Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8/22.5YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: OFICIAL DE JUSTIÇA
CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
VIOLAÇÃO DE LEI
RELATÓRIO DE INSPEÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE A AÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- A deliberação do Plenário do CSM, que em via de impugnação recursiva tem por objecto as deliberações do respectivo Conselho Permanente e do Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça, tendo esta aprovado a proposta do relatório de inspecção com avaliação de desempenho e notação de Escrivão ... enquanto Oficial de Justiça, não sofre de vício de violação de lei (art. 163º, 1, CPA) se não se vislumbra que: (i) haja desconsideração das tarefas não mensuráveis que foram efectivamente por si realizadas e do impacto das limitações do seu estado de saúde na avaliação do trabalho desenvolvido e nas funções atribuídas; (ii) tenha ignorado “meios de conhecimento” para avaliação do mérito do desempenho funcional (art. 18º do RICOJ 2001); (iii) tenha evidenciado falta de fundamentação nem fundamentação obscura, contraditória ou insuficiente, à luz do art. 153º, 1 e 2, do CPA, nos motivos negativos e depreciativos que justificam a proposta do relatório inspectivo e a deliberação do Plenário do COJ, depois confirmadas pelas deliberações do CSM, à luz dos critérios indicados pelos arts. 70º, 1 e 3, do EFJ e 13º do RICOJ 2001.
II- Não cabe nos poderes do STJ como instância recursiva das deliberações do CSM a reapreciação de decisões no campo da chamada “discricionariedade técnica”, a qual se desenvolve mediante a formulação, baseada numa apreciação livre, de juízos exclusivamente assentes na experiência e nos conhecimentos científicos e/ou técnicos do órgão decisor e em que releva a apreensão, de carácter eminentemente subjectivo, de elementos de convicção colhidos no processo inspectivo, já que tal equivaleria à apropriação de prerrogativas exclusivamente conferidas àquelas entidades e à substituição daquelas na prossecução de funções que apenas às mesmas estão legalmente confiadas (como é o caso das decisões sobre a avaliação e classificação/”notação” dos oficiais de justiça: art. 16º do RICOJ 2001), a não ser que se verifique, para efeitos invalidantes, uma ofensa a princípios jurídicos-administrativos vinculantes, o emprego de critérios manifestamente desajustados ou a ocorrência de erro clamoroso.
Decisão Texto Integral:


Processo N.º 8/22.5YFLSB
Acção Administrativa de Impugnação de Deliberação do CSM


Autor: AA, Oficial de Justiça/Escrivão ...

Entidade Demandada: Conselho Superior da Magistratura (CSM)

Acto Impugnado: Deliberação do Plenário do CSM, proferida em 11/1/2022



Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO


1. AA intentou acção administrativa de impugnação de Deliberação proferida em Plenário do Conselho Superior da Magistratura, concluindo pela revogação/anulação da decisão proferida e classificação do Impugnante com a nota de “Suficiente”, “uma vez que o funcionário possui as condições indispensáveis para o exercício do cargo”.
Alegou que, apesar dos problemas de saúde que o afectaram no período em que foi inspeccionado (e que motivaram as suas ausências ao serviço) e por ter sido considerado apto para o trabalho, sempre cumpriu com todas as funções que lhe foram atribuídas pela chefia e com outras que não são contabilizáveis ou mensuráveis, as quais, indevidamente, não foram avaliadas e impediram que fosse atribuída a classificação de “Suficiente”. Mais advoga que, ao arrepio da previsão do Regulamento das Inspecções do Conselho dos Oficiais de Justiça (RICOJ 2001), a inspecção não se socorreu de outros “meios de conhecimento” para avaliar o seu trabalho. Invoca ainda que a deliberação impugnada desconsiderou a falta de fundamentação do relatório de inspecção, aprovado e confirmado depois pelo Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), e que esse vício inviabilizou a sua defesa.

2. A Entidade Demandada apresentou Contestação, na qual se invocou que as condições de saúde do Autor foram devidamente ponderadas, bem como o facto de aquele desempenhar – como outros funcionários – tarefas não mensuráveis. Aduz ainda que o Autor Demandante compreendeu o discurso fundamentador da decisão e os pressupostos em que assentou. Concluiu pela improcedência da acção.

3. Foi apensado aos autos o processo administrativo com o n.º 2021-....

4. O Ministério Público apresentou Parecer em que concluiu pela improcedência da acção (art. 85º CPTA), com despacho de manutenção nos autos, “tendo sido notificadas as partes e não havendo pronúncias subsequentes ao acto”.

5. Foram proferidos despachos pelo aqui Relator:


(i) em face do requerimento de abertura de instrução para produção de prova testemunhal, de Notificação do Autor nos termos dos arts. 27º, 1, a), e 87º, 1 e 3, ambos do CPTA, ex vi arts. 166º, 2, 169º, 172º, 2, e 173.º, todos do EMJ, para vir aos autos, querendo, informar, com referência aos termos da petição inicial, quais os factos concretos que pretenderia ver provados com recurso ao depoimento da testemunha arrolada, devendo levar em linha de consideração, em tal indicação, os factos que (apenas) dependem de prova documental, aguardando depois os autos para eventual pronúncia da Entidade Demandada, nos termos do disposto nos n.os 4 e/ou 5, se disso for caso, do art. 87º do CPTA (despacho pré-saneador);

(ii) após pronúncias do Autor, indicando os factos alegados na petição inicial  a que se referiam a prova testemunhal (com aditamento), e da Entidade Demandada, pugnando pela desnecessidade de abertura de instrução, atenta a comprovação de tais factos com recurso a prova documental, de Indeferimento da abertura de período de instrução e dos correspondentes requerimentos dirigidos à produção de prova testemunhal (arts. 27º, 1, a), e 90º, 1 e 3, CPTA);

(iii) de Dispensa da realização de audiência prévia (arts. 27º, 1, a), e 87º-B, 2, do CPTA).

II) SANEAMENTO


1. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território (art. 170º, 1, do EMJ).

2. A petição inicial não é inepta.

3. O processo é o próprio e é válido, nos termos dos arts. 50º e ss do CPTA, ex vi art. 169.º do EMJ.

4. As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.

5. Após a prolação dos despachos referidos supra, ponto 5. do Relatório, não sobrevieram questões que obviem ao conhecimento do mérito da acção.
*

Consignados os vistos simultâneos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir do mérito das questões colocadas na pretensão impugnatória do Autor.

III) QUESTÕES EM APRECIAÇÃO


Sem prejuízo do art. 95º, 3, do CPTA, a questão delimitada pelo Autor consiste em saber se deliberação impugnada deve ser declarada inválida por incursão em vício de violação de lei; e, se assim fosse de considerar, o Autor peticiona que deveria ser classificado com a nota de “Suficiente”.

IV) FUNDAMENTAÇÃO

A) Factualidade assente

Considerando a posição das partes expressas nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, a convicção do tribunal relativamente aos factos assentes consolidou-se com a análise crítica da documentação junta aos autos e não impugnada, designadamente a que acompanha os articulados e a que consta do processo administrativo, remetendo-se para este efeito para o descrito no Relatório supra.

Assim, deu-se como provada, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos e de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a seguinte matéria de facto:


1. Na sequência de inspecção extraordinária realizada no Tribunal Judicial da comarca ..., fundada em deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 11/4/2019, procedeu-se à avaliação do trabalho do Autor Demandante, enquanto Escrivão ... e respeitante ao período compreendido entre 18 de Setembro de 2018 a 18 de Fevereiro de 2021, tendo o Senhor Inspector do Conselho dos Oficiais de Justiça feito constar do respectivo Relatório individual que:

