadas e se poderia aplicar, no caso concreto, a referida presunção, sempre se deveria concluir que a sua aplicação na ação especial aqui em apreço, que é o prelúdio de um processo de contraordenação, sempre violaria o disposto no princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa impossibilitando, por isso, a aplicação da referida presunção no caso concreto. Ora,

26. Afastando a referida presunção e fazendo uma subsunção dos factos dados como provados ao Direito aplicável, maxime, ao artigo 1.º da referida LCT e aos artigos 1154.º e seguintes do Código Civil que definem o contrato de prestação, o Douto Acórdão recorrido deveria ter concluído que a factualidade assente apenas permite concluir no sentido da inexistência de um contrato de trabalho. Isto porque,

27. Tais normas deveriam ter sido interpretadas no sentido de concluir pela existência de um contrato de prestação de serviços. Senão vejamos,

28. O artigo 1.º da LCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24-11-1969, aplicável à presente situação, define o contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

29. O artigo 1154.º do Código Civil define contrato de prestação de serviços como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

30. Para determinação destes dois conceitos, e conforme Doutrina e Jurisprudência acima citados em sede de Alegações, costumam-se definir três vetores na relação entre a entidade contratante e o prestador da atividade:

1) Subordinação jurídica, sendo contrato de trabalho aquele em que o prestador recebe ordens da entidade contratante e deve obediência a tais ordens;

2) Subordinação económica, sendo o contrato de trabalho aquele em que o prestador depende economicamente da prestação recebida em função da atividade contratada;

3) Subordinação disciplinar, sendo o contrato de trabalho aquele em que o prestador da atividade está sujeito ao poder disciplinar da entidade contratante. Ora,

31. Estes três vetores são analisados tendo em consideração diversos indícios que são consubstanciados em factos. Ora,

32. Do acervo factual dado como provado, como se esclareceu supra em sede de Alegações, não resultam indícios da existência de qualquer um dos tipos de subordinação supra identificados, sendo que a subordinação económica não foi sequer alegada na Petição Inicial. Com efeito,

33. Como resulta provado, BB podia fazer-se substituir por outro prestador de serviços no exercício da sua atividade, tendo apenas de, para tal, avisar a Recorrente.

34. A atividade desempenhada por BB não estava diretamente relacionada com o núcleo essencial da Recorrente.

35. As partes celebraram um contrato denominado de prestação de serviços e vários aditamentos a esse contrato, igualmente com essa epígrafe.

36. BB geria o serviço que lhe era atribuído pela Recorrente.

37. Resultou não provado o facto alegado no artigo 12.º da Petição Inicial que dizia que BB recebia ordens de EE, trabalhador da Ré, responsável pela área de assistência técnica.

38. BB recebia diariamente pedidos de serviços (ponto 22), geria o seu tempo (ponto 23), adotava procedimentos técnicos inerentes e necessários à execução dos serviços que prestava (ponto 25), e comunicava os serviços efetivamente realizados à Recorrente (ponto 26).

39. O carro (principal ferramenta de alguém que tem de se deslocar diariamente por diversos pontos de venda) e as ferramentas indistintas de assistência técnica (tal como chaves de fendas e alicates) são propriedade de BB. Sendo que,

40. BB suporta todos os custos com a referida viatura.

41. A Recorrente não impunha um horário de trabalho a BB, tal como definido no artigo 200.º do Código do Trabalho.

42. A retribuição paga pela Recorrente a BB não era certa e não era meramente calculado em função do tempo disponibilizado por este, mas sim em função da efetiva prestação dos serviços, dos quilómetros percorridos e da qualidade dos serviços prestados.

43. BB não figura nos mapas de pessoal da ré, não tem acesso a qualquer regalia social ou aos serviços de assistência médica e medicina no trabalho.

44. BB tem atividade aberta nas finanças para prestar serviços como trabalhador independente, cobrando IVA pelos serviços que presta como se comprova pela emissão de faturas recibos juntas aos autos.

45. Iniciou igualmente atividade junto da Segurança Social, pedindo a sua inscrição como trabalhador independente.

46. BB nunca reclamou à Recorrente o pagamento de férias ou do subsídio referente às mesmas.

47. BB nunca auferiu subsídio de Natal por parte da R..

48. Nunca tendo reclamado à Recorrente o pagamento do mesmo.

49. Por estar de baixa médica desde julho de 2015 que BB não presta qualquer serviço para a Recorrente desde então.

50. BB nunca foi alvo de processo disciplinar ou aplicada qualquer sanção.

Pelo que,

51. Em função dos factos supra expostos e do disposto nos supra citados artigos 1.º da LCT e 1154.º do Código Civil, apenas se pode concluir que a situação de facto que resulta dos presentes autos redunda na existência de um contrato de prestação de serviços e não num contrato de trabalho.

52. Sendo que tais normas, em conjugação com o artigo 342.º do Código Civil que define o ónus da prova, foram incorretamente utilizadas pelo Tribunal a quo e devem ser interpretadas no sentido da existência, entre a Recorrente e BB, de um contrato de prestação de serviços,

53. Devendo, em consequência, ser revogado o Douto Acórdão recorrido, sendo substituído por outra que julgue a ação improcedente por não provada e, em consequência, absolva a Recorrente do pedido.

6. O Ministério Público contra-alegou, defendendo a admissibilidade da revista excecional e quanto ao mais a manutenção do acórdão do Tribunal da Relação.

7. A formação a que alude o art.º 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu a revista excecional, ao abrigo do art.º 672.º, n.º 1, a alínea a), do referido diploma legal.

8. Nas suas conclusões, a recorrente suscita as seguintes questões que cumpre solucionar:

               1. Aplicação da presunção de laboralidade prevista no Código do Trabalho de 2003 e no Código do Trabalho de 2009 a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor;

           2. Se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses termos, não resultando da configuração realmente assumida a qualificação como contrato de trabalho.

                                                                              II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da Relação fixou a seguinte factualidade:

                1- No dia 16 de novembro 2015, a ACT- Autoridade para as Condições do Trabalho efetuou uma ação inspetiva na sede e instalações da ré.

                2- No âmbito de tal inspeção verificou ter BB celebrado com a ré um contrato de prestação de serviço.

                      3- Constatou a ACT a existência de indícios de que as condições de trabalho de BB eram análogas às de um contrato de trabalho.

                        4- A ACT notificou a ré, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º A, n.º 1, da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, para proceder à regularização da situação.

                        5- Decorrido o prazo legal previsto na citada norma, a ré não regularizou a situação.

                       6- Apresentando a resposta que consta dos autos, nos termos da qual conclui pela existência de relações de prestação de serviços entre BB e a ré.

                       7- A ré tem como objeto a importação, exportação, produção, incluindo a exploração de nascentes de água, preparação e fabrico e comercialização, por grosso ou a retalho, de vinhos ou bebidas espirituosas, de malte, cerveja, refrigerantes, águas minerais e de mesa e seus derivados, águas artificialmente mineralizadas ou de qualquer modo preparadas e de outros produtos alimentares, bem como das correspondentes matérias-primas e bens associados, nomeadamente de compra e venda de vidro e objetos de vidro, prestação de serviços de consultadoria e estudos de mercado em áreas conexas, aquisição, venda e qualquer outra forma de exploração de marcas registadas, patentes e direitos conexos e gestão da carteira própria de títulos.

                       8- No âmbito da sua atividade e para comercialização dos seus produtos, a ré disponibiliza a alguns clientes, para utilização nos seus estabelecimentos comerciais, equipamentos de tiragem, armazenamento e exposição de cerveja e de refrigerante, propriedade da ré, estando colocados nos estabelecimentos comerciais dos seus clientes em regime de comodato.

                       9- Tais equipamentos necessitam de ser objeto de diversas intervenções técnicas em caso de avarias, no processo de montagem, no processo de desmontagem e em situações de manutenção periódica.

