Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32646/15.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CREDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS / RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / CONDIÇÃO E TERMO / O TEMPO E A SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS / CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE RETRIBUIÇÃO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / SITUAÇÃO DE CRISE EMPRESARIAL / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PRESCRIÇÃO E PROVA / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / ILICITUDE DE DESPEDIMENTO.
Doutrina:
-ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 18.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017, 340-341;
-BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Prescrição dos Créditos Laborais, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLIX (XXII da 2.ª Série), Janeiro/Dezembro 2008, n.os 1‑4, 243-255;
-CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, coordenação de Luís Carvalho Fernandes e de José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, 686-687;
-JÚLIO GOMES, Do fundamento do regime da prescrição dos créditos laborais, Estudos Dedicados ao Professor Doutor Luis Alberto Carvalho Fernandes, Volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, 347-364;
-MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, 545 e 969;
-PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015, 817-820.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 236.º, 279.º, ALÍNEAS C) E E), 296.º, 300.º, 301.º, 302.º, 303.º, 304.º, 306.º, N.º 1, 308.º, 318.º, 323.º, N.ºS 1 E 2, 324.º, 325.º, 326.º, N.º 1 E 327.º, N.ºS 1, 2 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 279.º, ALÍNEA E) E 682.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 279.º, ALÍNEAS C) E E), 296.º, 337.º, N.º 1 E 381.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9 DE NOVEMBRO, E ALTERADO PELOS DECRETOS-LEIS N.ºS 323/2001, DE 17 DE DEZEMBRO, 38/2003, DE 8 DE MARÇO, 295/2009, DE 13 DE OUTUBRO, QUE O REPUBLICOU E LEI N.º 63/2013, DE 27 DE AGOSTO (CPT).
Sumário :
I.  O Código do Trabalho estabelece um prazo especial para a prescrição de créditos laborais, que se conta desde o dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho, correndo então pelo prazo de um ano.

II.  Aos prazos e termos fixados na lei aplicam-se as disposições unitárias, de natureza interpretativa, contidas no artigo 279.º do Código Civil, por força do artigo 296.º daquele Código, salvo quando exista preceito em contrário, o que não acontece no que respeita ao prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho.

III.  Tendo o contrato de trabalho cessado em 28 de novembro de 2014, o sobredito prazo de um ano iniciou-se em 29 de novembro de 2014 e terminaria às 24 horas do dia 29 de novembro de 2015, que, por coincidir com um domingo, transferiu-se para as 24 horas do primeiro dia útil seguinte, 30 de novembro de 2015.

IV.  Considerando que a ré foi citada para a presente demanda no dia 30 de novembro de 2015, é de concluir que a interrupção do prazo prescricional assinalado ocorreu antes do respetivo termo, pelo que improcede a exceção de prescrição invocada.
Decisão Texto Integral:
 
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 26 de novembro de 2015, na Comarca de Lisboa, Lisboa — Instância Central — 1.ª Secção Trabalho — J7, AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra CP – CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, E. P., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe (i) € 89.594,58, por conta do trabalho que lhe ordenou que fizesse — projetos — e das despesas associadas à elaboração de tal trabalho, à qual acrescem juros de mora, à taxa civil, desde o dia em que o autor pediu à ré esse pagamento — 26 de Janeiro de 1984 — até ao efetivo e integral pagamento, a liquidar em execução de sentença, (ii) € 2.867,20, correspondente ao crédito de 140 horas de formação que não facultou ao autor, à qual acrescerão juros de mora vencidos e vincendos, computados desde a data da citação da ré para a presente ação, até ao efetivo e integral pagamento, (iii) uma indemnização por danos morais.

A ré contestou, excecionando a prescrição dos créditos indicados, e o autor respondeu, tendo sido proferido despacho saneador-sentença nos termos seguintes:

             «Analisemos, antes de mais, a invocada prescrição do direito que o A. pretende fazer valer nesta demanda.
                     Com efeito, a R., na sua contestação suscitou esta questão. E o A. respondeu, apenas se quedando na forma como a exceção foi arguida, não se pronunciando quanto à substância.
                      A prescrição configura uma exceção perentória, em regra de conhecimento dependente de arguição pelo interessado, que, em caso de procedência, determina a absolvição da R. do pedido — artigos 576.º, n.º 3, e 579.º, estes do Código de Processo Civil, e 303.º do Código Civil.
                     O prazo de prescrição a ter em conta nestes autos é de um ano a contar da data em que o contrato de trabalho cessou — artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
                      Ora, considerando que o A. trabalhou na R. até ao dia 28 de Novembro [de 2014], último dia de prestação da sua atividade, que esta demanda foi intentada em 26 de Novembro de 2015 e a R. citada apenas no dia 30 de Novembro de 2015, decorreu mais de um ano entre o primeiro e o último dos momentos assinalados. É que o prazo de prescrição só se interrompe com a citação do devedor, e esta ocorreu já para além daquele prazo.
                     Certo é que a prescrição tem-se por interrompida no quinto dia após a interposição da ação — artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. Contudo, a citação in casu teve lugar ainda antes desse quinto dia.
                     Assim sendo, e sem necessidade de tecer ulteriores considerandos, deve proceder a invocada exceção de prescrição e ser a R. absolvida de tudo o peticionado, mostrando-se despiciendo analisar o demais invocado pelas partes.»

2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou o recurso de apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida, sendo contra o assim deliberado que o autor veio interpor recurso de revista excecional, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, o qual foi admitido pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 daquele artigo, apenas no respeitante à questão de saber o «relevo da citação do devedor ocorrida no primeiro dia útil após o termo do prazo, para efeitos de cômputo do prazo de prescrição de créditos laborais, quando este termine em dia não útil, com base na norma da primeira parte da alínea e) do artigo 279.º do Código Civil», por se ter entendido que estavam «preenchidas as condições definidas nas alíneas c) do n.º 1 e c) do n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil», na medida em que o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento decidiram a mesma questão de direito de forma contraditória.

Refira-se que a dita formação de juízes, no acórdão em que admitiu a revista excecional interposta — acórdão de 11 de maio de 2017, notificado às partes e que não foi objeto de impugnação — deliberou julgar prejudicado «o conhecimento dos outros fundamentos invocados pelo requerente, nomeadamente os das alíneas a) e b) do referido n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil».
Relativamente aos fundamentos do recurso de revista, excluindo, portanto, o acervo conclusivo atinente à defesa da admissibilidade da revista excecional, o autor formulou as subsequentes conclusões, explicitadas na sequência de convite que lhe foi dirigido, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, com vista «a sintetizar as 44 conclusões da alegação do recurso de revista, reduzindo-as, muito significativamente, sob pena de não se conhecer do recurso»:

               «I.     O que está em causa no presente recurso, tal como o era no recurso interposto da sentença de l.ª instância para o Tribunal da Relação de Lisboa, era saber se nos presentes autos decorreu, ou não decorreu, o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho.
                 II. Por outro lado, saber se o tribunal pode conhecer da verificação da prescrição se a alegação do sujeito processual que dela beneficia não contém factos dos quais se possa extrair a verificação da mesma.
                   III.          […]
                   IV. […]
                   V. Quanto à primeira questão, decidiu o Tribunal “a quo” [:] o artigo 279.º do Código Civil não tem qualquer aplicação aos presentes autos, pois apenas se [aplica] à contagem de prazos no âmbito de um negócio jurídico e não aos que são fixados legalmente.
                  VI. O artigo 10.º do Código Civil determina que: “1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos; 2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei; 3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”
               VII.  Os artigos relativos à prescrição — 300.º a 327.º do Código Civil — nada referem quanto ao termo do prazo da prescrição. Isto é, embora os artigos em referência refiram os prazos de prescrição, causas da sua interrupção e suspensão, nada referem quanto ao facto do último dia do prazo coincidir com um dia de sábado, domingo ou dia feriado.
              VIII.  Donde, e segundo as regras gerais do Código Civil, para a interpretação das normas jurídicas, deva, no caso concreto, ser feita uma analogia com o regime jurídico existente para casos análogos.
                  IX. Os casos análogos são efetivamente os que vão previstos no artigo 279.º do Código Civil, sob a epígrafe cômputo dos termos, isto é, cômputo dos prazos.
                  X. A alínea e) determina que “O prazo que termine em domingo ou feriado transfere-se para o primeiro dia útil”.
                   XI. O Recorrente trabalhou até ao dia 28 de dezembro [sic] de 2014, inclusive.
                XII.  O prazo para intentar a ação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, terminaria a dia 29 de dezembro [sic] de 2015.
             XIII.  O dia 29 de Dezembro [sic] de 2015 coincidiu com o domingo.
              XIV.   A citação da Ré teve lugar no dia 30 de dezembro [sic] de 2015, isto é, no primeiro dia útil seguinte, donde, e no modesto entendimento do aqui Recorrente não ocorreu a prescrição do seu direito, o que alega com base no artigo 279.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
            XV.   A corroborar o acórdão fundamento invocado no presente recurso de revista — acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 9401/2006-4, cuja certidão com trânsito em julgado se encontra junta aos autos —, encontramos soluções jurídicas semelhantes proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0533/07, disponível em www.dgsi.pt, e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo número 00S2869, disponível em www.dgsi.pt.
              XVI.   […]
             XVII.  Relativamente à segunda questão, decidiu o acórdão de que se recorre, que, embora deficientemente invocada, a prescrição foi alegada pelo recorrido e, consequentemente, o juiz do tribunal de primeira instância poderia ter conhecido daquela prescrição, como aliás o fez.
         XVIII.  A prescrição não é de conhecimento oficioso, tudo conforme decorre do artigo 303.º do Código Civil.
              XIX.   Ora da interpretação conjugada do n.º 3 do artigo 576.º do CPC e do artigo 303.º do CC verifica-se que a parte a quem aproveita a prescrição deve invocar a mesma com factos que, a serem demonstrados, extingam o direito do autor.
             XX.   Por outro lado, o artigo 303.º do Código Civil é claríssimo quando afirma que a prescrição não pode ser suprida de ofício.
             XXI.   O verbo suprir significa completar o que falta, preencher, juntar o resto para ficar completo (in dicionário Priberam on line).
            XXII.  Ofício significa cargo ou função (in dicionário Priberam on line).
           XXIII.  A interpretação da primeira parte do artigo 303.º do CC significa que o Juiz não pode, no exercício das suas funções, completar a alegação factual do aqui Recorrido, para conhecer da invocada exceção.
           XXIV.   O que o Tribunal da Relação de Lisboa parece entender é que no caso de um sujeito processual deduzir uma exceção que denomina de prescrição, ao juiz é possível tomar dela conhecimento, se dos factos alegados pelas partes, ainda que não decorram diretamente de tal invocação, essa prescrição resultar.
            XXV.  Ora, na verdade, não foi o que legislador pretendeu prever, caso contrário, não teria determinado um regime jurídico diferente para a prescrição e para a caducidade.
           XXVI.   Relativamente à segunda questão jurídica levantada pelo Recorrente, decide o Tribunal da Relação de Lisboa, o seguinte: [sic].»

Termina propugnando que o acórdão recorrido deve ser revogado «e, em sua substituição, ser proferido acórdão que declare não verificada a alegada prescrição do exercício do direito do recorrente a propor ação declarativa comum contra o apelado, para pagamento de créditos laborais vencidos, ao abrigo do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, quer porque o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não tivesse podido conhecer, como conheceu, da prescrição, quer porque a mesma se não verificou, tudo porquanto ao cômputo do prazo de prescrição se [aplica] o disposto na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil».

A ré não contra-alegou, nem respondeu às novas conclusões apresentadas.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que devia ser negada a revista, sustentando que o tribunal podia tomar conhecimento da exceção de prescrição, na medida em que, «embora a ré não tenha alegado todos os factos atinentes à prescrição, o julgador fez constar da decisão que a parte da factualidade constante daquela e que não fora alegada, tinha proveniência e certificação no Citius» e, por outro lado, que «tendo ficado assente que o último dia em que o recorrente prestou a sua atividade para a ré foi em 28.11.2014 e tendo-se iniciado o prazo prescricional em 29.11.2014, o mesmo terminou em 29.11.2015», termos em que, não sendo aplicável in casu o disposto na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil e sendo a ré citada em 30 de novembro de 2015, «nesta data já se havia consumado, o prazo de prescrição para o recorrente exercer o seu direito de ação».

O mencionado parecer, notificado às partes, não obteve resposta.

3. As questões suscitadas no recurso são as que se passam a discriminar:
             –   Se os créditos peticionados não se acham prescritos (conclusões I e V a XV da alegação do recurso de revista);
              Se o tribunal pode conhecer da invocada exceção de prescrição, quando a respetiva alegação não contém factos de que a mesma resulte (conclusões II e XVII a XXVI da alegação do recurso de revista).

O certo é que a revista excecional ajuizada foi apenas admitida no tocante à questão de saber o «relevo da citação do devedor ocorrida no primeiro dia útil após o termo do prazo, para efeitos de cômputo do prazo de prescrição de créditos laborais, quando este termine em dia não útil, com base na norma da primeira parte da alínea e) do artigo 279.º do Código Civil», pelo que, não tendo sido impugnado o acórdão que assim deliberou, este Supremo Tribunal não pode conhecer da segunda questão enunciada, que se deve considerar assente, nos precisos termos deliberados no aresto recorrido, porque se trata de matéria que transitou em julgado.

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objeto do recurso interposto.

                                               II

1. As instâncias deram como provados os factos seguintes:

1) O A. trabalhou sob direção e autoridade da R., desde o dia 1 de outubro de 1971 até ao dia 28 de novembro de 2014 (artigo 1.º da petição inicial, aceite pela R.);
2) O A. intentou a presente ação no dia 26 de novembro de 2015 (cf. certificação do Citius);
3) A R. foi citada para a presente demanda no dia 30 de novembro de 2015, através de agente de execução (certidão de citação junta).

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações mencionadas no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base naqueles factos que há de ser resolvida a única questão a apreciar no âmbito do presente recurso.

2. O recorrente invoca que, atenta a data em que se verificou a citação da ré, «não ocorreu a prescrição do seu direito, o que alega com base no artigo 279.º, alínea e), do Código de Processo Civil».

Refira-se que a 1.ª instância decidiu que devia «proceder a invocada exceção de prescrição e ser a R. absolvida de tudo o peticionado», porque «o A. trabalhou na R. até ao dia 28 de Novembro [de 2014], último dia de prestação da sua atividade, que esta demanda foi intentada em 26 de Novembro de 2015 e a R. citada apenas no dia 30 de Novembro de 2015, [tendo decorrido] mais de um ano entre o primeiro e o último dos momentos assinalados», acrescentando que «o prazo de prescrição só se interrompe com a citação do devedor, e esta ocorreu já para além daquele prazo».

Na mesma linha de entendimento, o acórdão recorrido deliberou que, em 29 de novembro de 2015, se completou o prazo prescricional, o qual decorre da lei e não de qualquer negócio jurídico, logo o artigo 279.º do Código Civil não tem aplicação, na justa medida em que este normativo «se restringe ao negócio jurídico», sucedendo que a citação «ocorreu no dia 30/11/2015, ou seja, quando já consumado o prazo prescricional», não tendo sido «requerida com cinco dias de antecedência sobre o termo do prazo prescricional, circunstância em que se poderia ter a prescrição por interrompida», nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.

Estando em causa a prescrição de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho cessado em 28 de Novembro de 2014, isto é, em plena vigência do Código do Trabalho, editado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e que entrou em vigor em 17 de Fevereiro seguinte, aplica-se o regime jurídico daquele Código.

O n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 proclama que «[o] crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

Esta norma, que corresponde ao disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, estabelece um prazo especial para a prescrição de crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação e uma regra específica para a sua contagem, donde o prazo de prescrição desses créditos não começa a contar «quando o direito puder ser exercido» (artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil), mas a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho, correndo então pelo prazo de um ano (sobre o regime específico da prescrição dos créditos laborais, cf. BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, «Prescrição dos Créditos Laborais», Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLIX (XXII da 2.ª Série), Janeiro/Dezembro 2008, n.os 1-‑4, pp. 243-255, ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 340-341, PEDRO ROMANO MARTINEZ Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 817-820, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 545 e 969, e JÚLIO GOMES, «Do fundamento do regime da prescrição dos créditos laborais», Estudos Dedicados ao Professor Doutor Luis Alberto Carvalho Fernandes, volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pp. 347-364).

No domínio laboral, o transcrito preceito constitui a única especificidade a considerar em relação ao regime geral da prescrição acolhido nos artigos 300.º e ss. do Código Civil, diploma a que pertencem os demais normativos a citar neste ponto, sem menção da origem, aplicando-se, quanto ao mais, as normas do Direito Civil: inderrogabilidade do regime (artigo 300.º), a quem aproveita (artigo 301.º), renúncia (artigo 302.º), invocação (artigo 303.º), efeitos (artigo 304.º), transmissão (artigo 308.º), suspensão (artigos 318.º e ss.) e interrupção (artigos 323.º e ss.).

Relativamente à interrupção da prescrição, note-se que esta pode ocorrer por promoção do titular do direito, «pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente» (artigo 323.º, n.º 1), por compromisso arbitral (artigo 324.º) ou pelo reconhecimento do direito (artigo 325.º), sendo que, «[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias» (artigo 323.º, n.º 2) e que a interrupção «inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo» (artigo 326.º, n.º 1).

Assinale-se que o artigo 327.º, que disciplina a «Duração da interrupção», prevê um prolongamento dos efeitos da interrupção, nos casos em que esta resulta de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, estatuindo que «o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo» (n.º 1), mas excetua da referida estipulação as situações previstas nos seus n.os 2 e 3, que não se configuram na presente lide.

Num outro plano de consideração, importa salientar que o Código Civil no Livro I (Parte Geral), Título II (Das relações jurídicas), Subtítulo III (Dos factos jurídicos), Capítulo I (Negócio Jurídico), Secção I (Declaração negocial), Subsecção VII (Condição e termo), consagra, no artigo 279.º, um feixe de normas, de natureza interpretativa, sobre o cômputo do termo, aplicáveis, diretamente, às estipulações das partes, isto é aos prazos fixados por declaração negocial, mas que, por força do artigo 296.º, se aplicam subsidiariamente, «na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade».

Tal como anota CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, Comentário ao Código Civil — Parte Geral», coordenação de Luís Carvalho Fernandes e de José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pp. 686-687, aquele preceito «é supletivo, subsidiário e interpretativo (Carvalho Fernandes, 2010:682). É supletivo porque, sendo a fonte de relevância do tempo convencional, a sua aplicação só ocorrerá nos casos em que as partes não previram um modo de cômputo diferente. É subsidiário porque não se aplica se existir disposição especial em sentido contrário, quando a fonte de relevância do tempo é legal. É interpretativo, uma vez que só será aplicável perante dúvidas que não possam ser esclarecidas através das regras sobre a interpretação da declaração negocial (arts. 236.º e ss.) ou, no caso de prazos legais, por meio das regras relativas à interpretação da lei (artigo 9.º).»

Do preceito mencionado retira-se, no que releva para a resolução da questão posta no recurso, que «[o] prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data» [alínea c)] e que «[o] prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil» [alínea d)], excluindo, assim, do cômputo do termo o domingo ou feriado, quando coincidam com o último dia do prazo, que é substituído pelo primeiro dia útil subsequente.

Ora, não sofre dúvida que o prazo de um ano previsto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 é de prescrição, atenta a expressa qualificação legal, e que se trata de um prazo de natureza substantiva, cuja contagem, por força do artigo 296.º, é regulada pelo artigo 279.º, especialmente, as respetivas alíneas c) e e).

Efetivamente, aos prazos e termos fixados na lei aplicam-se as disposições unitárias, de natureza interpretativa, contempladas no artigo 279.º, por força do artigo 296.º, salvo quando exista preceito em contrário, o que não acontece relativamente ao prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho.

3. Mostra-se provado que «[o] A. trabalhou sob direção e autoridade da R., desde o dia 1 de outubro de 1971 até ao dia 28 de novembro de 2014 [facto provado 1)], que «[o] A. intentou a presente ação no dia 26 de novembro de 2015» [facto provado 2)] e que «[a] R. foi citada para a presente demanda no dia 30 de novembro de 2015, através de agente de execução» [facto provado 3)].

Portanto, tendo o contrato de trabalho cessado em 28 de novembro de 2014, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 iniciou-se em 29 de novembro de 2014 e terminaria às 24 horas do dia 29 de novembro de 2015, por força do disposto na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, que é subsidiariamente aplicável, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei (artigo 296.º do Código Civil).

O certo é que o dia 29 de novembro de 2015 foi um domingo, por isso, nos termos da 1.ª parte da alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, que se aplica, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei (artigo 296.º do Código Civil), o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil, donde o prazo em causa terminaria às 24 horas do dia 30 de novembro de 2015.

Todavia, a prescrição, conforme reza o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, «interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».

Considerando que «[a] R. foi citada para a presente demanda no dia 30 de novembro de 2015, através de agente de execução» [facto provado 3)], é de concluir que a interrupção do prazo prescricional assinalado ocorreu antes do respetivo termo.

Ora, a dita interrupção inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que, resultando a interrupção de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo seguinte (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil).

Assim, improcede a exceção de prescrição invocada pela ré.

                                             III

Pelo exposto, delibera-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido, na parte em que confirmou a decisão da 1.ª instância, que julgou procedente a exceção de prescrição e absolveu a ré do pedido, e ordenar que a ação prossiga seus termos.

Custas, na 1.ª instância, a cargo da ré.

Custas, no recurso de apelação, a cargo do autor e da ré, na proporção de ½ para cada um.

Custas, no recurso de revista, a cargo da ré.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                          Lisboa, 9 de novembro de 2017


Pinto Hespanhol (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas