Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
231/18.7PAVNG.P1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTINUAÇÃO CRIMINOSA
REINCIDÊNCIA
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / REINCIDÊNCIA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL / JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DE PROVA.
Doutrina:
- Adriano Teixeira, Teoria da Aplicação da Pena. Fundamentos de uma determinação judicial da pena proporcional ao facto, Marcial Pons, São Paulo, 2015, p. 155;
- Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, parte general, Vol.II p. 993 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 75.º E 77.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 358.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-10- 2001, PROCESSO N.º 1689/01.
Sumário :
I. – A diminuição do gau e sentido de culpa que está subjacente à actividade (criminosa) de feição continuada encontra a sua justificação teleológico-legal na mitigação de uma censurabilidade e reprovabilidade da acção antijurídica e ilícita, derivada de uma “relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.” (Ac. do STJ, de 25.10. 2001, proferido no processo nº 1689/01 – 5ª secção)

II. – Para Jescheck os requisitos do delito continuado não se encontram “de modo algum” determinados, ainda que possam ser indicados os seguintes: “a) em primeiro lugar, objectivamente é necessária a homogeneidade da forma de comissão (unidade do injusto objectivo da acção). Isso requer que os preceitos penais violados pelos actos parciais se encontrem materialmente na mesma norma e que o desenvolvimento dos factos manifeste no essencial os mesmos elementos externos e internos; b) os actos parciais devem lesar o mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado); c) para a delimitação do delito continuado resulta decisiva a unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da acção). A jurisprudência requer um verdadeiro dolo global que abarque o resultado total do facto nos seus traços essenciais em quanto ao lugar, ao tempo, à pessoa da vítima e à forma de comissão, de tal modo que os actos parciais não representem mais que a realização sucessiva da totalidade querida unitariamente, o mais tardar, durante o último acto parcial”. (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, parte general, Vol.II p. 993 e segs.)

III. – Alguns autores, questionam a legitimidade e constitucionalidade da reincidência. “Os argumentos mais correntes que servem para questionar a legitimidade ou constitucionalidade da agravante da reincidência são: a violação do princípio da individualização da pena; a lesão ao ne bis in idem; a acusação de direito penal do autor; e a desproporcionalidade da pena em relação à gravidade do delito.” (Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação da Pena. Fundamentos de uma determinação judicial da pena proporcional ao facto”,  Marcial Pons, São Paulo, 2015, pág. 155.)  

IV. – Independentemente de aporias doutrinais, a agravativa (nominada) da reincidência colhe justificação no facto de ocorrer uma necessidade preventiva da prática do delito e uma necessidade de fazer sentir a intensidade da acção do direito penal no modo de conduzir a vida de um determinado sujeito, constituem-se razões válidas e solventes.

Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO.


Em processo comum e com a intervenção do tribunal colectivo, foram os arguidos:

AA, solteiro, desempregado, nascido em …-07-1993, na freguesia de … e concelho do …, filho de BB e de CC, com residência na Rua …, n.º …, …, …;

DD, solteiro, desempregado, nascido em …-01-1991, na freguesia de … e concelho do …, filho de EE e de FF, com residência na Rua …, nº …, 2º-B, …, …, actualmente preso no Estabelecimento Prisional …;

GG, solteiro, desempregado, nascido em …-02-1994, na freguesia de … e concelho de …, filho de HH e de II, com residência na Rua …, n.º …, 2º esquerdo, …, em …, actualmente preso no Estabelecimento Prisional … à ordem do Processo nº 1813/14.1P…;

JJ, solteiro, desempregado, nascido em …-08-1998, na freguesia de … e concelho do …, filho de BB e de CC, com residência na Rua …, n.º 80, em …;

KK, solteiro, desempregado, nascido em …-01-1989, na freguesia de … e concelho do …, filho de LL e de MM, com residência habitual na Rua …, bloco L. C. …, no …, mas actualmente preso no Estabelecimento Prisional … em cumprimento de pena à ordem do Processo nº 4592/15.1T… ;

NN, divorciado, operário …, nascido em …-09-1974, na freguesia de … e concelho de …, filho de OO e de PP, com residência na Avenida …, nº …, 3º-Frente, …, em …;

QQ, solteiro, empregado …, nascido em …-09-1995, na freguesia de … e concelho do …, filho de BB e de CC, com residência na Rua …, …, …, em …;

RR, solteiro, desempregado, nascido em …-10-1988, na freguesia de … e concelho do …, filho de SS e de TT, com residência actual na Rua …, n.º 90/962, casa …, no … ???

UU, solteiro, desempregado, nascido em …-11-1995, na freguesia de … e concelho do …, filho de VV e de XX, residente na Rua …, n.º …, …, …, em …,

acusados:

A) Arguido AA, em concurso real e como reincidente: 

- em autoria material e na forma consumada, 2 (dois) crimes de furto qualificado, previstos e punidos nos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal;

- em co-autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal;

- em co-autoria material e na forma tentada, 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos 22º, 23º, 203º, n.º 1, e 204º, nº 2, alínea e), todos do Código Penal;

- em co-autoria material, 1 (um) crime de coacção, previsto e punido no artigo 154º, n.º 1, do Código Penal;

- em co-autoria material e na forma consumada, 5 (cinco) crimes de furto qualificado, previstos e punidos nos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal”;  

- em co-autoria material, 1 (um) crime de furto, previsto e punido no artigo 203º, n.º 1, do Código Penal.” (…)

- Após julgamento, foi decidido condenar o arguido AA,

“(…) pela prática, como reincidente, em autoria material, de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.º, nº 1, e 204.º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, nas penas:

a) 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, quanto ao crime de furto qualificado cometido no dia 17.07.2017;

b) 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, quanto ao crime de furto qualificado cometido no dia 21.01.2018;

2) condenar o arguido AA, pela prática, como reincidente, em co-autoria material, de três crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.º, nº 1, e 204.º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal, nas penas:

a) 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, quanto ao crime cometido em 05.10.2017;

b) 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, quanto ao crime cometido em 03.02.2018;

c) 1 (um) ano de prisão, quanto ao crime cometido em 15.03.2018;

3) condenar o arguido AA, pela prática, como reincidente e em co-autoria material, de dois crimes de furto, previstos e punidos pelo artigo 203.º, nº 1, do Código Penal, nas penas:

a) 6 (seis) meses de prisão, quanto ao crime cometido em 08.10.2017;

b) 8 (oito) meses de prisão, quanto ao crime cometido em 03.02.2018;

4) condenar o arguido AA, pela prática, como reincidente, em co-autoria material, de um crime de coacção, previsto e punido pelo artigo 154º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cometido em 03.02.2018;

(…) e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva.” (Cfr. acórdão constante de fls. 1870 a 1915) [[1]]

- Na decisão referida no item antecedente, foi, ao arguido AA, alterada a situação em que se vinha mantendo de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica para a situação de prisão preventiva (cfr. fls. 1912 e 1912vº). 

- O arguido, AA, interpôs recurso do despacho que alterou a medida de coacção - (dirigida ao Tribunal da Relação do Porto – fls. 1940 a 1945) – e do acórdão condenatório (igualmente dirigido ao Tribunal da Relação do Porto (fls. 1947 a 1966), que, no despacho de admissão de fls. 1974, veio a ser, correctamente, reconduzido ao Tribunal competente, para o conhecimento da matéria de direito, que se anunciava no requerimento de interposição – fls. 1947 vº) – a saber o Supremo Tribunal de Justiça.

No recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça, o arguido dessume a fundamentação em que escora a sua pretensão, no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.     


I. a). – QUADRO CONCLUSIVO.

I. A decisão recorrida padece, todavia, de notórios erros in judicando, que resultam na incorreta apreciação das questões de direito, comprometendo, efetivamente, a boa decisão da causa.

Da não ponderação do instituto do crime continuado

II. O recorrente foi condenado pela prática, entre 17-07-2017 e 15-03-2018, de 5 crimes de furto qualificado, 2 crimes de furto simples e um crime de coacção.

III. Praticou os crimes em questão com recurso ao mesmo modus operandi, na mesma zona geográfica

IV. Na base do instituto do crime continuado encontra-se um concurso de crimes, pois que aquele se traduz objectivamente na realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico.

V. Fazendo apelo à conjugação destes dois critérios têm-se orientado a doutrina e a jurisprudência alemãs, referindo Jescheck que «deve ter-se por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontrem tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade» (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª edição, p. 648).

VI. Entre nós, o Prof. Eduardo Correia parece ter-se inclinado no sentido do critério objectivo (mitigado, já que não prescinde de considerações de índole subjectiva, por certo face às dificuldades de prova sobre a intenção do agente), ao referir que «...verificado que entre as actividades do agente existe uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência comum e as leis psicológicas conhecidas, se deva presumir tê-las executado a todas sem renovar o respectivo processo de motivação, estamos em presença de uma unidade jurídica, de uma só infracção» (Unidade e Pluralidade de Infracções - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, p. 337).

VII. Por sua vez, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores não é pacífica, enveredando-se numas decisões pelo critério subjectivo e noutras pelo objectivo.

VIII. Resultam então dos factos provados que o arguido recorrente praticou entre Julho de 2017 e Março de 2018, mediante resolução previamente tomada, de forma a realizar, repetidamente, factos integrantes de crimes contra a propriedade, o que fez com propósito sempre renovado, de forma essencialmente homogénea e sob solicitação da mesma situação exterior, a qual propiciou a repetição ocorrida, evidenciando uma diminuição sensível da sua culpa, a significar que o comportamento do recorrente deve ser qualificado como integrante de um crime continuado.

Da Condenação como reincidente

IX. Considera, porém, o recorrente, que não se mostram integralmente preenchidos os pressupostos formais da reincidência.

X. Pois que uma das garantias do processo criminal constitucionalmente consagradas é a de que o processo criminal tem estrutura acusatória – artº 32º, nº 5, da CRP.

XI. Um processo de estrutura acusatória pressupõe, desde logo, a cisão entre a entidade acusadora – no nosso sistema o Ministério Público e, quando requerida a instrução, o juiz de instrução, pelo despacho de pronúncia – e a entidade julgadora.

XII. No caso do recorrente, o feito foi introduzido em juízo por via da acusação do Ministério Público que, assim, fixou os limites de investigação atribuídos ao Tribunal de julgamento, limites esses que só podiam ser relevantemente ultrapassados se verificadas as condições excepcionais estabelecidas no artº 359º do CPP (o que não foi o caso).

XIII. Do ponto 11. da acusação resulta que esta apenas retira o requisito material da reincidência apenas e tão só da condenação anterior.

XIV. Podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por, então, não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor” (cfr. entre outros, os Acórdãos de 28.02.07, Pº 9/07-3ª, 16.01.08, Pº 4638/07-3ª, de 26.03.08, Pºs 306/08-3ª e 4833/07-3ª, de que foi retirado o trecho transcrito, de 04.06.08, Pº 1668/08-3ª e de 04.12.08; Pº 3774/08-3ª).

XV. No nosso caso, os crimes anteriores indicados na acusação e os agora reiterados são de igual natureza.

XVI. A acusação, porém, é completamente omissa quanto à forma de execução dos primeiros. Como omissa é quanto os fins e motivos que presidiram à prática desses mesmos crimes pelo recorrente.

XVII. Por isso que aquela “intima conexão”, não podendo retirar-se automaticamente da condenações anteriores, teria de assentar num conjunto de factos cuja avaliação e ponderação abalizasse o juízo decisivo de que o recorrente, não se sentiu suficientemente advertido ou intimado com a aquela outra condenação para se manter fiel ao direito ou se, pelo contrário, o conjunto das circunstâncias que rodearam a vivência do recorrente depois de restituído à liberdade não abalizando aquele juízo de culpa agravada, apenas indiciam mera pluriocasionalidade.

XVIII. A acusação, como vimos, apoia a reincidência tão só na prática do crime anterior e na fórmula genérica de “que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra a prática de crime e para a necessidade de respeitar os bens jurídico-penalmente protegidos.” Fá-la derivar da anterior condenação, como sua consequência automática.

XIX. Não arrola nenhum facto específico capaz de indiciar o pressuposto material. Nada indicia, pois, que haja qualquer relação, radicada na personalidade do arguido, entre aquele crime de roubo e este outro.

XX. A gravidade objectiva de um e do outro não basta.

XXI. Como não basta alinhar o percurso criminoso do recorrente.

XXII. Impunha-se um especial cuidado na descrição dos factos e circunstâncias que, ligando entre si o cometimento dos diversos crimes, indiciassem que a sucumbência agora verificada foi, é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do arguido recorrente e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade (Ac. STJ de 04.12.08 acima citado).

XXIII. Pelo que a insuficiência de factos torna a acusação, quanto a esta questão, manifestamente infundada, nos termos da alínea d) do nº 3 do artº 311º do CPP, quer para completo e inequívoco preenchimento dos pressupostos formais, quer para a integração do pressuposto material.

XXIV. E a consequência dessa insuficiência é a de ter de ser julgada manifestamente infundada, quanto á questão da reincidência, com a consequente e correspondente revogação do acórdão recorrido por a ter julgado procedente.

Da medida das penas parcelares e da pena única concreta aplicada:

XXV. Claramente o Tribunal a quo atribuiu à pena aplicada ao recorrente um efeito de repressão e de castigo.

XXVI. Embora se reconheça estarmos perante um caso limite, cremos, que o Tribunal a quo ainda podia fazer um juízo de prognose favorável, assente na expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas do regime de prova, deveres e regras de conduta impostas, realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, funcionando a condenação como uma advertência (séria) para evitar a prática de futuros crimes, assim se conferindo e reconhecendo à pena de substituição o seu conteúdo reeducativo e pedagógico.

XXVII. Nessa medida, entendemos que ainda é possível formular um juízo de prognose favorável, tanto que se revelaria mais eficaz neste caso concreto de um arguido ainda jovem e com uma personalidade ainda recuperável porque mais facilmente moldável e recetiva à mudança.

XXVIII. É precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização) que se justifica a condenação em penas parcelares em medida inferior e sobretudo a condenação em pena única que permita a escolha de uma pena de substituição, a qual se mostraria suficiente não só para evitar que o recorrente reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.

XXIX. A verdade é que condenação na pena de 5 anos e 10 meses de prisão efetiva terá mais de prejudicial do que terá de vantajoso para alguém com a idade e condição social do arguido pelo que lhe deveria ter sido dada uma derradeira oportunidade de este voltar a conduzir a sua vida de acordo com o direito.

XXX. Por isso, conclui-se que a aplicação de uma pena de substituição em caso de condenação em pena única que o permita (que não deve ser confundida com uma pena de clemência) sendo a mesma subordinada a regime de prova, enquanto verdadeira pena autónoma, revelar-se-ia suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, sendo, assim, possível alcançar a almejada ressocialização do arguido em liberdade.

XXXI. Não podemos deixar de concluir pela existência de um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, acreditando que a severa censura do facto e a ameaça da pena de prisão, são mais do que suficientes para afastar o recorrente da criminalidade e continuar plenamente inserido na sociedade de forma útil e produtiva.

XXXII. Entende o recorrente, por conseguinte, que o acórdão recorrido deverá ser revogado no segmento decisório respeitante às penas parcelares e sobretudo à pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, devendo o mesmo ser condenado em alternativa numa pena de prisão que permita a suspensão da sua execução, por igual período de tempo, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal.

Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:

* Artigos 75.º e 76.º do Código Penal; - Artigo 32º, nº 5, da CRP; - * Artigos 30.º, n.º 1 e 2 do Código Penal; - * Artigo 311.º, n.º 3 do Código de Processo Penal; - * Artigo 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal; - * Artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP.

(…) deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas (…)”

Em resposta, o Ministério Público, junto do tribunal recorrido, resume a fundamentação com a síntese conclusiva que a seguir queda extractada. (cfr. fls. 1980 a 2009)

1 - A decisão recorrida que condenou o arguido pela prática, como reincidente, em autoria material, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, nº 1, e 204.º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal; pela prática, como reincidente, em coautoria material, de três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, nº 1, e 204.º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal; pela prática, como reincidente e em coautoria material, de dois crimes de furto, p. e p. pelo art.º 203.º, nº 1, do Código Penal, e pela prática, como reincidente, em coautoria material, de um crime de coação, p. e p. pelo art.º 154º, do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva, não violou a norma legal prevista no art.º 30º nº 2 do Código Penal.

2 - Da factualidade dada como provada integradora dos crimes acima indicados mostra-se impossível concluir pela verificação dos pressupostos legais para a subsunção da atuação do arguido no crime continuado.

3 - Sendo os pressupostos do crime continuado: a realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico); a homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objetivo da ação); a unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da ação); as diversas resoluções devem conservar-se dentro de "uma linha psicológica continuada"; a lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado); a persistência de uma "situação exterior" que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente, nenhum desses pressupostos se verifica no caso em apreço.

4 - O cerne do crime continuado e o seu traço distintivo situa-se na existência de uma circunstância exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Porém, não basta qualquer solicitação exterior, é necessário que ela facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa, pelo que, não poderá ser também suficiente que se verifique uma situação exterior normal, ou geral, que facilite a prática do crime.

5 - Só ocorrerá diminuição sensível da culpa do agente e, portanto uma menor exigibilidade para que o agente atue conforme ao direito, quando essa tal circunstância exógena se lhe apresenta de fora, não sendo o agente o veículo através do qual a oportunidade criminosa se encontra de novo à sua mercê. Deste modo, sempre que as circunstâncias exógenas ou exteriores não surjam por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, é de concluir pela existência de concurso real de crimes.

6 - No caso em apreço, considerando o preceito legal enunciado no art.º 30º nº 2 e 3 do Código Penal, a condenação sofrida nos autos pelo arguido pela prática de crimes de furto, simples e qualificados, e ainda de um crime de coação, torna impossível a aplicação desta figura, considerando que o bem jurídico protegido pelo crime de coação é a liberdade individual e, como tal, um bem jurídico eminentemente pessoal.

7 - Por outro lado, mesmo em relação aos diversos crimes de furto cometidos pelo arguido e que resultaram provados, não se verifica que tenham sido executados de forma homogénea de modo a concluir-se pela existência de uma similitude fáctica, patenteada no plano comissivo, passível de subsumir a sua atuação à figura do crime continuado.

8 - Da factualidade dada como provada não existiu qualquer homogeneidade na atuação do arguido nos diversos crimes de furto por si cometidos, tanto assim, que foi condenado quer pela prática de crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal; quer por crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 1 al. b) do mesmo diploma e por crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do citado diploma legal.

9 - Por outro lado, não existiu homogeneidade no modo de execução dos crimes já que umas vezes o arguido cometeu tais ilícitos em autoria material, decidindo e executando por si tais factos; outras vezes fê-lo em coautoria, decidindo e executando o seu cometimento com o arguido DD; outras vezes fê-lo em coautoria, decidindo e executando tal crime com indivíduos não concretamente apurados; outras vezes em coautoria, decidindo e executando-o com os arguidos GG e RR, ou seja, nem sequer existiu no modo do cometimento dos mencionados crimes uma identidade dos seus coautores.

10 - De igual modo, não existiu homogeneidade na atuação do arguido porquanto não se verificou uma identidade dos alvos de cometimento dos mencionados crimes, de modo a concluir que atuou sempre com o mesmo modus operandi, já que, umas vezes decidiu levar a cabo a sua atividade delituosa escolhendo residências; outras vezes, escolhendo instituições, como sucedeu com o Centro Náutico, e noutras ocasiões veículos, sendo, por isso, distintos também os Ofendidos.

11- Também não existiu sequer homogeneidade de atuação na escolha dos bens a subtrair, pois que, umas vezes escolheu retirar e fazer seus eletrodomésticos; outras vezes um cofre com dinheiro; outras vezes malas de viagem; outras vezes computadores e em outras ocasiões simplesmente dinheiro.

12 - Temos pois que, pelo modo de atuação do arguido (umas vezes em autoria outras em comparticipação criminosa); pela escolha dos alvos (residências, instituições e veículos); pelos bens subtraídos (variáveis, desde eletrométricos, a computadores, a dinheiro e a cofres); pela diversidade de ofendidos, que impossível se torna concluirmos pela homogeneidade na atuação do arguido, passível de se poder concluir pelo preenchimento dos pressupostos do crime continuado.

13 - Acresce que, atentando nas datas do cometimento de cada um dos aludidos ilícitos temos que as mesmas são espaçadas e diluídas no tempo de modo sequer a que se possa concluir pela existência de uma continuidade criminosa na sua atuação, no sentido de que o arguido tomou várias resoluções criminosas decidindo executá-las quase em simultâneo.

14 - Em regra, se entre diversos atos medeia um largo espaço de tempo, deve considerar-se existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as atividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal de vida e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respetivo processo de motivação.

15 - In casu, o arguido decidiu cometer o primeiro crime em 17/7/2017 (residência); três meses depois em 5/10/2017 decidiu renovar o seu propósito criminoso (veículo); três dias depois em 8/10/2017 decidiu assaltar o centro náutico; três meses depois, em 21/1/2018 decidiu voltar a assaltar uma residência; 13 dias depois em 3/2/2018 decidiu coagir e cometer os crimes de furto dos autos principais e mais de um mês depois em 15/3/2018 cometer novo crime de furto de um veículo, pelo que, não atuou renovando a intenção criminosa decidindo valer-se de uma solicitação exterior que o levou a cometer cada um dos ilícitos num curto período temporal e de forma quase diária ou semanal que nos levasse a concluir pela consideravelmente diminuição da sua culpa.

16 - Quando o decurso do tempo entre cada uma das condutas é de tal modo expressivo, como sucedeu no caso em apreço, distanciada por meses, de acordo com as regras da experiência comum, não pode deixar de se afirmar que a cada nova conduta, o agente se determinou a preencher o tipo legal de crime em causa, venceu uma e outra vez as contra motivações éticas que o tipo legal de crime transporta.

17 - E nem sequer se poderá concluir pelo cometimento dos mencionados ilícitos no âmbito de um crime continuado considerando a área geográfica da sua atuação, pois que, embora todos os crimes tivessem sido praticados na área do Município de …, ocorreram em locais e freguesias totalmente distintas, pelo que, a dispersão geográfica do cometimento dos mencionados ilícitos afasta qualquer atuação no quadro de uma solicitação exterior que o levasse ao cometimento dos mencionados ilícitos no mesmo local.

18 - Por fim, não se vislumbra igualmente qualquer solicitação exterior que permitisse levar o arguido ao cometimento dos aludidos crimes e que se mostre capaz de diminuir consideravelmente a sua culpa já que o arguido não tinha à sua disposição meios que o levassem inevitavelmente ao cometimento dos mencionados ilícitos, mormente, o contato direto com os bens subtraídos, por aceder diariamente aos mesmos; por residir próximo das habitações subtraídas; por ser funcionário ou frequentador do aludido Centro; por ser funcionário ou frequentador do aludido parque, caso em que poderia equacionar-se que o acesso fácil aos aludidos bens o levaria a ter a tentação de os subtrair formulando o desígnio criminoso de deles se apoderar.

19 - Sendo o pressuposto da continuação criminosa a existência de uma relação que de maneira considerável facilite a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, no caso em apreço, não resulta que o arguido tenha criado com quaisquer dos Ofendidos que foram objeto da sua atuação e que viram a sua propriedade violada essa relação, de modo sequer a conceber-se a reiteração da sua atuação, pois que, nunca se conheceram.

20 - Também não resultou demonstrada a verificação de qualquer circunstância que constituísse uma oportunidade favorável à prática do crime que tenha sido aproveitada ou que tivesse arrastado o agente para a primeira conduta criminosa, pois que, ao longo do período temporal em que se dedicou à aludida atividade o arguido foi variando os alvos da sua atuação e bem assim a identidade dos ofendidos.

21 - A repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do arguido em enriquecer o seu património com bens alheios, vontade essa que superou qualquer receio e inibição que estão ligadas ao cometimento dos crimes de furto. In casu, as circunstâncias são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa, sendo o próprio arguido a determinar o cenário e a aperfeiçoar a realidade exterior aos seu desígnios e propósitos sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo.

22 - No caso sub judice não há uma circunstância exterior, mas sim uma predisposição anterior do agente à prática dos crimes. Não há uma linha psicológica continuada, mas uma multiplicidade de condutas violadoras de um mesmo tipo legal de crime, tendo o arguido sido autor de repetidas condutas criminosas que consistiram na realização de diversas subtrações de bens alheios com o intuito de os fazer seus, pelo que, estamos perante uma verdadeira carreira criminosa, que aumenta a culpa e eleva o grau das exigências da prevenção especial.

23 - No processo de motivação ou de vontade do arguido não avulta um arrastamento para o crime por força da disposição exterior para o facto. Pelo contrário, foi sempre o próprio a criar as condições necessárias, formulando e concretizando a respetiva resolução criminosa, agindo em função de cada caso concreto, adaptando o modus operandi às circunstâncias específicas dos seus desígnios, pelo que, deverá improceder a invocada condenação do arguido pelo crime continuado, pela ausência de verificação dos seus elementos constitutivos, mantendo-se a condenação do arguido pelos diversos crimes de furto, em concurso real, tal como resulta da decisão recorrida, que não nos merece qualquer reparo.

24 - A acusação deduzida contra o arguido enunciou, ainda de que forma sucinta e parca, os requisitos formais e materiais da reincidência, não sendo, por isso, infundada nem nula, por violação do disposto no art.º 283º nº 3 b) do C.P.P..

25 - Ainda que em abstrato se pudesse considerar nula a acusação deduzida- por não conter de forma pormenorizada todos os pressupostos formais e materiais da circunstância agravante da reincidência – na falta de disposição legal em sentido contrário e porque não consta do catálogo das nulidades insanáveis a que se refere o art.º 119º do C.P.P., a existir, teria essa nulidade que qualificar-se como uma nulidade dependente de arguição, ficando sujeita ao regime legal previsto nos arts. 120º a 122º do C.P.P.

26 - Sendo uma nulidade dependente de arguição, determina o art.º 120º nº 3 c) do C.P.P. que a mesma deveria ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, pelo que, não tendo sido arguido atempadamente esse vício, a mesma sempre estaria sanada.

27 - Acresce que, uma leitura atenta da acusação deduzida nestes autos, permite concluir que, para além da mesma não se encontrar ferida de nulidade, também não se mostra manifestamente infundada, por forma a que legitimasse a sua rejeição, nos termos do art.º 311º do C.P.P..

28 - Do libelo acusatório resultam elencados os pressupostos, formais e materiais, ainda que de forma parca e sucinta, subjacentes à reincidência, ali se mencionando o processo da anterior condenação sofrida pelo arguido; o crime pelo qual havia sido condenado; a concreta pena de prisão a que fora condenado; o período de privação de liberdade que sofreu naqueles autos, ilícito que, pela sua idêntica natureza aos que fora acusado nos presentes autos impunha o juízo de que tal condenação não foi suficiente para afastar o arguido da prática de novos ilícitos, razão pela qual, se impunha, por verificação dos pressupostos formais e materiais enunciados no art.º 75º do C.P., a sua condenação como reincidente.

29 - Na descrição dos pressupostos formais da reincidência não têm de ser elencados os factos pelos quais o arguido havia sido condenado no anterior processo- por tal já resultar da prova documental junta aos autos assente na certidão extraída da decisão condenatória proferida naqueles autos- bastando apenas a identificação do processo que teria sido determinante para estabelecer a reincidência.

30 - A enunciação na acusação deduzida da factualidade para a verificação do pressuposto material da reincidência, a nosso ver, basta-se com a menção ao tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado; à natureza idêntica do aludido crime pelo qual foi condenado com os crimes de que se encontrava agora acusado; ao cumprimento pelo arguido da pena efetiva de prisão a que fora condenado para daí se concluir que a gravidade do mesmo e as condições de vida do arguido- não trabalha e não estuda- são fatores que conjugados permitem concluir que tal condenação anterior não foi suficiente para lhe servir de advertência contra a prática de crimes.

31 - Tal como alegado na acusação, os antecedentes criminais do arguido, associados a uma total ausência da prática de uma atividade profissional ou social válida e, considerando os novos crimes de que se encontra agora acusado,- da mesma natureza dos que estavam presentes nos seus antecedentes criminais- permitem concluir que o arguido revela uma personalidade de total alheamento pelo dever ser jurídico-penal e de desrespeito pela ordem jurídica.

32 - Estando em causa, como acontece no caso concreto, uma reincidência homogénea, ou específica, é lógico o funcionamento da prova por presunção, pelo que, se o arguido foi condenado anteriormente por crime do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir.

33 - Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo, como sucedeu nos presentes autos (Cfr. Ac. STJ 29/2/2012 in DGSI).

34 - Pelo exposto, mostrando-se no caso em apreço verificados, quer os pressupostos materiais quer formais, subjacentes à aplicação do instituto da reincidência, impunha-se a condenação do arguido pela mencionada circunstância agravante nada havendo a apontar à decisão recorrida.

35 - Os factos alegados na acusação, quanto a esta questão, são suficientes, não sendo a acusação deduzida manifestamente infundada, nos termos da alínea d) do nº 3 do art.º 311º do C.P.P. nem o Tribunal a quo, ao dar os mesmos como provados, violou qualquer garantia constitucional consagrada no art.º 32º, nº 5, da CRP ou quaisquer das normas legais enunciadas nos arts.º 339º, nº 4 e 359º do C.P.P. ou do art.º 75º do C.P.

36 - A condenação do arguido nas concretas penas, parcelares e única, aplicadas, cumpre as finalidades determinadas pelo art.º 40º nº 2 do Código Penal, sendo ainda tais penas proporcionais e adequadas às necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama, não tendo, por isso, a decisão recorrida violado as normas penais consagradas nos arts. 70º e 71º do Código Penal.

37 - Considerando as circunstâncias que depunham contra e a favor do arguido: a elevada intensidade do dolo, na modalidade de dolo direto, em todas as situações; o modo de execução dos factos, tendo o arguido atuado em conjunto com outros indivíduos; as prementes exigências de prevenção geral, quer em relação aos crimes de furto qualificado quer de coação, por serem crimes que se generalizaram na comunidade e que criam um forte sentimento de insegurança na população; a diversidade e o valor relevante dos objetos subtraídos, em algumas das situações; as condições pessoais do arguido que se apuraram e que ficaram a constar da matéria de facto, as anteriores condenações sofridas pelo arguido e o cometimento de parte dos crimes pelos quais veio agora a ser condenado no decurso do período de suspensão de outras penas de prisão e o comportamento posterior do arguido com condenações em penas de prisão efetiva por ilícitos de maior gravidade, não poderiam os Mmos. Juízes deixar de valorar com mais intensidade as circunstâncias desfavoráveis ao arguido na determinação da pena concreta que lhe aplicaram.

38 - Em relação ao arguido existem fortes exigências de prevenção especial, pois que, apesar do arguido ter condenações transitadas em julgado anteriores à data da prática dos factos pelos quais foi condenado nestes autos, ainda cometeu parte destes crimes no decurso do período de suspensão de outra pena de prisão a que havia sido condenado por ilícitos de idêntica natureza, sendo que, a escalada crescente de ilícitos cometidos, de igual ou maior gravidade do que aqueles pelos quais foi condenado nestes autos, reclamam a necessidade de aplicação ao arguido de penas, parcelares e única, semelhantes às aplicadas que tenham o efeito dissuasor e que permitam afastá-lo do cometimento futuro de novos ilícitos.

39 - Existem também fortes exigências de prevenção geral que reclamam a necessidade de condenação do arguido nas penas parcelares e única que concretamente lhe foram aplicadas, já que os crimes de furto qualificado e de coação pelos quais foi condenado criam um sentimento de alarme social e de insegurança na comunidade, que em princípio, não aceita nem compreende outra pena que não a de prisão efetiva, salvo nos casos em que se justifica uma atenuação especial, o que não é o caso.

40 - Os crimes de furto qualificado, enquanto flagelos sociais, são potenciadores do cometimento de outros crimes, igualmente graves contra bens jurídicos iminentemente pessoais, sendo que os mesmos reclamam, em nome da dissuasão de potenciais delinquentes, forte intervenção do direito penal.

41 - E junto do arguido reclama forte intervenção pelo grau de ilicitude com que o arguido pautou a sua atuação, o seu modo de atuação reiterado no tempo, a quantidade de ofendidos atingidos pela sua atuação, o valor dos bens subtraídos e a impossibilidade da sua recuperação, que sempre seriam circunstâncias que o Tribunal a quo só poderia valorar para agravar a punição daquele arguido.

42 - Apesar de ter vivenciado durante a sua menoridade contextos disfuncionais, o arguido quando atingiu a maioridade não procurou enveredar por uma vivência no seio da comunidade com melhoria da sua condição de vida mas, pelo contrário, cedo demonstrou que não pretendia contrariar esse passado, já que, mesmo uma relação familiar estável constituída com a sua companheira e por um filho menor, continuou a desenvolver a atividade delituosa que resultou provada como meio para aumentar os seus rendimentos.

43 - No caso em apreço, considerando o comportamento adotado pelo arguido anteriormente e posteriormente à prática dos ilícitos pelos quais foi condenado nestes autos, afigura-se-nos inequívoco que o arguido revela uma personalidade reconduzível a uma tendência criminosa que não permite efetuar um juízo de prognose favorável ao seu afastamento da prática de novos crimes, caso seja sancionado com penas inferiores às que lhe foram concretamente aplicadas e que se situam já próximas dos limites mínimos da incriminação.

44 - No caso sub judice, mesmo admitindo-se uma condenação do arguido em penas inferiores às que lhe foram aplicadas, atendendo à personalidade desconforme do arguido manifestada no comportamento posterior que teve, impossível se torna efetuarmos um juízo de prognose favorável de que a sua condenação numa pena de prisão, suspensa na sua execução, lhe serviria de censura adequada para o afastar do cometimento de novos crimes, em ordem a satisfazer as necessidades e finalidades da punição.

45 - A condenação do arguido em pena de prisão efetiva, a nosso ver, ajudará o arguido a encontrar o equilíbrio que necessita para a sua melhor reinserção em sociedade, permitindo-lhe obter uma maior estabilidade psico-emocional, em ordem à sua posterior reinserção social, fazendo com que o ulterior regresso à vida em sociedade se faça com uma interiorização do desvalor da sua atuação, o que não se coaduna com a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão suspensa na sua execução.

46 - Em face da gravidade e quantidade dos crimes de furto qualificados cometidos; considerando o dolo direto e intenso com que atuou; o alarme social causado com a sua atuação na comunidade em geral e do seu comportamento anterior e posterior à prática do crime, não é possível formular o juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, não se mostrando, por isso, preenchidos os requisitos formais e materiais previstos no art. 50º do Código Penal para a aplicação ao arguido de uma pena de prisão suspensa na sua execução.

Termos em que deve ser julgado improcedente o Recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos e a condenação do arguido pelos vários crimes de furto e de coação, não sendo a sua conduta subsumível no crime continuado, e nas penas, parcelares e únicas, concretamente aplicadas, agravadas por força da verificação da circunstância da reincidência, decisão que não violou quaisquer disposições legais, mormente as enunciadas pelos arts. 30º nº 2; 40º, 50º, 53º, 70º; 71º nº 1 e 2, 75º e 76 do C.P.; nem processuais penais consagradas nos arts. 311º nº 3, 410º, 359º do C.P.P. nem constitucionais consagradas no art.º 32º da CRP.”

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, é de parecer que (na parte interessante): “(…) A matéria de facto que vem assente, não permite, desde logo, concluir pela prática dos crimes pelos quais o recorrente vem condenado, o foram na forma continuada. Desde logo, tal conclusão mostra-se errada, ao pretender incluir nessa pretensa continuação criminosa, o crime de coacção em que o bem jurídico titulado é a liberdade pessoal, pelo que se inclui nos tipos de crime que visam proteger bens de natureza eminentemente pessoal. No seguimento da melhor doutrina penal, o n º 3 do art. 30º do Código Penal dispõe que: "O disposto no número anterior não abrange o crime continuado".

Acresce que, como bem se refere desenvolvidamente na resposta do MP, a análise dos factos que se mostram provados, no atinente aos crimes de furto, não permite que se possa falar na existência in casu de uma execução «por forma essencialmente homogénea», nem que a mesma tenha decorrido «no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente». Bem ao contrário, o recorrente demonstrou um dolo persistente, e uma reiteração de resoluções criminosas, diversificadas, não havendo lugar a qualquer mitigação, para mais considerável, da culpa do agente. Em sede de «unidade ou pluralidade de infracções», não há aqui lugar para a ficção legal que é o crime continuado (conquanto, nele, não deixa de haver várias resoluções criminosas, que são unificadas), nem para a figura do crime único (naturalmente, em relação aos furtos) mas sim e de modo claro, como vem decidido, estamos perante um concurso real de infracções.

4.2.

No atinente à narração de factos que integram os pressupostos da circunstância de agravação geral do crime que é a reincidência: Naturalmente, que face ao artigo 75º , n º 1,  do Código Penal, é claro que de há muito se mostra ultrapassado o «automatismo» da reincidência, havendo que evidenciar que, no caso concreto,« a  condenação ou as condenações anteriores  não lhe serviram [ao agente] se suficiente advertência contra o crime». Tal ónus recai, obviamente, sobre o MP na elaboração da acusação pública. A análise do ponto 11. da mesma (de resto transcrito pela defesa, no seu recurso e pelo MP na sua resposta), não se nos afigura consentânea com a ideia de uma acusação manifestamente infundada, cf. CPP 311º, n º s 2, al. a), e 3, al. b), que resto, até aqui, ninguém vislumbrou. Concede-se que a alegação efectuada, não é paradigmática, mas deve ter-se, a nosso ver, como cumprindo ainda a função de articulação dos factos essenciais. E sem dúvida, o que se nos afigura importante, não há lugar a que o recorrente face ao narrado na acusação, que bem conhecia, naturalmente, se possa considerar surpreendido, por ser condenado por uma agravante que desconhecia e que portanto dela não se pode defender. Esta parece-nos, ser a pedra de toque para avaliar da suficiência do narrado, nesta sede, na acusação e da garantia da observância de todos os direitos que à defesa assistem, para que se possa falar, como achamos que é o caso, de «fair trial».

4.3.

Por último, no atinente à medida das penas parcelares e única, o tribunal colectivo, patentemente, considerou as molduras abstractas, numa primeira fase e depois as molduras da reincidência, justificou quando caso disso era, a opção pela pena de prisão, ponderou detalhadamente, a culpa e as necessidades de prevenção geral e especial e os demais factores de determinação da pena, contidos no art. 71º do CP. Também não nos ficaram dúvidas de que o percurso criminal do recorrente, registado antes da prática dos crimes em apreço nos autos, não pode, senão convocar claras exigências de ordem preventiva especial (sendo de realçar que, com excepção do crime de furto qualificado cometido em 15.08.2013, todos os demais o foram no período de suspensão da execução de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão............Naturalmente que, como bem se assinala no acórdão, os crimes cometidos pelo recorrente, geram grande intranquilidade social, sendo fortes, também as necessidades de prevenção geral.

Diremos, para finalizar, que quer as medidas encontradas para as penas parcelares, quer para a pena única, se mostram, a nosso ver, perfeitamente consentâneas com os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação.

Somos assim de parecer que o recurso deve in tottum ser julgado improcedente.” (fls. 2053 a 2056)


I. b). – QUESTÕES PARA APRECIAÇÃO.

Ressumam, do sumário conclusivo, para cognoscibilidade precípua da pretensão recursiva, três   (3) questões (de direito):

a) – Integração da conduta factual activa do arguido na figura jurídico-penal do crime continuado;

b) – Condenação do arguido como reincidente;  

c) – Individualização Judicial da medida das penas parcelares e da pena única


II – FUNDAMENTAÇÃO.

II. A. – DE FACTO.

1. Factos Provados:

A) do inquérito 1045/17.7P…

1. Pelas 12h50m do dia 17-07-2017, o arguido AA dirigiu-se a uma residência situada na Rua da …, n.º …1, em …, …, pertencente a AAA, com o intuito de aí entrar e de se apoderar dos objectos que encontrasse e que lhe despertasse interesse, a fim de os fazer seus.

2. Tratava-se de uma moradia geminada, ladeada de muro e um portão.

3. Aí chegado, abriu o portão, acedeu ao logradouro da habitação e forçou uma janela existente ao nível do rés-do-chão, por onde entrou para o interior da habitação.

4. Daí, retirou e fez suas uma placa de vitrocerâmica, da marca Becken, no valor de 125 € (cento e vinte e cinco euros) e uma torradeira, no valor de 15 € (quinze euros).

5. O arguido agiu com o propósito alcançado de fazer seus os aludidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que, quer ao entrar naquela residência da forma descrita, quer ao retirar os objectos, agia contra a vontade e sem autorização da respectiva dona.

B) do Inquérito 1521/17.1P…

6. No dia 05-10-2017, cerca das 22 horas, no interior do parque de estacionamento D. …, situado na Rua …, …, …, AA e DD, em conjugação de esforços e intenções, dirigiram-se à viatura da marca Renault, modelo Clio, de matrícula …-TM-…, pertencente a BBB, com o intuito de acederem ao seu interior e daí retirarem os objectos que encontrassem e que lhes despertassem interesse, a fim de os fazerem seus.

7. Partiram o vidro traseiro da viatura e, do seu interior, retiraram e fizeram seus uma mala de viagem, no valor de 50 € (cinquenta euros), que continha diversas peças de roupa, no valor global de 500 € (quinhentos euros), uma carteira da marca Guess, no valor de 70 € (setenta euros), documentos pessoais e cartões bancários.

8. Essa mala e objectos pertenciam a BBB e a CCC.

9. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito alcançado de fazerem seus os aludidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior do veículo da forma descrita, quer ao retirarem os objectos, agiam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.

C) do Inquérito 668/17.9P…

10. Pelas 17 horas do dia 08-10-2017, os arguidos AA e DD, em conjugação de esforços e intenções, fazendo-se transportar na viatura de matrícula …-07-…, dirigiram-se às instalações do Centro Náutico DDD, situado na Rua …, em …, …, com o intuito de acederem ao seu interior e daí retirarem os objectos que encontrassem e que lhes despertassem interesse, a fim de os fazerem seus.

11. O espaço das instalações do Centro Náutico era vedado por rede com altura de cerca 2 (dois) metros a toda a volta e tinha um portão de entrada.

12. Aí chegados, acederam ao interior do espaço exterior do Centro pelo portão, aproximaram-se do edifício e forçaram uma janela existente ao nível do rés-do-chão do mesmo e, dessa forma, acederam ao interior das instalações.

13. Daí, retiraram e fizeram seus um cofre de mão, em metal, que continha a quantia monetária de valor não concretamente apurado.

14. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito alcançado de fazerem seus o aludido cofre e dinheiro, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior daquelas instalações da forma descrita, quer ao retirarem os objectos, agiam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.


D) do Inquérito n.º 6124/17.8T…

15. No dia 28-10-2017, pelas 5h17m do dia, indivíduos cuja identidade não foi possível apurar dirigiram-se às instalações do Centro Náutico DDD, situado na Rua …, em …, …, com o intuito de acederem ao seu interior e daí retirarem os objectos que encontrassem e que lhes despertassem interesse, a fim de os fazerem seus.

16. O espaço das instalações do Centro Náutico era vedado por rede com altura de cerca 2 (dois) metros a toda a volta e tinha um portão de entrada.

17. No interior do edifício, existia mobiliário e equipamento informático, de valor superior a 102 € (cento e dois euros).

18. Aí chegados, os tais indivíduos saltaram o portão de entrada, aproximaram-se do edifício e forçaram uma janela existente ao nível do rés-do-chão, acedendo, dessa forma, ao interior das instalações.

19. Percorreram o interior das instalações, por motivos não concretamente apurados não retiraram objectos e abandonaram o edifício.


E) do Inquérito 1452/17.5 S…

20. No dia 02/11/2017, cerca das 17h05m, indivíduos cuja identidade não foi possível apurar dirigiram-se ao parque de estacionamento D. …, situado na Rua …, …, … .

21. Aproximaram-se da viatura de matrícula …-TC-…, que ali se encontrava parqueada, partiram um dos vidros traseiros e, do seu interior, subtraíram um GPS, um Ipad, três carregadores e diversos documentos, artigos avaliados no valor global de 1.000,00 € (mil euros).

22. O aparelho GPS pertencia a EEE, detentor da viatura, e os restantes objectos pertenciam a FFF.


F) do Inquérito 132/18.9P…

23. Entre as 12 horas e as 16h15m do dia 21-01-2018, AA dirigiu-se à residência sita na Rua …, n.º 172, em …, pertencente a GGG, com o intuito de aí entrar e de se apoderar dos objectos que encontrasse e que lhe despertasse interesse, a fim de os fazer seus.

24. No interior da habitação, existiam várias mobílias, electrodomésticos e outros objectos.

25. Aí chegado, saltou para uma varanda existente ao nível do 1º andar e, aproveitando o facto de uma janela se encontrar semiaberta, acedeu ao interior da habitação, de onde retirou um televisor de valor de cerca de 500 € (quinhentos euros).

26. O arguido agiu com o propósito alcançado de fazer sua a aludida televisão, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que, quer ao entrar naquela residência da forma descrita, quer ao retirar a televisão, agia contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.


G) do Inquérito 231/18.7 P…

27. No dia 03/02/2018, pelas 4H00, na Rua …, na cidade do …, o arguido AA, acompanhado de outros três indivíduos cuja identificação não se logrou apurar, requisitaram os serviços do táxi de matrícula …-OG-…, conduzido por HHH, e solicitaram-lhe que os transportasse até à zona do cais de … .

28. Durante a viagem, quando a viatura circulava no tabuleiro inferior da Ponte …, um dos referidos quatro indivíduos, que seguia no lugar dianteiro de passageiro, encostou uma navalha de pequenas dimensões ao estômago do motorista e, em conjugação de esforços e intenções com os demais, ordenou-lhe que entrasse com a viatura no parque de estacionamento D. …, situado na Rua …, …, … .

29. Assustado por causa do comportamento do arguido AA e dos restantes três indivíduos que o acompanhavam, HHH conduziu a viatura para o interior do parque de estacionamento e parou a mesma no piso 8 do edifício.

30. Nesse piso, o arguido AA e os restantes indivíduos que o acompanhavam dirigiram-se ao veículo de matrícula … …JFX, pertencente a III, partiram o vidro ventilador lateral esquerdo e acederam ao respectivo interior.

31. E daí, retiraram e fizeram seus sacos de desporto com artigos de desporto, documentos do veículo e pessoais, chaves de residência, roupas, produtos de higiene, uma pen, um banco de pescador, binóculos e lanterna, tudo no valor global superior a 102 €.

32. Entretanto, um dos mencionados quatro indivíduos, no momento em que o referido HHH abriu a porta do condutor e saiu da viatura, retirou, em comunhão de esforços e intenções com os demais, daquela porta, um porta-moedas, que continha documentos pessoais e cerca de 20 (vinte) euros em dinheiro.

33. O arguido AA e os outros três indivíduos fizeram seus aquele porta-moedas e aquela quantia monetária.

34. O arguido AA e os restantes três indivíduos que o acompanhavam agiram sempre em comunhão de esforços e intenções, com o propósito alcançado de fazerem seus os aludidos objectos e dinheiro, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior do veículo … …JFX da forma descrita, quer ao retirarem os objectos que estavam no seu interior, agiam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.

35. O arguido AA e os outros três indivíduos que o acompanhavam quiseram provocar receio e insegurança em HHH, sendo que este, em consequência da descrita atitude, se sentiu atemorizado e perturbado, atento o modo sério e agressivo empregue por aqueles.

36. Com as suas condutas, o arguido AAA e os restantes três indivíduos agiram com o propósito alcançado de constranger HHH e de o obrigarem a levá-los até ao interior do parque de estacionamento.

H) do Inquérito 135/18.3S…

37. No dia 13/02/2018, pelas 5H00, GG, KK e NN, em comunhão de esforços e intenções, dirigiram-se ao parque de estacionamento D. …, situado na Rua …, …, …, que àquela hora se encontrava encerrado ao público, com o intuito de aí entrarem e de se apoderarem de alguma viatura e de objectos que encontrassem e que lhes despertassem interesse, a fim de os fazerem seus.

38. De forma não concretamente apurada, acederam ao interior do parque de estacionamento, no interior do qual se encontravam estacionados vários veículos ligeiros de passageiros.

39. Aproximaram-se do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ……CKX, da marca Toyota, modelo Corolla, de cor cinzenta, pertencente a JJJ, turista de nacionalidade espanhola.

40. O veículo Toyota Corolla tinha um valor comercial não concretamente apurado mas superior a 102 €.

41. Entretanto, no interior da viatura existiam vários brinquedos de criança, uma cadeira para transporte de criança, três livros, no valor global não concretamente apurado.

42. Continha igualmente, no seu interior, uma chave que permitia ligar a ignição e conduzir o mesmo.

43. De forma não apurada, os arguidos acederam ao interior da viatura e, com aquela chave, um dos arguidos ligou a ignição e conduziu a mesma até ao portão e pórtico de entrada/saída do parque.

44. Entretanto, ao chegarem perto do portão, saíram do veículo, abriram o portão e forçaram a abertura do pórtico.

45. Depois de aberto o pórtico, voltaram a entrar na viatura, saindo do parque de estacionamento para a Calçada …e, posteriormente, circulando pela Rua … até a Rua … .

46. O arguido KK não era titular de titular de carta de condução nem de qualquer outro título válido, bem sabendo que não podia conduzir veículos motorizados na via pública sem para tal estar habilitado com a necessária licença.

47. Desta forma, os arguidos fizeram seus o veículo e todos os objectos existentes no interior do mesmo.

48. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito alcançado de fazerem seus a viatura e os aludidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior do veículo da forma descrita, quer ao retirarem os objectos, agiam contra a vontade e sem autorização da respectiva dona.


I) do Inquérito 165/18.5 S…

49. No dia 21/02/2018, a viatura de matrícula …-SP-…, pertencente à empresa KKK, mas alugada temporariamente a LLL, MMM, NNN e Cai Lei, turistas de nacionalidade chinesa, estava estacionada na Rua Doutor Mário Cal Brandão, Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia.

50. Entre as 16H00 e as 17H00 daquele dia, GG, AA, QQ e RR, dirigiram-se àquela viatura, cuja entrada forçaram.

J) do Inquérito 384/18.4 P…

51. No dia 15-03-2018, cerca das 18h30m, GG, AA, KK, acompanhados de um outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, em comunhão de esforços e intenções, dirigiram-se ao parque de estacionamento D. …, situado na Rua …, …, …, com o intuito de aí entrarem e de se apoderarem de objectos que encontrassem no interior de viaturas e que lhes despertassem interesse, a fim de os fazerem seus.

52. Aproximaram-se da viatura de matrícula …-NP-…, pertencente à sociedade OOO - Sistemas Sanitários, S.A., que ali se encontrava parqueada, partiram um dos vidros traseiros e, do seu interior, subtraíram duas mochilas que continham dois computadores portáteis de marca Apple, um par de óculos de sol graduados, um Ipad, uns auscultadores Apple, dois Iphone’s e outros objetos, tudo no valor global de cerca de 4.000,00 € (quatro mil euros).

53. Os objectos pertenciam a PPP e QQQ, dois clientes da empresa OOO, de nacionalidade … .

54. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito alcançado de fazerem seus os aludidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior do veículo da forma descrita, quer ao retirarem os objectos, agiam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.

55. Os arguidos agiram sempre de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou:

56. No âmbito do PCS n.º 1026/11.4P…, do Juízo Local Criminal … (Juiz …), por sentença proferida em 03-10.2013 e transitada em julgado em 4-11-2013, foi o arguido AA condenado na pena única de 2 (dois) anos de prisão, a executar em regime de permanência na habitação, com fiscalização de controlo à distância, pela prática de um crime de roubo e um crime de coacção agravada, na forma tentada, cometidos em 28-11-2011.

57. Embora tenha sido determinada a revogação do regime de permanência na habitação, o arguido cumpriu aquela pena desde 19-11-2013 até 19-11-2015 sujeito àquele regime.

58. Não obstante a pena de prisão que lhe foi aplicada e que foi executada em regime de permanência na habitação, o arguido optou por continuar a praticar factos ilícitos, não tendo tal condenação lhe servido de advertência suficiente contra o crime.

59. O arguido apresenta ainda as seguintes condenações:

a) No âmbito do PCC n.º 41/11.2P… da extinta … Vara Criminal … foi em 28.03.2012 condenado na pena de 17 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, já declarada extinta nos termos do art. 57º, do C. Penal, pela prática em 04.08.2011 de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 17.04.2012.

b) No âmbito do PCC n.º 463/10.6J… da extinta … Vara Mista de … foi em 18.10.2012 condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, já declarada extinta nos termos do art. 57º, do C. Penal, pela prática em 27.03.2010 de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nºs 1 e 2, al. b) do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 19.04.2013.

c) No âmbito do PCS n.º 247/11.4P… do J … do Juízo Local Criminal … (extinto … juízo criminal, 1ª secção) foi em 15.01.2013 condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6.00, já declarada extinta pelo pagamento, pela prática em 10.04.2011 de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 14.02.2013.

d) No âmbito do PCC n.º 87/13.6P… do J … do JC Criminal … foi em 16.02.2015 condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática em 15.02.2013 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º do DL nº 15/93, de 22.01., tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 07.09.2015.

60. O processo de desenvolvimento do arguido AA decorreu no contexto de um agregado familiar constituído pelos pais e dois irmãos mais novos, de condição sócio económica equilibrada até à separação dos progenitores, na sequência da qual o pai emigrou, tendo o arguido e os restantes descendentes ficado a residir com a mãe, a qual ficou desempregada, passando então a família a subsistir essencialmente de subsídios estatais.

61. O percurso escolar do arguido foi marcado por dificuldades de aprendizagem e conduta anormativa, tendo, devido aos problemas que apresentava no ensino regular, sido encaminhado para o Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF).

62. O arguido concluiu o 5º ano de escolaridade aos 14 anos de idade e frequentou entre Novembro e Dezembro de 2014, o curso de iniciação à …, no Instituto de …, tendo obtido aproveitamento.

63. O arguido foi alvo de processos tutelares educativos, onde cumpriu tarefas a favor da comunidade e uma medida de internamento de fim-de-semana.

64. Nesta altura, inicia uma relação de namoro com a atual companheira, tendo 2 anos mais tarde nascido o filho do casal, atualmente com 8 anos de idade.

 65. Após o nascimento do filho, o arguido passou a residir junto da sua companheira, juntamente com a mãe e um irmão desta.

66. À data dos factos imputados o arguido vivia em união de facto com a actual companheira no agregado familiar desta.

67. Trabalhava com carácter esporádico com o padrasto numa empresa de montagens de estruturas para eventos, com ganhos variáveis.

68. O seu tempo livre era passado em casa e ainda no convívio com grupo de pares integrados na dinâmica de bairro/proximidade residencial, associados a comportamentos delinquentes.

69. O arguido regista um passado caracterizado por inatividade laboral.

70. Presentemente reside com a companheira, o descendente de 8 anos e o co-arguido RR, irmão da sua companheira.

71. O arguido mostra-se reservado e evasivo na avaliação do desvalor das condutas que lhe são imputadas, ainda que, em abstracto, reconheça a ilicitude das mesmas bem como dos danos e vítimas que possam provocar.

72. No âmbito do Processo Sumário n.º 1690/16.8P…, do Juízo Local Criminal de … (Juiz …), por sentença proferida em 17.10.2016 e transitada em julgado em 16.11.2016, foi o arguido GG condenado na pena de 1 (um) ano de prisão efectiva, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1 do C. Penal, cometido no dia 28-09-2016.

73. O arguido esteve ininterruptamente preso, em medida de coacção detentiva e em cumprimento daquela pena, desde 28-09-2016 e foi colocado em liberdade no termo da pena, em 28-09-2017.

74. Não obstante a pena de prisão que lhe foi aplicada, o arguido optou por continuar a praticar factos ilícitos, não tendo tal condenação lhe servido de advertência suficiente contra o crime.

75. O arguido apresenta ainda as seguintes condenações:

a) No âmbito do PCS n.º 1480/13.0P… do extinto … juízo criminal de … foi em 19.06.2014 condenado na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 01.09.2013 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, al. e) do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 04.09.2014; a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade foi revogada, tendo o arguido cumprido a pena de prisão, entretanto já declarada extinta.

b) No âmbito do Processo Abreviado nº 502/13.9P… do extinto … juízo criminal de … foi em 26.06.2014 condenado na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 6.00, já declarada extinta, pela prática em 20.03.2013 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.º 203º e 204º, nº 1, al. b) do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 11.09.2014.

c) No âmbito do PCS n.º 579/13.0P… do J … do JLC de … foi em 12.04.2016 condenado na pena de 200 dias de multa, já cumprida e extinta, pela prática em 30.07.2013 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 13.05.2016.

d) No âmbito do PCS n.º 1813/14.1P… do J 4 do JLC de … foi em 25.01.2017 condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, pela prática em 11.10.2014 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.º 203º e 204º, nº 1, al. b) do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 28.02.2018.

e) No âmbito do PCS n.º 1938/14.3P… do J 4 do JLC de … foi em 04.12.2017 condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, pela prática em 30.10.2014 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts.º 203º e 204º, nº 1, al. b) do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 13.06.2018.

f) No âmbito do PCC n.º 1287/10.6P… do J 1 do JCC de … foi em 15.01.2015 condenado na pena de 10 meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 23.07.2010 de um crime de roubo, na forma tentada p. e p. pelo art. 210º do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 16.02.2015. A substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade foi revogada, tendo o arguido cumprido a pena de prisão no regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, já declarada extinta.

g) No âmbito do Processo Abreviado nº 61/14.5P… do J 2 do JL de Pequena Criminalidade foi em 11.03.2015 condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sujeita a regime de prova, já declara extinta nos termos do art. 57º, do C. Penal, pela prática em 30.11.2014 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.sº 203º e 204, nº 1, a. b), do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 04.05.2015.

 h) No âmbito do Processo Comum Singular nº 1656/16.8P… do J 2 do Juízo Local Criminal de … foi em 23.10.2018 condenado na pena de 1 ano de prisão, pela prática em 21.09.2016 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204, nº 1, a. b), do C. Penal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 06.12.2018 – fls. 1490 a 1496.

76. (Do presente item até ao item número 88 a decisão narra facticidade concernente ao arguido GG, que por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

89. (Do presente item até ao item número 105 a decisão narra facticidade concernente ao arguido RR – cunhado do arguido AA – que, por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

106. (Do presente item até ao item número 121, a decisão narra facticidade concernente ao arguido QQ, que por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

122. (Do presente item até ao item número 139 a decisão narra facticidade concernente ao arguido DD, que por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

140. (Do presente item até ao item número 155, a decisão narra facticidade concernente ao arguido NN, que por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

156. (Do presente item até ao item número 179 a decisão narra facticidade concernente ao arguido KK, que por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

180. (Do presente item até ao aparatado que inicia a factualidade não provada (ponto 2.) a decisão narra facticidade concernente ao arguido UU, que por se mostrar desinteressante para a decisão do recurso se excise)

2. Factos Não Provados:

Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os factos assentes, nomeadamente:

- do Inquérito 668/17.9P…:

a) que o cofre de mão, em metal, referido no ponto 13. continha a quantia monetária de 311 € (trezentos e onze euros).

- do inquérito 6124/17.8T…

b) que os arguidos AA e DD, participaram nos factos relatados nos pontos 15. a 19., agindo em comunhão de esforços e intenções, com o propósito de fazerem seus os objectos que viessem a encontrar, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior daquelas instalações da forma descrita, quer ao retirarem quaisquer objectos, agiam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.

- do inquérito 1452/17.5S…

c) que no dia 02/11/2017, cerca das 17h05m, GG, AA e JJ, em comunhão de esforços e intenções, participaram nos factos relatados nos pontos 20. a 22., agindo com o propósito alcançado de fazerem seus os aludidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior do veículo da forma descrita, quer ao retirarem os objectos, agiam contra a vontade e sem autorização dos respectivos donos.

 - do inquérito 135/18.3S…

d) que o veículo Toyota Corolla mencionado no ponto 39. tinha um valor comercial superior a 5.100 €.

e) que no interior da mesma viatura existia um tablet de marca Samsung, uma trotineta, uma caixa com ferramentas e luzes, coletes e triângulos do veículo.

f) que o valor dos objectos mencionados no ponto 41. corresponde a € 102.00.

g) que nas circunstâncias descritas no ponto 45. o arguido KK ocupou o lugar de condutor e conduziu a viatura, saindo do parque de estacionamento para a Calçada … e, posteriormente, circulando pela Rua … até a Rua ….

- do inquérito 132/18.9P…

h) que a residência sita na Rua …, n.º 172, em … era habitada por RRR.

- do inquérito 231/18.7P…

i) que o arguido GG participou nos factos relatados nos pontos 27. a 36..

- do inquérito 165/18.5S…

j) que entre as 16H00 e as 17H00 do dia 21.02.2018 GG, AA, QQ e RR, partiram o vidro traseiro da viatura de matrícula …-SP-…, e, do seu interior, subtraíram uma peça de roupa, três passaportes, um Ipad, de cor branca, um Iphone 7 Plus, de cor branca, e um par de óculos, tudo no valor global superior a 102 € (cento e dois euros);

l) que os objectos e documentos pertenciam a LLL, MMM, NNN e C…;

m) que os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, com o propósito alcançado de fazerem seus os aludidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao acederem ao interior do veículo da forma descrita, quer ao retirarem os objectos, agiam contra a vontade e sem autorização dos respectivos donos.

- do inquérito 384/18.4P…

n) que o arguido UU participou nos factos relatados nos pontos 51. a 54..

3. Convicção do Tribunal:

Formou-se esta com base no conjunto da prova produzida em audiência, conforme se vai descrever, salientando-se desde já que, porque ligados ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do C.P.P. e não a uma qualquer presunção de jure ou iuris tantum, inadmissível em direito penal, é perfeitamente aceitável recorrer às denominadas “presunções naturais” ligadas ao “princípio da normalidade ou da regra geral” e às “chamadas máximas da vida e regras da experiência” (cfr. Figueiredo Dias, cit. por Lourenço Martins, in Droga e Direito, 1994, pág. 111) – como também se pronunciou o Ac. do S.T.J. de 2/4/86, B.M.J. 356, pág. 122, onde se refere que “as ilações que as instâncias extraem dos factos constituem uma forma correcta de avaliação de conduta dos réus, na medida em que sejam meras consequências ou prolongamentos daqueles factos”, ou o Ac. da R.P. de 29/06/2011, publicado na internet, em www.dgsi.pt/jtrp, com o nº de Proc. 233/08.1PBGDM.P3, onde se refere, nomeadamente, que “as presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto”:

A) Valorados foram, desde logo, os depoimentos das diversas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento.

- SSS, TTT, UUU, VVV, XXX, ZZZ, AAAA e BBBB, todos agentes da PSP, que descreveram e relataram de forma isenta e objetiva o que percecionaram nas diligências em que intervieram, designadamente, detenções, buscas e apreensões, confirmando o teor dos autos e relatórios das respetivas diligências.

Igualmente foram valorados os depoimentos das testemunhas:

- CCCC, funcionária e representante legal da Federação Portuguesa de …, cujas instalações se situam no Centro Náutico DDD. Confirmou as datas dos dois assaltos ocorridos e as características daquelas instalações, a forma como os agentes entraram no seu interior, tendo ainda esclarecido que na primeira situação foi subtraído um cofre de mão que continha uma quantia monetária que não conseguiu precisar, e na segunda não foram subtraídos quaisquer bens. Referiu que o edifício do Centro Náutico é dotado de sistema de videovigilância.

- DDDD, funcionário da sociedade OOO – Sistemas Sanitários, S.A., proprietária da viatura com a matrícula …-NP-…. Referiu que no dia 15.03.2018, entre as 18 horas e as 20 horas parqueou a mencionada viatura no parque de estacionamento D. …, tendo a mesma sido assaltada. Indicou que um dos vidros traseiros do veículo foi partido e do interior daquele foram subtraídas duas mochilas, que continham dois computadores portáteis da Apple, um Ipad, uns auscultadores, dois telemóveis da mesma marca, um par de óculos, cujo valor referiu, objectos pertencentes a PPP e QQQ, dois clientes canadianos que o acompanhavam. Afirmou ainda que no sábado seguinte ao sucedido os referidos clientes canadianos verificaram que o Ipad subtraído tinha sido ligado e localizado via GPS, tendo fornecido à autoridade policial essa localização, numa determinada artéria em …, …, e o nome do indivíduo registado aquando da ligação.

- HHH, condutor do táxi de matrícula …-OG-…. Afirmou que em data que não conseguiu concretamente precisar, durante a madrugada, quatro indivíduos, um dos quais identificou como sendo o arguido AA, requisitaram os seus serviços na rua …, no …, dando-lhe instruções para os transportar até à … e depois até à …. Durante a viagem, um dos indivíduos que seguia no táxi no lugar dianteiro de passageiro exibiu-lhe uma navalha e ordenou-lhe que entrasse no parque de estacionamento D. …, o que fez, tendo-se imobilizado no local que os indivíduos lhe indicaram e onde os mesmos saíram do táxi. Apercebeu-se que os indivíduos se aproximaram de uma viatura que se encontrava naquele piso, que descreveu como sendo um jeep e após ausentaram-se pelas escadas do parque. Explicou que entretanto apercebeu-se que do interior do seu táxi tinha sido retirado o seu porta-moedas que continha cerca de € 20/30€ em moedas. Após, quando procurava a saída do parque, constatou que dois veículos parqueados se encontravam com os vidros partidos.

- AAA, proprietária do imóvel situado na Rua …, nº 81, em … e dos objectos subtraídos. Explicou como encontrou a sua residência, aquando do sucedido, tendo ainda esclarecido quais os bens que lhes foram subtraídos quanto às suas características e valor, sendo que este último se mostrou adequado com aquelas, de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, incluindo as indicações de marca e modelo. Indicou ainda o local que indiciava ser aquele por onde se deu a entrada na sua moradia, cuja configuração descreveu pormenorizadamente.

- BBB, proprietário do veículo de marca Renault, modelo Clio, com a matrícula …-TM-…, branco e CCC, namorada do primeiro. Referiram que a identificada viatura foi assaltada quando se encontrava parqueada no parque de estacionamento D. …, tendo para esse efeito os agentes partido os vidros traseiros. Dentro daquilo que se recordavam, descreveram os bens subtraídos, tendo a este propósito a testemunha CCC esclarecido que grande parte dos objectos (roupa, calçado, prancha de cabelo) estavam no interior de uma mala de viagem (com rodas) vermelha/rosa, igualmente subtraída. Mencionaram  o valor dos bens subtraídos, que se mostrou adequado, de acordo com as características dos objectos e as regras da experiência comum.

- FFF, referiu que em data que não conseguiu precisar, ele e EEE deslocaram-se a … e parquearam a viatura alugada em que se faziam transportar, da marca Mercedes, modelo classe A, no parque de estacionamento D. …, onde a mesma foi assaltada. Dentro daquilo que se recordava mencionou os bens subtraídos, suas características e valores, que se mostraram adequados às características dos objectos e as regras da experiência comum.

- GGG, proprietário do imóvel situado na Rua …, nº …, em … e dos objectos subtraídos. Explicou como encontrou o imóvel, aquando do sucedido, tendo ainda esclarecido quais os bens que lhes foram subtraídos quanto às suas características e valor, sendo que este último se mostrou adequado com aquelas, de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, incluindo as indicações de marca e modelo. Indicou ainda o local que indiciava ser aquele por onde se deu a entrada no imóvel, cuja configuração descreveu pormenorizadamente.

 - EEEE, legal representante da empresa KKK, que apenas esclareceu que o veículo com a matrícula …-SP-…, pertencente à mencionada empresa, em 21.02.2018 se encontrava alugado a um indivíduo de nacionalidade chinesa. A viatura em causa quando foi devolvida apresentava danos numa das portas.

- III, proprietário do veículo (jeep), de marca Subaru, modelo Forester, de matrícula … …JFX. Mencionou que a identificada viatura foi assaltada quando se encontrava parqueada no parque de estacionamento D. …, tendo para esse efeito os agentes partido um dos vidros laterais traseiro, em forma de triângulo.  Descreveu os bens subtraídos e o respectivo valor, que se mostrou adequado, de acordo com as características dos objectos e as regras da experiência comum, tendo também referido os objectos que veio a recuperar.

- FFFF, sogra do arguido QQ, descreveu as actuais condições de vida do genro, tendo confirmado a sua integração familiar, social e profissional.

B) Foram ainda valorados os documentos constantes do processo, nomeadamente:

- os resultados das pesquisas efetuadas na base de dados do IMT (fls. 42 do apenso 135/18.3S…), lista de objectos e informação de GPS (fls. 698 a 701 e 704 do presente processo), resultado da pesquisa efectuada na base de dados do Registo Automóvel (cfr. fls. 619 a 624), factura (fls. 744), certidões (906 a 1006, 1019 a 1041, 1062 a 1086, 1087 a 1105, 1106 a 1119, 1132 a 1148 e fls. 1490 a 1496), verbete individual referente ao arguido José Alberto Marques e clichés de todos os arguidos (1230, 1757 a 1765).

 - os diversos autos de detenção, buscas e apreensões (cfr. fl.s  18 do apenso 668/17.9P…, fls. 33 do apenso 165/18.5S…; 55, 56 a 59  do apenso 135/18.3SP…, 14, 127 a 136, 145 a 147, 157 a 170, 222 a 234, 239 a 242, 348 e 349, 358 a 375 do presente processo).

- os autos de reconhecimento de objectos e termos de entrega (fls. 70 e 71 do apenso 135/18.3SPPRT, 18 do processo principal);

- fotografias/reportagens fotográficas e autos de visionamento de imagens  (cfr. fls. 16 a 18 do apenso 1045/17.P…, 18 a 26 do apenso 1521/17.1P…, 20 a 25 do apenso 668/17.9P…,  16 a 28 do apenso 1452/17.5S…, 13 e 14 do apenso 132/18.9P…, 12 a 20 do apenso 165/18.5S…, 19 a 41, 61 a 67 do apenso 135/18.3S…, 7 a 27 do apenso 384/18.4P…, 26 a 33, 54 a 61, 63 a 65 e 682 do processo principal).

- os relatórios de vigilância, relatórios/relatos de diligências externas e relatórios de inspecção ocular  (cfr. fls. 15 do apenso 1045/17.7P…, 21 a 25 do apenso 668/17.9P…, 12 do apenso 132/18.9P…, 31 a 34 do apenso 165/18.5S…, 22 a 25, 52, 53 do processo principal).

A prova documental constante do presente processo, aqui se incluindo designadamente os autos de buscas, apreensões, imagens, termos de entrega, reportagens fotográficas, indicados como prova no despacho de acusação, foram valorados independentemente da sua expressa leitura, visualização, audição ou exame em audiência de julgamento. Na verdade, tratando-se de provas pré-constituídas e, assim, produzidas anteriormente ao julgamento, constando do processo e podendo ser consultadas, permitem o cabal exercício do contraditório, designadamente na audiência de julgamento por todos os intervenientes processuais, tanto mais que sendo indicados como meios de prova no despacho de acusação os arguidos tiveram assim oportunidade de os contraditar (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/11, de 02-03-2011).

C) Considerou-se o teor dos relatórios periciais da Unidade de Polícia Técnica da Divisão de Polícia Técnica e Análise Criminal do Departamento de Investigação Criminal da P.S.P. de fls. 9 a 14 do inquérito 1045/17.7P…, 6 a 11 do inquérito 132/18.9P… e 46 a 61 dos presentes autos.

Relativamente às condições pessoais dos arguidos, teve-se em conta o teor dos relatórios sociais – fls. 2419 a 2425 e 2430 a 2437 e dos C.R.C.’s – fls. 1401 a 1439, 1448 a 1457.

Os factos referentes ao plano subjetivo foram extraídos dos factos objetivos, dado que estes os impunham, de acordo com as regras da experiência e da normalidade do acontecer.

Em concreto:

I. - quanto à situação dos pontos 1. a 5, considerou-se as declarações da testemunha AAA, proprietária da moradia assaltada. Confirmou a ocorrência do assalto à sua habitação, na sequência do qual chamou ao local a PSP. Descreveu as características e a configuração da moradia, informou quais os objectos subtraídos e respectivos valores, tendo ainda esclarecido que não conhece nem é familiar dos arguidos.

- e bem assim, relativamente à identificação do arguido, AA, como sendo o indivíduo que praticou os factos em causa, considerou-se o teor da informação pericial da Unidade de Polícia Técnica da Divisão de Polícia Técnica e Análise Criminal do Departamento de Investigação Criminal da P.S.P. de fls. 09 a 14, da qual resulta que o vestígio palmar com valor identificativo que assentava na face externa do vidro da janela forçada foi produzido pela região da palma da mão direita daquele arguido.

Ora, não existe qualquer outra justificação para a existência da impressão palmar do arguido, já que este não era pessoa das relações da proprietária da residência ou sua família, que frequentasse aquela casa, como foi afirmado pela testemunha já referida.

Ademais, a janela em causa não fica à face da rua, como se vê da fotografia de fls. 16 e da descrição que a sua proprietária fez, não sendo, portanto, possível que aí ficassem inadvertidamente impressões palmares de alguém que apenas fosse a passar ou aí se tivesse encostado.

 - em conjugação com os documentos de fls. 9 (quanto à data e local dos factos), 15 (relatório táctico de inspecção ocular), 16 a 18 fotografias do local quando foi detectado o assalto que evidenciam os vestígios que ficaram no local.

Tendo presentes os elementos de prova produzidos em sede de julgamento, conjugados também e com as regras da lógica, da normalidade da vida e das máximas da experiencia, convenceu-se o tribunal, com a necessária e suficiente segurança exigida em processo penal, que foi o arguido AA o autor dos factos.

II. - no que concerne à situação dos pontos 6. a 9., no que resultou da conjugação dos depoimentos das testemunhas BBB e CCC, já referido, com os fotogramas de fls. 19 a 25 e com a visualização das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância do Parque de Estacionamento D. …, de onde foram extraídos esses mesmos fotogramas, com a gravação de toda a factualidade ocorrida na ocasião - captadas em 05.10.2017 no interior daquele parque e onde é possível vislumbrar e identificar os arguidos AA e DD, num primeiro momento – entre as 22h e 01 e as 22 h e 03 - , junto do veículo assaltado (com a matrícula …-TM-…, Renault Clio branco), e num segundo momento  - 22h e 04 – 22h e 05 a afastarem-se do local em direcção à saída do parque, já levando o AA nas mãos a mala de viagem pertencente a CCC (coincide inteiramente com a descrição que a mesma fez da mala subtraída do interior do identificado veículo) e o DD, transportando com ele um saco. As referidas imagens permitem com certeza vislumbrar a face/cara dos arguidos em causa. O arguido DD usava um boné vermelho, com a pala preta, na frente do qual tem a designação da marca NIKE e o símbolo correspondente. O arguido usava este mesmo boné aquando do furto ocorrido no dia 08.10.2017, nas instalações do Centro Náutico DDD, como infra se referirá (inquérito 668/17.9P…), usando-o ainda quando a testemunha SSS, agente da P.S.P., que elaborou o aditamento de fls. 10 do inquérito 668/17.9P…, no dia 12.10.2017, intercetou e fiscalizou o veículo com a matrícula …-…-IP e identificou os arguidos DD e AA e que depois de os ver reconheceu-os como sendo os suspeitos visualizados nas imagens de videovigilância de onde foram extraídos os fotogramas de fls. 11 a 15 e 21 a 25 daquele inquérito. O mencionado boné, que fazia parte da indumentária do arguido DD nos assaltos cometidos em 05.10.2017 e 08.10.2017, veio a ser apreendido no dia 13.10.2017 nas circunstâncias mencionadas no aditamento de fls. 16 do apenso 668/17.9P… (cfr. auto de apreensão de fls. 18 do mesmo apenso). 

- atentou-se no auto de notícia (fls. 2 e 3) , designadamente quanto à data e local da ocorrência dos factos, corroborado pelo teor da prova oral.

 III. - no que toca à situação dos pontos 10. a 14., atentou-se no que resultou da conjugação do depoimento da testemunha CCCC, funcionária e representante legal da Federação Portuguesa de …, cujas instalações se situam no Centro Náutico DDD, que descreveu a configuração e as características do espaço daquelas instalações, explicou o local por onde os assaltantes terão penetrado visto os danos que verificou numa das janelas que foi forçada, tendo ainda esclarecido que único objecto subtraído foi um cofre de mão, no interior do qual se encontrava uma quantia monetária cujo montante não conseguiu precisar e do depoimento da testemunha SSS, agente da P.S.P., que referiu que no dia 12.10.2017 intercetou e fiscalizou o veículo com a  matrícula …-…-IP visto que o relacionou com o furto ocorrido no dia 08.10.2017 às instalações do Centro Náutico DDD e do qual tinha tido conhecimento. Na ocasião, no interior daquele veículo seguiam os arguidos AA e DD, a cuja identificação procedeu e que depois de os ver reconheceu-os como sendo os suspeitos visualizados nas imagens de videovigilância de onde foram extraídos os fotogramas de fls. 11 a 15 e 21 a 25. O mencionado boné, que fazia parte da indumentária do arguido DD nos assaltos cometidos em 05.10.2017 e 08.10.2017, veio a ser apreendido no dia 13.10.2017 nas circunstâncias mencionadas no aditamento de fls. 16 (cfr. auto de apreensão de fls. 18). 

- conjugados tais depoimentos com os fotogramas de fls. 11 a 15 e 22 a 25 do inquérito 668/17.9P… e com a visualização das imagens de videovigilância, donde foram extraídos aqueles fotogramas, com a gravação da factualidade ocorrida na ocasião, captadas em 08.10.2017, entre as 17.13 e as 17.22 horas nas instalações exteriores do Centro Náutico DDD, onde se vislumbram claramente os arguidos AA e DD. Aproximam-se de uma janela situada ao nível do rés do chão (17.19h), após o arguido DD do interior das instalações entrega pela janela ao arguido AA, que se encontra no exterior, um objecto de cor escura (17.20 h) e logo de seguida ambos abandonam o local, transportando o AA na mão direita um cofre de pequenas dimensões. Resulta ainda claro a identificação do veículo em que os arguidos se fizeram transportar (marca, modelo, cor e matrícula).

- atentou-se no auto de notícia (fls.8), designadamente quanto à data e local da ocorrência dos factos, corroborado pelo teor da prova oral, na pesquisa efectuada na base de dados da Conservatória do Registo Automóvel … (fls. 29), no relatório de inspecção judiciária (fls. 42).

A conjugação de todos os mencionados meios de prova e circunstâncias, conjugados também com as regras da lógica, da normalidade da vida e das máximas da experiência permitem concluir que os arguidos AA e GG participaram na execução dos factos que se deram como provados nos pontos 10 a 14.

- quanto à alínea a) dos factos não provados, a não se ter feito prova sobre a quantia monetária que se encontrava no interior do dito cofre.

IV. - no que concerne à situação dos pontos 15 a 19, atentou-se no auto de notícia de fls. 3 do apenso 6124/17.8T…, designadamente quanto à data da ocorrência dos factos, em conjugação do o depoimento da testemunha CCCC, que confirmou que as instalações do Centro Náutico DDD foram novamente assaltadas no dia 28.10.2017, cujo interior foi remexido, mas que não foi retirado qualquer objecto.

- quanto à alínea b) dos factos não provados, cujos factos se relacionam com a identificação dos indivíduos que praticaram as condutas em causa nos autos, a não se ter feito prova, e prova que fosse segura, certa e isenta de dúvidas, sobre os mesmos em audiência de julgamento.

Com efeito, os factos não foram presenciados, ninguém tendo visto os indivíduos que entraram naquelas instalações e sobre a matéria em questão não foi produzida qualquer outro meio de prova.

Pelo que não pode senão, até em obediência ao princípio processual designado por in dubio pro reo - uma das vertentes do princípio, mais amplo, de que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, expresso no art. 32º, nº 2 da C.R.P. -, princípio que actua em sede de julgamento da matéria de facto e segundo o qual perante uma situação de dúvida insanável sobre a ocorrência dos factos que constituem o objecto do processo deve decidir-se pela forma que se apresente mais favorável ao arguido, decidir-se pela não prova da participação dos arguidos AA e DD nos factos dos pontos 15 a 19, não resultando assim provados os factos da alínea b) da matéria de facto não provada

V. - quanto à situação dos pontos 20 a 22 considerou-se o depoimento da testemunha FFF, conjugado como auto de denúncia (fls. 2), nomeadamente quanto à data e local da ocorrência do furto;

- a única circunstância que liga os arguidos GG, AA e JJ aos factos em causa é o resulta dos fotogramas e da visualização das imagens donde os mesmos foram extraídos, constante do CD que se encontra na contracapa do processo 1452/17.5S... .

Assim, visualizando a gravação em causa e os fotogramas dela extraídos, consegue apurar-se, os identificados arguidos no dia 02.11.2017 no interior do parque de estacionamento D. …, por volta das 17 horas, onde se encontrava parqueado o veículo …-TC-…, que veio a ser alvo de furto. Não se vislumbra, contudo, os arguidos junto do referido veículo nem a transportarem qualquer objecto.

Tais elementos não são, na verdade, suficientes para se afirmar que a conduta descrita na acusação foi levada a cabo pelos identificados arguidos.

E nenhuma outra prova segura foi feita quanto às demais imputadas circunstâncias de envolvimento dos arguidos nos factos. Não é possível concluir pelo que quer que se tenha passado, nem sequer por apelo a quaisquer regras de experiência ou presunções judiciais, na medida em que a singela constatação que os arguidos se encontraram no interior do parque de estacionamento D. …, é compatível com várias hipóteses, desde logo com a circunstância de não terem sido os arguidos os autores da subtração.

Não logrou, pois, o tribunal apurar, com aquela certeza que se exige para fundar uma condenação penal, que tivessem sido os arguidos acusados os autores dos factos em questão, até tendo em conta o princípio processual designado por in dubio pro reo – uma das vertentes do princípio, mais amplo, de que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, expresso no art. 32º, nº 2 da C.R.P. –, princípio que actua em sede de julgamento da matéria de facto e segundo o qual perante uma situação de dúvida insanável sobre a ocorrência dos factos que constituem o objecto do processo deve decidir-se pela forma que se apresente mais favorável ao arguido.

Em consequência, deram-se como não provados os factos da alínea c), por não se ter feito prova que fosse segura, certa e isenta de dúvidas sobre os mesmos.

VI. - no que concerne à situação dos pontos 23 a 26  considerou-se o depoimento da testemunha GGG, proprietário da moradia assaltada. Confirmou a ocorrência do assalto ao seu imóvel. Descreveu as características e a configuração da moradia, o local por onde o assaltante terá entrado, uma porta de acesso à sala ao nível do 1º andar servida por uma varanda, referiu os objectos subtraídos, cujo valor indicou, tendo ainda esclarecido que não conhece nem é familiar dos arguidos, conjugando-o com o relatório de inspecção judiciária e reportagem fotográfica (fls. 12 a 14 do inquérito 132/18.9P…) e a fatura de fls. 744;

- e bem assim, relativamente à identificação do arguido, AA, como sendo o indivíduo que praticou os factos em causa, considerou-se o teor da informação pericial da Unidade de Polícia Técnica da Divisão de Polícia Técnica e Análise Criminal do Departamento de Investigação Criminal da P.S.P. de fls. 06 a 11 do identificado inquérito da qual resulta que o vestígio digital com valor identificativo que assentava na face externa do vidro da porta que dá acesso à sala da moradia foi produzido pelo dedo anelar da mão esquerda daquele arguido.

Ora, não existe qualquer outra justificação para a existência da impressão digital do arguido no vidro daquela porta, já que este não era pessoa das relações do proprietário do imóvel, que frequentasse aquela casa, como foi afirmado pela testemunha já referida.

Ademais, a porta em causa não fica à face da rua e situa-se ao nível do 1º andar, tendo o respectivo fecho ficado danificado a partir da ocorrência dos factos.

Tendo presente os elementos de prova produzidos em sede de julgamento, conjugados também e com as regras da lógica, da normalidade da vida e das máximas da experiencia, convenceu-se o tribunal, com a necessária e suficiente segurança exigida em processo penal, que foi o arguido AA o autor dos factos.

VII. - quanto à situação dos pontos 27 a 36, considerou-se o depoimento da testemunha HHH, já supra analisado, que reconheceu o arguido AA como um dos autores dos factos de que foi vítima (convém ter presente que não obstante o disposto no art.º 147.º, n.º 7, do C.P.P., o certo é que “o simples ato de uma testemunha na audiência identificar o arguido como o autor dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento” (cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 7 de Novembro de 2007, com o n.º convencional JTRP000…4, in www.dgsi.pt), corroborado pelo auto de reconhecimento pessoal de fls. 748 “o reconhecimento de pessoas realizado em inquérito constitui verdadeira prova antecipada que, sem prejuízo de poder ser questionado em audiência pelos sujeitos processuais, tem valor como meio de prova e pode ser considerado na fundamentação da matéria de facto” (cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 4 de Novembro de 2009, com o n.º convencional JTRP000…8, in www.dgsi.pt), e das testemunhas III, proprietário da viatura automóvel com a matrícula … …FFX e dos objectos que se encontravam no seu interior, também já supra analisado

- relevante ainda o termo de entrega de fls. 18, o auto de notícia de fls. 3 e 4,designadamente quanto à data e local da ocorrência dos factos, corroborado pelo teor da prova oral, os relatórios de inspecção judiciária de fls. 22 a 25 realizada no dia 03.02.2018, com início às 07h no parque de estacionamento D. …, no decurso da qual foram recolhidos no local um canivete (no percurso entre o piso 8 e o piso 9), uma ponta de cigarro, uma caixa de papel plastificada e um porta documentos de cor verde, que se encontravam junto do veículo com a matrícula … … JFX (os dois primeiros) e no interior do mesmo (porta documentos), e correspondentes reportagens fotográficas (fls. 26 a 33 (repetida a fls. 54 a 61),  fotogramas de fls. 64/65 retirados das imagens captadas em 03.02.2018 pelo sistema de videovigilância no interior do parque de estacionamento … (piso 1), pelas 04.18 h onde se vislumbra o táxi com a matrícula …-OG-… e no seu interior o condutor e pelo menos três ocupantes;

- e bem assim, relativamente à identificação do arguido, AA, como sendo um dos indivíduo que praticou os factos em causa, considerou-se o teor da informação pericial da Unidade de Polícia Técnica da Divisão de Polícia Técnica e Análise Criminal do Departamento de Investigação Criminal da P.S.P. de fls. 46 a 51 da qual resulta que o vestígio palmar e o vestígio digital com valor identificativo já aludidos (o primeiro recolhido na caixa de papel plastificado de cor branca que se encontrava junto do veículo assaltado com a matrícula … …FFX e o segundo que foi recolhido do porta documento de cor verde que se encontrava no chão do mesmo veículo) foram produzidos pela palma da mão esquerda (o palmar) e pelo dedo polegar da mão esquerda (o digital) do arguido AA. Ora, não existe qualquer outra justificação para a existência das impressões palmar e digital do arguido, em particular desta última, já que este não era pessoa das relações do proprietário do veículo assaltado, que utilizasse aquele veículo, e nunca aí tinha estado fosse porque razão fosse.

Ademais, o porta documentos donde foi retirado o vestígio em causa encontrava-se no interior (no chão) do veículo, não sendo, portanto, possível que aí ficasse inadvertidamente impressões digitais de alguém que apenas fosse a passar ou aí se tivesse encostado.

* A conjugação de todos os mencionados meios de prova e circunstâncias permitem concluir que o arguido AA participou na execução dos factos dos pontos 27 a 36.

Quanto à alegada intervenção do arguido GG, nenhuma prova segura foi feita em relação ao seu envolvimento nos factos, no que resultou a matéria de facto não provada constante da alínea i).

VIII. - no que concerne à situação dos pontos 37 a 48 atentou-se no que resultou da conjugação do depoimento da testemunha TTT, agente da PSP, que confirmou o auto de apreensão de fls. 55, datado de 13.04.2018 – do veículo Toyota Corolla com a matrícula … …CKX, quando se encontrava estacionado na Rua …, junto à residência do arguido KK -, e ainda o auto de busca e apreensão de fls. 57 e 58 à residência do identificado arguido (autorizada pela respectiva progenitora, MM (fls. 56), diligência realizada no referido dia 13.04.2018, no interior da qual, mais concretamente no quarto da mãe do arguido, onde se encontrava uma cama desmontável, dentro do guarda-vestidos, que continha vestuário e calçado masculinos, no interior de um estojo de óculos foi apreendida a chave da viatura … …CKX. Esta testemunha referiu ainda que as referidas diligências foram realizadas quando se deslocou à referida residência com a finalidade de dar cumprimento a um mandado de detenção do arguido KK para cumprimento da pena de prisão em que o mesmo foi condenado no âmbito do processo 4592/15.1T…, conforme, aliás, é confirmado, pelo teor do documento de fls. 54. Referiu que o arguido veio a ser efectivamente detido algum tempo depois (para cumprimento da referida pena de prisão) quando entrava na habitação situada no nº …, bloco L, da Rua … . Considerou-se também o documento de fls. 60 (documenta a remoção do veículo … …-CKX e respectiva entrega), a reportagem fotográfica de fls. 61 a 67), o termo de reconhecimento e entrega do veículo e dos objectos que se encontravam no seu interior (fls. 71). 

  - a este propósito também os fotogramas de fls. 20 a 36 do inquérito 135/18.3S… e a visualização das imagens de videovigilância donde foram extraídos aqueles fotogramas, com a gravação da factualidade ocorrida na ocasião da prática dos factos em apreço (assalto), captadas em 13.02.2018, nas instalações do parque de estacionamento D. Luís I, onde se vislumbram, os arguidos GG, KK e NN.

Nos fotogramas e nas imagens são visíveis, sem sombra de dúvida, os identificados arguidos a entrarem no parque de estacionamento e a deambularem pelos pisos do mesmo onde se aproximam (cada um deles) de diversas viaturas que ali se encontravam parqueadas e a espreitarem para o seu interior. Saem juntos transportando-se no veículo Toyota Corolla com a matrícula .. …-CKX, pelas 05.06h, que veio a ser apreendido em 13.04.2018, quando se encontrava estacionado na Rua …, junto à residência do arguido KK, no interior da qual foi encontrada uma chave desta viatura.

- atentou-se ainda no auto de denúncia de fls. 3 do apenso, designadamente quanto à data da ocorrência dos factos.

Embora sendo certo que ninguém viu os arguidos GG, KK e NN a praticar os factos descritos nos pontos 37 a 48, os apontados meios de prova, conjugados também e com as regras da lógica, da normalidade da vida e das máximas da experiencia, convenceram o tribunal, com a necessária e suficiente segurança exigida em processo penal, que foram estes os seus autores.

- quanto à alegada condução do veículo automóvel supra identificado pelo arguido KK, os elementos probatórios supra elencados não são suficientes para concluir que tenha sido que naquelas circunstâncias tenha ocupado o lugar do condutor e o conduziu na via pública, pelo que resultaram não provados os factos da alínea g).

IX. - relativamente aos factos dos pontos 49 e 50:

- a única  circunstância que liga os arguidos GG, AA, QQ e RR aos factos em causa é o resulta dos fotogramas e da visualização das imagens donde os mesmos foram extraídos, constantes do CD que se encontra junto ao processo 165/18.5S… . A situação em causa foi filmada por indivíduo cuja identidade não foi apurada e o vídeo foi preservado pela autoridade policial.

Assim, visualizando a gravação em causa, consegue apurar-se, os identificados arguidos junto da viatura com a matrícula …-SP-…, inclusivamente a forçar uma das portas.

Na gravação não é possível vislumbrar qualquer um dos arguidos a retirar algum objecto do interior do veículo automóvel.

Acresce que não foi produzida prova suficiente quanto aos bens que alegadamente terão sido subtraídos do interior da identificada viatura às pessoas que temporariamente se encontravam na posse daquela, LLL, MMM NNN e C…, por força do contrato de aluguer que celebraram com a “KKK – Aluguer de Automóveis, S.A.”, confirmado pela testemunha Rui EEEE.

Tais elementos não são, na verdade, suficientes para se afirmar que a conduta descrita na acusação foi levada a cabo pelos identificados arguidos.

E nenhuma outra prova segura foi feita quanto às demais imputadas circunstâncias de envolvimento dos arguidos nos factos. Não é possível concluir pelo que quer que se tenha passado, nem sequer por apelo a quaisquer regras de experiência ou presunções judiciais, na medida em que a singela constatação que os arguidos se encontraram em redor da dita viatura automóvel e que tendo os mesmos até forçado a entrada na mesma, é compatível com várias hipóteses, desde logo com a circunstância de nada ter chegado efectivamente a suceder, por eventualmente os arguidos, não terem conseguido efectivamente aceder ao interior da mesma, mas ainda que se considerem as hipóteses de ali terem entrado, não é possível alcançar que acto ou actos concretos tivessem sido praticados, não sendo por isso possível aferir se foram subtraídos alguns objectos.

Não logrou, pois, o tribunal apurar, com aquela certeza que se exige para fundar uma condenação penal, que tivessem sido os arguidos acusados os autores dos factos em questão, até tendo em conta o princípio processual designado por in dubio pro reo – uma das vertentes do princípio, mais amplo, de que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, expresso no art. 32º, nº 2 da C.R.P. –, princípio que actua em sede de julgamento da matéria de facto e segundo o qual perante uma situação de dúvida insanável sobre a ocorrência dos factos que constituem o objecto do processo deve decidir-se pela forma que se apresente mais favorável ao arguido.

Em consequência, deram-se como não provados os factos das alíneas j), l) e m), por não ter sido feita prova que fosse segura, certa e isenta de dúvidas sobre os mesmos.

X. - em relação à situação dos pontos 51 a 54 foi relevante a análise crítica  dos seguintes elementos de prova:

- depoimento da testemunha DDDD, funcionário da sociedade “OOO – Sistemas Sanitários, S.A.”, proprietária do veículo assaltado, da marca wolkwagen, modelo sharan, de cor preta, com a matrícula …-NP-…, que na ocasião utilizava e parqueou no parque de estacionamento D. …, quando se encontrava acompanhado de dois clientes, de nacionalidade …, PPP e QQQ, já supra concretizado, conjugado com as listas de objectos de fls. 704 e 707;

- a este propósito também os fotogramas de fls. 8 a 24 do inquérito 384/18.4P… e a visualização das imagens de videovigilância donde foram extraídos aqueles fotogramas, com a gravação da factualidade ocorrida na ocasião da prática dos factos em apreço (assalto), captadas em 15.03.2018, entre as 18.33 h e as 18.50h nas instalações do parque de estacionamento D. …, onde se vislumbram, sem sombra de dúvida, os arguidos GG, AA e RR.

Nos fotogramas e nas imagens são visíveis os identificados arguidos a entrarem juntos, acompanhados de um outro indivíduo, a pé no interior do parque de estacionamento, sem levarem consigo qualquer objecto. No seu interior percorrem, a pé, juntos, os pisos do parque de estacionamento e aproximam-se de diversas viaturas parqueadas e observam o seu interior (usando como lanterna o telemóvel). Vislumbra-se ainda os arguidos GG, AA e RR e um outro indivíduo, que se mantêm juntos e se afastam dos veículos, sendo que os arguidos AA e GG entretanto já tem cada um na sua posse uma mochila preta, o que também sucede com o quarto indivíduo. Entretanto saem juntos do parque na posse das mochilas/sacos. Tais imagens não permitem com certeza vislumbrar a face/cara do quarto indivíduo que acompanha os arguidos GG, AA e RR;

- acresce ainda a localização via GPS do Ipad pertencente a QQQ – fls. 698 a 702; o Ipad subtraído foi ligado no dia 17.03.2018 e localizado via GPS junto da Rua …, e que aquele dispositivo havia sido registado on-line em nome do arguido AA.

Embora sendo certo que ninguém viu os arguidos GG, AA e RR a praticar os factos descritos nos pontos 51 a 54, os apontados meios de prova, conjugados também e com as regras da lógica, da normalidade da vida e das máximas da experiencia, convenceram o tribunal, com a necessária e suficiente segurança exigida em processo penal, que foram estes os seus autores.

Quanto à alegada intervenção do arguido UU, os elementos probatórios supra elencados não são suficientes para afirmar que os factos descritos nos pontos 51 a 54 foram também levados a cabo por aquele, pelo que resultaram não provados os factos da alínea n).

Embora se possam antever alguns traços semelhantes da fisionomia do quarto indivíduo visionado nas imagens com a fisionomia do arguido UU, as imagens recolhidas quanto a este indivíduo não têm uma grande nitidez, que permitam efectuar uma comparação segura, a ponto de se poder dizer que se reconhece a fisionomia do arguido nas imagens recolhidas.

Também no que respeita às sapatilhas e ao casaco, que foram apreendidos ao arguido - cfr. auto de busca e apreensão de fls. 128, 129 e reportagem fotográfica de fls. 132 a 135 - não apresentam quaisquer características distintivas, que sejam diferentes de várias outras sapatilhas e de vários outros casacos do mesmo género, com a mesma forma e o mesmo padrão, a ponto de se poder dizer que aqueles que se vêem nas imagens de videovigilância no quarto indivíduo que praticou o assalto só poderiam ser os que foram apreendidos ao arguido. Podiam ser essas, como podiam ser quaisquer outras do mesmo género.

Não logrou, pois, o tribunal apurar, com aquela certeza que se exige para fundar uma condenação penal, que tivesse sido o arguido UU um dos autores do crime que lhe é imputado nos autos, pelo que não pôde senão, até em obediência ao princípio processual designado por in dubio pro reo - uma das vertentes do princípio, mais amplo, de que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, expresso no art. 32º, nº 2 da C.R.P. -, princípio que actua em sede de julgamento da matéria de facto e segundo o qual perante uma situação de dúvida insanável sobre a ocorrência dos factos que constituem o objecto do processo deve decidir-se pela forma que se apresente mais favorável ao arguido, decidir-se pela não prova da participação do arguido nos factos dos autos, não resultando assim provados os factos da alínea n).

- especificamente ainda quanto aos factos atinentes à actuação conjunta dos arguidos nas situações dos pontos 6 a 9, 10 a 14, 37 a 48,  e 51 a 54 e do arguido AA com os indivíduos que o acompanhavam - situação dos pontos 27 a 36 -, socorreu-se o Tribunal de presunção judicial decorrente das circunstâncias que envolveram os factos ocorridos, nomeadamente as atinentes ao comportamento dos intervenientes, de onde resulta que todos actuaram em conjunto e por acordo, cada um efectuando as tarefas que se impunham à concretização do objectivo comum, todos eles aceitando as consequências das respectivas condutas, tudo apreciado à luz das regras da normalidade e da experiência comum, consideradas no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do C.P.P. – não tendo sido produzida qualquer prova em sentido contrário, que infirmasse nesta concreta situação as regras da experiência e o que é o normal suceder neste tipo de actuações.

No que respeita aos restantes factos não provados tal deveu-se a não se ter feito prova suficiente sobre os mesmos.


II. B. – DE DIREITO.

II. B.i). – CONTINUAÇÃO CRIMINOSA.

Na discrepância que exibe da decisão proferida pelo tribunal de condenação (Tribunal da comarca …, Instancia Central Criminal, J3), o recorrente, AA, estima que não foi considerada pelo tribunal recorrido, a figura jurídico-penal da continuação criminosa, em contravenção com o que resulta do adquirido pela factualidade provada. (“Resultam então dos factos provados que o arguido recorrente praticou entre Julho de 2017 e Março de 2018, mediante resolução previamente tomada, de forma a realizar, repetidamente, factos integrantes de crimes contra a propriedade, o que fez com propósito sempre renovado, de forma essencialmente homogénea e sob solicitação da mesma situação exterior, a qual propiciou a repetição ocorrida, evidenciando uma diminuição sensível da sua culpa, a significar que o comportamento do recorrente deve ser qualificado como integrante de um crime continuado.)    

O crime (delito) continuado caracteriza-se por uma, ou mais, acções ou omissões separadas por um certo tempo que, não obstante integrar cada uma delas por separado a mesma figura fundamental de delito, se valoram como um só, em razão à homogeneidade dos seus elementos, ou porque está formado por vários actos cada um dos quais, estimado isoladamente, reúne todas as características de um delito consumado ou tentado, mas que se qualificam globalmente como se constituíssem um só delito.    

Para a autora da monografia “El Delito Continuado”, Maria T. Castañera, que seguiremos de perto na argumentação que desenvolveremos em torno deste tema, a instituição do delito continuado estrutura-se em torno de três elementos:”1º Pluralidad de acciones u omissiones, cada una de las quales individulamente considerada ha de constituir delito o falta; 2º Infracción del mismo tipo por cada una de las acciones u omissiones; 3º Un elemento de carácter subjectivo, que se há interpretado de formas muy diversas e incluso se há reputado innecessário”. [[2]]

Desbordando da discussão que se formou acerca da natureza do delito continuado, para uns uma ficção jurídica para outros uma realidade natural, as doutrinas italiana e alemã exigem para a conformação da figura de crime continuado, a primeira três e a segunda dois elementos. Para a primeira é necessário que existam uma pluralidade de acções ou omissões, uma unidade de desígnio criminoso e violação da mesma disposição legal, enquanto para a segunda é necessário que ocorra uma pluralidade de acções homogéneas e um elemento subjectivo concebido como dolo conjunto, dolo continuado ou como culpabilidade homogénea. Já para a doutrina espanhola se tornam necessários dois elementos fundamentais, um objectivo, pluralidade de acções, unidade de lei violada e unidade do sujeito passivo, outro subjectivo, unidade de desígnio, propósito, intenção ou dolo; e três secundários: Unidade ou identidade de ocasião, conexão espacial e temporal e emprego de meios semelhantes.

As acções cuja pluralidade se exige devem ser acções qualificadas pela lei penal como acções penalmente relevantes ou seja acções típicas. “A situação fáctica a la que se aplica el delito continuado es idêntica a la que da lugar a la aplicación de las normas del concurso real” (op. loc. cit. pag. 37). As acções típicas que são realizadas e que se devem constituir como crime continuado devem poder ser enquadrados no mesmo tipo de ilícito, isto é, tem que ocorrer uma unidade ou identidade da norma violada através de diversas infracções o que para outros autores e jurisprudência se configura como a necessidade de existência de uma unidade, homogeneidade o identidade do bem jurídico lesionado ou posto em perigo.

Se assim no plano objectivo, já no plano subjectivo se exige que o autor do incremento delitivo haja querido realizar a acção delitiva e com ela atentar contra a norma que prevê e pune a acção típica. Exige-se uma unidade de resolução e de propósito, ou seja que o autor do facto tenha consciência de que com aquela concreta acção lesa e viola um comando jurídico que a proíbe e puna.

A doutrina exige ainda identidade do sujeito passivo quando os bens jurídicos afectados pela acção típica sejam de carácter pessoalíssimo. As razões que alçapremam este entendimento radicam em que “es posible que concurra el elemento de unidad de resolución existindo vários sujetos pasivos en los delitos contra el património, pero non cunado se tarta de delitos que afectan a bienes jurídicos personalíssimos piesto que en estes casos cada nueva acción supone una resolúción distinta” e por outro lado “en considerar que es necessária la unidad de bien jurídico, pêro que tal unidad no concurre cunado varias acciones afectam a personas distintas” (op. loc. cit. p. 163). (Esta posição não colhe a aquiescência da autora que vimos citando, porquanto considera ser inadmissível uma resolução única que abarque uma pluralidade de acções. “Tal resolución solo es admissible si se entiende como un proyecto genérico y entonces no hay inconveniente en incluir en él acciones que, atacando bienes jurídicos personalíssimos afecten a personas diversas”). 

Já não ocorrerá qualquer inconveniente quando sejam vários os sujeitos activos, “dado que cada uno de ellos há cometido otros tantos delitos, no hay inconveniente en aplicar el delito continuado los elementos que integran tal figura”(cfr. op. loc. cit. p. 151).

Ainda assim esta não é a posição que tem vindo a vingar tanto na doutrina com nas jurisprudências estrangeiras, as quais vêm entendendo que quando se trata de crimes em que estejam envolvidos bens jurídicos de natureza essencialmente pessoais a figura de crime continuado não é admissível.

Na doutrina italiana [[3]], na hermenêutica operada a propósito do artigo 81º, segundo e terceiro apartados –“Alla stessa pena soggiace chi con più azioni od ommissioni, esecutive di un medesimo disegno criminoso, commette anche in tempi diversi più violazioni della stessa o di diverse disposizioni di legge” (Na mesma pena fica sujeito quem com mais do que uma acção ou omissão, executadas por um mesmo desígnio criminoso, ainda que cometidas em tempo diverso diversas violações da mesma ou de diversas disposições legais” – escreveu o autor citado na nota infra que, para que haja um verdadeiro desígnio (criminoso), não basta uma ideação de uma série de factos e tão pouco (neppure) um desejo de realiza-lo: “ocorre qualquer coisa mais, e precisamente uma deliberação genérica, a qual, além disso (poi) não exclui que para cada acção singular se tome (si renda) uma deliberação especifica. Mas (sennonché) a deliberação não é um simples facto intelectivo: implica também um concurso da vontade. Para além (Oltre) deste elemento exige-se a unidade de fim, a qual segundo o exacto realce de De Marisco se informa da pluralidade da infracção no modo como cada uma perde a sua autonomia para se tornar um fragmento do conjunto. Desígnio criminoso, portanto (quindi), em nossa opinião (a nostro avviso) é o projecto genérico, é o projecto genérico de cumprir uma série de acções delituosas, deliberada na linha essencial para conseguir um determinado fim. Daí deriva (Ne deriva), por outro lado (fra altro) que para a identidade do desígnio criminoso não é suficiente a mesma vontade (spinta) em delinquir (ânimo de lucro, ódio, toxicodependência, etc.) (tradução nossa).

Para Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, parte general, Vol.II, p. 993 e segs. (a jurisprudência e doutrinas dominantes) fundam a determinação da unidade da acção na concepção natural da vida. “Segundo elas, uma pluralidade de partes componentes do curso de um sucesso externamente separáveis constitui uma unidade de acção quando distintos actos parciais se acham conduzidos por uma resolução de vontade unitária e se encontra em conexão temporal e espacial tão estreita que se sentem como unidade por um espectador imparcial”. [[4]]

“Constitui sempre uma única acção a realização dos requisitos mínimos do tipo legal, ainda que o comportamento físico possa decompor-se em vários actos parciais desde um ponto de vista puramente fenomenológico”, constituindo também uma acção quando o tipo requer a realização de vários actos parciais (delitos de vários actos) ou ainda quando ocorre um delito permanente, isto é, “quando o facto punível cria um estado antijurídico mantido pelo autor mediante cuja permanência se segue realizando ininterruptamente o tipo”. 

Para este autor os requisitos do delito continuado não se encontram “de modo algum” determinados, ainda que possam ser indicados os seguintes: “a) em primeiro lugar, objectivamente é necessária a homogeneidade da forma de comissão (unidade do injusto objectivo da acção). Isso requer que os preceitos penais violados pelos actos parciais se encontrem materialmente na mesma norma e que o desenvolvimento dos factos manifeste no essencial os mesmos elementos externos e internos; b) os actos parciais devem lesar o mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado). Esta condição falta, por exemplo quando concorrem o abuso sexual de crianças e o “yacimiento “ entre parentes. Tratando-se de bens jurídicos altamente pessoais não cabe o delito continuado quando os actos parciais se dirigem contra distintos titulares: homicídio contra distintas pessoas; abusos sexuais de distintas crianças; violação de distintas mulheres. Esta restrição encontra-se plenamente justificada, pois tratando-se de bens jurídicos altamente pessoais são tão distintos em cada acto parcial tanto o injusto da acção e de resultado como o conteúdo da culpabilidade do acto, que não parece admissível renunciar a valorações separadas”. [[5]] (No que ao homicídio diz respeito, a opinião expressa por Francesco Antolisei diverge da que acaba de ser apresentada por Jescheck. Assim para este autor (Francesco Antolisei) “será responsável por um homicídio continuado aquele que “com base num preciso programa, mata sucessivamente, com idêntico fim, vários membros de uma família”. Para este autor, e como nota de realce, “a jurisprudência e a doutrina têm até ao momento ponderado que a indagação sobre a existência do desígnio criminoso é de mero facto (ou seja trata-se de uma questão de facto), escapando, portanto, ao controlo da Cassação (equivalente no ordenamento judiciário português ao Supremo Tribunal de Justiça)”. [6] Retomando Jescheck, este autor aponta ainda um terceiro requisito: “c) Para a delimitação do delito continuado resulta decisiva a unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da acção). A jurisprudência requer um verdadeiro dolo global que abarque o resultado total do facto nos seus traços essenciais em quanto ao lugar, ao tempo, à pessoa da vítima e à forma de comissão, de tal modo que os actos parciais não representem mais que a realização sucessiva da totalidade querida unitariamente, o mais tardar, durante o último acto parcial”.

Na nossa jurisprudência, ainda que de forma pouco sistematizada e colocando a par dos elementos fundamentais os acessórios, o crime ou delito continuado vem sendo caracterizado pela forma seguinte (transcreve na íntegra o sumário extractado do Ac. do STJ, de 25.10. 2001, proferido no processo nº 1689/01 – 5ª secção): “I – Sucede, por vezes, que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime - ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), devem ser aglutinadas numa só infracção, na media a em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente. II – Esse crime continuado tem os seguintes pressupostos: - a) - Realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico); - b) – Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção); - c) – unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de "uma linha psicológica continuada"; - d) - Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado); - e)- persistência de uma "situação exterior" que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente; III – O pressuposto da continuação criminosa será assim a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. IV – A doutrina indica algumas das situações exteriores que, diminuindo consideravelmente a culpa do agente, poderão estar na base de uma continuação criminosa: (-) ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, um certo acordo entre os sujeitos; (-) voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; (-) perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa; (-) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução criminosa, verificar haver possibilidades de alargar o âmbito da sua actividade. V – Tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o nº 2 do art. 30º do CP, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa salvo se for o mesmo ofendido e para que se possa falar de diminuição de culpa na formação das decisões criminosas posteriores é necessário que as mesmas não tenham sido tomadas todas na mesma ocasião”.

Mais recentemente, a para caracterização do crime continuado, veja-se o Ac. do STJ de 4 de Janeiro de 2006, in Col. Juris., Acs. Do STJ, Ano XIV. Tomo I/2006, p. 157.

Quando o autor comete vários factos puníveis independentes e que são julgados no mesmo processo penal, ou em processos distintos mas sem que num dos processos ainda não haja transitado em julgado a condenação por qualquer deles, ocorre um concurso de crimes, isto porque o autor com diversas acções típicas viola uma pluralidade de bens jurídicos distintos cuja titularidade, ou o sujeito da protecção da norma, se encontra sedeada em distintos sujeitos jurídicos. Neste caso, ainda que ocorra uma conexão temporal das diversas acções típicas, cada uma delas deve ser punida individualmente, devendo a punição final ser encontrada, pela cumulação das penas individualizadas, numa pena única. [[7]] Na formação da penalidade global, segundo o sistema do cúmulo jurídico, deverá o tribunal determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como de crimes singulares, “objecto de cognições autónomas, se tratasse” [[8]], justificando cada uma penas parcelares por que opta, de forma autónoma, para depois construir uma “moldura penal do concurso”, até chegar à medida da pena conjunta do concurso “que se encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção.

Quanto ao regime de punição do crime continuado, o Prof. Figueiredo Dias, na obra “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, descarta o princípio da absorção para enveredar pelo seguinte modo de operar: “o que o tribunal terá que fazer é, numa primeira operação, eleger a moldura penal mais grave cabida aos diversos actos singulares; eleita esta, ele irá determinar dentro dela, segundo as regras gerais, a medida da pena do crime continuado. Nada impede, pois, que valore a pluralidade de actos, se disso for caso ao limite da culpa e às exigências da prevenção, como factores de agravação; a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta quando a punição daquele foi subtraído às regras da pena conjunta do concurso. Na medida exposta bem pode dizer-se ser ainda um princípio de exasperação, não de absorção, que preside à operação de medida da pena do crime continuado como unidade jurídica” (op. loc. cit., p. 296).  

A actividade, contínua e reiterada, que não continuada, na acepção que lhe confere o artigo 30º do Código Penal, levada a cabo pelo arguido/recorrente, DD, não preenche ao pressupostos normativos estabelecidos no citado preceito.

Seja-nos permitido, utilizar a diserta argumentação embasada na síntese conclusiva do Ministério Público junto da primeira (1ª) instância e que, pela clarividência e lhaneza de narração, se constitui como paradigmática e totalmente dilucidativa.

Assim, (i)  “não existiu homogeneidade no modo de execução dos crimes já que umas vezes o arguido cometeu tais ilícitos em autoria material, decidindo e executando por si tais factos; outras vezes fê-lo em coautoria, decidindo e executando o seu cometimento com o arguido DD; outras vezes fê-lo em coautoria, decidindo e executando tal crime com indivíduos não concretamente apurados; outras vezes em coautoria, decidindo e executando-o com os arguidos GG e RR, ou seja, nem sequer existiu no modo do cometimento dos mencionados crimes uma identidade dos seus co-autores”; (ii) não existiu homogeneidade na atuação do arguido porquanto não se verificou uma identidade dos alvos de cometimento dos mencionados crimes, de modo a concluir que atuou sempre com o mesmo modus operandi, já que, umas vezes decidiu levar a cabo a sua atividade delituosa escolhendo residências; outras vezes, escolhendo instituições, como sucedeu com o Centro Náutico, e noutras ocasiões veículos, sendo, por isso, distintos também os Ofendidos; (iii) “não existiu sequer homogeneidade de atuação na escolha dos bens a subtrair, pois que, umas vezes escolheu retirar e fazer seus eletrodomésticos; outras vezes um cofre com dinheiro; outras vezes malas de viagem; outras vezes computadores e em outras ocasiões simplesmente dinheiro”; (iv) “atentando nas datas do cometimento de cada um dos aludidos ilícitos temos que as mesmas são espaçadas e diluídas no tempo de modo sequer a que se possa concluir pela existência de uma continuidade criminosa na sua atuação, no sentido de que o arguido tomou várias resoluções criminosas decidindo executá-las quase em simultâneo”; (v) “nem sequer se poderá concluir pelo cometimento dos mencionados ilícitos no âmbito de um crime continuado considerando a área geográfica da sua atuação, pois que, embora todos os crimes tivessem sido praticados na área do Município de …, ocorreram em locais e freguesias totalmente distintas, pelo que, a dispersão geográfica do cometimento dos mencionados ilícitos afasta qualquer atuação no quadro de uma solicitação exterior que o levasse ao cometimento dos mencionados ilícitos no mesmo local”; (vi) “não se vislumbra igualmente qualquer solicitação exterior que permitisse levar o arguido ao cometimento dos aludidos crimes e que se mostre capaz de diminuir consideravelmente a sua culpa já que o arguido não tinha à sua disposição meios que o levassem inevitavelmente ao cometimento dos mencionados ilícitos, mormente, o contato direto com os bens subtraídos, por aceder diariamente aos mesmos; por residir próximo das habitações subtraídas; por ser funcionário ou frequentador do aludido Centro; por ser funcionário ou frequentador do aludido parque, caso em que poderia equacionar-se que o acesso fácil aos aludidos bens o levaria a ter a tentação de os subtrair formulando o desígnio criminoso de deles se apoderar”.

O recorrente, no que ressalta de mais sobressaliente, faz derivar a sua pretensão, neste segmento do recurso, do facto de o arguido ter agido num espaço geográfico circunscrito, porque delimitado à cidade de … e de ter tomado as resoluções criminosas de modo antecipado, visando o mesmo bem jurídico – a propriedade privada – e num espaço temporal igualmente exíguo – de Julho de 2017 a Março de 2018.

Com todo o respeito a pretensão do arguido/recorrente não contém a mais estrénua réstia de substrato jurídico-dogmático. O arguido agiu motivado por resoluções assumidas, umas vezes em solipsismo, outras em parceria e em conjunto com outros indivíduos; formulou essas resoluções dirigindo-as contra alvos diversos e pertencentes a pessoas singulares e entidades colectivas; apropriou-se de bens esparsos e de natureza e propriedades aleatórias (“eletrodomésticos; outras vezes um cofre com dinheiro; outras vezes malas de viagem; outras vezes computadores e em outras ocasiões simplesmente dinheiro”).

A dispersa intencionalidade resolutiva e a variedade de pessoas e entidades visadas e afectadas pela acção ilícita e criminosa do arguido afastam, de modo definitivo, qualquer possibilidade de a conduta do arguido ser integrada na figura de continuação criminosa.

Falece esta pretensão recursiva


 II. B. ii) – REINCIDÊNCIA.

Para o recorrente, a acusação que contra si foi formulada não contém as razões de facto nem de direito que permitam escorar uma condenação agravada pela circunstância agravativa da reincidência. Na verdade, depois de exalçar a natureza acusatória do processo penal, o recorrente estima que (i) da acusação consta a singela referência a condenação anterior (ponto 11. Da acusação – “que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra a prática de crime e para a necessidade de respeitar os bens jurídico-penalmente protegidos.”); (ii) a qualificativa não opera por efeito automático de condenações anteriores, antes se tornando fulcral “a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor” (cfr. entre outros, os Acórdãos de 28.02.07, Pº 9/07-3ª, 16.01.08, Pº 4638/07-3ª, de 26.03.08, Pºs 306/08-3ª e 4833/07-3ª, de que foi retirado o trecho transcrito, de 04.06.08, Pº 1668/08-3ª e de 04.12.08; Pº 3774/08-3ª)”; (iii) a acusação é omissa quanto à forma de execução e quanto aos fins e motivos que determinaram a prática do crime anterior, por que sofreu a condenação; (iii) “Impunha-se um especial cuidado na descrição dos factos e circunstâncias que, ligando entre si o cometimento dos diversos crimes, indiciassem que a sucumbência agora verificada foi, é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do arguido recorrente e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade (Ac. STJ de 04.12.08 acima citado)”; (iv) o que, em seu juízo, tornava a acusação insuficiente e passível de não merecer recebimento, nos termos da “alínea d) do nº 3 do artº 311º do CPP, quer para completo e inequívoco preenchimento dos pressupostos formais, quer para a integração do pressuposto material”; (v) e a justificar, em face da referenciada insuficiência um julgamento (sic) “manifestamente infundad[o], quanto á questão da reincidência, com a consequente e correspondente revogação do acórdão recorrido por a ter julgado procedente”.  

Antes de passarmos à analise da questão, não será despiciendo encontrar o eito argumentativo de que o acórdão recorrido se serviu para justificar a inserção do arguido na categoria de reincidente e a respectiva condenação nessa qualidade.

Reincidência dos arguidos AA, DD, RR e GG

Preceitua o art.º 75.º, n.º 1 do Cód. Penal, quanto aos pressupostos da reincidência, que “é punido como reincidente quem por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”.

Acrescenta o n.º 2 que “o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos”, acrescentando-se que “neste prazo não é contado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança, privativas da liberdade”.

A reincidência tem como efeitos a elevação de um terço do limite mínimo aplicável ao crime, permanecendo inalterado o limite máximo. Todavia, “a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores” (art.º 76.º, n.º 1 do Cód. Penal).

* Para aferir dos pressupostos da reincidência, interessa a seguinte factualidade dada como provada:

Quanto ao arguido AA

- no âmbito do PCS n.º 1026/11.4P…, do Juízo Local Criminal … (Juiz …), por sentença proferida em 03-10.2013 e transitada em julgado em 4-11-2013, foi o arguido AA condenado nas penas parcelares de 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo e um crime de coacção agravada, na forma tentada, cometidos em 28-11-2011, e em cúmulo jurídico das sobreditas penas, na pena única de 2 (dois) anos de prisão, a executar em regime de permanência na habitação, com fiscalização de controlo à distância.

- embora tenha sido determinada a revogação do regime de permanência na habitação, o arguido cumpriu aquela pena desde 19-11-2013 até 19-11-2015 sujeito àquele regime.

Entre as datas da prática dos crimes em apreciação – 17.07.2017, 05.10.2017, 08.10.2017, 03.02.2018 e 15.03.2018 - e aqueles em que foi condenado no Processo 1026/11.4P…, descontado o tempo de 2 anos em que cumpriu pena privativa da liberdade, não decorreu o prazo de 5 anos (cfr. art.º 75.º, n.º 2 do Cód. Penal). Acresce que as anteriores penas foram de prisão efectiva superior a 6 meses.

No caso em apreciação, ponderando, com especial ênfase, os antecedentes criminais do arguido, designadamente, o número de condenações, a natureza dos crimes e anteriormente cometidos pelo arguido, afigura-se adequado que a cada um dos crimes praticados corresponda uma pena concreta de prisão, superior a 6 meses, a qual não pode deixar de ser efectiva, pois que o recurso a qualquer uma das penas substitutivas passíveis de aplicação no caso não assegura de forma suficiente e adequada as exigências de prevenção, designadamente especial, que, como se aduziu, são elevadas no caso.

Ora, perante tais factos, outra não pode ser a conclusão senão a de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime resultante da anterior condenação transitada em julgado.

Na verdade, aquela condenação inequivocamente não o inibiu de renovar o propósito de delinquir e não constituiu advertência suficiente contra o crime, não tendo servido de suficiente advertência para que aquele inflectisse o seu estilo de vida e evitasse a prática de novos factos criminoso (os que estão em causa nos presentes autos e nos restantes processos em que também foi condenado).

Por conseguinte, conforme resulta do supra exposto, verificam-se todos os pressupostos formais e também o pressuposto material determinante da punição do arguido como reincidente (art. 75º, do C. Penal).

Verificados os pressupostos da reincidência, importa, de seguida, construir a moldura penal da reincidência (art. 76º, do C. Penal) correspondente a cada um dos crimes praticados pelo arguido.

Deste modo, as molduras penais abstractas (agravadas) dos referidos crimes passam para:

- crime de furto simples: 40 dias a 3 anos de prisão; - crime de coação: 40 dias a 3 anos de prisão; - crime de furto qualificado previsto no nº 1, do art. 204º, do Código Penal: 40 dias a 5 anos de prisão; - crime de furto qualificado previsto no nº 2, do citado normativo: 2 anos e 8 meses a oito anos de prisão.”

Prescreve o artigo 75º do Código Penal que “é punido como reincidente que, por si ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.”   

A agravativa (qualificativa) da reincidência coloca, segundo alguma doutrina [[9]], a questão da intervenção das condenações anteriores na formação/constituição da medida concreta da pena, na medida em que pode ferir o princípio da proporcionalidade.

Do mesmo passo, e por acréscimo de razão, alguns autores, questionam a legitimidade e constitucionalidade da reincidência. “Os argumentos mais correntes que servem para questionar a legitimidade ou constitucionalidade da agravante da reincidência são: a violação do princípio da individualização da pena; a lesão ao ne bis in idem; a acusação de direito penal do autor; e a desproporcionalidade da pena em relação à gravidade do delito.” [[10]]  

Segundo este Autor, “a objecção mais óbvia – e, também por isso, mais propalada – que se faz contra a agravante da reincidência é a de que o acréscimo da pena se dá em razão de um delito que já foi julgado e pelo qual o autor já foi punido, o que importaria em uma dupla valoração do mesmo fato pelo direito penal, uma violação ao ne bis in idem. (…) a violação do ne bis in idem pode ser afastada desde que se logre demonstrar que o fato de o agente delinquir novamente perfaça uma razão autónoma, que se extrapole o âmbito do delito já julgado, a influenciar a condenação do delito subsequente. Concretamente: a pecha do ne bis in idem só pode ser refutada caso se consiga fundamentar que a reincidência afeta a gravidade do novo delito, seja aumentando-lhe a culpabilidade ou o injusto, ou ainda indique uma maior necessidade de prevenção. (…) Ainda na linha da objecção da dupla valoração, afirma-se que uma vez que o agente já foi punido pelo fato anterior, o acréscimo da pena não mais teria fundamento algo que o autor fez, mas sim a sua condução de vida, sua personalidade. Pal apenação baseada na vida pregressa do indivíduo seria típica de um direito penal de autor, antiliberal, e naturalmente distinto do direito penal do fato, calcado nos princípios da legalidade e da culpabilidade (pelo fato)” [[11]]     

Ainda segundo o Autor que vimos acompanhando “na discussão científica e na jurisprudência, observam-se basicamente duas maneiras de fundamentar a relevância a reincidência na aplicação da pena. Uma tenta demonstrar que o delito precedido por uma condenação anterior do mesmo autor é mais grave, porque a reincidência implicaria ou numa culpabilidade mais elevada ou num injusto mais intenso. Outra recorre à ideia de maior necessidade de prevenção, geral ou especial, independentemente de se considerar o delito posterior mais grave ou não. (…) O argumento mais utilizado para fundamentar o acréscimo de pena em virtude da reincidência diz que o autor merece mais reprimenda, por a pena ou a condenação anterior não lhe ter servido de “alerta”, ou o que é o mesmo, por ele ter resistido à acção inibitória da sanção penal. É por esta razão que se costuma denominar a doutrina e jurisprudência dominantes neste tema na Alemanha de “teroria ou modelo de alerta” (Warnungsmodell). A culpabilidade elevada teria por base a superação do poder inibitório das penas anteriormente impostas; verificar-se-ia, portanto, uma energia criminal intensa por parte do réu.” [[12]]     

As razões da intervenção desta agravante na individualização judicial da pena, embora com tibieza e indecisão fundante, parece que terão de buscar-se nos dorsos da prevenção geral, porquanto a repetição “do delito significa um questionamento mais ostensivo do direito, o que, a principio, reclamaria uma reacção mais forte por parte do Estado.” [[13]]      

Sejam, porém, quais forem as razões doutrinárias que devam justificar a agravante da reincidência – em nosso juízo a necessidade preventiva da prática do delito e uma necessidade de fazer sentir a intensidade da acção do direito penal no modo de conduzir a vida de um determinado sujeito, constituem-se razões válidas e solventes – o facto é que no nosso direito interno a agravante de reincidência não tem suscitado aporias doutrinárias, como o atesta o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 2012, proferido no processo nº 87/11.0PJAMD.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, quando se escreve que (sic): “Relativamente ao pressuposto material dispõe o regime da reincidência que a punição agravada pela reincidência só tem lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime». Ainda de acordo com Figueiredo Dias [[14]2] «é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente». E, continua o mesmo Mestre, «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel».

Esta doutrina tem obtido acolhimento uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Argumenta-se no sentido de que, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas, ou exclusivamente exógenas, – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por, então, não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cfr. entre outros, os Acórdãos de 28.02.07, Pº 9/07-3ª, 16.01.08, Pº 4638/07-3ª, de 26.03.08, Pºs 306/08-3ª e 4833/07-3ª, de que foi retirado o trecho transcrito, de 04.06.08, Pº 1668/08-3ª e de 04.12.08; Pº 3774/08-3ª).” [[15]]

O recorrente acoima a acusação de não ter descrito com suficiente e bastante especificação factual as razões por que, no entender da entidade acusadora, as condenações anteriormente sofridas pelo arguido não tinham sido suficientemente dissuasoras e persuasivas para obstar a uma continuação criminosa do arguido.

A acusação refere no artigo 11. “que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra a prática de crime e para a necessidade de respeitar os bens jurídico-penalmente protegidos.”

Constitui jurisprudência firmada, como se alcança do aresto citado, de que a agravante qualificativa de reincidência não opera «por alusão ou impressão perceptiva», mas antes se torna necessário que o tribunal indague da predisposição do anterior condenado para manter uma conduta conforme à pauta social prevalente e normativamente acolhida no ordenamento jurídico.

Para que o juízo formativo do tribunal se consubstancie num veredicto positivo (quanto à agravativa) é mister que na decisão condenatória se proceda a uma análise circunstanciada e especifica da factualidade que permita inculcar e, ao tempo, induzir a predisposição adversa e refractária do arguido ao ordenamento preceptivo, o que vale por dizer às advertências em que se traduziram as anteriores condenações.

A propósito, ficou sumariado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 2008, proferido no processo nº 07P4833, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, que: “III - De acordo com a jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações (suposta uma sua correcta narrativa), não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação. É de rejeitar uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma específica comprovação factual e uma avaliação judicial concreta, e de exigir uma ponderação em concreto sobre a verificação ou não verificação do referido pressuposto material, exactamente o de funcionamento não automático, com vista à demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime. IV - Daí a necessidade de uma específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor. V - Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta do pleno das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou antes, face a uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade. VI - No condicionalismo da parte final do n.º 1 do art. 75.º do CP encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo exactamente face à necessária análise casuística que se distinguirá o reincidente do multiocasional. VII - A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade normalmente resultante da reiteração dum crime. VIII - A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes. Com tanto não se basta a reincidência, cuja certificação está dependente de apreciação e decisão judicial. IX - Numa situação em que: - no acórdão recorrido, para além da narrativa, insuficiente e incorrecta, das condenações anteriores, não existe a mínima referência factual que substancie o elemento material, quedando-se por formulação de juízo conclusivo [«Verifica-se, assim, que descontado o período de tempo durante o qual o arguido esteve detido, o mesmo cometeu, em período inferior a cinco anos, vários crimes dolosos, e que, uma vez em liberdade, não refez a sua vida, afastando-se da criminalidade, pelo que é de concluir que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime, e que tal lhe é censurável»], sem nada se referenciar no que toca à personalidade do arguido e sobre a questão de saber se se verifica ou não uma íntima conexão entre os crimes de 1997 e os de 2006 e se ela, a existir, deve ou não considerar-se relevante do ponto de vista de maior censura e da culpa agravada, não olvidando, como diz Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 269), que o juízo necessário quanto à verificação do pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria, havendo que ter em atenção que para tal exercício de indagação se mostra necessário especificar no elenco das condenações o tipo, natureza e espécie dos crimes anteriores de modo a poder relacioná-los com os recentes; - desde que o arguido saiu em liberdade condicional, em 23-10-2002, e até 09-10-2006, decorreram praticamente 4 anos; - no tocante à personalidade do arguido, dos factos provados apenas consta que, no que à avaliação feita pelo IRS diz respeito, se dá por reproduzido o teor do relatório junto aos autos; verifica-se ocorrer omissão de pronúncia relativamente a estes pontos, sendo o acórdão recorrido nulo, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, que estabelece ser nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo o seu conhecimento oficioso, conforme o n.º 2 do mesmo preceito. X - As exigências de fundamentação das decisões criminais, que para as decisões em geral dimanam do art. 205.º da CRP, passaram a ser maiores com a reforma do CPP de 1998 (Lei 59/98, de 25-08, entrada em vigor em 01-01-1999). A partir de então, a fundamentação não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado. XI - A fundamentação da decisão judicial constitui um elemento indispensável para assegurar o efectivo exercício do direito ao recurso, que de forma explícita foi constitucionalmente garantido com o aditamento da parte final do n.º 1 do art. 32.º da CRP, com a Lei Constitucional 1/97. XII - Constitui ainda factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto, sendo garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões – cf. Ac. do TC n.º 680/98. XIII - Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto – cf. Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006 –, por forma a permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. XIV - Mostrando-se a explanação da convicção do tribunal a quo parca e enxuta para as exigências legais em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sem efectuar a necessária análise crítica das provas, de forma a deixar claro o porquê da decisão relativa ao assentamento da facticidade fundamentadora da decisão final condenatória relativamente a determinados crimes, nesta parte o acórdão recorrido não cumpriu a injunção legal de fundamentação preconizada no n.º 2 do art. 374.º do CPP, pois que a mesma não é completa, não se vislumbrando aptidão comunicativa ou compreensividade do decidido, o que conduz à nulidade da decisão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.” [[16]]

A decisão recorrida embora não seja nímia, exuberante e munificente em argumentação justificativa, tendo-se limitado a concluir que, em face das condenações anteriores o arguido não tinha advertido e assumido o sinal inibitório que a sanção penal imposta lhe sugeria, o facto é que, em face do que havia sido transposto para a acusação, o tribunal não poderia ter ido mais além, sob pena de exceder o que constava no requerimento acusatória e infringir a proibição de excesso de pronúncia. E, a menos que aditasse novos factos, ao amparo do artigo 358º, nº 1 do Código de Processo Penal – considerando-se que esses novos factos derivavam dos que haviam sido descritos na acusação, o que seria de difícil inserção, em nosso juízo – ou então, o tribunal não teria outra alternativa que não fosse arredar a agravante por falta de factualidade bastante e subsistente para a sua integração qualificativa.

Em nosso juízo, a fundamentação, ainda que não exuberante, é suficiente e bastante para alicerçar a integração da circunstância agravativa, pelo que se desatende a pretensão do arguido/recorrente neste particular.


II. B. iii) – DETERMINAÇÃO DAS PENAS PARCELARES.

A terceira oposição sistémica ao acórdão atina com a individualização da medida das penas, parcelares e única, que foram impostas ao arguido.

Para o recorrente, o tribunal devia/podia ter operado um “juízo de prognose favorável assente na expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas do regime de prova, deveres e regras de conduta impostas, realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, funcionando a condenação como uma advertência (séria) para evitar a prática de futuros crimes, assim se conferindo e reconhecendo à pena de substituição o seu conteúdo reeducativo e pedagógico”.

A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» [[17]].Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade à norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral». A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica, enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente

A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida a reprovação e censura pela norma violada e a intensidade da sua vulneração; de asseguramento cognitivo-social da norma violada; e da responsabilidade do autor pela sua motivação de evitar o cometimento de um injusto criminal. (“Michael Pawlik  conceptualiza como «injusto criminal», afirmando que “(…) la naturazela especifica de este injusto reside en que el autor, en la medida en que ejecuta una norma que le favorece unilateralmente y discrepa del orden de normas de conducta jurídico-penal, contraveiene su obligación de cooperar al mantenimiento del estado jurídico existente y quebranta de este modo su rol como representante de la comunidad – dicho brevemente como ciudadano. En una palabra: el injusto penalmente relevante es por definición um injusto del ciudadano. – Confirmación de la norma e equilibrio de la identidade, p. 48).

Ainda para este autor que se inere naquela que foi crismada como corrente sociológico-normativa ou juridico-funcional a pena deve funcionar “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo”[18]. Günther Jakobs, epígono desta corrente, refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que norma deve ser cumprida e tem que ser defendida; e que a reacção demonstrativa deverá sempre ter lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualqier bien)” [19] (tradução nossa).

Em decisivo, numa lapidar expressão, para este autor «la única meta que le corresponde al Derecho Penal es garantizar la función orientadora de las normas jurídicas. 

La pena no persigue impresionar al penado ni a terceros para que se abstengan de cometer delitos. Trata solo de “ejercitar en la confianza de la norma” a la colectividad, para que todos sepan cuáles son sus expectativas, de “ejercitar en la fidelidad al Derecho”, y de “ejercitar en la acpetación de las consecuencias” en caso de infracción. Estos três efectos resumen en el de “ejercitar en el  reconocimiento de la norma”.- op. loc. cit. pág. 58 e 59.

Para Claus Roxin [[20]], epígono da corrente penalista que defende que os fins das penas atinam com a denominada “prevenção da integração”, o limite da pena deve ser aferido pela culpa. Na conclusão das suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior dessocialização.

Em remate para este autor «la pena adecuada a la cupabíIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxin llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62).

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig escreve que: «El principio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales.[21]

Já para Hassemer «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de supponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.

De todos os autores citados se retira a ideia de que a pena tem uma função preventiva, no sentido em que deve servir a manutenção das expectativas da comunidade na vigência das normas e actuam como factor de dissuasão do autor do facto violador da regra jurídica e demais conviventes sociais na necessidade de manter estável e vigente a validade orientadora do amplexo normativo que regula o tecido social.

No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo – ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[22]]

Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[23]] “A determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar, “que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Constata-se, assim, que no ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.[[24]]

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» [[25]].

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra.

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. [[26]]

Em nosso juízo o interesse da comunidade e o da manutenção da vigência das normas não se alcança em casos em que estão em causa delitos de circulação com a aplicação de penas curtas de prisão, mas sim com a reeducação e aculturação doa infractores às regras de convivência e observância dos parâmetros regulamentadores em que se expressa o tecido comunitário organizado segundo modelos sociais devidamente estabilizados e aceites. Assim deveriam competir aos serviços de apoio implementar programas que promovessem a reeducação deste tipo de infractores, por forma a recuperá-los para a convivência societária. É certo que o desfasamento dos serviços e a sua manifesta falta de saber para estas e outras situações socialmente relevantes conduz a uma tentação de serem os órgãos formais de controle a substituir-se às injunções sociais que deveriam colmar o espectro reformador nestes caos. Só que não poderá ser essa a vocação dos órgãos de aplicação da justiça, isto é, não podem colmatar as deficiências dos demais órgãos da administração, aplicando penas que devem estar presentes só em última ratio na escala das opções de escolha.

As defraudações na vigência das normas manifestadas pela conduta reiterada de um sujeito devem conferir ao órgão formal de controle a possibilidade de criar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente devendo, portanto, reflectir na escolha da pena o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» [[27]]. Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».

Na jurisprudência, e a propósito dos fins das penas, da medida concreta da pena e do princípio da proporcionalidade, doutrinou o nosso mais Alto Tribunal em dois arestos que se deixam transcritos a seguir.

“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07); “O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura. – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). [[28]]

Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, urna insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.

Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer [[29]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[30]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[31]]

Para o caso o tribunal a quo justificou a escolha e medida das penas impostas, pela forma seguinte (sic): “No que se refere ao arguido AA, cumpre salientar que não era primário à data da prática dos respetivos factos, registando já cinco condenações, três das quais pelo crime de roubo, uma outra pelo crime de coacção, a que acrescem condenações pelo crime de trafico de estupefacientes e condução ilegal de veículo, o que constitui um inegável índice de uma insensibilidade às penas (de multa e prisão) que lhe foram aplicadas e uma insusceptibilidade de ser influenciados por elas, o que não pode deixar de revelar maiores exigências de socialização.

Afigura-se-nos que a simples pena de multa não satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

D) Determinação da pena

Nos termos do art. 40º do C.P., a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71º do C. Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, pág. 234).

Quanto ao arguido AA:

São as seguintes as circunstâncias a relevar (art. 71º, nº 2 do C.P.):

1) Crimes de Furto:

- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo, em todas as situações; - o modo de execução dos factos: tendo o arguido actuado em conjunto com outros indivíduos em seis dos crimes que cometeu e durante a noite, nas situações dos pontos 6 a 9, 27 a 36; - as exigências de prevenção geral são prementes, tratando-se o crime de furto de ilícito que se generalizou e  cria um forte sentimento de insegurança na população; - a diversidade e o  valor dos objectos subtraídos; - a circunstância de poucos dos objectos subtraídos terem sido recuperados, sendo que essa recuperação não se ficou a dever à colaboração do arguido; - as condições pessoais do arguido que se apuraram e que ficaram a constar da matéria de facto, das quais resulta, em síntese, que desde muito jovem manteve um estilo de vida afastado do dever ser da vida em sociedade, revelando um estilo de vida desestruturado, com dificuldades ainda no presente de assunção de sentido crítico sobre os seus comportamentos;

- A circunstância de, à data dos factos, além da já referida condenação relevante para a reincidência, já ter sido condenado em 28.03.2012 na pena de 17 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática em 04.08.2011 de um crime de roubo, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 17.04.2012, em 18.10.2012 na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, já declarada extinta nos termos do art. 57º, do C. Penal, pela prática em 27.03.2010 de um crime de roubo, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 19.04.2013, em 15.01.2013 na pena de 80 dias de multa, pela prática em 10.04.2011 de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 14.02.2013, em 16.02.2015 na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática em 15.02.2013 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 07.09.2015.

A este respeito importa referir que o arguido, com excepção do crime de furto cometido em 15.03.2018, praticou todos os restantes crimes no período de suspensão da execução da pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão, circunstância que tem que ser especialmente ponderada em seu desfavor.

2) Crime de Coação

- o dolo intenso, que existiu na modalidade de dolo directo; - a ilicitude, elevada, considerando o meio utilizado – exibição de uma navalha – para constranger o ofendido; - a acção a que o ofendido foi constrangido realizar, que dentro da plêiade de acções e omissões que as pessoas podem ser constrangidas a praticar ou a suportar, configura objectivamente uma situação de pouca gravidade; - as exigências de prevenção geral, com algum relevo atentos os contornos concretos dos factos cometidos, nomeadamente tratando-se de situação ocorrida durante a noite; - o facto de o arguido agir em co-autoria e serem quatro os agentes; - os diferentes antecedentes criminais do arguido, com condenação pelo mesmo tipo de crime, em que o bem jurídico protegido é a liberdade individual; - as condições pessoais do arguido;

Assim, em face de tudo quanto se expôs, afiguram-se adequadas ao caso as seguintes penas concretas: - três anos e oito meses de prisão, quanto a cada um dos dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos nos arts. 203º e 204º, nº 2, al. e), do C. Penal, cometidos nos dias 17.07.2017 e 21.01.2018; - um ano de prisão, quanto ao crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. b), do C. Penal, cometido em 15.03.2018; - um ano e quatro meses de prisão, quanto a cada um dos restantes dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos nos arts. 203º e 204º, nº 1, al. b), do C. Penal, cometidos em 05.10.2017 e 03.02.2018; - seis meses de prisão, quanto ao crime de furto simples, cometido em 08.10.2017; - oito meses de prisão, quanto ao crime de furto simples, cometido em 03.02.2018; - um ano e seis meses, quanto ao crime de coacção, cometido em 03.02.2018.”

Em nosso juízo, os factores de inserção factual-subjectiva e objectiva que o tribunal fez intervir na individualização judicial da medida da pena mostram-se ajustados à realidade circunstancial que rodeou a prática dos factos; ao modo de agir do arguido, à sua forma e maneira de encarar a vida; a falta de predisposição para adoptar uma vivência conforme com a prevalência dos valores socio-historicamente vigentes; a incapacidade demonstrada em adequar a sua conduta a estatuto de vida que lhe permita uma inserção «normal» na sociedade; e de assumir a reprovação ético-social que a ordem jurídica prescreve para a conduta por que enveredou.

A actividade delitiva do arguido, independentemente do pregresso, evidencia um total desprezo pelo valor pessoal-social da propriedade privada e um completo desrespeito pelos bens do outro. Atestam esta asserção o facto de o arguido, sempre mediante violência, estroncamento, ruptura e rompimento de vidros e escalamento ter penetrado em residências, privadas e de reunião colectiva, e especialmente veículos e ter-se assenhoreado de tudo aquilo que era possível e que poderia vir a rentabilizar, mercando-o, para angariação de dinheiro. Durante o período a que a acusação se reporta o arguido, isolado ou em comparticipação, levou a cabo um conjunto de «assaltos» a residência e sede de colectividades tendo-se apoderado dos bens que reputava possuírem algum valor e que pudesse, num momento posterior, certamente vir a alienar e a mercadejar, como fossem torradeiras, placa de vitrocerâmica, malas de viagem (com documentos pessoais) Ipads, equipamento informático, televisores, computadores, etc.. Toda a veniaga lhe parecia vantajosa, o que confere a ideia de alguém que tem como único propósito «lançar a mão» ao que lhe fosse alcançável e de que pudesse vir a obter proventos.

O modo conferido à actividade delitiva evidencia uma pessoa despojada de qualquer respeito pelo bem jurídico tutelado pela norma incriminante e, subjectivamente induz e inculca uma propensão reiterada para a antinomia à pauta normativa prevalente na sociedade em que movimenta a sua vida pessoal.    

As penas encontradas para cada um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado afiguram-se correctamente doseadas e fixadas em medidas que são compatíveis com os limites mínimos e máximos estabelecidos, tendo em conta o acréscimo que decore da circunstância agravante da reincidência.

O arguido, pela forma como actuou, isolado e em parceria, evidencia um total desapego e refracção a uma conduta pautada pelo respeito a valores que a sociedade adoptou para uma sã convivência e por regras que permitem um recíproco respeito pela dominialidade privada. O sentido de antijuridicidade apresenta-se patente e o percurso anterior não projecta uma reversão do comportamento de modo a prefigurar uma adaptação ao modo de vida parametrizado para a sociedade em que está inserido.

A infracção e refracção cognitiva à norma reguladora induz por outro lado uma necessidade de a sociedade reagir e obtemperar às sucessivas e reiteradas violações, socialmente relevantes, que o arguido lhe dirige.

As exigências preventivas patenteiam-se inderrogáveis e irremíveis para o caso o que justifica a imposição de penas que tornem a acção do sistema viger e actual.

Em homenagem a factores de prevenção e de compensação do sentido de injuridicidade e ilicitude comprovada na facticidade adquirida coonestam-se as penas parcelares irrogadas ao arguido.         


II. B. iv) – DETERMINAÇÃO DA PENA CONJUNTA.

Sobra para solução dos temas elencados, a apreciação da pena conjunta.

O recorrente arremessa com a desvantagem da pena conjunta imposta, alanceando a opção com a idade do arguido, a quem deverá ser dada mais uma oportunidade “de este voltar a conduzir a sua vida de acordo com o direito”. Propõe a aplicação de uma pena de substituição, subordinada a regime de prova, asseverando a existência “de um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, acreditando que a severa censura do facto e a ameaça da pena de prisão, são mais do que suficientes para afastar o recorrente da criminalidade e continuar plenamente inserido na sociedade de forma útil e produtiva.” 

O tribunal de recorrido não se alongou na justificação da medida da pena única, tendo-se limitado a enunciar a norma que habilitava e exigia a necessidade efectivação/realização da pena adveniente de um concurso efectivo de crimes (artigo 77º do Código Penal) e que (sic): “Nos termos do art. 77º, nº 2, do Código Penal, a moldura abstracta do concurso vai assim no mínimo de três anos e oito meses a até treze anos e oito meses de prisão.

Considerando os factos e circunstâncias já referidos no seu conjunto e a personalidade do arguido e suas condições pessoais, bem como o contexto em que os factos foram praticados, a circunstância de com excepção de um dos ilícitos criminais lesarem os mesmos bens jurídicos, afigura-se adequado condenar o arguido na pena única de cinco anos e dez meses de prisão efectiva.”

A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal.   

São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única:

- prática de  uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal  (homogéneo ou heterogéneo);

- que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” [[32]]

A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) 

Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” [[33]] (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” [[34]

Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global.

Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB [[35]], ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. [[36]]     

No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) ; pois a valoração global de todos os facto puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.”

No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”.

O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. [[37]]   

Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional especifica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.”         

Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” [[38]]

Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.”          

Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” 

O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.”  

A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. [[39]]

No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal.   

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. [[40]/[41]]

Amparados pelos ensinamentos colectados, passar-se-á à análise do caso.

O arguido vem mantendo, desde bastante jovem, e de forma persistente, uma atitude de desconformidade para com as regras socialmente prevalentes – em contraposição ao “esquema de valoração relevante para o Direito Penal” [[42]] – lesando, de forma sistemática, a propriedade alheia, manifestando arrego a hábitos de trabalho. Se é facto que incidências pessoais-familiares poderão ter tido uma influência deslustrosa no encaminhamento da sua vida, o facto é que, depois de vicissitudes de desagregação familiar, teve oportunidade de iniciar uma profissão – de soldador qualificado – e não terá aproveitado. Ao invés, terá enveredado por um trajecto de refracção a uma vivência de trabalho, marcada por infracções, que o terão levado a medidas de internamento. A tal não terá obstado o encetamento de um relacionamento marital e o nascimento de um filho, que não terão logrado afastar de hábitos de convivência delinquencial, o que, decerto, terão afectado a condução da sua vida e o encarreiramento para uma vida de preeminência delitiva. (“(…) la valoración es obra del sujeto que actúa. En aras de su integridad personal, dicho sujeto ha de dotar sus acciones individuales de una interpretación que le permita incorporalas  a la visión de conjunto que tiene de si mismo y de la condución de su vida. Esto rige especialmente quando dichas acciones tienen unos efectos tan importantes sobre el destino de los seres humanos como los proprios de la imposición de un castigo.” – Michael Pawlik, in “Confirmación de la norma y equilibrio en la identidade. Sobre Legitimación de la pena estatal”, Atelier, Libros Juridicos, 2019, pág. 10.)      

O percurso de vida do arguido, associado aos factores que se deixaram expressos para a culpabilidade e nível de ilicitude atinente aos factos em julgamento não recomendam pena mais atenuada. Na verdade, situando-se as penas entre um mínimo de 3 (três) anos e 8 (oito) e 13 (treze) anos e 8 (oito) meses de prisão, a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses, afigura-se-nos devidamente calibrada e sopesada, por poder corresponder ao grau de culpabilidade aferido para prática dos crimes perpetrados pelo agente e às exigências de prevenção geral e espacial que a necessidade de estabilização das normas violadas reclama.      


III. – DECISÃO.

Na defluência do que fica exposto, decidem os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar provimento ao recurso;

- Condenar o arguido nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça, em 5Uc’s.


LISBOA, 6 DE NOVEMBRO DE 2019


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos

__________

[1] Reproduz-se tão só parte atinente à acusação e dispositivo referente ao arguido/recorrente, AA.
[2]  J. Antón Oneca, Delito Continuado, em N.E.J., 1954, p. 448 e J.M. Rodriguez Devesa, Derecho Penal Español, parte general, Madrid, 1976, pag. 728, citados em “El Delito Continuado”, de Maria T. Castañeira, Bosch, 1977.p. 16.
Quanto aos elementos caracterizadores do crime continuado vide o Ac. do STJ, de 4.1.2006; CJ; Ano XIV; Tomo I/2006.
[3] Vide Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Giuffrè Editore, 1997, p. 509 e segs.
[4]  Cfr. op. loc. cit., p. 996.
[5] OP. loc. cit., p. 1002.
[6] Vide Op. loc. Cit., p. 524.
[7] Cfr. a este propósito Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, Bosh, Barcelona, 1981, p. 1024; Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, Marcial Pons, Madrid, 1997, p. 1044; e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime; Editorial Noticias, 1993, p. 276 e segs..
[8] Cfr. op. loc. cit. em último lugar da nota antecedente, p. 285.
[9]Para Hörnle, por exemplo, condenações anteriores não constituem um fundamento legítimo para um aumento de pena, e a primariedade do agente, segundo a autora, tampouco é razão para uma redução.” – in Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação da Pena. Fundamentos de uma determinação judicial da pena proporcional ao facto”,  Marcial Pons, São Paulo, 2015, pág. 155.
[10] Adriano Teixeira, ibidem pág. 155.
[11] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 157.
[12] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 159.
[13] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 161.
[14] Direito Penal Português, As Consequências…”, pag. 268.
[15] É do sequente teor o sumário do aresto citado: “I - São pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação: que o crime cometido seja um crime doloso; que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses; que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso; que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenha decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança. II - A reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. III - Para determinar a medida da pena no caso de reincidência, o tribunal tem, em primeiro lugar, de fixar a pena que concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, para determinar se está verificado um dos pressupostos formais (o do crime reiterado ser punido com prisão efectiva) e para tornar possível a operação imposta pela 2.ª parte do n.º 1 do art. 76.º do CP (a agravação resultante da reincidência não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores). IV - A punição agravada pela reincidência não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige que da enunciação dos factos concretos se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado. V - Mas estando em causa uma reincidência homogénea é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado. Se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido.”
[16] In www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[18] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54
[19] Cfr. Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, pag. 8
[20] Cfr. “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”.
[21] Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206,
[22] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[23] Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[24] Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.
[25] Em sentido concordante, mas não totalmente coincidente, de jure constituto, veja-se Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena”, Liber Discipulorum Para Jorge Figueiredo Dias (2003), 317/329, que considera a prevenção, geral e especial, o fundamento legitimador da aplicação da pena, desempenhando a culpa do infractor, apenas, o (importante) papel de pressuposto e de limite máximo da pena a aplicar, por maiores que sejam, as exigências sociais de prevenção, e entende ser correcta a afirmação de que está subjacente ao artigo 40º, do Código Penal, uma concepção preventivo-ética da pena: preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência de culpa acabando, no entanto, por defender, de forma aparentemente contraditória ou, no mínimo, dificilmente compatível, que o actual Código Penal, apesar do artigo 40º, não se opõe a uma concepção ético-preventiva da pena semelhante à que é defendida pela “teoria da margem da liberdade”, isto é, a uma concepção em que a prevenção é a finalidade legitimadora da pena, mas em que a culpa também desempenharia uma função na determinação da medida da pena, não sendo exclusivamente seu pressuposto e seu limite máximo.
[26] Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.)
[27] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[28] Cfr. ainda os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt., que na parte interessante se deixam transcritos. “I - A medida da prevenção (protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção – e reforço – da validade da norma violada), que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. II - Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. III - Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenha provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.”; e “II - Na determinação da medida concreta da pena pela prática de um crime, é a partir da moldura penal abstracta que se procurará encontrar uma «submoldura» para o caso concreto. Esta terá, como limite superior, a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229). III- Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. IV -Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. V- O n.º 2 do art. 71.º do CP manda atender, na determinação concreta da pena, «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele». Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. VI- Este o contexto em que se deve situar a ponderação da pena conjunta a aplicar, tendo em conta o comando do art. 77.º do CP, que manda considerar, na medida dessa pena única, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, «a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (cf. ob. cit., pág. 291).”
[29] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derechopenal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[30] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[31] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[32] Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.
[33] Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.     
[34] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.
[35] Tem o sequente texto o § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).
[36] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.
[37] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.
[38] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991.
[39] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V - Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.”
[40] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.

Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.

Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”.

Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida - artigo 30 da Constituição.

O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta.

Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes.

A explanação dos fundamentos, que á luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.

Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade.

Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.

Da aplicação do excurso produzido ao caso vertente ressalta desde logo a ideia de que no mesmo algo não converge com os princípios que devem presidir à elaboração do cúmulo jurídico.

Na verdade, falamos dum apuramento global da responsabilidade criminal do arguido o qual tem como pressuposto o conhecimento da pluralidade de penas a que a sua actuação parcelar deu motivo e tal conhecimento, que será equacionado com a aferição duma culpa e ilicitude conjunta em função de razões de prevenção geral e especial, não se compadece com visões sectoriais que apenas se focam num segmento de tal responsabilidade.

Se é aquele pedaço de vida que revela na sua força narrativa um percurso de vida e de vida no domínio do ilícito pergunta-se de qual é o interesse, ou relevância, de efectuar um cúmulo jurídico sabendo antecipadamente que o mesmo está incompleto porquanto não estão presentes as penas parcelares correspondentes a infracções que deveriam ser consideradas.

Aliás, a elaboração do cúmulo jurídico nestes termos, não tendo qualquer consequência benéfica em termos do estatuto jurídico do arguido, apenas o poderá prejudicar na medida em que cria uma referência que servirá de patamar em futuros cúmulos. Na verdade, é por demais conhecido o fenómeno que se verifica em relação a cúmulos jurídicos sucessivos em que cada uma de tais operações tende a caracterizar-se por uma progressão matemática na medida da pena aplicada.

Entendemos, assim, que, estando adquirido que as penas a considerar para efeito de cúmulo eram também outras, que não somente as tomadas em conta na decisão recorrida, esta incorre em colisão com o disposto nos artigos 77 e 78 do Código Penal.

Reforçando o exposto e, nomeadamente, à forma linear como se condena o arguido numa pena conjunta de dezassete anos de prisão, o repristinar da ideia da necessidade de explanação dos fundamentos que, á luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal á formação da pena conjunta deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Como já se referiu é uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.”
[41] Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt.  
[42] Michael Pawlik, “Confirmación de la norma y equilíbrio en la identidad. Sobre la legitimación de la pena estatal”, Atlier, pág. 31. “Segun esto, realizar una acción en sentido jurídico-penal significa tomar posición respecto a la obligación que surge de la norma penal aplicable, sea aceptándola  – como ocurre regra general – sea rechazándola”.