                       10- A ré, no âmbito da atividade supra descrita, vende cerveja e refrigerantes para estabelecimentos comerciais espalhados por todos os pontos do país, colocando nesses estabelecimentos os supra referidos equipamentos de tiragem, armazenamento e exposição de cerveja e de refrigerantes.

                        11- A ré, atualmente, não tem pontos de venda próprios ou estabelecimentos comerciais espalhados por todo o país, sendo que na maior parte do território nacional a venda dos seus produtos faz-se através de distribuidores.

                       12- Em meados dos anos 90 do século passado, em virtude de dificuldades financeiras e após a total reprivatização da empresa, foi tomada uma decisão de recorrer, sempre que possível, a fornecedores externos para o desempenho de funções não diretamente relacionadas com o núcleo essencial da empresa.

                       13- A ré e BB subscreveram, em 02 de novembro de 1995, o acordo constante de fls. 6 dos autos, que denominaram de “Contrato de Prestação de Serviços”, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, nos termos do qual o trabalhador se obrigou a prestar, sob a sua responsabilidade, à ré, serviço no âmbito da assistência técnica aos clientes em estabelecimentos comerciais ao público de produtos da ré, mediante a retribuição diária de ESC: 6.700$00.

                       14- Em aditamento ao referido acordo, subscreveram ainda os acordos datados de 01 de abril de 1996 (fls. 8, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de janeiro de 1998 (fls. 9, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de janeiro de 1999 (fls. 10, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de janeiro de 2000 (fls. 11, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de janeiro de 2001 (fls. 12, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de janeiro de 2002 (fls. 13, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de janeiro de 2003 (fls. 14, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 21 de maio de 2007 (fls. 15, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 01 de outubro de 2015 (fls. 16-19, cujo teor se dá integralmente por reproduzido), 24 de janeiro de 2014 (fls. 20-24, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

                       15- Após os aditamentos referidos, BB aufere retribuição diária composta de 56,50 EUR, com acréscimo se trabalhar entre as 00.00 e as 07.00 horas ou a partir das 22.00 horas, com referência a trabalho prestado de segunda-feira a sábado e a retribuição diária de 94,60 EUR, com referência a trabalho prestado aos domingos e feriados, tendo ainda um acréscimo de 0,30 EUR por km percorrido, e um prémio mensal, conforme o cumprimento de um ou mais dos índices de performance, sendo tal retribuição paga com periodicidade mensal.

                        16- A ré efetua os pagamentos dos valores referidos em 15), mensalmente e de conteúdo variável, após a emissão, por parte de BB, de uma fatura/recibo, reportada aos serviços prestados no mês a que diz respeito, nos precisos termos constantes de fls. 25 a 137, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

                        17- A ré exige ao BB uma disponibilidade total entre às 7h00 e as 22h00, cumprindo, aquele, em regra, um horário diário das 8h/9h às 18h/19h, de segunda a sexta-feira.

                       18- A ré elabora escalas de serviço que incluem fins de semana e feriados, cabendo ao BB e aos demais técnicos de assistência assegurar que esse dia é assegurado por um deles e informar a ré dessa troca para que esta saiba a quem efetuar os pedidos.

                        19- O mesmo sucedendo caso entenda faltar.

                        20-Para o desempenho das suas funções de Técnico de Máquinas de Refrigeração e Máquinas de Tiragem de Cerveja, BB desloca-se frequentemente à sede da ré, para reposição ou preparação do material necessário nas assistências técnicas, sempre que precisava de equipamentos ou materiais, e desloca-se diariamente aos estabelecimentos comerciais e postos de venda ao público de produtos da ré, para prestar a assistência em que é especializado.

                       21- A ré forneceu a BB um aparelho portátil (PDA – Portable Digital Assistant ou terminal de dados Portáteis) onde o mesmo insere, no início do dia, o número de quilómetros iniciais e no fim do dia o número de quilómetros.