“A presente inspeção foi determinada por despacho de 03 de fevereiro de 2021 do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça, para avaliação ao desempenho do Escrivão ... AA, a exercer funções no Núcleo ..., a incidir sobre todo o serviço prestado por este oficial de justiça desde 18-09-2018, conforme deliberação do Plenário do Conselho de Oficiais, datada de 11 de abril de 2019.
Da avaliação ao desempenho do senhor oficial de justiça acima identificado pelo serviço prestado no Núcleo ..., no período compreendido entre 18-09- 2018 a 18-02-2021, ponderados que foram os elementos de instrução: informações, pareceres, CRD, nota biográfica; pela avaliação do desempenho nos processos e/ou demais expediente realizado, resultou a seguinte apreciação:
O inspecionado entre 18-09-2018 e 30-08-2019 exerceu funções no Juízo Central Cível ... – unidades J... e J..., e no período de 02-09-2019 até à data do início da presente inspeção 18-02-2021, exerceu funções na unidade central, balcão + e de serviço externo e videoconferências do Juízo de Família e Menores ..., onde em ambos os serviços desempenhou as tarefas que descreveu na sua nota biográfica individual bem como das constantes das informações prestadas pelos seus superiores hierárquicos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
As condições de trabalho onde exerceu e exerce funções podem considerar-se satisfatórias em termos de espaço e boas em termos de luminosidade, quer natural, quer em luz e artificial, encontram-se dotadas com ar condicionado e proporcionam boas condições gerais de trabalho.
Os meios tecnológicos e equipamento informático são os adequados às necessidades dos serviços.
O equipamento de escritório ali colocado é bom e suficiente.
Como acima referimos o período global que ao inspecionado está a ser abrangido por esta inspeção é o compreendido entre 18-09-2018 a 18-02-2021, ou seja, 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, a que corresponde um total de 884 (oitocentos e oitenta e quatro) dias, nos quais se incluem férias, faltas, sábados, domingos e feriados.
No decurso do período inspetivo o inspecionado encontrou-se a faltar ao serviço por motivos de saúde e outros, tendo na totalidade do período faltado durante 423 (quatrocentos e vinte e tês) dias, sendo 55 (cinquenta e cinco) dias por gozo de férias, 334 (trezentos e trinta e quatro) dias por doença do funcionário, 13 (treze) dias ao abrigo do art. 59º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, 10 (dez) por greve e 11 (onze dias por outros motivos, a que corresponde um período de 1 ano (um) ano, 1 (um) mês e 28 (vinte e oito) dias.
Assim, ao total do período que lhe é abrangido na inspeção, compreendido entre 18-09-2018 a 18-02-2021, a que correspondem os 2 dois) anos e 5 (cinco) meses, se lhe descontarmos o período de tempo em que se encontrou a faltar pelos diversos motivos, ou seja, 1 (um) ano, 1 (um) mês e 28 (vinte e oito) dias, apenas, fica para avaliação de mérito um período de cerca de 461 dias, ou seja, 1 (um) ano 3 (três) meses e 6 (seis) dias, nos quais se encontram incluídos ainda sábados, domingos, feriados e férias, pelo que o período concreto em avaliação ainda será um pouco menor, circunstância que terá condicionado, naturalmente, a sua prestação.
Acresce ainda referir que no período de 02-11-2019 a 31-08-2020, encontrou-se a faltar consecutivamente.
Quando se encontrou ao serviço enquanto na unidade de processos J... e J... do Juízo Central Cível ... desempenhou algumas das funções inerentes à sua categoria, nomeadamente, autuação de processos, registo e conciliação de DUCS, verificação do pagamento das taxas de justiça, e procedeu a expedição de cartas para citações; digitalização do expediente apresentado em suporte físico, procura e junção dos papéis aos processos, efetuou o cumprimento de algumas tarefas rotineiras nos processos, como notificações via postal, ofícios e entidades, registo de sentenças, abertura de conclusões e elaboração de termos, e demais serviço que lhe foi distribuído atendendo às suas capacidades pelo senhor Escrivão de Direito e sempre por este supervisionado.
Desde 02-09-2019 exerceu funções na unidade central, balcão+, serviço externo e de videoconferência do Juízo de Família e Menores ..., no entanto, entre meados de 02-11-2019 e 07-10-2020, esteve a faltar ao serviço por doença e outros motivos.
Nas funções exercidas em ambos o serviço demonstrou um débil desempenho, visualizando-se pouco serviço por si efetuado, ou praticamente inexistente, na consulta dos atos por si efetuados no "Citius" enquanto no Juízo Central Cível – Juiz ... e Juiz ..., não passaram de (431) os atos por si praticados, nomeadamente de algumas autuações (67), citações postais (90), conclusões (3), notificações via postal (32), ofícios a entidades diversas (54), registo de sentenças (12) e (163) termos.
Enquanto em funções na unidade central e de serviço externo (Juízo de Família), verificamos por consulta de atos no "Citius" que foram ainda mais diminutos os atos praticados pois apenas conseguimos apurar que praticou (44) atos na totalidade, nomeadamente 21 comunicações eletrónicas entre Tribunais, 14 termos, e 9 certidões de notificação.
Assim, resulta que desde que exerce funções nesta unidade central e de serviço externo nos dias ou períodos em que se encontrou em funções, a sua produtividade foi praticamente inexistente ou muito pouco relevante, nada contribuindo para o normal funcionamento do serviço, mais parecendo a um elemento não presente em funções.
Nos serviços onde exerceu funções (Juízo Central Cível e Unidade Central e de Serviço Externo) do visualizado e do que nos foi dado a saber, apurou-se que no decorrer do período inspetivo demonstrou ter uma deficiente autonomia e muita insegurança no exercício de funções, dai que todo o serviço por si efetuado teve de ser sempre controlado e supervisionado pelos senhores Escrivães de Direito.
Na informação fornecida sobre o inspecionado o seu superior hierárquico, Escrivão de Direito do Juízo Central Cível, com quem o inspecionado trabalhou, refere:
“O Sr. Escrivão-Auxiliar apresentava, com frequência, um "estado de ausência" ao que se julga motivado pela medicação que tomava.
Consigna-se que ao Sr. Escrivão-Auxiliar apenas eram atribuídas as tarefas acima descritas, dado que neste período de tempo, o mesmo, revelou dificuldade em realizar tarefas de maior complexidade, designadamente audiências de julgamento e outras diligências.”
Também a senhora Escrivã de Direito da unidade central e de serviço externo do Juízo de Família e Menores na informação fornecida sobre o inspecionado refere:
“O Escrivão ... AA iniciou funções na Unidade Central, Balcão+, Serviço Externo e Videoconferências em Setembro de 2019.
Segundo me foi possível observar, vinha bastante debilitado, constantemente a tomar comprimidos, era muito difícil entender o que dizia e sem conseguir colaborar com os colegas.
Nunca conseguiu, por si só, fazer o que quer que fosse nomeadamente um simples registo de afixação de editais.
Passado algum tempo foi internado numa Unidade ... em ....
Após este internamento e segundo nos foi comunicado pela ex-mulher, sofreu uma queda e esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos ....
Depois deste internamento foi transferido para o serviço de medicina interna e psiquiatria, tendo deixado o hospital para uma Unidade de Cuidados Continuados.
Apresentou-se ao serviço, após junta médica, tendo gozado de imediato férias, entre 02-09 a 07/10/2020.
Quando retomou ao serviço não se notaram alterações ao seu comportamento habitual.”
Desde a última inspeção no exercício de funções o inspecionado tem vindo a demonstrar uma acentuada diminuição de produtividade e muito pouco serviço efetuado, ainda que de tarefas bastante rotineiras, simples ou de diminuto grau de dificuldade.
Para essa diminuição de produtividade poderá também ter vindo a contribuir em muito o seu débil estado de saúde, facilmente percetível no contacto estabelecido com o inspecionado, e por ele também referido na sua nota biográfica individual, sendo também do conhecimento de todos com quem ele trabalhou e trabalha, que parece tratar-se de alguém com notório problema de saúde, denotando incapacidades que se traduzem numa dificuldade de comunicação e audição e que vem de encontro, quer ao referido pelos seus superiores hierárquicos nas informações prestadas e bem assim a todas as outras informações por nós colhidas junto dos colegas que com ele conviveram ou convivem no local de trabalho, que o condiciona em muito na sua vida profissional.
Por isso, as tarefas que lhe são distribuídas pelos seus superiores hierárquicos obedecem a um critério de baixo grau de dificuldade e que mesmo esse tem de ser sempre visionado e "fiscalizado" pelos seus superiores hierárquicos, uma vez que muitas delas redundaram na necessidade de serem corrigidas por erróneas.
Atenta a sua categoria profissional e considerando que possui mais de 20 (vinte) anos de serviço prestado como Escrivão ..., ao período de serviço em apreciação e tarefas realizadas, já deveria ter atingido o nível máximo de notação, pelo contrário tem revelado fracos conhecimentos profissionais, quer teóricos, quer práticos, face às exigências do funcionamento e necessidades dos serviços, não demostrou autonomia, tendo de ser apoiado pelos senhores Escrivães de Direito ou por outros colegas.
O tempo de serviço que detém na categoria de Escrivão ..., associado ao desempenho por si já anteriormente demonstrado, pois até já obteve a classificação de "Bom com Distinção" por três vezes", sendo duas vezes por serviço prestado entre 15-09-2006 a 19-01-2010 e 20-01-2010 a 01-09-2014 no extinto Tribunal Judicial da Comarca ..., e uma terceira vez por serviço prestado entre 02-09-2014 a 24-06-2015, no Juízo de Família e Menores ..., pelo que, não aproveitou a experiência profissional, assimilada ao longo de todos estes anos, que lhe deveria ter proporcionado uma melhor aprendizagem e uma melhoria dos seus conhecimentos técnico-profissionais com resultados bem mais positivos ao contrário do que se verifica.
O seu desempenho foi avaliado com recurso à visualização aleatória de serviço e processos na aplicação "Citius", bem como foi considerado o tipo e número de atos praticados nos processos, cuja relação se encontra inserida como anexo no relatório, e as demais circunstâncias em que decorreu o exercício de funções.
Para uma melhor exemplificação do volume de serviço efetuado pelo inspecionado no decurso do período que lhe é abrangido pela inspeção, abaixo apresentam-se os elementos, recolhidos através da consulta efetuada no programa “Citius”:
[quadro]
Embora os elementos apresentados possam padecer de algumas incorreções, pode ver-se que apesar de ser sempre subjetiva a análise que se faça a um mapa deste género, até pela diversidade de atos e complexidade ou simplicidade dos mesmos, o que pode influenciar o número de atos praticados, permitem, todavia, esclarecer com bastante rigor quer o volume de serviço, quer a especificidade e variedade do mesmo.
Da análise do seu trabalho e do que nos foi dado apurar no decurso da inspeção, o período de serviço em apreciação, a quantidade e qualidade do trabalho produzido, que teve de ser sempre supervisionada, para que não fosse cumprido de forma errónea ou inadequada, concluímos que teve débil capacidade de trabalho e de prestação de serviço, que em nada dignifica a classe dos oficiais de justiça.
Considerando o tempo de serviço do inspecionado, seria espectável que já desempenhasse outro tipo de tarefas (para além daquelas que habitualmente desempenha meramente rotineiras e sem grande grau de dificuldade), para além da já referida diminuta quantidade produzida.
Denota total insegurança e dificuldade na aplicação dos seus conhecimentos.
Não demonstra espírito de iniciativa, trabalhando apenas sob orientação personalizada, por ter dificuldade em agir autonomamente.
Demonstra pouco ou praticamente nenhum espírito de colaboração, apenas é figura presente nos serviços, quando se encontra no trabalho.
Limitou-se a executar as tarefas que lhe foram distribuídas e foi colaborante a pedido, executou os atos processuais de forma mais simplificada, o que nem sempre conseguiu, pois até nestes tem de ser orientado e supervisionado.
Do contacto que tivemos com o inspecionado parece-nos que se encontra doente, sendo também certo que o seu desempenho em nada abona o seu brio profissional. Não denota evolução nem esforço para progredir nos seus conhecimentos. Não demonstrou vontade em aprofundar o seu saber e melhorar o seu desempenho.
Do apurado resulta ser um funcionário urbano e educado, que comparece a horas ao serviço e não se ausenta do seu local de trabalho durante o horário normal de funcionamento dos serviços.
A sua assiduidade ficou naturalmente prejudicada pelo número de faltas dadas por motivo de doença.
O parecer que nos foi fornecido pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente da comarca ... e as informações dadas pelos seus superiores hierárquicos sobre o seu desempenho são unânimes em reconhecer que o inspecionado teve um desempenho medíocre, com exceção no que respeita à urbanidade e pontualidade.
A assiduidade é a que resulta do mapa do mapa de faltas e consta do relatório inspetivo.
No seu certificado de registo disciplinar consta que em 07-12-2017 por deliberação do COJ, foi-lhe aplicada a pena de 40 (quarenta) dias de suspensão no processo disciplinar nº ... (Este processo tem apenso o processo disciplinar nº ...).
Possui na categoria como última classificação de serviço "Suficiente", por serviço prestado no Núcleo ... entre 25-06-2015 a 18-09-2018, sendo que anteriormente por serviço prestado no período de 02-09-2014 a 24-06-2015, também no Núcleo ..., foi classificado de "Bom com Distinção", notação que como acima já se fez referência já obteve por três vezes.
 
III – PROPOSTA
Dispõe o art.16º n.º 2 do RICOJ, que "a classificação de Medíocre implica para os oficiais de justiça a suspensão e a instauração de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo".
Assim, considerando tudo o quanto se deixou exposto e do relatório inspetivo consta, bem como ponderando o desempenho do inspecionado, o período inspetivo em apreciação, verifica-se que o inspecionado não demonstrou evolução profissional, tem vindo a demonstrar um acentuado retrocesso no seu desempenho, as informações e parecer, bem como os demais elementos recolhidos no decurso da inspeção, nomeadamente, o serviço por si executado ficou muito aquém do exigido e do expectável para um Escrivão ... com o seu tempo de serviço, demonstrou ser muito inseguro, teve um irregular desempenho e denotou grande dificuldade de aplicação dos seus conhecimentos, não demonstrou espírito de iniciativa e de colaboração, nem tem feito um esforço para melhorar os seus conhecimentos, sendo, no entanto, também certo de que a sua assiduidade ficou prejudicada pelas faltas dadas ao serviço por motivo de doença e outras, e sempre que se encontrou em funções foi pontual e assíduo, é nossa convicção que o desempenho do inspecionado no período inspetivo ficou-se pelo medíocre, pelo que, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 16.º do RICOJ, propomos que ao senhor Escrivão ... AA pelo serviço desempenhado nos serviços do Núcleo ..., no período compreendido entre 18-09-2018 a 18-02-2021, seja atribuída a classificação de: MEDÍOCRE.”

2. Notificado o Senhor Oficial de Justiça inspeccionado do Relatório e após Resposta, o Senhor Inspector do COJ emitiu Informação Final em 7 de Abril de 2021, nos seguintes termos:

«Na resposta apresentada, a nosso ver, não foram invocados factos novos ou elementos que não tivessem sido devidamente equacionados e que permitam formar outro Juízo valorativo a respeito do inspecionado.
Na resposta apresentada faz uma análise exaustiva daquele que acha ter sido o seu desempenho individual, a sua conduta perante os serviços, postura e trabalho realizado, bem como enaltece as suas qualidades, tecendo considerações e comentários no sentido de justificar a sua autoavaliação, concluindo que a notação de “Medíocre” não corresponde aquele que foi o seu desempenho no período avaliativo em apreciação, sendo merecedor da notação de “Suficiente”.
Quanto que refere nos pontos 1 a 64 sobre a apreciação global que faz do seu próprio trabalho, desempenho, suas qualidades e outras considerações, nada temos a referir, sendo certo que a apreciação que fizemos consta do relatório inspetivo que foi notificado ao inspecionado.
Todas as referências que lhe são feitas no Parecer fornecido pelo senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da comarca ... e nas informações prestadas pelos seus superiores hierárquicos, com quem o inspecionado diretamente trabalhou e atualmente trabalha, a nosso ver, são as correspondentes ao reconhecimento de que o desempenho do inspecionado no período inspetivo ficou-se pelo medíocre.
Não concorda no essencial com o enquadramento do seu desempenho como sendo “medíocre”, achando que este, no período abrangido pela inspeção equivale a reconhecimento de que possui as condições indispensáveis para o exercício do cargo, pelo que lhe dever ser proposta a notação de “Suficiente”.
A resposta do respondente não trouxe factos novos que mereçam ser reapreciados.
Na nossa resposta também não incluímos factos novos.
Como resulta do relatório inspetivo que foi notificado ao inspecionado, a notação proposta foi devidamente ponderada, baseou-se no por si serviço desempenhado, no período de serviço em apreciação em que o inspecionado se encontrou efetivamente em funções (cerca de 461 dias, ou seja, 1 (um) ano 3 (três) meses e 6 (seis) dias) e, se verificou que não apresentou evolução profissional e tem vindo a mostrar um acentuado retrocesso no seu desempenho, nas Informações dos superiores hierárquicos e Parecer do Senhor Juiz Presidente do Tribunal da comarca ..., nas condições de trabalho e seu volume, bem como os demais elementos recolhidos no decurso da inspeção, nomeadamente, o serviço por si cumprido que ficou muito aquém do exigido e do expectável para um Escrivão ... com o seu tempo de serviço, demonstrou ser muito inseguro, teve um irregular desempenho e denotou grande dificuldade de aplicação dos seus conhecimentos, não demonstrou espirito de iniciativa e de colaboração, nem tem feito esforço para melhorar os seus conhecimentos, sendo, no entanto, também certo de que a sua assiduidade ficou prejudicada pelas faltas dadas ao serviço por motivo de doença e outras, mas, sempre que se encontrou em funções foi pontual e assíduo. Assim, é nossa convicção que o desempenho do inspecionado no período inspetivo em apreciação ficou-se pelo medíocre, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 16.º do RICOJ.
Pelo exposto, no que respeita à proposta de classificação achamos que lhe deverá ser mantida a notação inicialmente proposta de “Medíocre”

3. Remetidos os autos do processo, foi proferido Acórdão em Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), realizado em 29 de Abril de 2021 (processo n.º ...1), que, concordando com a proposta formulada pelo Senhor Inspector e respectivos fundamentos, deliberou:
a) Classificar AA, ..., na categoria de Escrivão ..., pelo serviço executado no Juízo Central Cível ... (J... e J...) e na Unidade Central e Balcão + e e de Serviço Externo e Videoconferências do Juízo de Família e Menores ..., no período de 18/09/2018 a 18/02/2021, de “MEDÍOCRE”;
b) Ordenar nos termos do disposto no n.º 1 do art. 69º do EFJ a instauração de um processo disciplinar para aferir da aptidão para o exercício de funções na categoria detida.

4. Uma vez interposto recurso hierárquico pelo aqui Autor Demandante nos termos do art. 118º, 2, e 111º, 1, a), do Estatuto dos Funcionários de Justiça (DL 343/99, de 26 de Agosto: EFJ), e após Pronúncia do Senhor Vice-Presidente do COJ (art. 195º, 2, CPA), por Deliberação do Conselho Permanente (Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares) do Conselho Superior da Magistratura (processo n.º 2021/...), proferida em 21 de Setembro de 2021, concluiu-se pela improcedência da impugnação, tendo sido mantida na íntegra a Deliberação do COJ.
Na deliberação consta:

«(…) parece-nos que a pronúncia do Senhor Vice-Presidente do COJ é bem clara quando explicita que, embora o período inspetivo tenha abrangido 2 anos e 5 meses, a verdade é que só foi inspecionado, e valorado, o serviço efetivamente prestado durante o período em que o inspecionado esteve no exercício de funções, ou seja, durante 461 dias, ou seja, 1 ano, 3 meses e 6 dias. Assim, foi apenas este último período que a inspecção avaliou, e não o outro mais vasto, que inclui os períodos em que o inspecionado esteve ausente do serviço por motivos de saúde.
E, considerando a inspecção que, no período efectivamente inspecionado, o número de atos praticados ficou muito aquém daquilo que seria exigível, o recurso não nos trouxe quaisquer elementos de facto que nos permitam chegar a conclusão diferente.
Relativamente à qualidade dos atos praticados, são, de facto, muito genéricas as observações constantes do relatório que integra a deliberação impugnada, mas são de molde a poder concluir-se que o impugnante terá dificuldade em executar, pelo menos parte, das suas tarefas, facto que o mesmo, embora implicitamente reconhece e que atribui a problemas de saúde.
Ora, aceitando-se sem dificuldade que o impugnante apresente, de facto, diversos problemas de saúde, como resulta das suas alegações e da documentação clínica que juntou aos autos, não se pode daí inferir que a notação a atribuir deva ser superior àquela que, objetivamente, decorre do serviço inspecionado.
E, pelo menos a partir da data em que regressou ao serviço após decisão da Junta Médica da ADSE realizada em 31 de agosto de 2020, ou seja, a partir de 7 de setembro de 2020, não há motivos para considerar qualquer limitação nas capacidades do impugnante, uma vez que aquela ADSE o considerou apto para o serviço, sem qualquer incapacidade.
A própria deliberação impugnada é clara quanto a esta matéria ao declarar que “se trata de um caso que só terá solução no foro médico, mas que entretanto condiciona a prestação do inspecionado e a sua avaliação, sendo que in casu é a prestação que está a ser analisada não se podendo ir mais além e quanto a ela não restam dúvidas quanto ao enquadramento legal”.
Em conclusão, a inspecção apreciou, de facto, o trabalho efectivamente realizado pelo impugnante e considerou-o abaixo da suficiência, o que impossibilita que a classificação a atribuir seja a de “suficiente”.
Na verdade, nos termos do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 16° do RICOJ, a classificação de suficiente equivale ao reconhecimento de que o funcionário possui as condições indispensáveis para o exercício do cargo, o que, no caso vertente, nos termos constantes do processo inspetivo, não contraditados com factos concretos pelas alegações do impugnante, não se verifica.
Não se verifica, assim, a violação do artigo 13.º n.º 3 RICOJ, uma vez que a inspecção apreciou e valorou os elementos necessários à atribuição de uma classificação ao impugnante, considerando-se que a valoração feita está de acordo com os elementos constantes dos autos e também ponderou as circunstâncias em que o trabalho decorreu, designadamente as limitações decorrentes de problemas de saúde.
Não se desvaloriza que o impugnante tenha tentado cumprir as suas funções, como o demonstram as informações dos seus superiores relativamente à sua pontualidade e assiduidade. Simplesmente não o tem conseguido o que, repete-se, aceita-se pacificamente que resulte de problemas de saúde, tal como, de resto, explicitamente consta da deliberação impugnada.
Ou seja, mais do que as boas intenções do inspecionado, o que está a ser avaliado é o resultado do seu trabalho, em especial a sua efetiva produtividade e, mesmo se desconsiderarmos os aspetos do relatório menos fundamentados, como é o caso da insuficiência de conhecimentos ou a má qualidade do trabalho desenvolvido e nos ativermos, apenas, à quantidade de atos praticados, ainda assim não temos elementos suficientes para considerar que o impugnante preenche os requisitos constantes da aludida alínea a), do n°1, do artigo 16° do RICOJ, ou seja, para considerar que o mesmo possui as condições indispensáveis para o exercício do cargo e que, por isso, é merecedor da classificação de suficiente ou superior.»

5. Na sequência de impugnação administrativa apresentada pelo aqui Autor Demandante perante o Plenário do Conselho Superior da Magistratura (art. 167º, 2, a), EMJ), foi proferida Deliberação em 11/1/2022, com o seguinte teor:

II – Fundamentação
Os argumentos constantes da impugnação administrativa podem reconduzir-se a três categorias:
1. Imprecisão, incompletude e falta de fundamentação do relatório de inspeção e, por conseguinte, das decisões administrativas que o validam;
2. Não consideração cabal do impacto do estado de saúde do Senhor Escrivão ... AA sobre a sua produtividade laboral;
3. Não consideração de outras componentes do exercício de funções do impugnante como Escrivão ..., para além dos atos registados no H@bilus, a par de ser alheio ao Senhor Escrivão ... AA o tipo de tarefas que lhe são distribuídas.
No que diz respeito à primeira linha de argumentação, a mesma diz respeito às formalidades exigidas para a prática do ato administrativo, numa ótica de possível ilegalidade administrativa, e não quanto à justiça material do mesmo. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 152.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), tratando-se da classificação de mérito de um ato administrativo que pode ter por efeito o agravamento de ónus ou sujeições do funcionário público, deverá o relatório de inspeção cumprir as exigências de fundamentação impostas pelo art. 153.º do CPA. Dispõe o n.º [1] do art. 153.º do CPA que a “fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.”. E o n.º 2 vem esclarecer que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.” O art. 20.º do Regulamento das Inspeções do Conselho dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Regulamento nº 22/2001 de 16 de outubro, II Série do Diário da República, com as alterações introduzidas pelo Regulamento nº 26/2005 de 1 de abril, nada acrescenta de relevante às normas em causa, pelo que se deverão retirar as exigências concretas de fundamentação das normas já referidas, constantes do CPA, e dos critérios indicados nos arts. 68.º e ss. do Estatuto dos Funcionários de Justiça.
Não estando em causa uma decisão sancionatória, nem uma decisão jurisdicional, registe-se que o dever de fundamentação não alcançará a mesma intensidade daquelas, sendo comum exigir-se apenas que constem do ato administrativo a exteriorização dos raciocínios fundamentadores e explicativos inerentes “tanto (i) na justificação (ii) como na motivação, (iii) os respetivos discursos justificativos, ou seja, os raciocínios fundamentadores (iv) da conclusão ou de cada uma das conclusões em que assenta (iv) a decisão administrativa”. Assim, desde que tenham sido exteriorizados na fundamentação, ainda que de forma sintética, a justificação do ato (fundamento legal), e a motivação (densificação dos critérios legais a partir dos elementos e das circunstâncias concretas do caso) do mesmo, não se verifica o vício de ilegalidade do ato administrativo por falta de fundamentação. E assim é mesmo quando a fundamentação não desenvolve com a mesma densificação cada um dos critérios possíveis de ponderação, tratando-se de decisão discricionária, e mesmo quando não dê resposta a todas as linhas de argumentação contrária apresentadas pelo visado pelo ato administrativo.
Sendo o relatório de inspeção, bem como os seus elementos anexos, parte integrante da fundamentação do ato administrativo concretizado pela deliberação do COJ, embora não seja este absolutamente exaustivo, e possa conter algumas expressões mais genéricas, nele se contêm os elementos essenciais inerentes ao dever de fundamentação. Ou seja, do mesmo, em conjugação com os seus elementos, consegue facilmente discernir-se quais foram as motivações, e quais os seus pressupostos de facto e critérios legais, que sustentaram a atribuição da classificação de “medíocre”. Não existe, portanto, qualquer vício de falta de fundamentação do ato administrativo impugnado.
No que respeita ao terceiro ponto suscitado pela defesa do impugnante, entende-se também que não lhe assiste razão. Sendo certo que existirão várias outras pequenas funções do quotidiano que integram o conteúdo funcional da categoria de Escrivão ..., certo é que estas (tais como atendimento telefónico ou ao público), não só são dificilmente mensuráveis de modo quantitativo preciso, como se encontram distribuídas por todos os funcionários de justiça de categoria equivalente, sendo que, quanto a estes outros funcionários, também as mesmas não ganham relevo nas respetivas inspeções e classificações. O impugnante teria razão nesta linha de argumentação, caso estas pequenas tarefas quotidianas fossem controláveis e valoradas nas classificações de outros colegas, reduzindo-se a inspeção daquele aos atos registados no h@abilus; ou caso o impugnante tivesse sido adstrito, arbitrariamente, apenas à realização destas pequenas tarefas. Nenhuma destas condições se verifica. Pelo contrário, resulta das declarações o seu superior hierárquico, Escrivão de Direito do Juízo Central Cível que o impugnante “apresentava, com frequência, um "estado de ausência" ao que se julga motivado pela medicação que tomava. Consigna-se que ao Sr. Escrivão-Auxiliar apenas eram atribuídas as tarefas acima descritas, dado que neste período de tempo, o mesmo, revelou dificuldade em realizar tarefas de maior complexidade, designadamente audiências de julgamento e outras diligências.”. E ainda, no mesmo sentido, note-se as declarações da senhora Escrivã de Direito da unidade central e de serviço externo do Juízo de Família e Menores: “O Escrivão ... AA iniciou funções na Unidade Central, Balcão+, Serviço Externo e Videoconferências em Setembro de 2019. Segundo me foi possível observar, vinha bastante debilitado, constantemente a tomar comprimidos, era muito difícil entender o que dizia e sem conseguir colaborar com os colegas. Nunca conseguiu, por si só, fazer o que quer que fosse nomeadamente um simples registo de afixação de editais. (...) Apresentou-se ao serviço, após junta médica, tendo gozado de imediato férias, entre 02- 09 a 07/10/2020. Quando retomou ao serviço não se notaram alterações ao seu comportamento habitual.”. Ou seja, que o impugnante apresentava sérias e graves dificuldades na execução das suas tarefas, sendo que progressivamente lhe foram atribuídas tarefas cada vez menos complexas em função da sua incapacidade funcional.
Por fim, no que respeita à segunda linha de argumentação, a mais complexa, impõem-se duas considerações. Por um lado, entende-se que constam do relatório considerações inadequadas e contraditórias sobre as capacidades funcionais do impugnante. Assim se, por um lado, se reconhece no relatório que “desde a última inspeção no exercício de funções o inspecionado tem vindo a demonstrar uma acentuada diminuição de produtividade e muito pouco serviço efetuado, ainda que de tarefas bastante rotineiras, simples ou de diminuto grau de dificuldade. Para essa diminuição de produtividade poderá também ter vindo a contribuir em muito o seu débil estado de saúde, facilmente percetível no contacto estabelecido com o inspecionado, e por ele também referido na sua nota biográfica individual, sendo também do conhecimento de todos com quem ele trabalhou e trabalha, que parece tratar-se de alguém com notório problema de saúde, denotando incapacidades que se traduzem numa dificuldade de comunicação e audição e que vem de encontro, quer ao referido pelos seus superiores hierárquicos nas informações prestadas e bem assim a todas as outras informações por nós colhidas junto dos colegas que com ele conviveram ou convivem no local de trabalho, que o condiciona em muito na sua vida profissional.” Por outro lado afirma-se, mais à frente, que “atenta a sua categoria profissional e considerando que possui mais de 20 (vinte) anos de serviço prestado como Escrivão ..., ao período de serviço em apreciação e tarefas realizadas, já deveria ter atingido o nível máximo de notação, pelo contrário tem revelado fracos conhecimentos profissionais, quer teóricos, quer práticos, face às exigências do funcionamento e necessidades dos serviços, não demostrou autonomia, tendo de ser apoiado pelos senhores Escrivães de Direito ou por outros colegas. O tempo de serviço que detém na categoria de Escrivão ..., associado ao desempenho por si já anteriormente demonstrado, pois até já obteve a classificação de "Bom com Distinção" por três vezes", sendo duas vezes por serviço prestado entre 15-09-2006 a 19- 01-2010 e 20-01-2010 a 01-09-2014 no extinto Tribunal Judicial da Comarca ..., e uma terceira vez por serviço prestado entre 02-09-2014 a 24-06-2015, no Juízo de Família e Menores ..., pelo que, não aproveitou a experiência profissional, assimilada ao longo de todos estes anos, que lhe deveria ter proporcionado uma melhor aprendizagem e uma melhoria dos seus conhecimentos técnico-profissionais com resultados bem mais positivos ao contrário do que se verifica.”; e, ainda, que “do contacto que tivemos com o inspecionado parece-nos que se encontra doente, sendo também certo que o seu desempenho em nada abona o seu brio profissional. Não denota evolução nem esforço para progredir nos seus conhecimentos. Não demonstrou vontade em aprofundar o seu saber e melhorar o seu desempenho.
Ora, resulta dos elementos disponíveis nos autos, principalmente considerando os relatórios médicos juntos com a impugnação administrativa, que se trata de um funcionário que, mesmo após a alta, foi considerado que “necessita de supervisão na realização de restantes AVD’s, sobretudo nos auto cuidados. Sem aparente capacidade cognitiva para viver sozinho, sem ajuda/supervisão de outrém” (fls. 62); “No decorrer do internamento, o utente melhorou significativamente o seu desempenho na realização de AVD’s (MIF=105), e atualmente encontra-se autónomo no banho, na alimentação, no vestir/despir, na higiene e nos cuidados pessoais e na mobilidade funcional, mas necessita de supervisão e orientação nas tarefas, considerando que não tem noção dos défices cognitivos que apresenta e das suas dificuldades” (fls. 63); “Dado que, o utente apresenta uma diminuição das competências cognitivas, o desempenho ocupacional nas AVDI’s encontra-se comprometido, no entanto, o utente não tem noção das suas dificuldades, referindo ter capacidades para voltar a viver sozinho. O utente não tem competências que permitam gerir a medicação, gerir o dinheiro, ir às compras, gerir tarefas domésticas, entre outras, de forma autónoma” (fls. 64); “dado que o utente não apresenta condições para gerir a sua vida sem apoio, a família encontra-se a tentar encontrar instituição adequada para o utente” (fls. 64); e a 15/05/2020, conclui-se que “o regresso à comunidade, possivelmente, poderá aumentar o nível de ansiedade, uma vez que o utente ainda não apresenta mecanismos de coping para lidar com a mesma, o que poderá conduzir à dependência medicamentosa. Pretende-se que o utente, no regresso a uma instituição, seja feito um trabalho de reabilitação ao nível das suas competências sociais e revisão de objetivos a curto e a longo prazo, assim como intervir na sua autoestima e confiança nas suas capacidades” (fls. 65).
Não se pode, portanto, retirar do desempenho profissional do impugnante no período abrangido pela inspeção – parte dele ocorre imediatamente antes e imediatamente após internamentos e graves condições de saúde física e mental – nada de sólido quanto ao seu brio profissional, quanto às suas capacidades potenciais (práticas e teóricas), nem mesmo quanto ao ganho de experiência acumulado, como se faz no relatório. Pois o referido desempenho profissional do impugnante no período em causa, face ao cômputo global da sua carreira e sucessivas classificações, deverá considerar-se mais (ou quase exclusivamente) como o resultado do seu estado de saúde, e não como expressão fiel das suas capacidades. Face aos elementos indicados, também não se pode afirmar que, após a alta e indicação de regresso ao trabalho por parte da Junta Médica, o impugnante estaria em perfeitas condições, e sem quaisquer limitações, para exercer as suas funções. Que não estava, resulta factual e indubitavelmente dos relatórios médicos constantes dos autos, e das declarações de superiores hierárquicos e colegas.
Em contrapartida, tem razão o Conselho Permanente quando explica que “não se desvaloriza que o impugnante tenha tentado cumprir as suas funções, como o demonstram as informações dos seus superiores relativamente à sua pontualidade e assiduidade. Simplesmente não o tem conseguido o que, repete-se, aceita-se pacificamente que resulte de problemas de saúde, tal como, de resto, explicitamente consta da deliberação impugnada. Ou seja, mais do que as boas intenções do inspecionado, o que está a ser avaliado é o resultado do seu trabalho, em especial a sua efetiva produtividade”. É este, precisamente, o cerne da questão. A classificação deve refletir, objetivamente, as capacidades reais, conjunturais, do visado para o exercício das funções que integram o conteúdo funcional da sua categoria profissional. E, de facto, face aos elementos constantes dos autos, é forçoso concluir que o trabalho realizado não se releva suficiente, como conclui o Conselho Permanente.
O que não implica, claro, que esta seja uma situação irreversível, ainda que a classificação de “medíocre” tenha como consequência a abertura de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo. Tal inquérito não consiste numa negação ab initio destas aptidões. O inquérito consistirá, pelo contrário, numa segunda oportunidade para que o impugnante demonstre que, apesar dos graves problemas de saúde que enfrenta, e tendo já passado mais algum tempo, apresenta melhorias suficientes para que se mantenha apto para o exercício de funções. O relatório de inspeção e respetiva classificação refletem as capacidades do impugnante face um conjunto determinado, e conjuntural, de circunstâncias, apenas. As quais podem estar já superadas, caso em que poderá manter-se em funções.

III – Deliberação
Em face de todo o exposto, acordam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura em julgar improcedente a impugnação administrativa interposta pelo Senhor Escrivão ... AA, mantendo-se na íntegra a deliberação do COJ que lhe atribuiu, pelo serviço prestado no Tribunal Judicial da comarca ..., no período compreendido entre 18.09.2018 e 18.02.2021, a classificação de “Medíocre”.

B) Direito aplicável


1. O princípio da promoção do acesso à Justiça (artigo 7º do CPTA: pro actione) demanda que, em concretização do princípio do acesso efectivo aos Tribunais, as normas processuais devam ser interpretadas no sentido de assegurar uma tutela jurisdicional de mérito[1]. Em concreta homenagem a este princípio impõe-se circunscrever o objecto legalmente definido para a presente acção administrativa especial, isto é, a declaração de invalidade da deliberação impugnada[2].
O n.º 1 do artigo 163º do CPA prevê que são “(…) anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.
A doutrina explicita que o vício de violação de lei é “o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis. O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do acto administrativo, é a decisão em que o acto consiste, que contraria a lei. (…) Não há, pois, correspondência entre a situação abstractamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre os efeitos de direito determinados pela Administração e os efeitos que a norma ordena.” Sendo que o vício de violação de lei “produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei mande decidir algo”[3]
Em suma, o vício de violação de lei verifica-se quando é efectuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a a realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar a realidade que devia ser aplicada[4]

2. Coligida de facto e de direito a motivação exposta na petição inicial, identificam-se três fundamentos expostos pelo Autor Demandante para sustentar a consideração de que a deliberação impugnada é inválida.

2.1. O primeiro dos fundamentos elencados pelo Autor prende-se, em termos unificados, com a desconsideração das tarefas não mensuráveis que foram efectivamente por si realizadas e do impacto das limitações do seu estado de saúde na avaliação do trabalho desenvolvido e nas funções atribuídas.
Vejamos.

2.1.1. Como resulta dos factos provados, o Autor detém a qualidade de Escrivão ... (Oficial de Justiça), integrando-se, pois, na carreira judicial dos funcionários judiciais (n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto).
De acordo com o Mapa I anexo a esse diploma compete aos Escrivães ... efectuar o serviço externo, preparar a expedição de correspondência e proceder à respectiva entrega e recebimento, prestar a necessária assistência aos magistrados e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior.
A propósito da respectiva avaliação, prescreve o artigo 68.º desse diploma que «Os oficiais de justiça são classificados, de acordo com o seu mérito, de Muito bom, Bom com distinção, Bom, Suficiente e Medíocre».
O n.º 1 do artigo 70.º determina que, na classificação dos oficiais de justiça, sejam especialmente tidos em consideração a idoneidade cívica, a qualidade do trabalho e a produtividade, a preparação técnica e intelectual, o espírito de iniciativa e colaboração, a simplificação dos actos processuais, o brio profissional, a urbanidade e a pontualidade e assiduidade.
O n.º 3 do mesmo preceito impõe que sejam «(…) sempre ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho e o volume de serviço, informações, resultados de inspecções ou processos disciplinares, bem como outros elementos complementares, desde que, em qualquer caso, se reportem ao período abrangido pela inspecção.»
O Regulamento das Inspecções do Conselho dos Oficiais de Justiça (Regulamento do Ministério da Justiça n.º 22/2001, de 16 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Regulamento do Ministério da Justiça n.º 26/2005, de 1 de Abril: RICOJ 2001), aplicável[5] ao caso em apreço, mimetizava esta disposição no n.º 1 e 3 do seu art. 13.º:
«1 — São elementos a tomar em especial consideração na classificação dos oficiais de justiça:
a) A idoneidade cívica;
b) A qualidade do trabalho e a produtividade;
c) A preparação técnica e intelectual;
d) O espírito de iniciativa e colaboração;
e) A simplificação dos actos processuais;
f) O brio profissional;
g) A urbanidade;
h) A pontualidade e assiduidade.
(…)
3 — Nas classificações são sempre ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho e o volume de serviço, informações, resultado de inspecções ou processos disciplinares, bem como outros elementos complementares, desde que, em qualquer caso, se reportem ao período abrangido pela inspecção.»

2.1.2. Exposto este enquadramento, colhe-se com relevo no relatório inspectivo em que se alicerçaram as deliberações improfícua e sucessivamente impugnadas pelo Autor:

              “O inspecionado entre 18-09-2018 e 30-08-2019 exerceu funções no Juízo Central Cível ... - unidades J... e J..., e no período de 02-09-2019 até à data do início da presente inspeção 18-02-2021, exerceu funções na unidade central, balcão+ e de serviço externo e videoconferências do Juízo de Família e Menores ..., onde em ambos os serviços desempenhou as tarefas que descreveu na sua nota biográfica individual bem como das constantes das informações prestadas pelos seus superiores hierárquicos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
(…)
Quando se encontrou ao serviço enquanto na unidade de processos J... e J... do Juízo Central Cível ... desempenhou algumas das funções inerentes à sua categoria, nomeadamente, autuação de processos, registo e conciliação de DUCS, verificação do pagamento das taxas de justiça, e procedeu a expedição de cartas para citações; digitalização do expediente apresentado em suporte físico, procura e junção dos papéis aos processos, efetuou o cumprimento de algumas tarefas rotineiras nos processos, como notificações via postal, ofícios e entidades, registo de sentenças, abertura de conclusões e elaboração de termos, e demais serviço que lhe foi distribuído.
Desde 02-09-2019 exerceu funções na unidade central, balcão+, serviço externo e de videoconferência do Juízo de Família e Menores ... (…)”.

Por seu turno, consta da ficha/”nota” biográfica individual, no campo “descrição do serviço desempenhado”[6]:

“(…) No âmbito das funções desempenhadas as mesmas foram as seguintes: no juízo central cível juntava o expediente aos processos, depois de dos procurar nas prateleiras; tramitava os referidos processos. Intervinha também em audiências, elborando consequentemente as actas.
Na secção de serviço externo tinha como funções fundamentais, a realização de videoconferências, a realização de serviço externo (penhoras, notificações, citações), etc.”

Cotejando o que consta do dito relatório com o que o próprio Autor relatou sobre as tarefas que desempenhava não se alcançam quaisquer discrepâncias que sustentem a alegação enunciada. De resto, a maior parte das tarefas enunciadas pelo Autor naquele escrito são registáveis no sistema informático de apoio à actividade nos tribunais (vulgo “Citius”).
Por isso, e ao contrário do que se pretende fazer crer, a avaliação do desempenho funcional do impugunante não se cingiu a tarefas mensuráveis (porque necessariamente praticadas por via do dito sistema), tendo, antes, tido em conta a globalidade do desempenho funcional.
Sucede que, como se reconhecerá, essas tarefas não são qualitativa e quantitativamente avaliáveis em sede inspectiva e, consequente e compreensivelmente, não são merecedoras de especial relevo ou destaque, tanto mais que nada indica que foram unicamente desempenhadas pelo Autor nas unidades em que prestou serviço.

Surpreende-se com acerto na deliberação impugnada:

“Sendo certo que existirão várias outras pequenas funções do quotidiano que integram o conteúdo funcional da categoria de Escrivão ..., certo é que estas (tais como atendimento telefónico ou ao público), não só são dificilmente mensuráveis de modo quantitativo preciso, como se encontram distribuídas por todos os funcionários de justiça de categoria equivalente, sendo que, quanto a estes outros funcionários, também as mesmas não ganham relevo nas respetivas inspeções e classificações. O impugnante teria razão nesta linha de argumentação, caso estas pequenas tarefas quotidianas fossem controláveis e valoradas nas classificações de outros colegas, reduzindo-se a inspeção daquele aos atos registados no h@abilus; ou caso o impugnante tivesse sido adstrito, arbitrariamente, apenas à realização destas pequenas tarefas. Nenhuma destas condições se verifica.”
Cabe, além do mais, sublinhar que jamais se invoca que o Autor Demandante solicitou às suas chefias que lhe distribuíssem tarefas mais exigentes e/ou mensuráveis, o que evidencia que, apesar de estar apto para o serviço, o mesmo estava ciente de que não tinha efectiva capacidade para esse efeito.

2.1.3. Por fim, também se acompanha e adere ao ajuizado pela deliberação impugnada no que tange à ponderação do reflexo do estado de saúde do Impugnante no seu desempenho funcional e a consequência operada na classificação obtida. Objectivamente, a verdade é que a alegação do Autor Demandante não se afigura conforme com o conteúdo explícito sobre tal estado nas decisões do Conselho Permanente e do Plenário do CSM.

Afirmou-se com acerto na deliberação impugnada (com sublinhado nosso):

“Não se pode, portanto, retirar do desempenho profissional do impugnante no período abrangido pela inspeção – parte dele ocorre imediatamente antes e imediatamente após internamentos e graves condições de saúde física e mental – nada de sólido quanto ao seu brio profissional, quanto às suas capacidades potenciais (práticas e teóricas), nem mesmo quanto ao ganho de experiência acumulado, como se faz no relatório. Pois o referido desempenho profissional do impugnante no período em causa, face ao cômputo global da sua carreira e sucessivas classificações, deverá considerar-se mais (ou quase exclusivamente) como o resultado do seu estado de saúde, e não como expressão fiel das suas capacidades. Face aos elementos indicados, também não se pode afirmar que, após a alta e indicação de regresso ao trabalho por parte da Junta Médica, que o impugnante estaria em perfeitas condições, e sem quaisquer limitações, para exercer as suas funções. Que não estava, resulta factual e indubitavelmente dos relatórios médicos constantes dos autos, e das declarações de superiores hierárquicos e colegas.
Em contrapartida, tem razão o Conselho Permanente quando explica que “não se desvaloriza que o impugnante tenha tentado cumprir as suas funções, como o demonstram as informações dos seus superiores relativamente à sua pontualidade e assiduidade. Simplesmente não o tem conseguido o que, repete-se, aceita-se pacificamente que resulte de problemas de saúde, tal como, de resto, explicitamente consta da deliberação impugnada. Ou seja, mais do que as boas intenções do inspecionado, o que está a ser avaliado é o resultado do seu trabalho, em especial a sua efetiva produtividade”. É este, precisamente, o cerne da questão. A classificação deve refletir, objetivamente, as capacidades reais, conjunturais, do visado para o exercício das funções que integram o conteúdo funcional da sua categoria profissional. E, de facto, face aos elementos constantes dos autos, é forçoso concluir que o trabalho realizado não se releva suficiente, como conclui o Conselho Permanente.
O que não implica, claro, que esta seja uma situação irreversível, ainda que a classificação de “medíocre” tenha como consequência a abertura de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo. Tal inquérito não consiste numa negação ab initio destas aptidões. O inquérito consistirá, pelo contrário, numa segunda oportunidade para que o impugnante demonstre que, apesar dos graves problemas de saúde que enfrenta, e tendo já passado mais algum tempo, apresenta melhorias suficientes para que se mantenha apto para o exercício de funções. O relatório de inspeção e respetiva classificação refletem as capacidades do impugnante face um conjunto determinado, e conjuntural, de circunstâncias, apenas. As quais podem estar já superadas, caso em que poderá manter-se em funções.”

Ademais, como bem se sublinha na deliberação impugnada, à qual se adere, na sequência do destacado no relatório de inspecção[7] e na deliberação do COJ[8], não poderia o impugnante ignorar que apresentava patentes debilidades a nível pessoal em função do seu estado de saúde, o que justificou que, progressivamente, numa relação de causa-efeito objectiva e manifesta, lhe fossem sendo atribuídas tarefas cada vez menos complexas.
O que também serve para entender e considerar que o Impugnante não foi vítima de uma distribuição arbitrária do serviço mensurável mas antes de um ajustamento das tarefas a cargo do Autor à capacidade funcional que então apresentava, consideradas as debilidades apreendidas.

Tudo visto, em consideração do conjunto deste duplo fundamento recursivo, falece a bondade do que alega o aqui Autor Demandante, mesmo se e quando enquadrado nos termos dos arts. 70º do EFJ e 13º do RICOJ 2001.

2.2. Como segundo fundamento, sustenta o Autor que o Inspector não se socorreu de outros meios de conhecimento (refere em particular as alíneas c) e e) do art. 18º do aplicável RICOJ), estribando-se apenas nos pareceres e informações dos seus superiores hierárquicos.
O art. 18º do dito Regulamento prevê, sob a epígrafe «Meios de conhecimento», que:
«As inspecções devem, obrigatoriamente, utilizar os seguintes meios de conhecimento:
a) Parecer a que se refere o artigo 72.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril;
b) Elementos em poder do Conselho dos Oficiais de Justiça, nomeadamente os referidos no n.º 3 do artigo 13.º;
c) Exame de processos, findos e pendentes, livros e papéis;
d) Estatística processual real;
e) Conferência de processos através do seu registo;
f) Balanço à tesouraria e demais elementos de contabilidade;
g) Conferência das receitas e despesas inscritas nos processos e ou livros com as registadas no respectivo suporte informático.»

Enunciam-se, assim, os elementos de que o inspector se deve socorrer para avaliar o mérito do desempenho funcional[9].
*

Consta do relatório inspectivo a que vimos aludindo, em particular:
 
“Quando se encontrou ao serviço enquanto na unidade de processos J... e J... do Juízo Central Cível ... desempenhou algumas das funções inerentes à sua categoria, nomeadamente, autuação de processos, registo e conciliação de DUCS, verificação do pagamento das taxas de justiça, e procedeu a expedição de cartas para citações; digitalização do expediente apresentado em suporte físico, procura e junção dos papéis aos processos, efetuou o cumprimento de algumas tarefas rotineiras nos processos, como notificações via postal, ofícios e entidades, registo de sentenças, abertura de conclusões e elaboração de termos, e demais serviço que lhe foi distribuído atendendo às suas capacidades pelo senhor Escrivão de Direito e sempre por este supervisionado.”;

“Nas funções exercidas em ambos o serviço demonstrou um débil desempenho, visualizando-se pouco serviço por si efetuado, ou praticamente inexistente, na consulta dos atos por si efetuados no "Citius" enquanto no Juízo Central Cível – Juiz ... e Juiz ..., não passaram de (431) os atos por si praticados, nomeadamente de algumas autuações (67), citações postais (90), conclusões (3), notificações via postal (32), ofícios a entidades diversas (54), registo de sentenças (12) e (163) termos.
Enquanto em funções na unidade central e de serviço externo (Juízo de Família), verificamos por consulta de atos no "Citius" que foram ainda mais diminutos os atos praticados pois apenas conseguimos apurar que praticou (44) atos na totalidade, nomeadamente 21 comunicações eletrónicas entre Tribunais, 14 termos, e 9 certidões de notificação.”;
Assim, resulta que desde que exerce funções nesta unidade central e de serviço externo nos dias ou períodos em que se encontrou em funções, a sua produtividade foi praticamente inexistente ou muito pouco relevante, nada contribuindo para o normal funcionamento do serviço, mais parecendo a um elemento não presente em funções.”;

“O seu desempenho foi avaliado com recurso à visualização aleatória de serviço e processos na aplicação "Citius", bem como foi considerado o tipo e número de atos praticados nos processos, cuja relação se encontra inserida como anexo no relatório, e as demais circunstâncias em que decorreu o exercício de funções. Para uma melhor exemplificação do volume de serviço efetuado pelo inspecionado no decurso do período que lhe é abrangido pela inspeção, abaixo apresentam-se os elementos, recolhidos através da consulta efetuada no programa “Citius” (…)”.

Estes trechos do relatório mostram-se congruentes com a análise quantitativa e qualitativa dos actos registados no sistema informático de apoio à actividade dos tribunais nele efectuada, o que, por sua vez e em conjugação com os demais vectores ali enunciados, permitiu formular o juízo avaliativo vertido na proposta que mereceu a aprovação do COJ.
Deste modo, não se mostra corroborada a asserção de que, indevidamente, a inspecção preteriu meios de conhecimento e de que, como tal, se mostra infringido o dito preceito regulamentar – ao invés, mereceu tal injuntividade regulamentar respeito e consideração nos pressupostos de aferição e conclusão desse mesmo relatório.

2.3. Finalmente, advoga-se que a deliberação está ferida por não reconhecer a falta de fundamentação do relatório de inspecção e da respectiva proposta de notação que foi aprovado pela deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça, depois confirmado pelas deliberações do CSM.
Será assim?

2.3.1. O dever de fundamentação, constitucionalmente consagrado no art. 268º, 3, 2ª parte, da CRP, encontra-se regulado nos artigos 152º a 154º do CPA e constitui, como é adquirido sem dissenso, uma das mais relevantes garantias dos particulares, facilitando o controlo da legalidade dos actos da Administração Pública.

Para esse efeito, a fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo[10].

Mais de perto:

“Os cidadãos têm direito à fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses protegidos (n.º 3 [do art. 268º da CRP], 2ª parte). A fundamentação é aqui entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.

Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de direito, pois a fundamentação não só permite captar claramente a atividade administrativa (princípio da transparência da acção administrativa) e a sua correcção (princípio da boa administração), mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do acto administrativo, sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder. Em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos” [11].

Assim sendo, o dever da fundamentação expressa dos actos “é uma obrigação oficiosa da Administração que corresponde a um direito fundamental constitucional dos destinatários do ato com honras de consagração expressa no n.º 3 do art. 268º e ao mesmo tempo contribui para a melhor decisão administrativa e para a mais correta interpretação da vontade da Administração plasmada no ato. Preenche assim uma dupla função, subjetiva e objetiva, e é um adquirido constitucional na caracterização da atividade administrativa”[12]; razão pela qual a fundamentação pretende “levar ao conhecimento do destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo que o autor do ato percorreu para decidir de modo a permitir que um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato, possa compreender por que razão o autor do ato decidiu assim. O critério é o da compreensibilidade por um destinatário normal do ato colocado na posição do destinatário real” [13].
A fundamentação consiste essencialmente na expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento. Como emerge do n.º 1 do artigo 153º do CPA, a fundamentação deve, por isso, ser primordialmente expressa e sucinta, tendo para isso que ser suficiente, clara e coerente[14].

Daqui resulta que a fundamentação, lançando mão agora da jurisprudência, consiste e faz relevar:
(i) a densidade de fundamentação dos actos administrativos à luz do disposto no art. 268º, 3, 2.ª parte, da CRP e em conformidade com os arts. 151º, 1, d), 152º, 1, a), e 153º, 1 e 2, do CPA, deverá ser de teor variável em função das exigências inerentes a cada tipo de acto ou mesmo a cada caso singular, devendo nortear-se sempre pelo desiderato de proporcionar “a um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato, a compreensão das razões que conduziram o órgão decisor à decisão proferida”;
(ii) a fundamentação consiste numa expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento e, como emerge do art. 153º, 2, do CPA, deve ser clara, suficiente, coerente e contextual; sendo, em consequência, ilegal a fundamentação “obscura” – que não permite apurar o sentido das razões apresentadas –, “contraditória” – que não harmoniza os fundamentos logicamente entre si ou não conforma aqueles com a decisão final –, ou “insuficiente” – que não explica por completo a decisão tomada;
(iii) apenas releva, como vício do acto, a insuficiência da fundamentação que seja manifesta, dado que se tem como suficiente a exposição sucinta dos fundamentos e dos elementos necessários à expressão das razões do acto, apreensíveis por um destinatário normal e razoável, ou seja, aquele que seja capaz de apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.[15]

É consabido, desta forma, que a fundamentação visa a submissão dos órgãos da Administração e seus agentes a regras de direito e ao respeito por direitos fundamentais do cidadão, sendo a motivação das decisões feita em função de critérios lógicos, objectivos e racionais, que excluem a resolução arbitrária ou caprichosa, e facultam o escrutínio judicial, um dos vectores pelos quais melhor se revela a transparência e a correcção da actividade administrativa tendente ao esclarecimento dos interessados, sob pena de vício de conteúdo[16].
Desse modo, relevam, como vícios do acto, a absoluta falta de fundamentação e, por outro lado, a manifesta obscuridade, contradição (incongruência) ou insuficiência do discurso fundamentador, de acordo com o art. 153º, 2, do CPA.


2.3.2. No caso vertente há a destacar que tanto a deliberação do Conselho Permanente como a deliberação impugnada do Plenário do CSM apontaram algumas deficiências ao relatório inspectivo acima referenciado, o qual constituiu o suporte fáctico da deliberação proferida no Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça.
Porém, são inúmeras as passagens do relatório em que se descortinam aspectos negativos e depreciativos à luz dos arts. 70º, 1 e 3, do EFJ e 13º, 1 e 3, do RICOJ 2001, assim como, sucintamente, na deliberação do Plenário do COJ, os quais se mostram salientados de forma clara e facilmente apreensível, revelando o entendimento que esteve subjacente à apreciação, específica e global, do desempenho individual e a notação atribuída a final pelo COJ.  
A esse respeito, avultam, como menções detalhadas e cabalmente demonstradas:
— o facto de o Autor ser invariavelmente acompanhado por superiores hierárquicos;
— o facto de, analisado o seu volume de serviço e o seu cariz pouco complexo e rotineiro, se ter constatado uma produtividade inexistente ou muito pouco relevante, a insegurança associada ao exercício funcional, as dificuldades de comunicação e audição que apresenta e os parcos conhecimentos profissionais revelados.
Da valoração destas considerações emerge que é incontestável que a decisão impugnada bem andou em reconhecer que os elementos coligidos pelo relatório inspectivo permitiam, em conjugação com outros elementos ali elencados (como sejam a antiguidade profissional, a prévia classificação ou as ausências ao serviço), sustentar, fundadamente, a atribuição da notação conferida ao Autor.
Com efeito, é a consideração conjugada de todos estes elementos e a sua análise global que permitem perceber e justificar a avaliação feita à prestação funcional do Autor. Por recurso àquele relatório e aos elementos que nele figuram, o Conselho dos Oficiais de Justiça justificou, de modo compreensível e coerente, a razão de ser da classificação atribuída, sendo alcançáveis (e, logo, escortináveis) os motivos da decisão em ambos os instrumentos de origem da actuação administrativa.
Acresce que, como se sabe, a exigência de fundamentação deve ser “gizada à luz do princípio fundamental da adequação e/ou razoabilidade e/ou proporcionalidade, exigindo-se (…) que a mesma seja, no mínimo, suficiente, inteligível e congruente”[17]. Na verdade, como acentua invariavelmente o STA, “a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e dos destinatários do mesmo. Há que harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a sua clareza e apreensibilidade”[18].
Ora, no caso vertente, é seguro que a interpretação do discurso fundamentador da atribuição da notação permite a um destinatário normal e medianamente diligente, colocado na situação concreta, aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo[19]  seguido pelo relatório inspectivo e pelo (sucinto por adesão) acórdão do COJ[20], propiciando ao Autor – e, bem assim a este Tribunal –, a apreensão das razões que sustentaram a atribuição da questionada classificação de serviço. 
Em conformidade, não se descortinando nem absoluta falta de fundamentação nem uma manifesta insuficiência daquela e percebendo-se as razões subjacentes à decisão, cabe reconhecer que não assiste razão ao Autor quando sustenta a verificação do vício em apreço. 

Em síntese.
Não se verifica o invocado vício de violação de lei;
não se descortinam quaisquer outros vícios na deliberação impugnada;
pelo que é de improceder o pedido de anulação a que aspirava o Autor.

3. Pretende o Autor na sua impugnação que lhe seja atribuída a notação de “Suficiente” no âmbito de apreciação desta acção no STJ.
              Quid juris?

A garantia do recurso jurisdicional tem o seu assento no n.º 4 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa.
O direito ao recurso abarca, classicamente, a faculdade de formular o pedido de invalidação de um acto administrativo, com fundamento em ilegalidade. É o que decorre do n.º 1 do artigo 50º do CPTA. 
Paralelamente, como resulta do n.º 1 do artigo 3º do mesmo diploma (e em concretização prática do princípio da separação de poderes: art. 111º, 1, da CRP), a sindicabilidade das decisões administrativas não compreende a formulação de juízos de demérito ou sobre a conveniência-oportunidade da actividade da Administração, conquanto não se verifique, concomitantemente, uma ofensa aos princípios gerais que devem reger a sua actuação (art. 266º, 1, CRP)[21].
Um dos domínios em que mais prementemente importa salientar este aspecto é o das decisões respeitantes às avaliações dos Oficiais de Justiça.
Como tem sido uniformemente entendido por esta Secção, o COJ, tal como (uma vez demandado) o CSM[22], actua, nesse domínio, no campo da chamada “discricionariedade técnica”, a qual se desenvolve mediante a formulação, baseada numa apreciação livre, de juízos exclusivamente assentes na experiência e nos conhecimentos científicos e/ou técnicos do órgão decisor e em que releva a apreensão, de carácter eminentemente subjectivo, de elementos de convicção colhidos no processo inspectivo.
Não se pode, pois, solicitar ao STJ que aprecie como foram exercidos os critérios de mérito tidos como relevantes por parte do órgão da Administração, que dissinta da sua conveniência ou oportunidade ou que lhes sobreponha os seus próprios critérios avaliativos, já que tal equivaleria à apropriação de prerrogativas exclusivamente conferidas àquelas entidades e à substituição daquelas na prossecução de funções que apenas às mesmas estão legalmente confiadas[23].
Em suma, não pode nem deve o STJ, em sede de recurso, substituir-se ao Conselho Superior da Magistratura e alterar as classificações dos oficiais de justiça que, perante aquele órgão, hajam impugnado as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça.
Por isso, tem sido entendido que apenas a verificação de uma ofensa a princípios jurídicos-administrativos vinculantes, o emprego de critérios manifestamente desajustados ou a ocorrência de erro clamoroso legitimam a intervenção invalidante deste Supremo Tribunal de Justiça[24].
Não vemos razões para, neste particular caso, deixar de aderir a este entendimento.
Desde logo, impõe-se asseverar o indeferimento do recurso apresentado pelo Autor espelha uma posição do CSM que escapa à mera subsunção lógica. Trata-se de uma valoração autónoma que se traduz numa escolha entre a alternativa de manter a classificação decidida pelo COJ ou de a substituir por aquela que o impetrante pretende.
Por seu turno, é insofismável que o cerne da argumentação aduzida pelo Impugnante se reconduz à manifestação de uma discordância sobre a valoração do seu desempenho.

Pois bem.
O STJ não está habilitado a reflectir sobre o acerto ou o desacerto do juízo valorativo incidente sobre o modo como o Autor executa as suas funções. Faltam-lhe elementos relevantes sobre a avaliação feita que lhe permitam, com razoabilidade e propriedade, aquilatar se a prestação funcional do recorrente se alcandorou ao patamar exigido pela atribuição da notação de “Suficiente” ou se, ao invés, se quedou num plano classificativo inferior.
O mérito ou demérito do recorrente no exercício do seu munus profissional é avaliado por critérios qualitativos de que o STJ não pode lançar mão, pois extravasam o âmbito desta impugnação judicial e inserem-se no domínio exclusivo da administração.
Acresce, enfim, que não se detecta (nem, de resto, se alega) qualquer infracção aos princípios gerais e critérios que regem a actividade administrativa neste domínio ou de qualquer erro tão grosseiro e manifesto que justificasse a atendibilidade desta pretensão do Impugnante, que assim vai indeferida.

V) DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa.

*
Custas pelo Autor Demandante, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UCs (arts. 527º, 1, CPC; art. 7º, 1, RCP, e respectiva Tabela I-A anexa), sem prejuízo de se comprovar que beneficia de apoio judiciário.

*

Valor da acção: € 30.000,01 (artigo 34º, 1 e 2, CPTA).

STJ/Lisboa, 24 de Novembro de 2022

Ricardo Costa (Relator)

Ferreira Lopes

Maria João Vaz Tomé

Rijo Ferreira

Nuno A. Gonçalves

Pedro Branquinho Dias

Eduardo Loureiro

Maria dos Prazeres Beleza (Presidente da Secção)

SUMÁRIO DO RELATOR.



____________________________________________________


[1] V., por todos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Volume I, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 146 e ss.
[2] V. Ac. do STJ de 18/3/2015, processo n.º 111/14.5YFLSB, in www.dgsi.pt.
[3] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, com a colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, 2.ª ed., 2011, Almedina, Coimbra, págs. 429-430.
[4] Assim: Acs. do STJ de 25/5/2016, processo n.º 55/14.0YFLSB, sumariado in www.stj.pt; 4/7/2019, processo n.º 39/18.0YFLSB, 20/2/2019, processo n.º 68/18.3YFLSB, e de 24/10/2019, processo n.º 67/18.5YFLSB, sempre in www.dgsi.pt.
[5] Sobreveio, a 13/4/2021, o Regulamento n.º 339/2021 do Ministério da Justiça, o qual apenas se aplica às inspecções inscritas no plano anual inspectivo respeitante ao ano de 2021 (cfr. art. 21º).
[6] Redigida pelo próprio Autor e junta aos autos como documento n.º ....
[7] Em especial no seguinte excerto:
“Desde a última inspeção no exercício de funções o inspecionado tem vindo a demonstrar uma acentuada diminuição de produtividade e muito pouco serviço efetuado, ainda que de tarefas bastante rotineiras, simples ou de diminuto grau de dificuldade. Para essa diminuição de produtividade poderá também ter vindo a contribuir em muito o seu débil estado de saúde, facilmente percetível no contacto estabelecido com o inspecionado, e por ele também referido na sua nota biográfica individual, sendo também do conhecimento de todos com quem ele trabalhou e trabalha, que parece tratar-se de alguém com notório problema de saúde, denotando incapacidades que se traduzem numa dificuldade de comunicação e audição e que vem de encontro, quer ao referido pelos seus superiores hierárquicos nas informações prestadas e bem assim a todas as outras informações por nós colhidas junto dos colegas que com ele conviveram ou convivem no local de trabalho, que o condiciona em muito na sua vida profissional. Por isso, as tarefas que lhe são distribuídas pelos seus superiores hierárquicos obedecem a um critério de baixo grau de dificuldade e que mesmo esse tem de ser sempre visionado e "fiscalizado" pelos seus superiores hierárquicos, uma vez que muitas delas redundaram na necessidade de serem corrigidas por erróneas.”
[8] Em particular referiu-se:
“(…) verifica-se que a prestação do inspecionado foi praticamente inexistente, motivada pelos problemas de saúde de que padece, que se agravaram nos últimos tempos e se acentuaram após uma queda que lhe provocou traumatismo com perda de memória, afetando substancialmente o seu estado de saúde que já vinha de momento anterior.
(…)
Constatamos que provavelmente derivado dos problemas de saúde o seu desempenho ficou muito aquém do exigível, foi irregular, com dificuldade de aplicação de conhecimentos, deficiente preparação técnica e intelectual, falta de espírito de iniciativa e de colaboração, de brio profissional e até notações negativas na idoneidade cívica.
(…)
Cremos contudo que se trata de um caso que só terá solução no foro médico, mas que entretanto condiciona a prestação do inspecionado e a sua avaliação, sendo que in casu é a prestação que está a ser analisada (…).”
[9] Nada obsta, porém, a que, como o mesmo fito, o inspector recorra a outros elementos: neste sentido, v. o Ac. do STJ de 25/10/2017, processo n.º 16/17.8YFLSB, sumariado in www.stj.pt.
[10] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 314.
[11] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª ed., sub art. 268º, Coimbra Editora, Coimbra, 2010 (reimp. 2014), págs. 825-826.
[12] LUIZ CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2019, pág. 497; convergentes: MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed., sub art. 124º, Almedina, Coimbra, 1997 (reimp. 2006), pág. 589.
[13] LUIZ CABRAL DE MONCADA, ob. cit., págs. 497-498.
[14] V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES, ob. cit., sub art. 125º, págs. 600 e ss.
[15] V., entre tantos outros, Acs. do STJ de 30/3/2017, processo n.º 62/16.9YFLSB, 28/2/2018, processo nº 67/17.2YFLSB, 4/7/2019, processo nº 18/18.7YFLSB, e 24/06/2021, processo n.º 4/21.0YFLSB, in www.dgsi.pt.
[16] A este respeito, v. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Vol. III, ed. Autor, Lisboa, 1989, págs. 351-352, MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de direito administrativo, Lex, Lisboa, 1999, págs. 427-429.
[17] Ac. do STJ de 9/7/2015, processo n.º 51/14.8YFLSB, in www.dgsi.pt
[18] Ac. de 27/5/2009, processo n.º 0308/08, in www.dgsi.pt.
[19] V. Ac. do STJ de 12/9/2017, processo n.º 44/16.0YFLSB, in www.dgsi.pt.
[20] Fica claro neste seu excerto:
“O parecer e as duas informações juntas aos autos atribuem-lhe a notação de medíocre na maioria dos elementos de avaliação, com exceção dos elementos que se relacionam com a urbanidade e a pontualidade nos dias em que compareceu ao serviço.”
[21] JORGE DE SOUSA, “Poderes de cognição dos tribunais administrativos relativamente a actos praticados no exercício da função política”, Julgar n.º 3, 2007, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 136 e ss.
[22] No contexto da impugnação administrativa a que alude o n.º 2 do artigo 118º do aludido Estatuto dos Funcionários de Justiça.
[23] V. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, sub art. 3º, pág. 34, quando enfatizam que os tribunais administrativos “não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa”.
[24] Neste sentido, v. os Acs. do STJ de 24/2/2015, processo n.º 36/13.1YFLSB, 24/11/2015, processo n.º 34/15.0YFLSB, e de 25/10/2017, processo n.º 81/16.5YFLSB, sumariados in www.stj.pt.