                      22- BB recebe diariamente, de EE, trabalhador da ré e responsável pela área de assistência técnica, via sistema PDA, as alocações referentes ao serviço a efetuar relativas a reparação de avarias em equipamentos já instalados em clientes, e recebe do Planeador da ré, FF, as referentes a instalação de equipamentos em novo cliente - recebendo-as de manhã, para o serviço a efetuar nessa parte do dia e por volta das 13h para o serviço a efetuar à tarde.

                        23- BB, em cada período (da manhã ou da tarde) gere o serviço que lhe é atribuído.

                       24- Caso não consiga realizar o serviço no período da manhã ou da tarde, tal serviço é cumulado ao serviço que no dia seguinte lhe é distribuído.

                       25- BB adota os concretos procedimentos técnicos inerentes e necessários à execução dos serviços que presta.

                        26- Comunicando à ré, diariamente (em regra, ao fim da manhã e ao final do dia), os serviços efetivamente realizados em cada dia.

                        27- BB, bem como qualquer técnico em situação similar à sua, presta os seus serviços em área geográfica pré-determinada.

                       28- Nas deslocações efetuadas em trabalho, apesar de BB utilizar viatura própria, está aposto na mesma o logótipo e lettering da “S...”, tendo tal logotipo sido aposto no veículo pela ré, a expensas da mesma, embora de colocação não obrigatória.

                       29- No desempenho da sua atividade, BB utiliza fardamento (camisa, casaco e calças) fornecido pela ré, com o logotipo da “S...”, embora de uso não obrigatório.

                        30- Todas as despesas de oficina, revisões, combustível, etc., do seu automóvel são suportadas por BB.

                       31- Os materiais e equipamentos utilizados por BB no desempenho da sua atividade são propriedade da ré mas porque os equipamentos intervencionados têm certas especificidades técnicas, obrigam a que sejam fornecidas ferramentas especiais para a assistência e manutenção que são exclusivamente produzidas para os equipamentos e produtos da ré, sendo difícil ou impossível adquiri-los no mercado normal.

                       32- BB recebeu diversa formação técnica, de carácter profissional, ministrada pela ré, relacionada com o funcionamento dos equipamentos nos quais iria intervir tendo para tal que comparecer nas instalações da mesma.

                        33- BB não figura nos mapas de pessoal da ré, não tem acesso a qualquer regalia social ou aos serviços de assistência médica e medicina no trabalho.             

                       34- BB tem atividade aberta nas finanças para prestar serviços como trabalhador independente, cobrando IVA pelos serviços que presta como se comprova pela emissão de faturas recibos juntas aos autos.

                       35- Iniciou igualmente atividade junto da Segurança Social, pedindo a sua inscrição como trabalhador independente.

                        36- Até 2013, a ré pagou a BB quantia cujo valor não se apurou referente aos dias em que o mesmo lhe comunicava “gozar férias”.

                        37- BB nunca reclamou à ré o pagamento de férias ou do subsídio referente às mesmas.

                        38- BB nunca auferiu subsídio de Natal por parte da Ré.

                       39- Nunca tendo reclamado à R. o pagamento do mesmo.

                       40- AA presta os seus serviços exclusivamente para a ré, embora esta não lho tivesse expressamente pedido.

                        41- Por estar de baixa médica desde julho de 2015 que BB não presta qualquer serviço para a ré desde então.

                        42- As ferramentas indistintas da atividade de assistência técnica (tal como chaves de fendas e alicates) são propriedade do colaborador BB.

                       43- BB nunca foi alvo de processo disciplinar ou aplicada qualquer sanção.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação declarativa de condenação instaurada em 28/01/2016, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 21/12/2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) Como já se referiu a primeira questão suscitada pela recorrente consiste em saber se a presunção de laboralidade prevista no Código do Trabalho de 2003 e no Código do Trabalho de 2009 pode ser aplicada a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme quanto a esta questão, no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação antes ou depois dessa data, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.

Neste sentido temos os seguintes acórdãos:

Acórdão de 26-10-2017, proferido no processo n.º 1175/14.7TTLSB.L1.S1 (Revista – 4.ª Secção) – Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 23 de agosto de 1993 a 23 de abril de 2013, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes a tivessem alterado a partir de 01 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.

Acórdão de 21-09-2017, proferido no processo n.º 2011/13.7LSB.L2.S1 (Revista – 4.ª Secção) – Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 01 de junho de 1997 até 01 de junho de 2012, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes a tivessem alterado a partir de 01 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.

Acórdão de 15-04-2015, proferido no processo n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1 – (Revista – 4.ª Secção) – 1. O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduzindo uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de dezembro de 2003. II. Assim sendo, estando-se perante uma relação jurídica estabelecida em 1993, e não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração desta relação antes e depois desta data, a sua qualificação jurídica há de operar-se à luz do regime da LCT.  

Acórdão de 18-09-2013, proferido no processo n.º 2775/07.7TTLSB.L1.S1 (Revista - 4.ª Secção) – 1. A presunção de laboralidade [que, estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, deriva do pressuposto de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos – os previstos nas alíneas a) a e) do mesmo normativo –, o que traduz uma valoração dos factos que importam essa presunção] só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas iniciadas ou constituídas após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003. 2. Assim, para efeitos de qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre setembro de 1999 e novembro de 2006 há que recorrer ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969, se se não prova que, depois de 1 de dezembro de 2003, tenha existido uma modificação essencial na configuração dessa relação jurídica. 

Acórdão de 08-01-2013, proferido no processo n.º 176/10.9TTGRD.C1.S1 – (Revista - 4.ª Secção) – À qualificação de uma relação de trabalho iniciada em 24 de junho de 2002 e que cessou em 31 de maio de 2009, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os termos daquela relação a partir de 1 de dezembro de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação àquela relação a presunção decorrente do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, ou do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009. 

A citada jurisprudência, bastante recente, do Supremo Tribunal de Justiça, vem já na linha de outros arestos proferidos em data mais próxima da entrada em vigor das referidas alterações, em que se destacam os acórdãos de 2/5/2007, 17/10/2007, 16/9/2008 e 22/4/2009, publicados em www.dgsi, respetivamente com o número de documento SJ200705020043684, SJ200710170021874, SJ20080916003214 e SJ20090422036184.

Neste último acórdão datado de 22/4/2009, foi aduzida a seguinte fundamentação:

Como refere BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231), «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser diretamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”».

«Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.»

A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respetiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

A norma transcrita corresponde ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, abreviadamente designado por LCT, e acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

O n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, segundo BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, obra citada, p. 233), trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroatividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência]».

Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspetiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender diretamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.»

Acompanha-se tal entendimento, aliás já contido no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de maio de 2007, proferido no Processo n.º 4368/06, da 4.ª Secção, de que foram relator e adjuntos os mesmos juízes conselheiros que assinam o presente aresto, donde, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas nos artigos subsequentes ao artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 e tendo em atenção que a relação jurídica em apreciação iniciou em 1 de março de 1999 e cessou em 30 de setembro de 2005, aplica-se, no caso, o regime instituído no Código do Trabalho de 2003, na sua versão original, ou seja, anterior à redação dada pela Lei n.º 9/2006, salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.

Por isso, quando o Código do Trabalho de 2003 regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos.

O artigo 12.º do sobredito Código estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, por conseguinte, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de dezembro de 2003 (cf., neste sentido, para além do já citado acórdão de 2 de maio de 2007, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção).»

A doutrina tem expressado algumas dúvidas acerca desta solução reconhecendo, no entanto, que se trata de matéria que suscita alguma controvérsia, atendendo até ao paradigma juslaboral.

Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho, 2016, 10.ª Edição, Almedina, pág. 77) inclina-se no sentido de que a presunção se aplica aos contratos anteriores verificando-se uma retroconexão, ou seja aos factos ocorridos antes, mas que se repercutem em questões jurídicas ocorridas ou apreciadas depois da entrada em vigor do diploma, aplica-se o Código do Trabalho.

João Leal Amado (Presunção de Laboralidade: Nótula sobre o art.º 12.º do novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação, publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, CEJ/Coimbra Editora, pág.159 e segs.) manifesta também muitas dúvidas acerca da solução jurisprudencial, reconhecendo, no entanto, que o entendimento adotado poderá encontrar acolhimento no ensino de Baptista Machado (Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, págs. 274-275) quando escreveu, a propósito, precisamente, das normas relativas às presunções legais «Admite-se em geral que elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos. Também nós entendemos que assim é».

O citado autor manifesta ter muitas «dúvidas que assim seja» aduzindo uma argumentação de fundo de cariz estritamente laboral, sustentando que neste campo «A imperatividade das suas normas, a necessidade de salvaguardar interesses socioeconómicos particularmente sensíveis e relevantes, tutelando as categorias sociais mais frágeis, tudo isto restringe fortemente o domínio da liberdade contratual neste domínio, impondo a aplicação imediata das normas e a plena adequação da relação contratual às novas (e supõe-se que mais ajustadas ou afinadas) valorações do legislador do trabalho».

Enfatizando a linha do seu raciocínio o mesmo autor interroga e responde: «Se o legislador afina e refina a presunção de laboralidade, com o intuito de mais facilmente conseguir detetar a existência de um genuíno contrato de trabalho, o que é que justifica que esse novo mecanismo (os binóculos, a vacina...) só possa ser utilizado para os contratos celebrados após o início de vigência do novo Código do Trabalho? Não consigo vislumbrar boas razões para rejeitar a aplicação da presunção aos contratos antigos que ainda subsistam».

Também Joana Nunes Vicente (Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade, publicado em «Código do Trabalho – Revisão de 2009», Coimbra Editora. 2011, págs. 59 e segs.) manifesta algumas dúvidas acerca da posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, salientando que «a norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado».

Equacionando os ensinamentos de Baptista Machado (Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, págs. 277) Joana Nunes Vicente refere que «poder-se-ia transpor para as normas sobre presunções um raciocínio semelhante àquele que é formulado a propósito das normas que decidem da admissibilidade ou valor dos meios de prova».

 Sobre estas últimas, cita o referido autor «em matéria de negócios jurídicos, as regras de prova não são um guia para o juiz apenas, mas são-no também para as partes; pois é certo que estas, na constituição duma SJ [situação jurídica], tomam em conta as exigências de provas formuladas pela lei da mesma forma que tomam em conta as exigências legais relativas às condições de validade».

Na linha desta doutrina refere a autora que «neste domínio, as leis de prova podem legitimamente influir sobre a conduta das partes (levando-as a adotar certas precauções ou diligências com vista a assegurar os meios de prova no momento da constituição da situação jurídica). Por essa razão, isto é, porque nesse caso a aplicação imediata da Lei Nova a situações jurídicas constituídas anteriormente seria suscetível de frustrar as previsões e legítimas expectativas, sustenta-se que a Lei Nova sobre a prova apenas deve ser aplicável às situações jurídicas novas, leia-se, às situações jurídicas constituídas depois da entrada em vigor da Lei Nova.

Todavia, se cotejarmos estes ensinamentos com a presunção legal de laboralidade, as coisas não se afiguram tão nítidas. Se numa dada relação contratual alguém põe a sua capacidade laborativa ao serviço de outrem disponibilizando-se para o exercício da atividade prometida que o beneficiário pode dirigir e organizar, o modo como a relação é estruturada e desenvolvida faz, em regra, emergir os chamados factos-índices - que mais não são do que a tradução, em termos fácticos, do que caracteriza uma relação de trabalho subordinado e o escopo económico-funcional dessa relação. Não parece, pois adequado afirmar que a norma que contém a presunção de laboralidade possa influir sobre a conduta das partes - levando-as a adaptar esta ou aquela precaução - ao ponto de justificar um raciocínio idêntico ao formulado a propósito das leis sobre a prova».

Este panorama no plano doutrinário denota grande incerteza acerca da questão, havendo quem sustente a aplicação da lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória e quem se incline para aplicação da lei vigente ao tempo em que se verificaram os factos ou atos.

No campo do direito laboral a doutrina mostra alguma sensibilidade aos objetivos pretendidos pelo legislador ao consagrar a presunção de laboralidade, desenhando-se uma tendência para aceitar, em nome da eficácia da política económica e social, a aplicação da lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória.

No entanto, também há que ponderar que a presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova.

Tal situação poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.

No caso concreto dos autos, está em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, pelo que à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), não tendo aqui aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.

               

B3. A segunda questão suscitada na revista consiste em saber se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses termos, não resultando da configuração realmente assumida a qualificação como contrato de trabalho.

Quando BB celebrou com a ré o contrato que denominaram de «Prestação de serviço» e se iniciou a relação entre ambos estava em vigor o Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT).

O art.º 1.º do referido Decreto-Lei dá-nos a noção de contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

O que distingue um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços é natureza do objeto e a existência ou não de subordinação jurídica.

O objeto do contrato de trabalho consiste na prestação da atividade intelectual ou manual por parte do trabalhador, enquanto no contrato de prestação de serviços o que releva é o resultado da atividade de uma pessoa.

 A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho traduz-se numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direção, o dever de prestar em que está incurso.

No contrato de trabalho emerge uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.            Saliente-se que detetar a presença de subordinação jurídica numa determinada relação não é tarefa fácil, pois esta não existe em estado puro.

  Os indícios que podem conduzir à qualificação de um contrato de trabalho são, nomeadamente, os seguintes:

- A vinculação do trabalhador a um horário de trabalho;

- A execução da prestação em local determinado pelo empregador;

- A existência de controlo externo do modo da prestação;

- A obediência a ordens;

- A sujeição do trabalhador à disciplina da empresa;

- O pagamento da retribuição em função do tempo;

- O pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal;

- Pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho e serem por ele disponibilizados os meios complementares da prestação;

- Inscrição do trabalhador na segurança social como trabalhador por conta de outrem;

- Estar o trabalhador inscrito numa organização sindical;

- Não recair sobre o trabalhador o risco da inutilização ou perda do produto;

- Inexistência de colaboradores;

- A prestação da atividade a um único beneficiário.             

Identificados estes indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas de um juízo de aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade.

Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário da atividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador.

No caso concreto dos autos, o objeto do contrato consistia em efetuar diversas intervenções técnicas em caso de avarias, no processo de montagem e desmontagem e em situações de manutenção periódica em equipamentos que a ré disponibiliza a alguns clientes, nos estabelecimentos comerciais destes, no âmbito da sua atividade e para comercialização dos seus produtos.

BB recebia diariamente, de EE, trabalhador da ré e responsável pela área de assistência técnica, via sistema PDA, as alocações referentes ao serviço a efetuar relativas a reparação de avarias em equipamentos já instalados em clientes, e recebia do planeador da ré, FF, as referentes a instalação de equipamentos em novo cliente - recebendo-as de manhã, para o serviço a efetuar nessa parte do dia e por volta das 13h para o serviço a efetuar à tarde.

BB, em cada período da manhã ou da tarde, geria o serviço que lhe era atribuído e caso não o conseguisse realizar passava para o dia seguinte, acumulando com outro que lhe fosse distribuído.

BB adotava os concretos procedimentos técnicos inerentes e necessários à execução dos serviços que prestava, comunicando diariamente à ré, em regra ao fim da manhã e ao final do dia, os serviços que efetivamente realizava nesse dia.

Por outro lado, BB também dispunha da liberdade de poder se fazer substituir nas escalas de serviço que incluíam fins de semana e feriados, ou até de faltar, bastando apenas informar a ré para que esta soubesse a quem efetuar os pedidos.

               Os serviços eram prestados, como não podia deixar de ser, nos estabelecimentos comerciais dos clientes da ré, utilizando o BB uma viatura própria, suportando todas as despesas de oficina, revisões e combustível.

               Os materiais e equipamentos utilizados por BB no desempenho da sua atividade eram propriedade da ré porque os equipamentos intervencionados têm certas especificidades técnicas, obrigando a que sejam fornecidas ferramentas especiais para a assistência e manutenção que eram exclusivamente produzidas para os equipamentos e produtos da ré, sendo difícil ou impossível adquiri-los no mercado normal.

               No entanto, as ferramentas indistintas da atividade de assistência técnica, tal como chaves de fendas e alicates, pertenciam ao BB.

               Como contrapartida, BB recebia da ré uma quantia diária composta de 56,50 EUR, com acréscimo se trabalhasse entre as 00.00 e as 07.00 horas ou a partir das 22.00 horas, com referência a trabalho prestado de segunda-feira a sábado e a retribuição diária de 94,60 EUR, com referência a trabalho prestado aos domingos e feriados, tendo ainda um acréscimo de 0,30 EUR por km percorrido, e um prémio mensal, conforme o cumprimento de um ou mais dos índices de performance.

               Estas quantias eram pagas pela ré mensalmente, sendo o seu conteúdo variável, após a emissão, por parte de BB, de uma fatura/recibo, reportada aos serviços prestados no respetivo mês, daqui resultando que as quantias que lhe eram pagas não eram calculadas exclusivamente em função do tempo.

               Apesar de se ter provado que até 2013 a ré pagou a BB quantia cujo valor não se apurou referente aos dias em que o mesmo lhe comunicava «gozar férias» também se provou que aquele nunca reclamou à ré o pagamento de férias ou do subsídio referente às mesmas, o mesmo se tendo passado em relação ao subsídio de Natal.

                BB não figura nos mapas de pessoal da ré, não tem acesso a qualquer regalia social ou aos serviços de assistência médica e medicina no trabalho, tem atividade aberta nas finanças para prestar serviços como trabalhador independente, cobrando IVA pelos serviços que presta como se comprova pela emissão de faturas recibos juntas aos autos, tendo também iniciado atividade junto da Segurança Social, pedindo a sua inscrição como trabalhador independente.

                BB presta os seus serviços exclusivamente para a ré, embora esta não lho tivesse expressamente pedido e nunca foi alvo de qualquer processo disciplinar.

A factualidade descrita denota que o interesse da ré na relação que estabeleceu com BB era o resultado da atividade desempenhada por este, deixando-lhe margem de manobra para organizar o serviço que lhe era distribuído, sendo que a disponibilidade que lhe exigida entre às 7h00 e as 22h00, de segunda a sexta-feira, prendia-se com a necessidade de satisfazer os pedidos dos seus clientes, não configurando, propriamente, uma vinculação a um horário de trabalho.

Os factos provados não indiciam que BB, na relação que estabeleceu com a ré, se encontrasse numa situação de sujeição à vontade desta, no que diz respeito à prestação da atividade que desenvolvia. Antes pelo contrário, a atividade desenvolvida caracterizava-se por permitir uma grande margem de manobra na organização do serviço, sem sujeição a ordens, instruções ou a qualquer outro poder de direção.

Quando a relação entre a ré e BB se iniciou, em 2.11.95, foi titulada por um contrato denominado de «prestação de serviço», tendo este se inscrito nas finanças para prestar serviços como trabalhador independente, cobrando IVA pelos serviços que prestava, tendo também solicitado a sua inscrição como trabalhador independente junto da Segurança Social.

Apreciando globalmente os indícios descritos e que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes, impõe-se concluir que não se apuraram factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir no sentido da existência daquele contrato impendia sobre o autor (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).

                                                                                              III

                Decisão:

               Face ao exposto acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, julgar improcedente a ação e absolver a ré do pedido.

Sem custas.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 4 de julho de 2018

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha