Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20/14.8T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 05/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES DO TRABALHADOR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR / JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO.
DIREITO CIVIL -- RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS .
Doutrina:
- António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016 -3.ª Edição, Almedina, 367.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, em co-autoria com J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 484.
- Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, 215.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 442.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 412.º, N.º1, 662.º, N.º 1, 2 E 4, 682.º, 674.º N.º 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 128.º, N.º 1, ALÍNEA G), 349.º E 351.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19-10-1994, C.J./S.T.J. 94/3, 277.
-DE 17-11-1994, COM ANOTAÇÃO DISCORDANTE DO PROFESSOR VAZ SERRA, NO B.M.J. N.º 441- 284.
-DE 26-01-2006, PROCESSO N.º 3228/05 - 4.ª SECÇÃO.
-DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 2902/07 - 4.ª SECÇÃO.
-DE 10-11-2010, PROCESSO N.º 3411/06.4TTLSB.S1- 4.ª SECÇÃO,
-DE 03-04-2013, PROCESSO N.º 241/08.2TTLSB.L1.S1 - 4.ª SECÇÃO.
-DE 07-07-2016, PROCESSO N.º 487/14.4TTPRT.P1.S1– 4.ª SECÇÃO
-DE 10-01-2017, PROCESSO N.º 841/12.6.TBMGR.C1.S1
-DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 2902/07 - 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
I - Da conjugação do disposto nos artigos 682.º e 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil com os artigos 349.º e 351.º do Código Civil, retira-se que o Supremo Tribunal de Justiça pode exercer o controlo sobre a construção ou desconstrução das presunções judiciais, utilizadas pelas instâncias, sindicando se a utilização das mesmas violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja se o facto conhecido não está provado.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

1. AA (A.) intentou a presente ação declarativa com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB – Indústria Farmacêutica, S.A. (R.), apresentando o formulário legal.

            Realizou-se a audiência de partes, e não tendo havido conciliação, a R. apresentou o articulado de motivação, no qual alegou, em síntese:

- A A. foi admitida ao seu serviço em abril de 1988 como delegada de informação médica (DIM), funções que exercia no distrito de Aveiro.

- Para o exercício das suas funções, utilizava, além de outros equipamentos, uma viatura automóvel fornecida pela R.

- Em finais de 2011, a R. instalou um equipamento de GPS na frota automóvel dos seus trabalhadores, nomeadamente dos DIM, o que também sucedeu na viatura atribuída à R., com a matrícula -NM-, tendo feito a competente notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados.

- A R. instalou o equipamento de GPS nas suas viaturas para segurança destas e dos seus utilizadores e em ordem a verificar o cumprimento das funções dos trabalhadores externos, designadamente do horário de trabalho e dos locais das visitas por parte dos DIM, bem como para contabilizar os quilómetros pelos mesmos percorridos, quer em serviço, quer a título particular, sendo tal equipamento necessário e indispensável para tal, pois o sistema utilizado em que os DIM, inserem tais informações num sistema informático interno (CRM) não é rigoroso, tendo, por exemplo, a A. em Março de 2014 ocultado no mapa de despesas por si elaborado 110 Km percorridos a título particular, o que implica um prejuízo para a R., pois os DIM devem pagar tais quilómetros.

- As informações transmitidas pelo sistema de GPS são: a localização do veículo, a hora de início e termo da condução, os percursos efetuados, com indicação das ruas, os quilómetros percorridos e os tempos de condução e paragem.

- Não capta, nem transmite, som ou/e imagem, não se tratando de um meio de vigilância à distância.

- As informações referidas constam de um(a) portal/plataforma informática online da CC e podem ser consultadas em mapas/relatórios, tendo a R. criado um sistema de acesso limitado a três trabalhadores, enquadrando-se a utilização pela R. de tais dados com vista à verificação das declarações feitas pelos DIM no CRM, no âmbito do poder de direção do empregador.

- A partir de novembro de 2013, o GPS instalado na viatura atribuída à A. deixou e comunicar dados diariamente para o portal.

- Para verificar o que se passava a R. solicitou à empresa DD uma inspeção e para tal ordenou à A. que levasse a viatura para a sua sede nos dias 2, 3 e 4 de abril de 2014, data em que se ia realizar uma reunião de ciclo.

- A A. não cumpriu tal ordem, deixando o carro no Hotel ..., em ..., onde no dia 3 foi realizada a inspeção, na qual o técnico da DD verificou que o aparelho de GPS havia sido aberto, encontrando-se o cartão GSM queimado, o que foi feito intencionalmente pela A. que assim impediu o GPS de transmitir informações e, consequentemente a R. de confirmar as informações por si inseridos no CRM.

- Relativamente aos dias em que houve transmissão de dados pelo GPS, comparando tais dados com os inseridos pela A. no CRM, verificam-se divergências quer quanto ao número de quilómetros percorridos, quer em relação aos locais de visitas.

- Após a inspeção do dia 3 de abril de 2014, na qual foi substituído o cartão GSM e instalados selos de segurança, o GPS ficou a funcionar mas voltou a deixar de transmitir dados regularmente, sendo que em alguns dias só indicou tempo parado, noutros constam os quilómetros percorridos com indicação dos percursos e noutros não constam os percursos.

- Perante tal situação, a R. mandou efetuar nova inspeção que ocorreu no dia 8.5.2014, na qual o técnico verificou que os selos de segurança não haviam sido violados e apontou como possível causa da anomalia o uso de técnicas de “jamming”, tendo sido instalado um segundo GPS.

- Até 27.5.2014, o 1.º GPS continuou a não transmitir dados completos, mas nos dias em que houve transmissão de dados os mesmos divergem dos declarados pela A. no CRM., sendo que entre os dois dispositivos de GPS as diferenças constatadas são de 1 ou 2 quilómetros. Comparando os dados declarados pela A., com os transmitidos pelo GPS nos dias em que existem dados, a R. concluiu que aquela faltou 149 horas e 7 minutos ao trabalho, o equivalente a 18 dias de faltas injustificadas, e ainda que incumpriu as ordens e instruções recebidas relativamente ao horário e local de trabalho, bem como relativamente ao preenchimento com verdade do sistema CRM, incluindo o mapa de despesas e comunicação dos quilómetros particulares para reembolso, e ainda a ordem de levar o carro para as instalações da R. aquando da reunião de ciclo.

- E finalizou, sustentando que a A. com a sua conduta quebrou a relação de confiança imprescindível à subsistência da relação laboral, ocorrendo justa causa para o despedimento, opondo-se, em qualquer caso, à reintegração da A., alegando que redistribuiu as suas funções e instrumentos de trabalho, estando neste momento totalmente adaptada à nova realidade, sendo o seu regresso gravemente perturbador do funcionamento da empresa.

2. A Autora apresentou contestação/reconvenção, aduzindo, em síntese:

- O processo disciplinar e a presente ação baseiam-se exclusivamente nas informações recolhidas pelo GPS instalado no veículo que lhe foi entregue para o exercício das suas funções e que sendo a utilização de tal equipamento ilícita porque trata de um meio de vigilância à distância proibido pelo artigo 20.º do Código de Processo do Trabalho, é ilegítimo o recurso àquelas informações, devendo ser desvalorizadas como meio de prova.

- A instalação do sistema de GPS pela R. não foi como devia autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e a utilização dos dados pela R. visa controlar o desempenho dos DIM e viola os direitos de personalidade destes, designadamente o direito à reserva da intimidade da vida privada, pois que o sistema de GPS não está ligado apenas durante o tempo de trabalho, não são apenas 3 os trabalhadores que têm acesso aos dados e há “fugas de informação”, tendo sido divulgado um e-mail a todos os delegados com os dados de GPS de cada um dos veículos, e ocorrido comentários numa reunião sobre a vida amorosa de alguns trabalhadores por causa da divulgação desses dados.

- A R. dispõe de outros mecanismos para lhe permitem verificar a atividade dos DIM e as suas declarações como, por exemplo, o número de vendas, o contacto com médicos e clínicas e o acompanhamento no campo feita pelas chefias da equipa de vendas que é feito com regularidade.

- Os DIM recebem semanalmente mapas de produtividade, rankings de venda, médias de visitas que lhe são enviadas pelo chefe nacional de vendas.

- A R. não instalou GPS nos veículos de todos os trabalhadores, nem dos quadros superiores e impôs à A. e seus colegas tal instalação, sob pena de ficarem impedidos de trabalhar e de ganhar o seu sustento, sendo que a A. ainda assim manifestou o seu desagrado perante os seus superiores.

- A R. acusa-a de danificar o equipamento de GPS, impedindo o seu funcionamento e a transmissão de dados e, simultaneamente, de forma contraditória, recorre a tais informações para lhe imputar o incumprimento das suas ordens relativamente ao horário e local de trabalho.

- Ao longo de 26 anos de serviço, a A. nunca foi alvo de qualquer queixa por declarar falsas visitas ou alterar dados relativos aos quilómetros de serviço e aos quilómetros privados, e o seu trabalho e competência sempre foram apreciados pelas chefias que até a escolheram para acompanhamento e formação dos DIMs estagiários e nunca questionaram a sua honestidade e retidão, sendo uma das melhores e mais antigas DIMs, tendo alcançado ao longo da sua carreira vários prémios de produtividade.

- Sempre cumpriu escrupulosamente o seu dever de inserção dos dados no sistema CRM, no que diz respeito à sua atividade diária e semanal, nomeadamente as visitas, despesas, quilómetros de serviço e particulares.

- A R. não lhe ordenou que levasse a viatura para as instalações da sua sede na reunião de ciclo de abril de 2014, a fim de proceder à inspeção do equipamento de GPS e, por isso, no segundo dia deixou o carro no hotel, como habitualmente, deslocando-se para as instalações da R. no veículo de um colega.

- A R. imputa-lhe a autoria dos danos no GPS sem qualquer fundamento sério, apenas com base no facto de ser fumadora, sendo que na 2.ª inspeção não foram encontrados quaisquer sinais de violação da integridade do sistema e este continuava a não funcionar corretamente, sugerindo-se nesse relatório uma peritagem adicional para perceber a origem do problema que a R. não realizou apesar de na resposta à nota de culpa também a ter requerido, tendo efetuado apenas uma nova inspeção com substituição da antena e respetivas extensões.

- Existiram problemas de funcionamento noutros equipamentos de GPS instalados em veículos de trabalhadores da R., tendo esta instaurado mais 4 processos disciplinares por falhas de comunicação, todos com contornos idênticos.

- Os equipamentos de GPS podem deixar de funcionar por variados motivos, nomeadamente devido às condições meteorológicas e outros fenómenos atmosféricos como explosões solares e para tal também terá contribuído a trepidação do veículo e a fraca sustentabilidade da placa de suporte do equipamento.

- Não existe qualquer dado sério que aponte para a sua intervenção no mau funcionamento ou danificação do GPS e o que a R. pretendeu com o procedimento disciplinar foi “livrar-se” dela por ser uma trabalhadora com um salário base elevado e uma postura reivindicativa que se insurgia contra as ordens da R. que contrariavam as normas e limites impostos pela legislação à atividade de informação médica.

- E igual sorte teve o trabalhador FF que também era um trabalhador “ caro” e “proactivo” incómodo para a Ré.

- Surpreendentemente ao colega EE, a R. imputando-lhe factos semelhantes, aplicou-lhe apenas uma sanção de suspensão, por força do carácter primário da infração, sendo que ela e o FF também nunca haviam sido alvo de procedimentos disciplinares anteriores.

- O despedimento sem qualquer motivo justificativo causou-lhe enorme angústia e sofrimento, vendo-se agora num quadro de grande preocupação relativamente ao seu futuro e dos seus filhos, pois com a sua idade teme não encontrar novo emprego, situação que se tem refletido nas suas relações pessoais, não tendo vontade de conviver com os amigos, filhos e outros familiares.

E concluindo pela ilicitude do seu despedimento pede a respetiva reintegração, bem como o pagamento das retribuições intercalares, contestando igualmente a oposição à reintegração requerida pela R., alegando que não se verificam os pressupostos legais e que por força da natureza da atividade nem sequer há uma convivência no mesmo espaço com os responsáveis da R. que promoveram o seu despedimento, reclamando ainda devolução da quantia de € 35,68, que a R. lhe descontou indevidamente a título de compensação com custos de recolha dos instrumentos de trabalho, bem como o pagamento de € 15.000,00 a título de indemnização por danos morais.

3. Realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que declarou lícito o despedimento da Autora, julgando improcedentes todos os pedidos formulados, condenando-se apenas a R. a restituir-lhe a quantia de € 35,68 que lhe descontou, indevidamente, a título de custos com a recolha dos instrumentos de trabalho.

 4. A A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação.

A autora/apelante juntou, com as alegações de recurso, “a deliberação n.º 1015/2015, da Comissão Nacional de Proteção de Dados, datada de 23.06.2015, ao abrigo do disposto no artigo 425.º do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 1.º/2 do Código do Processo de Trabalho, por não ter sido possível a sua junção até ao encerramento da discussão nos presentes autos”.

O Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 2015/12/16, deliberou admitir a junção aos autos, em sede de recurso, do documento que constitui a deliberação n.º 1015/2015, da CNPD, e notificá-la para, no prazo fixado, informar se já proferiu deliberação final no processo n.º 17851/2011, conforme o teor da alínea b) da sua deliberação n.º 1015/2015, de 2015/06/23.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados respondeu, apresentando o expediente de fls. 808 a 824, constituído por ofício de apresentação, suas Deliberações n.º 1015/2015 (de 2015.06.23) e n.º 1565/2015, de 2015.10.06, e sua Autorização n.º 11891/2015, de 2015.12.03, todas reportadas à ré/recorrida, BB – Indústria Farmacêutica S.A..

Na sequência desse expediente enviado pela CNPD e nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, o relator proferiu despacho a ordenar a notificação da ré para juntar aos autos cópia certificada do teor das notificações enviadas à CNPD, em 24 de Novembro de 2011 e 18 de Novembro de 2015, respetivamente, relativas à utilização do GPS.

Finalmente, o Tribunal da Relação proferiu acórdão que decidiu:

1. Julgar a apelação parcialmente procedente, no que se reporta à impugnação da matéria de facto, alterando-se a mesma, nos termos supra descritos, ou seja, dão-se como não provados os pontos 24. e 53. da matéria de facto da sentença e altera-se a redação do ponto 23.

2. Julgar a apelação parcialmente procedente, no que se reporta ao mérito da causa, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão que condena a ré:

- A reconhecer a ilicitude do despedimento da autora;

- A reintegrá-la na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

- A pagar-lhe as retribuições que a autora deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, a liquidar em execução de sentença.

- A pagar-lhe os juros de mora, vencidos e vincendos, sobre todas as quantias em dívida, desde a data do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento. 

3. – No mais, mantém-se a sentença recorrida.

As custas do recurso de apelação são a cargo da autora e da ré, na proporção de 15% e 85%, respetivamente.

 

5. Inconformada com esta decisão, a R. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª A Recorrente é uma empresa que se dedica ao comércio de produtos químicos e farmacêuticos.

2ª Enquanto Delegada de Informação Médica, a Recorrida dedicava-se a promover e a divulgar os produtos da Ré no distrito de Aveiro, visitando médicos e farmácias.

3ª No exercício das suas funções, a Autora, aqui Recorrida, tinha de registar manualmente no sistema CRM toda a sua atividade diária, semanal e mensal, designadamente as visitas efetuadas, as ausências ao trabalho, as despesas e o planeamento das suas visitas futuras.

4ª Na sequência dos factos ocorridos em 2010 (8.000 quilómetros não declarados pelos DIM), a Ré decidiu instalar equipamentos de GPS nos veículos da sua frota automóvel.

5ª Para o exercício das suas funções, que implicavam deslocações de localidade em localidade, foi atribuída à Autora um veículo automóvel, tendo sido instalado no mesmo um equipamento de GPS monitorizado pela empresa DD.

6ª É do pleno conhecimento dos DIMs, logo também da A., que as informações transmitidas pelos GPS instalados a bordo são mapeados e comparados com as inseridas no referido CRM.

7ª Só se um DIM apresentar diferenças mensais superiores a 200 quilómetros entre o que ele próprio faz constar do CRM e o que o GPS do carro que lhe foi atribuído transmite é que a Recorrente vai comparar detalhadamente os dois registos para se encontrar a razão do erro/discrepância. Caso contrário faz-se uma análise “macro”.

8ª A viatura atribuída aos DIM, logo à A., é um meio de transporte para os locais das visitas, mas não o seu local de trabalho.

9ª A Ré definiu as regras para a utilização dos dados recolhidos pelo GPS.

10ª Deu conhecimento das mesmas aos trabalhadores, incluindo à Autora.

11ª Implementou um modelo de acesso aos dados do GPS restrito a 3 trabalhadores, os quais acedem aos dados mediante a introdução de uma password e username que só eles mesmos conhecem.

12ª Fez a notificação da instalação do GPS à CNPD no dia 24 de novembro de 2011.

13ª Para efeitos dos artigos 20.º e 21.º do CT, a instalação do GPS naqueles automóveis não determina a autorização prévia da CNPD nos termos do artigo 28.º, da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro.

14ª A utilização do GPS só se iniciou a partir da notificação do tratamento de dados à CNPD.

15ª As informações recolhidas pelos equipamentos de GPS instalados nos veículos dos DIM são transmitidas sem qualquer intervenção humana para uma plataforma informática online da CC onde podem ser visualizadas consultas em relatórios/mapas.

16ª Chamada a averiguar em finais de 2013 se a Ré estava a atuar dentro do quadro normativo de proteção de dados e depois de fazer uma peritagem ao sistema e demais diligências que entendeu necessárias, a CNPD concluiu não haver prova do contrário, sabendo que os dados transmitidos pelo GPS eram mapeados e comparados com os inseridos pelos colaboradores no relatório mensal de despesas.

17ª A 10 de dezembro de 2013 a CNPD proferiu a deliberação n.º 1788/2013 na qual determinou que “Porém, como decorre do acervo fático dado como assente e o que foi possível demonstrar após as diversas diligências probatórias realizadas, a entidade participada só começou a efetuar o tratamento dos dados recolhidos através do sistema GPS após a notificação à CNPD. Nessa medida mostram-se respeitados os comandos legais vigentes, como se retira da literalidade do n.º 1 do citado art.º 37 – As entidades que, por negligência, não cumpram a obrigação de notificação à CNPD do tratamento de dados pessoais… - o qual aponta apenas e tão só para a obrigação de notificação. […] Em presença do expedido, por falta de prova bastante que elucide alguma violação do quadro normativo de proteção de dados, nada mais resta que não seja arquivar os autos.”

18ª A CNPD entendeu (e bem) que o tratamento dos dados colhidos do GPS apenas dava lugar ao cumprimento do dever de notificação previsto no artigo 27.º, da Lei nº 67/98.

19ª A Autora manifestou perante os seus superiores o seu desagrado e desconforto pela instalação do GPS na viatura auto de serviço que lhe foi distribuída.

20ª Em data anterior ao dia 3 de abril, a Recorrente apercebeu-se de que o equipamento de GPS instalado no veículo atribuído à Autora não estava a transmitir dados.

21ª E solicitou à empresa DD uma inspeção àquele GPS, a qual teve lugar no dia 3 de abril de 2014.

22ª A Ré foi informada pela DD de que o GPS não comunicava dados porque a gaveta do cartão GSM estava deslocada e o cartão queimado.

23ª Em maio de 2014 iniciou-se o processo disciplinar contra a Autora por factos ocorridos, essencialmente, entre novembro de 2013 e maio de 2014 e imputou-se-lhe (porque era a única utilizadora daquele veículo e porque era a única interessada na não transmissão de dados) a autoria de, pessoalmente ou por interposta pessoa a seu mando, ter mexido na gaveta do cartão GSM, ter encavalitado o cartão e de o ter queimado, impossibilitando a transmissão de dados para o portal.

24ª A Autora foi despedida com justa causa em setembro de 2014.

25ª Nesta data não havia sido proferida qualquer outra deliberação da CNPD dirigida à Ré, para além da já referida deliberação n.º 1788/2013, de 10 de dezembro de 2013.

26ª No dia 15 de setembro de 2014 a Autora deu início aos presentes autos na 1ª secção do Trabalho do Tribunal da Comarca de Aveiro sob o n.º 20/14.8T8AVR, ali pedindo para ser declarada a ilicitude do seu despedimento, com as legais consequências, entre as quais a sua reintegração.

27ª No dia 15 de junho de 2015, a 1ª Instância fixou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.

28ª No dia 23 de junho de 2015, a CNPD proferiu a deliberação n.º 1015/2015 no âmbito do processo n.º 3063/2015 que teve início com uma queixa apresentada contra a aqui Ré.

29ª A sentença proferida pela 1ª Instância decidiu que o GPS instalado pela Ré na frota automóvel utilizada pelos delegados de informação médica, logo o GPS colocado na viatura distribuída à A., considerando o respetivo modo de funcionamento e a forma como aqueles desenvolvem a sua atividade, não pode ser considerado um meio de vigilância à distância, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 20º e 21º do código do trabalho.

30ª E concluiu pela licitude da instalação do sistema de GPS nas viaturas atribuídas aos DIM, bem como pela utilização dos dados recolhidos para aferir do seu cumprimento do respetivo período normal de trabalho e da conformidade das declarações pelos mesmos inseridas no CRM relativas aos locais visitados e aos quilómetros percorridos.

31ª E ainda que “[…] os danos que o dispositivo de GPS apresentava no dia 3/4/2014, que constam no respetivo relatório e foram confirmados pelo referido técnico, “gaveta do cartão mal colocada e cartão GSM danificado, queimado”, são consequência de uma intervenção humana intencional e não decorrentes de quaisquer fenómenos atmosféricos ou devidos à trepidação do veículo ou à pressão da bagagem colocada na mala do carro […]”.

32ª E também que “Como assim, tendo-se como certo que o aparelho de GPS foi danificado por intervenção humana atribuímos essa intervenção à A. ou a alguém a seu mando, pois era ela a responsável pelo veículo e só ela tinha habitualmente acesso ao mesmo, já que trabalhava sozinha na região de Aveiro e, além disso, mais ninguém tinha interesse em que o GPS não funcionasse bem. Apurou-se que a Ré tinha uma chave do veículo na sede, mas esta não tinha qualquer interesse em danificar o GPS e nem no dia da inspeção a usou, tendo ido pedir a chave à A.”.

33ª A 1ª Instância julgou improcedentes todos os pedidos formulados pela Autora que assentavam na ilicitude do despedimento, deles absolvendo a Ré. 

34ª A sentença foi notificada às partes no dia 6 de julho de 2015.

35ª No dia 3 de setembro de 2015, foi elaborado pela CNPD o projeto de deliberação n.º 36/2015 no âmbito do processo 17851/2011.

36ª A 6 de outubro de 2015, 4 anos volvidos sobre a notificação de 24 de novembro de 2011, a CNPD proferiu a deliberação n.º 1565/2015, no âmbito do processo 17851/2011.

37ª A deliberação da CNPD n.º 1565/2015 contradiz, ignora, é incompatível e está em clara oposição com a deliberação n.º 1788/2013 de 10 de dezembro de 2013. Em 2013 a CNPD afirmou que se mostravam respeitados os comandos legais vigentes, que apontavam apenas e tão só para a obrigação de notificação e, por isso, ordenou o arquivamento dos autos; enquanto que em 2015, não obstante a inexistência de uma qualquer alteração factual na utilização dos equipamentos de GPS entendeu não autorizar a Ré a utilizar os equipamentos de GPS instalados na sua frota automóvel.

38ª No domínio da mesma legislação e perante os mesmos, precisamente os mesmos factos, a CNPD adotou soluções, diametralmente, opostas e conceptual e praticamente incompatíveis sobre a mesma questão de direito.

39ª Após o convite feito às empresas do Grupo GG para submeter novo formulário de substituição do formulário enviado em 2011, a Ré enviou a 18 de novembro de 2015 uma nova notificação para a CNPD, preenchendo o novo formulário disponível no seu site, o que deu origem ao processo n.º 17493/2015.

40ª Foi proferida pela CNPD a autorização n.º 11891/2015.

41ª Diferente da 1ª instância foi o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido na medida em que julgou a apelação procedente e condenou a Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento da A., ali Apelante, a reintegrá-la na empresa, a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado e a pagar-lhe os respetivos juros de mora sobre as quantias em dívida, na medida em que na sequência da impugnação da matéria de facto e considerando não verificados os requisitos da presunção judicial proclamada pela 1ª instância, deu como não provada a matéria de facto referida no ponto 53, ficando a Ré sem suporte fáctico para a alegada violação da alínea g), do artigo 128.º, do CT e, por consequência, desapossada do fundamento para a justa causa de despedimento.

42ª A Relação concluiu que a Ré não cumpriu o dever de informar corretamente a CNPD sobre a entidade encarregada do processamento da informação, baseando-se ainda num caso completamente fortuito para alegar que os dados recolhidos pelo GPS não eram confidenciais.

43ª Sobre a qualificação do sistema de GPS como um meio de vigilância à distância, para efeitos do artigo 20.º, do CT, apoiada na Deliberação da CNPD n.º 7680/2014, a Relação concluiu que a Ré podia localizar a Autora no período não laboral, o que implicava uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada da autora, tratando-se de matéria sujeita às considerações previstas nos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho.

44ª Concluindo de igual sorte que os dados transmitidos pelo GPS não podiam ser utilizados pela Ré como meio de prova em sede de processo disciplinar, nem na respetiva ação de impugnação judicial de despedimento.

45ª A Relação ampliou ilicitamente a matéria de facto provada.

46ª Na medida em que antes da ampliação da matéria de facto os autos já asseguravam por forma inteiramente assertiva que, no caso concreto, à data da decisão disciplinar e à data da decisão da matéria de facto, a Recorrente havia atuado dentro do quadro normativo de proteção de dados, conforme confirmado pela CNPD na deliberação 1788/2013, de 10 de dezembro de 2013 que apontava tão só para a mera notificação do tratamento de dados, o que se verificou.

47ª Ora, a lei só permite que as Relações anulem as decisões recorridas ao abrigo do disposto no artigo 662º n.º 2 alínea c) quando não constarem do processo todos os elementos probatórios que lhes permitam a reapreciação da matéria de facto impugnada (pontos 24, 31 e 53 da matéria de facto).

48ª O que não ocorreu in casu, visto que não apenas os autos já continham toda a prova necessária à prolação de uma decisão de mérito, como também porque para a reapreciação desta concreta matéria de facto impugnada em nada contribuiu a matéria de facto ampliada.

49ª A reanálise do ponto 24 baseou-se apenas nos depoimentos das testemunhas HH, II, JJ e KK.

50ª O ponto 31 não foi reanalisado, na medida em que o meio de prova documental indicado pela Autora para impugnar este ponto foi considerado manifestamente insuficiente para que a Relação pudesse formar qualquer convicção positiva ou negativa sobre a sua pretendida alteração.

51ª A reanálise do ponto 53 baseou-se apenas numa questão de direito: a presunção judicial prevista nos artigos 349º e 351º do código civil, baseada nos depoimentos das testemunhas LL, MM e NN.

52ª De resto, sendo os factos ampliados posteriores ao processo disciplinar, ao início dos presentes autos, a todas as audiências de discussão e julgamento e até à decisão da matéria de facto, a Relação não poderia aplicar retroativamente as deliberações 1015/2015 e 1565/2015 para concluir pela ilegalidade do uso dos GPS pela Recorrente.

53ª O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode exercer censura sobre o uso que as Relações fazem do poder de ampliação da matéria de facto, se para tanto deva concluir pelo uso ilegal do poder de ampliação da matéria de facto conferido à Relação pelo artigo 662.º do CPC, anulando-a.

54ª Para além de ter feito um uso ilegal dos poderes que lhe são conferidos, a matéria ampliada pela Relação padece de inverdades e de omissões.

55ª Sobre o facto n.º 80 a Relação omite que a notificação da CNPD é de 3 de setembro de 2015.

56ª Nunca em momento anterior ao dia 3 de setembro de 2015 a Ré havia sido notificada para identificar fosse quem fosse como entidade subcontratada.

57ª O projeto de deliberação notificado à Recorrente a 3 de setembro de 2015 não pode, no presente caso, constituir a base da fundamentação da Relação para concluir pela ilegalidade da utilização do GPS.

58ª A Relação omite que aquando da substituição do formulário, enviando um novo formulário em novembro de 2015, a Recorrente identificou as entidades subcontratadas para o processamento dos dados, a Vodafone e a DD.

59ª Sobre o facto n.º 83, a Relação omite que as finalidades escolhidas são aquelas que lhe são permitidas escolher, uma vez que a própria CNPD, como se de um legislador se tratasse, limita as possibilidades de escolha no formulário que disponibiliza no seu site com base na sua própria deliberação 7680/2014.

60ª É totalmente infundado o referido no facto n.º 84 acerca da exclusão dos veículos utilizados pelos delegados de informação médica. A autorização n.º 11891/2015 nunca se refere aos delegados de informação médica.

61ª É infundado o referido no facto n.º 85. Não se sabe sequer de onde foi retirada tal afirmação, não o foi certamente da autorização n.º 11891/2015.

62ª O GPS instalado na viatura atribuída à Autora como instrumento de trabalho não é um meio de vigilância à distância no local de trabalho nos termos e para os efeitos dos artigos 20º e 21 do Código do Trabalho.

63ª A instalação do GPS não está dependente de autorização da CNPD.

64ª O equipamento de GPS instalado pela Recorrente no veículo atribuído à Autora não fiscaliza a produtividade, não capta, nem controla o desempenho profissional da Autora, não identifica os médicos visitados, não permite ver o que a Autora fazia, não permitia ouvir a Autora, não filma, não faz vídeos, nem capta som ou imagem.

65ª O GPS instalado pela Recorrente não controla o desempenho dos DIM, logo o da A., uma vez que tal equipamento não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efetuadas pela Autora, nem identificar os respetivos intervenientes.

66ª O GPS não controlou in casu, por exemplo, se a Autora promoveu corretamente um medicamento junto dos médicos que visitava, não controlou se a Autora indicava a dosagem ou a composição correta do medicamento que estava a promover, não controlou se a Autora utilizava o folder corretamente, etc.

67ª A Recorrente supervisiona e dirige a atividade desenvolvida dos DIM, logo da A., através de estudos de vendas e da produtividade de cada um, bem como das médias das visitas, mapas de produtividade e rankings de vendas e não através do GPS.

68ª O equipamento de GPS que a Recorrente instalou nas viaturas atribuídas aos DIM apenas permite verificar a localização aproximada do veículo, mas não permite saber o que eles fazem em cada momento.

69ª Se a Autora estacionasse numa determinada rua não se ficaria a saber se estacionou em frente ao n.º 1 dessa rua ou ao n.º 50, não se ficaria a saber se entrou no consultório médico ou se foi ao café, não se ficaria a saber sequer se a visita a efetuar não seria noutra rua paralela ou perpendicular e se só ali conseguiu estacionar, não se ficaria a saber onde foi.

70ª Os dados que o GPS transmite não interferem na reserva da intimidade da vida privada, tal como se encontra prevista no art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa.

71ª O equipamento de GPS que a Recorrente instalou nas viaturas dos DIM transmite apenas as seguintes informações: hora de ignição e paragem do veículo, locais de partida e de chegada, com indicação dos nomes das ruas e localidades (sem número de polícia), e calcula a distância percorrida, a velocidade média, o tempo de marcha e o tempo parado.

72ª No caso dos autos, o aparelho instalado no veículo da Autora apenas disponibilizava informação sobre a localização aproximada desse mesmo veículo e sobre os trajetos percorridos, pelo que estando destinado a ser utilizado para o exercício das funções laborais da trabalhadora e com estas características não se vislumbra como poderia alguma vez determinar a ingerência na sua esfera privada, exceto se a mesmo fizesse um uso abusivo ou inapropriado do veículo, caso em que seria a própria a permitir essa ingerência em aspetos particulares da sua vida privada.

73ª A informação proveniente do equipamento de GPS não releva, nada tem a ver, com o tratamento de “dados pessoais” tal como o seu conceito é definido pela lei, mas sim com o tratamento de “dados impessoais” ou “não pessoais”, posto que referidos a uma coisa, não a uma pessoa.

74ª Admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que a recolha e tratamento das informações proporcionadas pelo aparelho traduziriam o tratamento dos tais dados pessoais definidos pelas alíneas a) e b), do artigo 3.º, da Lei nº 67/98, de 26 de outubro, sempre se teria de concluir que os dados colhidos do GPS não são dados pessoais sensíveis com tratamento sujeito a autorização prévia, mas, outrossim, dados pessoais não sensíveis, sujeitos a mero registo de notificação.

75ª Estando a viatura atribuída ao DIM associada às necessidades de serviço, por definição está desde logo afastada a hipótese da realização de um qualquer controlo da vida privada de quem quer que seja e por quem quer que seja.

76ª A instalação dos equipamentos de GPS naquelas viaturas e o subsequente tratamento desta informação não tem por objeto dados sensíveis relativos à vida privada dos DIM nem afeta os seus direitos, liberdades e garantias. 

77ª Tal como consta da factualidade provada no processo disciplinar instaurado à Autora, a Recorrente apenas apreciou o número de quilómetros percorridos e aqueles que eram registados pela trabalhadora no sistema CRM, assim como o tempo de trabalho efetuado, não se tendo escrutinado o modo como aquela desempenhava as suas funções, quem visitava, em que locais o fazia ou como procedia de forma a informar os profissionais de saúde dos produtos farmacêuticos disponibilizados pela Ré.

78ª Sendo o veículo automóvel disponibilizado pela Recorrente uma ferramenta, absolutamente, indispensável ao exercício das funções de que a Autora estava incumbida e sendo o seu custo integralmente suportado por aquela, é inteiramente razoável que a Recorrente adote as medidas indispensáveis à gestão dos meios que disponibiliza de forma racional; e que assegure que estes meios sejam canalizados para o exercício das funções profissionais e não para quaisquer outros fins, já que um uso não eficaz deste recurso pode determinar um prejuízo substancial para a Ré num universo de dezenas de veículos.

79ª Em data anterior ao início do processo disciplinar que culminou com o despedimento da A., a CNPD verificou que a Recorrente cumpriu a única obrigação legal existente, isto é, a de notificação prévia àquela entidade, concluindo que não ocorreu nenhuma violação do quadro normativo de proteção de dados.

80ª Também nenhuma ilegalidade se extrai da utilização do GPS como meio de prova.

81ª Sendo o conceito de subordinação jurídica a pedra de toque que conforma a relação laboral, demais que no âmbito de uma relação tão volátil e frequentemente penosa ao nível da fiscalização e controlo quanto é a que a Recorrente estabelece com os DIM que emprega, a utilização do equipamento de GPS tem subjacente razões objetivas de elementar diligência, quer no âmbito da verificação do pontual cumprimento dos deveres do trabalhador emergente do contrato de trabalho, quer as relacionadas com a própria natureza e utilidades que as mercadorias transportadas claramente determinam.

82ª Sem o sistema de GPS nas viaturas de serviço distribuídas aos DIM, a Recorrente não pode controlar de modo eficaz as informações que aqueles fazem constar dos relatórios no CRM, designadamente no relatório mensal de despesas, contendo o resumo das deslocações e visitas efetuadas no período anterior, bem como a contabilização das despesas inerentes.

83ª A Recorrente supervisiona e dirige a atividade desenvolvida pelos DIM, o seu desempenho, através de estudos de vendas e da produtividade de cada um, bem como da média de visitas, mapas de produtividade e ranking de vendas, não tendo o GPS qualquer interferência nestes dados. 

84ª Só esporadicamente, cerca de duas vezes por trimestre, os chefes regionais acompanham os DIM nas visitas.

85ª Contrariamente ao decidido pela Relação, devem ser considerados os factos provados nos pontos 41, 52, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 que tiveram o seu fundamento nos registos do GPS e não foram sequer impugnados pela Autora.

86ª Na hipótese de as informações transmitidas pelo GPS constituírem dados pessoais, as obrigações da Recorrente perante a CNPD confinavam-se ao cumprimento da notificação para registo, não a um pedido de autorização prévia.

87ª No caso concreto, não se aplica o artigo 28.º, da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, nem qualquer outra disposição legal que obrigue à concessão de autorização prévia, o que se reporta também aos artigos 20.º e 21.º, do Código do Trabalho.

88ª Deve concluir-se que a atuação da Recorrente se pautou pelo rigoroso cumprimento do quadro normativo da proteção de dados, assim como pelo cumprimento da única deliberação da CNPD anterior aos factos, a deliberação 1788/2013, sendo, no caso concreto, irrelevantes as deliberações posteriores a 15 de junho de 2015, data da decisão da matéria de facto.

89ª A deliberação 7680/2014 não é Lei, mas apenas uma mera recomendação da CNPD. O processo legislativo é soberano e não pertence à CNPD.

90ª A deliberação 7680/2014 é posterior aos factos e não tem aplicação retroativa.

91ª Não obstante, a Recorrente adotou desde a instalação dos equipamentos de GPS medidas que vão ao encontro do teor da deliberação 7680/2014 de 28 de outubro de 2014.

92ª A consulta dos dados transmitidos pelo GPS para a plataforma informática depende da introdução de uma password e username conhecidos apenas por três colaboradores da Recorrente que não são superiores hierárquicos dos visados, nem fazem parte do departamento de recursos humanos da empresa, respeitando-se as mais elementares regras para que os dados recolhidos através do GPS permaneçam em segurança e longe do conhecimento de terceiros.

93ª O GPS é utilizado para gestão da frota automóvel da Recorrente numa atividade que implica serviço externo, com a finalidade concreta de proteção de bens atendendo à carga que transportam: um DIM distribui amostras de medicamentos que transporta no carro (considerados materiais perigosos e apetecíveis aos olhos de um ladrão – as amostras transportadas a bordo daquelas viaturas constituem mercadoria farmacêutica de natureza sensível e muito apetecível para fins não terapêuticos), e aferição do cumprimento das ordens e instruções da entidade empregadora por confronto com os dados preenchidos pelo próprio trabalhador no CRM.

94ª Na reapreciação da matéria de facto impugnada a Relação defende que a 1ª Instância fez uma aplicação errada dos artigos 349º e 351º do CC, não podendo presumir que teria sido a Autora a danificar o GPS.

95ª Está em causa neste ponto o facto provado n.º 53.

96ª A 1ª instância considerou (e bem) que a decisão a tomar acerca da quebra dos deveres de lealdade e da relação de confiança entre patrão e empregado, dependeria da prova a produzir sobre se o mau funcionamento do GPS se devia a uma falha técnica do equipamento ou a uma intervenção intencional da Autora.

97ª Tendo concluído que: “A A., […], danificou ou mandou danificar o aparelho de GPS instalado na sua viatura, provocando o mau funcionamento do mesmo no período de 1.11.2013 a 2.4.2014.

É que a A. era a única responsável pelo veículo, se os danos fossem na parte externa do aparelho podiam ter ocorrido sem uma intervenção intencional, mas o que se provou foi que a gaveta onde se encontrava o cartão GSM foi aberta e o cartão danificado, o que implica uma ação dolosa para impedir o regular funcionamento do equipamento.”

98ª Tal conclusão deriva de um raciocínio perfeitamente lógico, que não ofende nem colide com qualquer norma legal ou com os factos provados e não provados.

99ª O que está em causa é concluir pela causa dos danos provocados num aparelho que está instalado nas costas do banco traseiro (na bagageira) e que é composto por diversos componentes (entre os quais uma gaveta na qual é colocada um cartão GSM) protegidos por uma caixa metálica totalmente fechada e aparafusada ao referido banco.

100ª Este aparelho foi exibido fisicamente no Tribunal de Aveiro, já não na Relação.

101ª A base da presunção a que chegou o tribunal recorrido tem toda a sua lógica e razão de ser.

102ª Os danos verificados foram consequência de uma intervenção humana e não de fatores externos, como quaisquer fenómenos atmosféricos ou devidos à trepidação do veículo ou à pressão da bagagem colocada na mala do carro.

103ª O GPS estava a funcionar sem problemas/avarias (sem falhas técnicas, defeitos, vícios da coisa) nos outros veículos da frota da Recorrente (e de outras frotas) com as mesmas configurações.

104ª Para danificar o cartão GSM foi necessário abrir o aparelho, retirar o cartão, danificá-lo e voltar a introduzi-lo.

105ª O GPS só não funcionou corretamente enquanto a Autora não teve conhecimento de que lhe havia sido instaurado um processo disciplinar.

106ª A Autora era a única utilizadora e responsável pelo veículo no qual estava instalado aquele concreto aparelho de GPS.

107ª Trabalhava diariamente sozinha na região de Aveiro.

108ª A Autora tomou conhecimento desta instalação e do procedimento interno definido pela Recorrente para a sua utilização numa reunião realizada a 5/1/2012, na qual manifestou perante os seus superiores o seu desagrado e desconforto com tal instalação.

109ª Os serviços centrais da Recorrente nos quais está guardada a 2ª chave do veículo localizam-se em ... (região de Lisboa),

110ª A Autora deslocava-se para junto das instalações da Ré apenas aquando das reuniões de ciclo realizadas trimestralmente;

111ª No restante tempo o veículo permanecia na região de Aveiro;

112ª Ninguém mais tinha interesse em danificar o cartão do GPS senão a própria Autora,

113ª A Autora era a única interessada em impossibilitar a Ré de confrontar os dados transmitidos pelo GPS com os que a Autora preenchia no sistema CRM;

114ª Nem mesmo no dia da inspeção foi utilizada a chave suplente do veículo, tendo sido solicitada a chave principal à Autora,

115ª Os danos não se verificaram na parte exterior do GPS (na caixa metálica), mas sim no seu interior, o que não ocorreria sem uma intervenção humana, intencional e dolosa que impediu o seu regular funcionamento.

116ª O GPS deixou de funcionar em data muito anterior ao dia da inspeção de Abril de 2014 e não neste dia. O cartão não foi queimado neste dia.

117ª Se alguém tivesse visto a Autora a danificar o GPS não seria necessário fazer uso de qualquer presunção, porque simplesmente deixaria de ser um facto presumido.

118ª Por tudo o que resultou provado não se pode concluir (e presumir) senão pelo facto de a 1ª instância ter feito um uso correto, legal e lógico das presunções judiciais.

119ª A presunção a que chegou a 1ª instância no sentido de que teria sido a Autora, ou alguém a seu mando, a mexer intencionalmente no aparelho de GPS instalado na sua viatura e abrindo a gaveta onde se encontrava o cartão GSM, danificando-o, provocando o seu mau funcionamento, não ofende qualquer norma legal, não padece de nenhuma ilogicidade, nem parte de factos não provados.

120ª Porque a presunção judicial foi aplicada corretamente, dúvidas não podem subsistir acerca da autoria dos danos causados no GPS, o que se imputa à Autora e é fundamento bastante para se concluir pelo seu despedimento com justa causa.

121ª Por causa deste comportamento, a Recorrente deixou de ter ao seu dispor o único meio eficaz para verificar os percursos e quilómetros declarados pela Autora no CRM e a Recorrida bem o sabia.

122ª Dificilmente se encontrará uma situação tão ou mais violadora da relação de confiança que a Recorrente tem que ter numa DIM que diariamente trabalhava sozinha, que lidava com a classe médica como primeiro rosto da Recorrente e que deveria falar sempre com verdade acerca do exercício das suas funções e do cumprimento das ordens e instruções da Recorrente.

123ª O facto de a Autora exercer funções diariamente sozinha e no exterior da empresa obrigava-‑a a um esforço acrescido para demonstrar que cumpria os seus deveres e que o fazia de forma transparente, rigorosa e na defesa dos interesses da Recorrente.

124ª O facto de a Autora estar ao serviço da Recorrente desde 1988 torna a situação mais grave por representar uma ainda mais significativa quebra de confiança, atenta a má-fé característica da conduta da A. de todo incompatível com o prosseguimento das suas funções.

125ª Porque é patente que a relação laboral ficou definitivamente comprometida por factos exclusivamente imputados à Recorrida, a aplicação da sanção disciplinar de despedimento por justa causa da Autora foi lícita e inteiramente adequada à gravidade dos factos por aquela cometidos.

126ª O douto Acórdão recorrido violou os artigos 349.º e 350.º do Código Civil, enquanto que ilibou a Recorrida da autoria direta ou indireta dos danos provocados no equipamento de GPS instalado na viatura auto de serviço que a Recorrente lhe havia distribuído.

127ª     E transgrediu igualmente o art.º 351.º do Código do Trabalho, enquanto jugou ilícito o despedimento de que se trata, na medida em que não considerou que a atuação da Autora configurou uma infração disciplinar por violação do dever de conservação e boa utilização do GPS previsto no art.º 128.º alínea g) do Código do Trabalho.

128ª Violou igualmente (por excesso) o artigo 662.º n.º 2 alínea c) do CPC, na medida em que para arribar à conclusão a que chegou procedeu a uma ampliação da matéria de facto inútil e desadequada, enquanto que o processo já continha todos os factos necessários à justa composição do litígio.

129ª Praticando desta sorte um ato inútil em contravenção do disposto no artigo 130.º do CPC.

130ª Aplicou de forma desadequada os arts. 20.º e 21.º do Código do Trabalho, pois que o GPS não pode ser considerado um meio de vigilância à distância, na medida em que não controla o desempenho do trabalhador no exercício da sua atividade profissional.

131ª Aplicou erradamente, in casu, o art.º 28.º, da Lei 67/98, de 26 de Outubro (Lei da Proteção de Dados - LPD), ao sujeitar, à data dos factos, a entidade empregadora a um procedimento de controlo prévio do tratamento de dados do GPS (art.º 28.º da LPD), quando a referência legal à data, tendo em conta o tratamento de dados e as suas circunstâncias, seria a mera obrigação de notificação à CNPD, nos termos do artigo 27.º da LPD.

132ª Interpretou ainda a atuação da entidade empregadora no que respeita aos procedimentos de autorização do GPS junto da CNPD ao abrigo de uma norma que não existia à data dos factos relevantes para a decisão, e logicamente sobre a qual a entidade empregadora não poderia nunca pautar a sua atuação, o que configura uma violação ao princípio da não retroatividade, previsto no artigo 12.º do Código Civil.

6. A A. contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:

1) Vem a Recorrente interpor recurso de revista do douto Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto exarado em 07 de dezembro último que, em síntese necessariamente apertada, revoga parcialmente a sentença recorrida, reconhecendo a ilicitude do despedimento da Autora, reintegrando-a na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, pagando-lhe as retribuições que deixou, entretanto, de auferir acrescidas de juros de mora.

2) Cumpre sublinhar que o aresto em questão não merece, à respondente, nenhum reparo, sendo esse, no mais, o fito do presente esforço argumentativo, almejando-se que o esforço recursório empreendido pela Recorrente mais não visa do que deturpar a imagem da trabalhadora, aqui Recorrida, perante a Superior Instância.

3) Seguindo a estrutura do esforço recursório envidado pela Recorrente, cumpre analisar a questão atinente à ampliação da matéria de facto por banda do Tribunal da Relação. No que a esta matéria concerne – e, de resto, como a própria recorrente começa por admitir, os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça limitam-se à apreciação da matéria de direito, ficando a factualidade limitada àquela conhecida, em tempo – e concomitantemente fixada – pelas instâncias.

4) Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

5) Assim, e nessa linha de raciocínio, tal exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais. 

6) É perspícuo concluir que esta douta instância não pode sufragar se a matéria de facto foi, bem ou mal, ampliada mas, doutra sorte, apenas sufragar se há ou não necessidade de ampliação da matéria de facto para aplicação do direito ao caso concreto, razão pela qual não pode admitir-se, nesta parte, o presente esforço recursório.

7) Ainda que assim não se entenda, a Recorrente esgrime que, à data da alegada prática dos factos, se encontrava um vigor a deliberação nº 1788/2013, segundo a qual a utilização do equipamento de localização à distância se bastava com a mera notificação do tratamento de dados, que se verificou. Sendo, no mais, as restantes deliberações datadas de momento posterior, razão pela qual, da perspetiva da recorrente, não poderiam ser carreadas aos autos. Sucede que ao Tribunal da Relação não poderia caber outra tarefa que não a de ampliar a matéria de facto de molde a acomodar estas novas deliberações.

8) Haja, de resto, em linha de conta que as deliberações em questão – que tanto a Recorrente parece querer branquear – têm estreita ligação aos direitos fundamentais dos trabalhadores visados, que sempre serviam (e serviram) para adequar o tratamento jurídico e factual da matéria em questão e, concomitantemente, da posição – sobejamente mais carente de tutela – do trabalhador.

9) O raciocínio ora excogitado entronca no mobilizado nº 2 do artigo 662º, CPC, que foi consideravelmente alterado na reforma legislativa do Código de Processo Civil operada em 2013. De facto, compulsada a exposição de motivos que acompanhou a proposta de Lei nº 113/XII, é perspícuo sublinhar que salientou o desiderato do legislador em reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além dos poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”. O fito é, pois e sempre, o da verdade material, sendo essa a batuta pela qual se deve medir o juízo julgador.

10) Não pode, outrossim, olvidar-se que os documentos juntos aos autos o foram em tempo – considerando o disposto nas disposições conjugadas constantes dos artigos 425º e 651º, CPC, dos quais não pode fazer-se letra morta.

11) Haja em linha de conta o que, aqui, não pode escamotear-se e que se encontra plasmado não só na Constituição da República Portuguesa, como também na lapidar Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conforme infra, noutra sede, se dará o devido detalhe.

12) De resto, não só os novos meios de prova se assomam necessários como absolutamente indispensáveis à justa composição do diferendo. Não sendo assim, basta aferir do resultado a que haveria lugar sem a apreciação de tais documentos.

13) Como é amiúde reconhecido pela jurisprudência mais aturada dos Tribunais Superiores, em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva), quando se destinem a pr... factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância. Ora, e em verdade, os factos carreados aos autos – v.g., as deliberações da Comissão Nacional de Proteção de Dados (doravante apenas CNPD) sobre esta mesma matéria – são, como indica a própria recorrente, verdadeiramente novos.

14) Com efeito, da articulação lógica entre o artigo 651.º, n.º 1, do CPC e os artigos 425.º e 423.º, do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional – sendo esse elemento novo, justamente, o entendimento renovado, sobre a mesmíssima matéria em dissídio pela própria CNPD.

15) Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva.

16) Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado – como é o presente caso.

17) Neste caso (superveniência subjetiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis – sendo, reforça-se, esse o caso dos autos.

18) Nestes termos, ressumbra evidente ser perfeitamente admissível a leitura feita pelo Tribunal recorrido, tendo por base os documentos – novos mas admissíveis – oportunamente juntos.

19) Faz-se, no mais, notar, que não se admitindo tal possibilidade, as garantias da trabalhadora arguida em sede de processo disciplinar sairiam manifestamente beliscadas podendo, no mais, ferir além das suas garantias inerentes a essa qualidade como, doutra sorte, os mais lapidares princípios de direito material como o do caso julgado.

20) Acresce que a recorrente, ainda que alvitre que a lei “dispõe apenas para o futuro”, fazendo parecer que as deliberações da CNPD são lei, acaba por concluir, em momento posterior, que não o são. Ora, a Recorrente não pode defender uma coisa e o seu contrário.

21) “A Comissão Nacional de Proteção de Dados é uma entidade administrativa independente com poderes de autoridade, que funciona junto da Assembleia da República. Tem como atribuição genérica controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei. A CNPD coopera com as autoridades de controlo de proteção de dados de outros Estados, nomeadamente na defesa e no exercício dos direitos de pessoas residentes no estrangeiro” – realces da autoria do signatário.

22) Se é certo que não é legislador – não se lhe podendo, por conseguinte, de aplicar o artigo 12º, Código Civil (doravante apenas CC) – não é menos certo que, admitindo-se essa laboriosa tese urdida pela banda da Recorrente, não pode escamotear-se o disposto na parte final do nº 2 daquele artigo 12º, CC. Com efeito, refere aquele preceito que “quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

23) A propósito, refere Abílio Neto, na senda do propugnado por Savigny que: “quando uma lei nova vem suprimir um tipo de situação jurídica até ali admitido [como é, indiscutivelmente, o caso dos autos], há que distinguir conforme a lei nova tenha em vista o meio de chegar a essa situação ou, ao contrário, o conteúdo e efeitos da mesma. Esta última hipótese é assimilável àquelas leis que regem os efeitos de uma situação jurídica, pelo que se aplica imediatamente às situações jurídicas preexistentes daquele tipo, para lhes pôr termo; neste caso, as conceções da lei opõem-se à própria existência dos direitos e deveres que constituem o conteúdo típico de uma certa situação jurídica, ou o interesse geral, tal como concebido pela lei nova, opõe-se à subsistência de certos vínculos criados à sombra do instituto que o legislador decidiu suprimir (com Savigny, diremos que estamos em presença de uma lei relativa à existência e natureza de uma situação jurídica ou de um instituto jurídico). Assim, a lei que veio abolir a escravatura queria, sem dúvida, aplicar-se às situações anteriores. Da mesma forma, uma lei nova, que por o considerar nocivo à boa gestão dos bens, viesse suprimir o usufruto, convertendo os usufrutos existente em rendas vitalícias, não seria retroativa, pois seria uma lei relativa ao conteúdo de certo tipo de relações jurídicas” – cf. NETO, Abílio, Código Civil Anotado, 17.ª Edição Revista e Atualizada, Abril 2010, Ediforum, Lisboa, anotação ao artigo 12.º, p. 27; realces da autoria do signatário.

24) Quanto ao não enquadramento do GPS como meio de vigilância à distância para efeitos dos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho, parte a recorrente da premissa segundo a qual o GPS não pode ser considerado um meio de vigilância à distância para efeitos no disposto nos artigos 20.º e ss., Código do Trabalho (breviter CT). Ora, é perspícuo referir que tal pressuposto não tem qualquer acolhimento jurídico ou fáctico.

25) A CNPD não só proibiu a Recorrente do tratamento de dados de geolocalização, como também a proibiu de utilizar os dados pessoais recolhidos após a notificação de 24 de Novembro de 2011, no âmbito da predita deliberação lograda no processo nº 17851/2011.

26) Ora, cabe, em primeira linha, sublinhar que a utilização do aparelho GPS é (apenas) um dos meios de que a Recorrente dispunha para controlar o trabalho da trabalhadora/recorrida e para confirmar os dados por esta inseridos manualmente no CRM.

27) Cumpre sublinhar que um aparelho conhecido vulgarmente como “GPS tracker” contém, em geral, para além de um recetor de GPS, um módulo de comunicações que, através da utilização de uma diferente tecnologia (eventualmente GPRS), permite a transmissão dos dados obtidos pelo recetor para a empresa que instala e controla o aparelho, sendo os mesmos facultados, em tempo real, a quem contratou essa empresa através da utilização de um simples computador com ligação à internet, o que permite o acesso ao sítio da empresa e a obtenção dos dados que para ela vão sendo enviados.

28) Estes aparelhos e as tecnologias que os mesmos utilizam permitem conhecer, pelo menos, a localização instantânea e precisa do veículo em que se encontram instalados, o percurso pelo mesmo efetuado, os tempos e locais de paragem, o período de funcionamento do motor e a velocidade a que o automóvel circula, podendo propiciar ainda, se tal for pretendido, a obtenção de um leque muito mais alargado de dados, a transmissão de mensagens escritas e o bloqueio da circulação da viatura – cf. a este propósito a detalhada exposição envidada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13/04/2016 e relatado por Carlos Almeida, disponível em www.dgsi.pt.

29) Já no espectro do direito penal se coloca amiúde a questão de saber se um meio de obtenção de prova com estas características, é, entre nós, permitido, dada a ausência de lei que legitime a sua utilização, delimite os crimes que a admitem, estabeleça o procedimento a adotar e fixe a competência para autorizar o seu uso e controlar todo o procedimento que tiver lugar.

30) Ora, e em abono da melhor interpretação, a melhor jurisprudência vem defendendo que “a resposta a esta questão deve ser negativa, em primeiro lugar porque um aparelho de geolocalização, no caso, um “GPS tracker”, é um meio oculto de investigação que, por isso mesmo, só poderia ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção de prova legítimo e regulasse todos os referidos aspetos do seu regime”. Mais se aventando que “não se compreenderia que a localização celular de um telemóvel estivesse sujeita aos apertados limites traçados pelos artigos 252.º-A e 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a geolocalização através de meios muito mais precisos fosse admitida sem qualquer limitação e sem controlo.”

31) Concluindo-se, pois, que a “utilização destes aparelhos, pelo sistemático e permanente registo de dados que propicia, cujo tratamento permite, e pela natureza dos mesmos, é suscetível de violar a vida privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem instalados”, tanto mais que “o conceito de vida privada é amplo e embora seja insuscetível de uma exaustiva definição, o seu conteúdo «vai para além dos estreitos limites inerentes à ideia anglo-americana de privacidade, que põe a ênfase no secretismo da informação pessoal e no recato do ato», abrangendo muitos âmbitos que extravasam a habitação e os domínios privados, atingindo mesmo «a zona de interação de uma pessoa com os outros, mesmo num contexto público»”, sendo que, “para além da violação deste direito fundamental, protegido pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, o artigo 35.º, n.º 3, da Lei Fundamental impede que os dados obtidos através desses aparelhos sejam objeto de tratamento informático, a não ser nos casos ressalvados na parte final desse preceito, o que constitui uma forma indireta de proteger a própria privacidade”, devendo “entender-se que é proibida a valoração dos registos obtidos através dos dois geolocalizadores instalados pela assistente nos seus veículos sem consentimento dos utilizadores dos mesmos, nem autorização da CNPD. É o que resulta do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. (…) A utilização dos dois geolocalizadores nas indicadas condições determina, como se disse, a proibição de valoração dos registos através deles obtidos, podendo também «contaminar a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova»”.

32) No que, concretamente concerne à questão laboral, não pode ser alheia uma consideração assaz evidente: a jurisprudência em que se estriba a recorrente é – salvo o devido respeito, que é muito – manifestamente desfasada da hodierna realidade.

33) Veja-se o Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 03/03/2016, relatado por Manuela Fialho, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual: “a utilização de um equipamento GPS num veículo, que tem por finalidade – provada- controlar o trabalho do A., não é permitida por se tratar de um meio de vigilância à distância.

Deste modo, todas as provas obtidas pela utilização do mesmo e que se reportem ao controlo do desempenho profissional do trabalhador são ilícitas”.

34) Acrescenta Maria Regina Redinha que “o conteúdo útil do preceito não se esgota neste meio eletrónico” (referindo-se a vídeo vigilância), estendendo-se a previsão normativa “a qualquer forma de controlo e/ou fiscalização à distância do trabalhador através de equipamentos técnicos”, sendo este o caso também dos mecanismos automóveis que gravam distâncias percorridas (Direitos de Personalidade, www.cije.up.pt/download-file/198).

35) Salienta ainda a mesma Autora que os dados resultantes da utilização de meios tecnológicos de vigilância são dados pessoais, estando enquanto tal sujeitos, subsidiariamente, ao respetivo regime jurídico – Lei nº. 67/98, de 26 de outubro. Aliás, a Lei n.º 67/98 no seu artº. 4º, nº 4, chama a si a disciplina da videovigilância e de outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens.

Parece-nos, efetivamente, que a realidade, se fosse absolutamente claro que a lei só se referia a meios de captação de imagem e som – e não parece que seja-, ultrapassou a previsão normativa, porquanto, conforme emerge do acervo factual e acima já citámos, o aparelho utilizado nos autos permite ao empregador saber a hora de início e de fim da viagem, local de partida e de chegada, distância percorrida em quilómetros, velocidade, tempo de marcha e tempo parado, bem como se os delegados de informação médica se encontram numa certa localidade, dando a localização aproximada, sendo um dos meios de que a R. dispõe para controlar o trabalho do A..

Ou seja, permite saber onde está, quando está e como está (parado ou em andamento).

36) É para nós evidente que a lei pretende proteger o trabalhador de intromissões tendo em vista o controlo do seu desempenho profissional. Quanto a esse tipo de intromissões não afasta qualquer meio. A referência que o nº 3 faz a determinados equipamentos, como requerendo certos avisos, significa que, quanto aos meios permitidos, ainda assim, a situação deve ser acautelada. E, tratando-se daqueles concretos meios, porque muito intrusivos, impõe-se alertar para o funcionamento dos mesmos. Mas trata-se, ainda assim, de cautelas relativas a meios que tenham por finalidade exclusiva proteger a segurança de pessoas e bens ou impostos por particulares exigências inerentes à natureza da atividade. Tratando-se, como no caso concreto, de utilização de um equipamento que tem por finalidade – provada- controlar o trabalho do A., o mesmo nunca é permitido.

37) É, pois, perspícuo concluir que a leitura feita pela Recorrente é uma leitura manifestamente afastada das novas e hodiernas realidades, havendo que considerar- se – como, no mais, o faz a melhor (e mais atualizada) jurisprudência, que a utilização do GPS se assoma um meio de vigilância à distância, portanto, proibido. Sendo, ademais, de sublinhar – como, no mais, já o faz o Tribunal Recorrido, estribando-se na melhor doutrina – que, e cita-se, “o trabalhador não é um vassalo do empregador e assiste-lhe sempre o direito à sua vida privada, sem ingerências ilegítimas deste e a não estar a ser constantemente controlado”.

38) Soçobrando este meio de prova – quer do ponto de vista estritamente laboral, quer do ponto de vista sancionatório – terá de soçobrar toda a construção em que assentam quer o presente esforço recursório, quer o cotejo de todos estes autos.

39) Finamente, é imperativo trazer à colação nestes autos a legislação internacional dominante, que, como se sabe, integra o direito nacional, nos termos constitucionalmente previstos designadamente em sede do n.º 1 do artigo 8.º, CRP. Com efeito, o nº 1 do artigo 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante apenas CEDH) estabelece que qualquer pessoa tem direito à sua vida privada e familiar. Já no ordenamento jurídico da União Europeia, o artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia impõe o «respeito pela vida privada e familiar, pelo seu domicílio (…)» estando consagrado no artigo 8.º da mesma Carta e no artigo 16.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia o direito à proteção dos dados pessoais.

40) Conforme supra se deixou antevisto, prevê o artigo 8.º, CRP a aplicação no ordenamento jurídico nacional das normas de direito internacional, encontrando-se ínsito um princípio de receção automática, ao qual deve acrescer – encerrado naquela mesma disposição legal – um princípio do primado do direito da União Europeia.

41) Ora, aceitar a leitura da Recorrente – id est, a da ilicitude da utilização do GPS – mais não seria do que uma afronta aos direitos de personalidade e garantias de defesa da trabalhadora, aqui recorrida, que afrontam não só o direito interno mais, ademais e outrossim, o direito internacional.

42) Acresce, ademais, que a Constituição da República Portuguesa (doravante apenas CRP), no catálogo formal dos direitos, liberdades e garantias, prevê o direito à reserva da vida privada e familiar e à proteção legal contra qualquer forma de discriminação (artigo 26.º), enquanto expressão da dignidade da pessoa humana, consagrada no seu artigo 1.º, bem como o direito à proteção dos dados pessoais (artigo 35.º), sendo certo que a formula utilizada pelo legislador constitucional não é, de todo, inopinada. Com efeito, deve entender-se como tratamento “não apenas a individualização, fixação e recolha de dados, mas também a sua conexão, transmissão, utilização e publicação”, enquanto que dados, entendidos como “representação convencional de informação, sob a forma analógica ou digital, possibilitadora do seu tratamento automático (introdução, organização, gestão e processamento de dados) ” – tudo conforme entendimento de CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital, in Constituição da República Portuguesa Anotada – artigos 1º a 107º, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 35º, p. 550.

43) Acrescendo, ainda, que a CRP determina serem nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (artigo 32.º, n.º 8).

44) A tutela genérica prevista na Lei Fundamental expande-se – para o que aqui importa - ao direito infraconstitucional, designadamente aos artigos 2.º e 5.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, que consagram princípios nucleares em matéria de proteção de dados, firmando-se que o tratamento de dados se deve processar «de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias»; ao Código do Trabalho (CT) que contém, também, disposições específicas relativas à tutela dos direitos de personalidade, as quais são expressão da tutela constitucional e civilística dos direitos de personalidade do trabalhador no quadro da relação laboral, com especial destaque para o direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 16.º, do CT, e para proteção de dados pessoais dos trabalhadores, consagrada no artigo 17.º, do CT – normas aplicáveis também às relações laborais públicas, por força da alínea b), do n.º 1, do artigo 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

45) Nestes termos, qualquer decisão diversa daquela vertida no acórdão controvertido vilipendiaria os mais elementares princípios de direito internacional, direito constitucional e direito infra constitucional, razão pela qual não pode, desta sorte, admitir-se.

46) Não pode admitir-se, ademais, a construção segundo a qual o aparelho não se encontra habilitado a localizar a trabalhadora. Não só o faz, como é profundamente falacioso que o controlo exercido seja um controlo normal da atividade da trabalhadora sujeita a relação jurídico-laboral pautada pela subordinação a um poder de direção. O que, aliás, apenas agravaria o quadro traçado, considerando a franca discrepância – ou, melhor se dirá, desigualdade de armas – compulsada a posição material de trabalhador e entidade empregadora.

47) Na verdade, como se encontra provado sobejamente nos autos, a Recorrente poderia localizar 24 horas por dia e 7 dias por semana os veículos usados pelos seus delegados de informação médica – e isto, quaisquer que fosse os fins para os quais era o veículo usado: fins meramente profissionais ou, mesmo, para os fins pessoais (aqui se incluído os períodos de férias, fins de semana, e períodos fora do seu horário flexível) – o que, como se sabe, lhe era permitido, assim sendo possível elaborar um perfil comportamental dos seus trabalhadores, incluindo o da ora respondente. É, de resto, na vida pessoal da trabalhadora que deve colocar-se o acento tónico: são estes os dados sensíveis – os da sua vida privada, repise-se, e não, como parece fazer crer a Recorrente, os relacionados com a vida laboral da trabalhadora.

48) Relativamente à legalidade da utilização do GPS como meio de prova em processo disciplinar a ora respondente não replicará o já, noutra sede, deixou dito.

49) Ora, se o processo penal e os processos sancionatórios de natureza administrativa são dirigidos, respetivamente, por um terceiro imparcial ou por uma autoridade adstrita a imperativos de estrita legalidade e objetividade, sendo-lhes ainda inerente uma lógica de “autossuficiência”, pois, relativamente ao seu objeto, mesmo em caso de recurso, a última palavra é ditada no seu seio e apenas com base nas provas produzidas no seu seio, ao invés, o procedimento disciplinar laboral é um procedimento privado (e interno) da empresa. Em caso de impugnação do despedimento, o empregador encontra-se vinculado pelos factos e motivos invocados no procedimento disciplinar, devendo todas as provas ser ali apresentadas.

50) Porém, como, aliás entende este Supremo Tribunal, “enquanto conjunto ordenado de atos dirigido à eventual aplicação de uma sanção, o procedimento disciplinar laboral pode considerar-se um processo (em sentido amplo) de natureza sancionatória, sendo-lhe extensíveis as garantias do art.º 32.º, n.º 10, da CRP, mas não pode subvalorizar-se que o mesmo tem natureza privada, é levado a cabo por um dos sujeitos de uma relação jurídica obrigacional (que visa realizar fins próprios/privados) e culmina sempre num “ato de parte”, ato que nas situações mais graves configura tipicamente uma declaração resolutória (como é o caso do despedimento). (…) A observância das garantias de defesa deve ser objeto de uma apreciação global, que transcenda uma análise centrada em cada fase, ato ou diligência atomisticamente considerados, sendo certo que é na ação de impugnação que essencialmente se consolidam tais garantias, tendo em conta os imperativos de imparcialidade, objetividade e contraditório que inerem ao processo judicial” – cf. o aresto do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25/09/2014, relatado por Mário Belo Morgado e disponível em www.dgsi.pt; realces da autoria do signatário.

51) Ora, sendo um processo de natureza sancionatória – ainda que essa natureza se assome peculiar – não é menos certo que valem, nessa sede, as garantias do arguido – ali, melhor se dirá trabalhador arguido – designadamente as constitucionalmente previstas.

52) Trata-se, afinal, não apenas de mobilizar direitos de personalidade mas, doutra sorte, de mobilizar as garantias de defesa que a qualquer arguido assistem – em processo sancionatório de natureza pública ou de natureza privada, como o presente.

53) Mais se diga que não se trata de mobilizar um direito de personalidade para inquinar um processo disciplinar mas, isso sim, de se encontrar esse procedimento disciplinar ferido de invalidade por desrespeito dos direitos de personalidade da trabalhadora nele arguida, porque baseado em prova invalidade recolhida, não podendo tal facto sobejar ignorado sob pena de, no limite, eivar uma decisão ao arrepio dos mais elementares princípios do direito: o despedimento de uma trabalhadora (ilícito, de resto) baseado num processo de jaez sancionatória não estribado nas mais elementares regras de direito.

54) Seria, aliás, necessário que o procedimento disciplinar em questão apenas curasse sobre a atividade profissional da trabalhadora arguida – o que, já se viu, não sucede porquanto versa também, e ademais, sobre a sua vida privada (v.g. fora do horário de trabalho) – sendo, aliás, esse o cerne da questão e que aqui surge amplamente ignorado pela Recorrente. 

55) Sobre a atuação da Recorrente dentro do quadro normativo da proteção de dados e da aplicação retroativa das deliberações da CNPD proferidas em 2015 cumpre apenas referir que, efetivamente, em 24 de novembro do ido ano de 2011, a Recorrente notificou a CNPD de que iria instalar equipamentos de GPS nas viaturas distribuídas aos seus trabalhadores.

56) À data era certo – como, entretanto, não deixou de sê-lo – que essas mesmas viaturas poderiam ser por estes usadas não apenas no âmbito da sua atividade profissional, como também, e ademais no âmbito da sua vida pessoal.

57) Admite a própria Recorrente que os referidos aparelhos “apenas permitem localizar o veículo em tempo real, referenciando-o em determinado espaço geográfico”.

58) Ora, não pode admitir-se o argumentário segundo o qual essa localização não se assoma exata, na medida em que, como indica a própria Recorrente – que transcreve os dados recolhidos – permite estabelecer um certo padrão comportamental e, concomitantemente, os trajetos, paragens e locais frequentados pela Recorrida.

59) Dados esses que, da perspetiva da Recorrente, seriam de acesso condicionado e, ademais, transmitidos, sem qualquer intervenção humanada para uma plataforma on-line.

60) Ora, não pode dizer-se que o acesso a esses dados seja de tal forma condicionado que impeça a respetiva devassa.

61) Acresce, outrossim, que a recolha de tais dados se assomava, sempre, desnecessária, atenta a circunstância de existirem, à disposição da Recorrente, outros dados de controlo da atividade da trabalhadora que, de resto, eram anteriormente por esta utilizados, tendo, inclusivamente, sido utilizados cumulativamente ao GPS.

62) Acresce que aquilo a que a Recorrente chama de “pleno conhecimento” poderá, na realidade, não corresponder a uma “plena consciência” daquilo que implica a utilização – melhor se dirá, a sujeição a - de um aparelho desta natureza.

63) Haja em linha de conta, desde logo, os avanços tecnológicos inerentes a este tipo de tecnologia – que vão além do entendimento de um cidadão médio. Haja, outrossim, em linha de conta a posição do trabalhador na relação laboral – que é, como se sabe, uma relação de subordinação.

64) Rebela-se a Recorrente quanto à aplicação da deliberação tomada pela CNPD em data posterior ao processo disciplinar.

65) Olvida, contudo, a Recorrente que a CNPD faz uma interpretação atualista da lei, designadamente do que concerne à conjugação do disposto nos artigos 20.º e 21.º, Código do Trabalho e, ademais, a própria Lei de Proteção de Dados Pessoais, designadamente o disposto no seu artigo 7.º, n.º 1, sendo de recordar que, nos termos do artigo 9.º, Código Civil, essa interpretação está conforme à letra da lei e é, ademais, o reflexo do pensamento jurídico hodierno, em unidade com o sistema jurídico atual – vejam-se, desde logo, as nobéis decisões que já se carrearam a estes autos.

66) Acresce que, e ainda que as deliberações da CNPD não tenha caráter de lei – o que, aliás, não se escamoteia – não pode, em momento algum, vilipendiar-se a circunstância de a decisão em questão ser uma decisão de estribo manifestamente mais favorável que, a ser assim, sempre teria de carrear-se à colação num processo desta natureza, v.g., que assenta num processo de natureza sancionatória, ao qual é extensível o princípio constitucional da aplicação retroativa da lei mais favorável não se restringe à lei penal substantiva, devendo ser alargado às normas processuais penais de natureza substantiva, ou quase substantiva.

67) No que concerne ao tratamento de dados pessoais, cumpre, numa derradeira linha de argumentação, carrear à colação a melhor jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – como, de resto, o faz a própria CNPD – designadamente no aresto Amann v. Switzerland, onde veio estender o conceito de “vida privada”, sufragando que este não poderia ser interpretado restritivamente”, “não subsistindo qualquer razão de princípio que justifique a exclusão de atividades de natureza profissional ou negocial.”

68) Finalmente, no que concerne ao argumento segundo o qual a autorização requerida se destinava à gestão e proteção da frota – sempre tão “apetecível” nas palavras da Recorrente – cumpre referir que este argumento não poderá merecer acolhimento.

69) De facto, não pode olvidar-se que a Recorrente notifica a CNPD para um tratamento em tudo similar mas indicando, como finalidade, a gestão de frota em serviço externo para transporte de mercadorias e a participação criminal em caso de furto. Sobre esta nova finalidade, cumpre referir que se trata não mais do que de uma forma encapotada de tentar alcandorar o mesmo desiderato que, com os anteriores pedidos, visava.

70) Na verdade, apesar de concedida a autorização, não pode omitir-se que a CNPD não deixa de emitir um conjunto de deveres e limites, sublinhando que os dados recolhidos “não podem ser usados para controlo do desempenho do trabalhador nem para qualquer outra finalidade” e que “apenas os veículos adstritos ao transportes de mercadorias estão abrangidos pela autorização nº 11891/2015, para a finalidade indicada em (i), o que não incluirá os veículos utilizados pelos delegados de informação médica. Para a finalidade indicada em (ii) o acesso a quaisquer dados está bloqueado, só podendo ser aberto o acesso para efeitos de participação criminal, por furto da viatura”.

71) Posto isto, a posição carreada aos autos pela própria CNPD reforça e confirma a posição já firmada pela Recorrente em sede de impugnação da matéria de facto. É, com efeito, perspícuo sublinhar que, apenas os veículos afetos ao transporte de mercadorias, e nunca os veículos utilizados pelos DIM, estão abrangidos pela autorização. Acresce ainda que se encontra também vedado o acesso ao sistema para efeitos de controlo do desempenho do trabalhador, apenas podendo ser aberto o acesso quando em causa estiver participação criminal mercê de furto de viatura. Daqui ressumbra – com a acuidade que se dispensa sublinhar – que, mesmo que lançando mão de um expediente que – ressalvado o devido respeito, que é muito – se assoma de forma encapotada de controlo dos seus trabalhadores, a Recorrida não logrou os seus intentos, tendo esbarrado no entendimento da CNPD – que é, no mais, entendimento partilhado pela ora Respondente, e isto, pese a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento da testemunha NN.

72) Assim sendo, sobeja concluir que a utilização do aparelho de GPS num veículo que tem por finalidade provável controlar um trabalhador não pode ser permitida por se tratar de um meio de vigilância à distância – entendimento que, repise-se, é partilhado pela Recorrente e pela própria CNPD e que não pode deixar de merecer o acolhimento deste Tribunal.

73) Nesta senda, a única conclusão que daí pode extrair-se – e a única possível em sede de apreciação do esforço recursório envidado – é aquela segundo a qual todas as provas obtidas com recurso à utilização desse sobredito meio, por se reportarem ao controlo do desempenho profissional do trabalhador são ilícitas, não podendo, pois, ser objeto de qualquer valoração por parte deste Tribunal.

74) Sobre a apreciação do caso concreto à luz da deliberação da CNPD nº 7680/2014, cumpre à Respondente esclarecer que a CNPD, lançando mão, como faz, daquela deliberação procura esclarecer os diversos entendimentos sobre a matéria que perpassavam no ordenamento jurídico, àquela data.

75) Esclareceu, bem entendido, que a instalação de aparelhos GSP era apenas admissível em gestão de frota em serviço externo e para proteção de bens. Em nenhum dos casos se enquadra a Recorrente. E isto por muito que esta apelide a sua atividade de apetecível.

76) Sobre a utilização no caso concreto das presunções judiciais, sustenta a Recorrente, em síntese necessariamente e para o que aqui importa – que pode presumir-se ter sido a trabalhadora, aqui Recorrida, a autora de qualquer dano no cartão GMS – o que faz partindo de um (suposto) raciocínio lógico-dedutivo do qual poderia extrair a autoria material de tal (alegado) ato. Ora, cumpre sublinhar que tal é manifestamente vexatório.

77) É lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões, essas, que constituem matéria de facto, como tal alheia à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça”.

78) Ora, e como bem refere a Recorrente, “não cabendo ao Supremo usar (ele próprio) de presunções judiciais, o que o Supremo poderá censurar é a decisão da Relação que, no que respeita a conclusões ou ilações de factos, infrinja o apontado limite, designadamente quando o uso de tais presunções houver conduzido à violação de normas legais, isto é decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções” – cf. o Aresto datado de 18/12/2003, relatado por Ferreira de Almeida e disponível em www.dgsi.pt; realces da autoria do signatário.

79) Ora, o que a Recorrente pretende não é a sindicância do uso da presunção em si mesma mas, isso sim, a apreciação da autoria do dano no cartão GMS – o que, manifestamente, consubstancia matéria de facto, não sindicável por esta douta instância.

 80) Acresce que, na senda deste Supremo Tribunal, é ainda perspícuo trazer à colação o seguinte: se ao Supremo Tribunal de Justiça, em regra, apenas está cometida a reapreciação de questões de direito, assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria e se a sua intervenção na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC, o que exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais. Não é menos certo que não lhe está, porém, vedado legalmente verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados”.

81) Nas palavras de Abrantes Geraldes, “conquanto nem sempre resulte explícita a sua intervenção na formação da convicção, as presunções judiciais constituem um mecanismo necessário para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos”.

82) Por conseguinte, além de nada obstar ao uso de presunções judiciais, não se pode deixar de ter presente que as mesmas, não só são permitidas por lei (art. 349º, do CC), como desempenham a função de demonstração da realidade dos factos – cf. art.º 341º, do CC.

83) Daí que, situando-se no domínio da apreciação e fixação das provas, cabem por excelência nos poderes de aferição e produção de prova das instâncias, in casu, do Tribunal da Relação.

84) Acresce que, jurisprudencialmente, o Supremo Tribunal de Justiça vem expressando há muito tal entendimento, conforme se extrai, nomeadamente, dos Acórdãos datados de 04/11/2009, 27/05/2010, e 24/02/2011,

85) Com efeito, retomando Abrantes Geraldes, salienta-se que: “No capítulo da apreciação das provas, a regra contida no nº 3 (do art. 674º), conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo, é a de que este órgão não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. (…) Todavia, sem embargo de outras intervenções previstas nos arts. 682º e 683º, considerou-se que o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respetiva força probatória. Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competências do Supremo”. Mas nestes casos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá censurar a decisão do Tribunal da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais, isto é, cabe ao STJ decidir, perante o caso concreto, se era ou não permitido o uso de tais presunções – cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07/07/2016, relatado por Ana Luísa Geraldes e disponível em www.dgsi.pt.

86) Ora, não sendo, manifestamente esse o caso dos autos, não pode esta Instância indagar-se sobre esta matéria.

87) Diga-se que, em abono da verdade, que ao contrário do aventado pela recorrente, nada lhe permite concluir, com a certeza que se impõe, a autoria do dano por banda da Recorrida – pelo contrário, atenta a factualidade vertida, o dano pode ter ocorrido por qualquer motivo, inclusivamente de ordem natural ou outra. Qualquer outra dedução esbarra nos mais elementares princípios de direito probatório.

88) Sem prescindir, e ainda no que atine a esta matéria que, e ainda que assim não se entenda – para que haja lugar ao uso da presunção judicial, “é necessário que haja uma relação direta e segura, claramente percetível, sem necessidade de elaboradas conjeturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação). Por outro lado, há de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (…). [sendo que] a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo” – cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28/10/2009, relatado por Jorge Jacob e disponível em www.dgsi.pt.

89) Diga-se, e nesta linha de argumentação, que a admitir-se o salto de raciocínio proposto pela Recorrente, sempre sairia vilipendiado o princípio, também ele, aplicável em sede de procedimento disciplinar – afinal o estribo destes autos, ferindo-o de nulidade.

90) Finalmente, quanto à (alegada) existência de justa causa de despedimento, não podendo imputar-se à trabalhadora a prática do facto dado a estes autos, não subsiste qualquer motivo que permita a Recorrente estribar o despedimento em motivo que conceda justa causa.

91) Na verdade, não só não há lugar à sindicância da decisão controvertida no que atine à aplicação da presunção, como, mesmo que tal se admita, não poderá atribuir-se a autoria de qualquer dano à trabalhador – a admitir-se tal cenário, soçobrariam não só os princípios de tutela próprios do direito sancionatório, ainda que privado, como, ademais, já se deu nota sobeja.

92) Cumpre apenas ressaltar que não era o GPS o único mecanismo de controlo da atividade da trabalhadora;

93) A trabalhadora não violou qualquer relação de confiança – que sempre respeitou;

94) A trabalhadora nunca incumpriu qualquer dos seus deveres;

95) A trabalhadora nunca lançou mão de qualquer comportamento digno de censura disciplinar ou de outra natureza.

8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de se considerar ilícito o despedimento.

9. Nas suas conclusões a recorrente suscita as seguintes questões:

1) Violação do disposto no art.º 662.º do Código de Processo Civil pelo Tribunal da Relação quando alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal da 1.ª instância pelas seguintes razões:

a) O Tribunal da Relação não devia ter censurado a aplicação feita pelo tribunal da 1ª instância dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, quando este presumiu ter sido a A., ou alguém a seu mando, a danificar o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS), instalado na viatura que a R. lhe atribuiu para o serviço;

b) O Tribunal da Relação não devia ter procedido à ampliação da matéria de facto nos termos em que o fez;

2) O Tribunal da Relação não devia ter considerado ilícita a prova recolhida pelo dispositivo do Sistema de Posicionamento Global (GPS), instalado na viatura que a R. atribuiu à Autora, devendo, pois serem dados como provados, tal como consta na decisão da 1.ª instância, os factos constantes dos pontos 41.º, 52.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º e 59.º da matéria de facto provada;

3) A licitude do despedimento da A. promovido pela R. face aos factos provados. 

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II


1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:[1]

1. A R. é uma empresa que se dedica ao exercício da indústria e comércio de produtos químicos e farmacêuticos.

2. A R. admitiu a A. ao seu serviço em 4.4.1988 através de contrato de trabalho a termo certo, renovado sucessivamente até que se converteu em contrato sem termo, tendo-‑se mantido ininterruptamente em vigor até 5.9.2014, data em que foi despedida, com invocação de justa causa.

3. A A. exerceu, sob a autoridade e direção da R., as funções de Delegada de Informação Médica, que, entre outras, consistem em planear as atividades para a zona de visitas, planear e preparar cada visita, realizar a visita propriamente dita, participar em reuniões, nomeadamente as reuniões de ciclo, e preencher e entregar diversos relatórios e registos acerca das visitas efetuadas.

4. À data da cessação do contrato a A. auferia a remuneração mensal, certa, no valor ilíquido de € 1.960,00, acrescida de diuturnidades no valor de € 18,07.

5. A A. exercia as suas funções no distrito de Aveiro, nomeadamente em ..., ..., …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e ....

6. O período de trabalho da A. era de 40 horas semanais, distribuídas em 8 horas diárias de segunda a sexta-feira, com uma hora de intervalo para almoço, sendo o horário diário flexível, considerando a R. como período laboral das 7.00 e as 20.00 horas e como período não laboral das 20.00 às 7.00 horas.

7. Para o exercício das suas funções, a A. utilizava os meios e equipamentos postos à sua disposição pela R., designadamente:

- A viatura ..., … …, matrícula -NM-;

- Computador Portátil ... Pro T110, série ...;

- Cartão ... n.º ...;

- Telemóvel: cartão SIM (…) +Vodafone Smart III Pop (Vodafone 975) Stealth Black (IMEI …) Pen HSPA 3G USB K3765 3,6 Mbps e Cabo USB;

- Conta d e-mail: AA@grupoGG.com.pt.

- Material promocional: folder, bloco, amostras de medicamentos e outros.

8. Enquanto DIM a A. integrava a Direção de Vendas da R., surgindo hierarquicamente na dependência de HH, seu superior hierárquico direto e chefe regional de vendas, e de OO, chefe Nacional de Vendas.

9. A A. é sócia do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente- Norte (adiante designado por Sindicato).

10. À relação laboral entre a A. e R. aplicava-se o CCT outorgada entre a APIFARMA e a FETESE de 8.6.2006, publicado no BTE nº21, cuja última alteração foi publicada no BTE nº21 de 8.6.2010.

11. Este CCT enquadra a categoria de DIM como profissionais altamente qualificados.

12. Em 30.5. 2014, a R. remeteu à A. a nota de culpa cuja cópia se mostra inserta de fls 75 a 84 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido na sua literalidade, comunicando-lhe simultaneamente a intenção de proceder ao seu despedimento.

13. Em 17.6. 2014, a A. remeteu à R. a resposta à nota de culpa, inserta de fls. 181 a 198 dos autos, cujo teor se dá aqui também como reproduzido na sua literalidade.

14. Em 3.9. 2014, a R. remeteu à A. a decisão disciplinar inserta de fls. 247 a 263 dos autos, que se dá aqui igualmente como reproduzida na sua literalidade, que foi recebida por esta no dia 5.9.2014, na qual lhe foi aplicada a sanção de despedimento, com invocação de justa causa.

15. Em 30.9.2014, a R. pagou à A. as quantias constantes do recibo de vencimento inserto a fls. 268 dos autos, no valor global líquido de € 3.095,00, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido na sua literalidade.

16. Em 17.10.2014, a R. procedeu ao reembolso de despesas suportadas pela A. durante a fase final da vigência do contrato, descontando-lhe a quantia de € 35, 68 a título de custos de recolha dos instrumentos de trabalho, sendo que a A. sempre mostrou disponibilidade para devolver tais instrumentos junto à sua residência, mas recusou-se a ir entregar os mesmos, a suas expensas, à sede da R. em ..., tendo sido o chefe regional de vendas HH a ir recolhê-los junto à sua residência no dia 26.9.2014.

17. Um delegado de informação médica (doravante DIM) é um profissional que se dedica a divulgar e promover os produtos da R., entregando também amostras grátis aos visitados.

18. Como DIM, a A. exerceu sempre as suas funções no exterior da empresa, deslocando-se de localidade em localidade, tendo-lhe ultimamente sido atribuída uma viatura da marca ... modelo ..., com a matrícula -NM- como instrumento de trabalho, sendo que, anteriormente fora-lhe atribuída a viatura com a matrícula - GR -.

19. Na viatura atribuída à A. como instrumento de trabalho, a R. instalou um dispositivo de GPS, monitorizado pela empresa DD, tendo a A. tomado conhecimento dessa instalação e do procedimento interno definido pela R. para a sua utilização inserto a fls. 93 e dos autos, que recebeu, numa reunião realizada em 5.1.2012, na qual manifestou perante os seus superiores o seu desagrado e desconforto com tal instalação.

20. O aparelho GPS foi colocado nas costas do banco traseiro da viatura e protegido por uma chapa metálica.

21. Todos os DIM que utilizam uma viatura da frota da R. têm GPS instalado, o que só não sucedeu transitoriamente com PP e QQ, enquanto utilizaram viaturas alugadas pela Ré.

22. Os chefes e quadros superiores que trabalhavam fora das instalações da R. também têm GPS instalados nos veículos que utilizam.

23. A R. instaurou o GPS na sua frota automóvel, para tratamento dos seguintes dados: matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura, tendo em vista verificar as declarações efetuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto aos locais das visitas e aos quilómetros efetuados ao serviço da empresa e fora de serviço. Alterado, nos termos infra justificados. [A redação original era: 23. A A. instaurou o GPS na sua frota automóvel, tendo em vista garantir a segurança das viaturas e dos utilizadores e verificar as declarações efetuadas pelos DIM no sistema informático da R. designado CRM (customer relationship management), designadamente, quanto os locais das visitas e aos quilómetros efetuados ao serviço da empresa e fora de serviço.]. 

24. – Eliminado, nos termos infra justificados. [A redação original era: 24. O GPS é o único meio eficaz para a R. verificar o horário de trabalho efetuado pelos DIM e os percursos e quilómetros pelos mesmos declarados no CRM.]   

25. A referida instalação de equipamentos de GPS teve lugar em finais de 2011 e foi notificada à CNPD em 24.11.2011, originando o processo 1785/2011.

26. A R. só procedeu à utilização da informação provinda dos GPS a partir da notificação do tratamento à CNPD.

27. Em finais de 2013 houve uma participação à CNPD de que a R. estava a usar um sistema de localização GPS nas viaturas atribuídas aos DIM sem autorização, na sequência da qual a CNPD procedeu a diligências e, em 10.12.2013, emitiu a deliberação nº 1788/2013, inserta a fls. 95 e 96 dos autos, no qual concluiu pela inexistência de prova da violação do quadro normativo de proteção de dados, arquivando os autos.

28. O equipamento de GPS instalado pela R. nas viaturas dos DIM transmite as seguintes informações: hora de ignição e paragem do veículo, locais de partida e de chegada, com indicação apenas dos nomes das ruas e localidades, e calcula a distância percorrida, a velocidade média, o tempo de marcha e o tempo parado.

29. O GPS fornece a localização da viatura, mas tal localização nem sempre é exata porque o equipamento demora alguns segundos a começar a funcionar após a ignição do motor.

30. Tal equipamento não capta som, nem imagem, nem efetua filmagens.

31. As informações recolhidas pelos GPS instalados nos veículos dos DIM são transmitidas, sem qualquer intervenção humana, para uma plataforma informática online da CC onde podem ser visualizadas e consultadas em relatórios / mapas, sendo que a essa plataforma apenas têm acesso 3 trabalhadores da R. MM, II e NN, mediante a introdução de uma password e username que só os próprios conhecem.

32. Estes três trabalhadores quando detetam problemas na transmissão de dados ou divergências entre os dados transmitidos pelo GPS e os declarados pelos DIM nos mapas de despesas devem reportar tais problemas aos seus superiores hierárquicos e aos superiores hierárquicos dos DIM visados.

33. Tal situação verificou-se em Março de 2012, tendo o NN enviado o mail inserto de fls. 19 a 202 dos autos, a OO, chefe nacional de vendas e RR, na altura chefe de OTC, com conhecimento a JJ, administrador, II, TT e II, quadros superiores, expondo as discrepâncias entre os quilómetros particulares declarados por alguns DIM e os dados recolhidos pelo GPS respeitantes aos veículos respetivos, que constam de relatório anexo.

34. RR reencaminhou esse e-mail para os trabalhadores visados para corrigirem eventuais lapsos e o mesmo chegou ao conhecimento de outros colegas, sendo que tal divulgação não voltou a acontecer.

35. A A., tal como os restantes delegados, estava autorizada a usar a viatura da R. nas deslocações particulares, podendo fazê-lo ou não.

36. No cumprimento das suas funções, a A. deve efetuar as suas visitas e registar no sistema CRM toda a sua atividade diária, semanal e mensal, como as visitas efetuadas, ausências ao trabalho e as despesas e o planeamento das suas visitas futuras.

37. A introdução de dados no sistema CRM é manual, sendo o preenchimento feito exclusivamente pela própria A., que não era diariamente acompanhada por qualquer superior hierárquico que conferisse in loco os locais onde ia e as visitas que realizava.

38. Só esporadicamente, cerca de duas vezes por trimestre, os chefes regionais acompanhavam os DIM nas visitas.

39. No que concerne às despesas, a R. definiu em 2002 um procedimento interno que é do conhecimento da A., cuja cópia se mostra junta de fls. 127 a 130 dos autos, que regula sua declaração e reembolso aos trabalhadores, tendo tal procedimento sido alterado quanto às deslocações, a título particular, com o veículo da empresa, através do comunicado inserto a fls 132v, segundo o qual, os trabalhadores passaram a custear tais deslocações, pagando até aos 6.600 km/ano 0,15 € por quilómetro e acima dos 6.600 Km/ano 0,40 € por quilómetro.

40. Em Março de 2014, a R. detetou que a A. não tinha declarado 110 km particulares, tendo a A. reconhecido tal omissão no mapa de despesas relativo ao período de 10.1.2014 a 9.2.2014.

41. Em data não apurada, através da leitura do relatório do GPS instalado na viatura da A., a R. constatou que o GPS não reportava diariamente dados para a plataforma/portal desde o início de Novembro de 2013.

42. Na sequência da participação à CNPD ocorrida em finais de 2013, a R. deixou de monitorizar os dados da plataforma durante um período não apurado.

43. A situação de não comunicação regular de dados do GPS da viatura da A. para a plataforma mantinha-se em Março de 2014 e a R. decidiu fazer uma inspeção ao equipamento.

44. Para tal a R. aproveitou a ocasião da reunião de ciclo que ocorreu nos dias 2 a 4 de Abril de 2014, na sua sede em ..., ....

45. O chefe regional de vendas HH ordenou à A. que levasse a viatura para essa reunião, o que normalmente sucedia para no último dia transportarem material promocional, não lhe dando conhecimento de ia ser realizada uma inspeção ao GPS.

46. A A. no dia 2 Abril deslocou-se na viatura para as instalações da R. e no final do dia levou-a para o parque do Hotel ..., em ..., onde ficaram alojados vários DIM.

47. No dia 3 de Abril, como era habitual, a A. deslocou-se para as instalações da R., na viatura do colega EE, como era habitual nas reuniões de ciclo, deixando a sua viatura no Hotel.

48. Durante a manhã desse dia 3 de Abril, foi pedida a chave da sua viatura à A. e um técnico de eletrónica da DD, LL, acompanhado de MM, trabalhador do departamento de controlo de gestão da R., foram ao Hotel ..., realizar a inspeção ao GPS da viatura da A.

49. Nessa inspeção, cujo relatório se mostra junto a fls. 136 dos autos, o técnico verificou que o equipamento não comunicava, a gaveta do cartão GSM não estava bem colocada e o cartão estava queimado.

50. No decurso da intervenção, foi substituído o cartão GSM, que é semelhante a um cartão de telemóvel, e foram colocados “selos void”, com vista a garantir a inviolabilidade do aparelho, e mantendo-se o restante equipamento o GPS ficou em funcionamento, tendo sido também efetuado o acerto de Kms e solicitado o swap do cartão.

51. No dia 4.4.2014, MM enviou ao administrador JJ e a OO, diretor nacional de vendas, o email inserto a fls. 136 verso, dando-lhe conhecimento do resultado da inspeção à viatura da A.

52. Durante o período de 1 de Novembro de 2013 a 2 de Abril de 2014, o GPS instalado na viatura da A. transmite para a plataforma da CC o seguinte:

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Ano
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Fim / off
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7 km percorridos com localização (de ... a …, no concelho de …)
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9 km percorridos com localização (da Av … … em …à Rua … em …. concelho de …)
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15 km percorridos com localização (da Rua de … em … à EN… em ...)
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março
2014
domingo - nada registado
10
março
2014
nada registado
11
março
2014
nada registado
12
março
2014
nada registado
13
março
2014
nada registado
14
março
2014
nada registado
15
março
2014
sábado - nada registado
16
março
2014
domingo - nada registado
17
março
2014
nada registado
18
março
2014
nada registado
19
março
2014
nada registado
20
março
2014
nada registado
21
março
2014
nada registado
22
março
2014
sábado - nada registado
23
março
2014
domingo - nada registado
24
março
2014
nada registado
25
março
2014
nada registado
26
março
2014
nada registado
27
março
2014
nada registado
28
março
2014
nada registado
29
março
2014
sábado - nada registado
30
março
2014
domingo - nada registado
31
março
2014
nada registado
1
abril
2014
nada registado
2
abril
2014
6:50
19:09
53 km percorridos com localização (de …a para …)

53. - Eliminado, nos termos infra justificados. [o teor original era: Em data não concretamente apurada, a A., ou alguém a seu mando, mexeu intencionalmente no aparelho de GPS instalado na sua viatura e abrindo a gaveta onde se encontrava o cartão GSM, danificou-o, provocando o mau funcionamento do GPS no período de 1.11.2013 a 2.4.2014, que na maioria dos dias não transmitiu dados e noutros transmitiu dados incompletos].    

54. No período de 4.4.2011[2] a 27.5.2014, o GPS que continuou instalado na viatura da A. transmitiu os seguintes dados:

Dia
Mês
Ano
Horário / Ignição
Resultado da leitura / Observações
Início/on
Fim / off
1
novembro
2013
10:12
10:22
7 km percorridos com localização (de … a …, no concelho de …)
2
novembro
2013
sábado - nada registado
3
novembro
2013
domingo - nada registado
4
novembro
2013
nada registado
5
novembro
2013
11:23
11:38
9 km percorridos com localização (da …em … à … … em …, concelho de …)
6
novembro
2013
nada registado
7
novembro
2013
nada registado
8
novembro
2013
nada registado
9
novembro
2013
sábado - nada registado
10
novembro
2013
domingo - nada registado
11
novembro
2013
nada registado
12
novembro
2013
nada registado
13
novembro
2013
nada registado
14
novembro
2013
nada registado
15
novembro
2013
nada registado
16
novembro
2013
sábado - nada registado
17
novembro
2013
domingo - nada registado
18
novembro
2013
8:25
16: 28
sem Km percorridos - só tempo parado
19
novembro
2013
8:21
17:13
sem Km percorridos - só tempo parado
20
novembro
2013
8:22
15:52
sem Km percorridos - só tempo parado
21
novembro
2013
8:36
14:47
15 km percorridos com localização (da Rua … em … à EN… em ...)
22
novembro
2013
nada registado
23
novembro
2013
sábado - nada registado
24
novembro
2013
domingo - nada registado
25
novembro
2013
nada registado
26
novembro
2013
14: 45
17: 04
7 km percorridos com localização
27
novembro
2013
8:30
8:48
sem Km percorridos - só tempo parado
28
novembro
2013
nada registado
29
novembro
2013
nada registado
30
novembro
2013
sábado - nada registado
1
dezembro
2013
domingo - nada registado
2
dezembro
2013
nada registado
3
dezembro
2013
8:50
17: 11
68 km percorridos com localização
4
dezembro
2013
8:26
8:51
4 km percorridos com localização
5
dezembro
2013
nada registado
6
dezembro
2013
nada registado
7
dezembro
2013
sábado - nada registado
8
dezembro
2013
domingo - nada registado
9
dezembro
2013
nada registado
10
dezembro
2013
nada registado
11
dezembro
2013
nada registado
12
dezembro
2013
nada registado
13
dezembro
2013
nada registado
14
dezembro
2013
sábado - nada registado
15
dezembro
2013
domingo - nada registado
16
dezembro
2013
nada registado
17
dezembro
2013
nada registado
18
dezembro
2013
nada registado
19
dezembro
2013
nada registado
20
dezembro
2013
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21
dezembro
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22
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24
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27
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29
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30
dezembro
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31
dezembro
2013
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1
janeiro
2014
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2
janeiro
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3
janeiro
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4
janeiro
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5
janeiro
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6
janeiro
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7
janeiro
2014
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8
janeiro
2014
nada registado
9
janeiro
2014
nada registado
10
janeiro
2014
9:00
14: 46
29 km percorridos com localização
11
janeiro
2014
sábado - nada registado
12
janeiro
2014
domingo - nada registado
13
janeiro
2014
14:34
15:10
5 km percorridos com localização (da … em … à Av … em ...)
14
janeiro
2014
9:04
9:10
1 km percorrido com localização
15
janeiro
2014
8:29
8:53
sem Km percorridos - só tempo parado
16
janeiro
2014
nada registado
17
janeiro
2014
nada registado
18
janeiro
2014
sábado - nada registado
19
janeiro
2014
domingo - nada registado
20
janeiro
2014
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21
janeiro
2014
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22
janeiro
2014
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23
janeiro
2014
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24
janeiro
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25
janeiro
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26
janeiro
2014
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27
janeiro
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janeiro
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29
janeiro
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30
janeiro
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31
janeiro
2014
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1
fevereiro
2014
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2
fevereiro
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3
fevereiro
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4
fevereiro
2014
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5
fevereiro
2014
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6
fevereiro
2014
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7
fevereiro
2014
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8
fevereiro
2014
sábado - nada registado
9
fevereiro
2014
domingo - nada registado
10
fevereiro
2014
nada registado
11
fevereiro
2014
nada registado
12
fevereiro
2014
nada registado
13
fevereiro
2014
nada registado
14
fevereiro
2014
nada registado
15
fevereiro
2014
sábado - nada registado
16
fevereiro
2014
domingo - nada registado
17
fevereiro
2014
nada registado
18
fevereiro
2014
nada registado
19
fevereiro
2014
nada registado
20
fevereiro
2014
nada registado
21
fevereiro
2014
nada registado
22
fevereiro
2014
sábado - nada registado
23
fevereiro
2014
domingo - nada registado
24
fevereiro
2014
nada registado
25
fevereiro
2014
nada registado
26
fevereiro
2014
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27
fevereiro
2014
nada registado
28
fevereiro
2014
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1
março
2014
sábado - nada registado
2
março
2014
domingo - nada registado
3
março
2014
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4
março
2014
nada registado
5
março
2014
nada registado
6
março
2014
nada registado
7
março
2014
nada registado
8
março
2014
sábado - nada registado
9
março
2014
domingo - nada registado
10
março
2014
nada registado
11
março
2014
nada registado
12
março
2014
nada registado
13
março
2014
nada registado
14
março
2014
nada registado
15
março
2014
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16
março
2014
domingo - nada registado
17
março
2014
nada registado
18
março
2014
nada registado
19
março
2014
nada registado
20
março
2014
nada registado
21
março
2014
nada registado
22
março
2014
sábado - nada registado
23
março
2014
domingo - nada registado
24
março
2014
nada registado
25
março
2014
nada registado
26
março
2014
nada registado
27
março
2014
nada registado
28
março
2014
nada registado
29
março
2014
sábado - nada registado
30
março
2014
domingo - nada registado
31
março
2014
nada registado
1
abril
2014
nada registado
2
abril
2014
6:50
19:09
53 km percorridos com localização (de … para …)

55. Nos dias em que existem registos de quilómetros percorridos transmitidos pelo GPS verificam-se as seguintes diferenças em relação ao declarado pela A. no CRM:

- A 1 de novembro a A. declarou ter percorrido 196 Km; o GPS transmitiu 7 km.

- A 5 de novembro a A. declarou ter percorrido 132 Km; o GPS transmitiu 9 km.

- A 21 de novembro a A. declarou ter percorrido 127 Km – oGPS transmitiu 15km.

- A 26 de novembro a A. declarou ter percorrido 17 Km; o GPS transmitiu 7km

- A 3 de dezembro a A. declarou ter percorrido 134 Km – o GPS transmitiu 68km.

- A 4 de dezembro a A. declarou ter percorrido 15 Km – o GPS transmitiu 4 km.

- A 10 de janeiro a A. declarou ter percorrido 133 Km – o GPS transmitiu 29km

- A 13 de janeiro a A. declarou ter percorrido 86 Km – o GPS transmitiu 5 km

- A 14 de janeiro a A. declarou ter percorrido 12 Km – o GPS transmitiu 1 km.

- A 2 de abril a A. declarou ter percorrido 272 Km – o GPS transmitiu 53 km.

- A 4 de abril a A. declarou ter percorrido 273 Km – o GPS transmitiu 69 km.

- A 16 de abril a A. declarou ter percorrido 100 Km – o GPS transmitiu 40 km.

- A 5 de maio a A. declarou ter percorrido 122 Km – o GPS transmitiu 7 km.

- A 6 de maio a A. declarou ter percorrido 92 Km – o GPS transmitiu 37 km.

- A 7 de maio a A. declarou ter percorrido 107 Km – o GPS transmitiu 41 km.

56. E também se verificam as seguintes divergências entre o último local de trabalho indicado pelo GPS e o último local de trabalho indicado pela A. no CRM:

Dia
Mês
Ano
Fim do Horário
Localização da viatura no final do horário
De acordo com o GPS
De acordo com o Relatório
1
novembro
2013
10:22
C…
C…
5
novembro
2013
11:38
Ca…
Ce…
21
novembro
2013
14:47
A…
M…
26
novembro
2013
13:32
A…
A…
3
dezembro
2013
16:24
S…
L…
4
dezembro
2013
8:51
A…
Í…
10
janeiro
2014
    14: 46
V…
V…
13
janeiro
2014
    15:10
S…
C..
14
janeiro
2014
    9:10
A…
A…
8
abril
2014
    10: 36
E…
A…
9
abril
2014
    10: 41
L…
S…
16
abril
2014
    10: 46
O…
O…
5
maio
2014
    11: 45
V…
A…
6
maio
2014
16: 44
V…
V…
7
maio
2014
16: 25
A…
S…
8
maio
2014
15: 53
...
9
maio
2014
14: 13
A…
A…
13
maio
2014
13: 34
C…
C…
14
maio
2014
18: 01
Í…
T…
15
maio
2014
10: 45
A…
A…
16
maio
2014
16: 27
C…
...
19
maio
2014
9:57
A…
V…
20
maio
2014
12:16
O…
A…
21
maio
2014
15: 47
O…
O…

57. Verificando que o GPS instalado no veículo da A. continuava a não transmitir dados completos e existindo discrepâncias com os dados comunicados pela A., a R. mandou instalar um segundo GPS no veículo da A., o que ocorreu em 8.5.2014, tendo nessa data, por precaução, sido igualmente trocada a antena e a extensão de GPS do equipamento e instalado o equipamento ….

58. No dia 13.5. 2014, a DD elaborou o relatório de análise, cuja cópia se mostra junto a fls. 148 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respetivo teor, no qual, além do mais, se refere que os selos void anteriormente colocados estão intactos, não tendo sido encontrado qualquer sinal de violação da integridade do equipamento, e apontam para a existência de uma intervenção externa relacionada com técnicas de “jamming” destinadas a “baralhar” os equipamentos, com o objetivo de bloquear a sua funcionalidade sem deixar rasto, recomendando que fosse tentada a deteção de tais técnicas.

59. Posteriormente à instalação do 2º GPS, verificam-se as seguintes diferenças entre o declarado pela A. e o transmitido pelos dois GPS, sendo que ao primeiro corresponde nos relatórios o código 3000 e ao segundo o código 295:

- No dia 9 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 89 Km; o 1º GPS transmitiu 43 km e o 2º GPS transmitiu 42 km.

- No dia 13 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 33 Km; o 1º GPS transmitiu 9 km e o 2º GPS transmitiu 10 km.

- No dia 14 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 118 Km; o 1º GPS transmitiu 32 km e o 2º GPS transmitiu 34 km.

- No dia 15 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 89 Km; o 1º GPS transmitiu 4 km e o 2º GPS transmitiu 3 km.

- No dia 16 de Maio de 2014 a A. declarou ter percorrido 95 Km; o 1º GPS transmitiu 62 km e o 2º GPS transmitiu 60 km.

60. A A. tinha flexibilidade de horário desde que cumprisse 8 horas de trabalho diárias e sempre recebeu a retribuição por inteiro.

61. A partir de 30.5.2014 até 9.9.2014, data do despedimento da A., o 2º GPS instalado na sua viatura, passou a reportar diariamente dados completos para portal/plataforma até 9.9.2014, conforme relatório inserto de fls. 363 a 390 dos autos.

62. A R. supervisiona e dirige a atividade desenvolvida dos DIM através de estudos de vendas e da produtividade de cada um, bem como de médias de visitas, mapas de produtividade e rankings de vendas.

63. O tempo de trabalho diário dos DIM inclui o tempo das viagens, das visitas e também cerca de 1 hora para realização do trabalho burocrático que normalmente é feito em casa.

64. Por vezes, a jornada de trabalho dos DIM ultrapassa as 8 horas diárias, mas a R. não lhes paga qualquer quantia a título de trabalho suplementar, permite-lhes apenas compensar o tempo noutro dia, de acordo com as suas conveniências.

65. A A. antes do procedimento disciplinar em apreço nunca tinha sido alvo de qualquer queixa por parte da R. no sentido de declarar visitas não realizadas e adulterar os dados relativos ao número de quilómetros em serviço e particulares realizados.

66. A A. foi reconhecida por algumas chefias da R. como uma trabalhadora competente que, algumas vezes, a escolheram para fazer o acompanhamento e formação de DIMs estagiários.

67. A A. era uma das mais antigas DIMs da R. e com um salário base mais alto, e ao longo da sua carreira recebeu diversos prémios de produtividade, mas, nos últimos anos, não estava, por regra, nos primeiros lugares dos rankings elaborados pela R., nem recebia prémios de produtividade muito elevados.

68. A A. sempre assumiu uma postura reivindicativa e nalgumas reuniões questionou as orientações emanadas dos superiores hierárquicos.

69. Na mesma altura em que instaurou o presente procedimento disciplinar à A., a R. instaurou também procedimentos disciplinares aos seus colegas FF e EE com base em factos semelhantes igualmente relacionados com falhas de comunicação dos despectivos GPS, sendo que ao primeiro foi aplicada a sanção de despedimento e ao segundo uma suspensão pelo período de 5 dias, com perda de retribuição.

70. A decisão disciplinar relativa a EE mostra-se inserta de fls. 481 a 497 dos autos, dando-se aqui a mesma por integralmente reproduzida.

71. A decisão disciplinar relativa a FF mostra-se junta de fls. 499 a 518, dando-se a mesma aqui a mesma igualmente por integralmente reproduzida.

72. Quer o FF, quer o EE são delegados sindicais e dada a sua antiguidade, foram admitidos, prospectivamente, em 1994 e 1997, eram a par da A. dos trabalhadores com salários elevados.

73. A A. não tem antecedentes disciplinares.

74. A R. considerou a conduta da A. e do FF mais grave do que a do EE porque no caso deste o aparelho de GPS propriamente dito não foi “mexido”, o que foi encontrado fora do sítio foram fios condutores da energia elétrica e uma tampa de plástico que o trabalhador confessou ter retirado do lugar quando levou o carro à revisão para se ser arranjada, o que acabou por não suceder.

75. A A., nasceu em ……..19…, é viúva, e tem a seu cargo dois filhos, estudantes, e o seu pai.

76. Devido à sua idade e à atual conjuntura económica, a A. teme não encontrar novo emprego, sentindo-se angustiada e preocupada relativamente ao seu futuro e ao dos seus filhos.

77. Com a saída da A., a R. redistribuiu as funções laborais que esta exercia, bem como os seus instrumentos de trabalho a outros trabalhadores, tendo neste momento a sua atividade reorganizada.

Matéria ampliada, nos termos infra justificados: 

78. - Na notificação de 24 de novembro de 2011, que deu origem ao processo n.º 17851/2011, que correu termos na Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), sob a rubrica “Lista de dados pessoais tratados”, a ré consignou: “Matrícula da viatura, localização da viatura, nome do empregado, data, hora e velocidade da viatura”.

79. - Na notificação de 24 de novembro de 2011, sobre a recolha de dados, a ré declarou que a recolha era realizada por via direta, na Internet, através do sítio www…..com e consignou que havia “um utilizador e uma senha de acesso ao sistema e que foi fornecido pela empresa contratualizada. Apenas com estes dados é permitido aceder ao sistema”.

80. - Notificada pela CNPD, para indicar a entidade subcontratada para o processamento dos dados recolhidos via GPS, a ré não forneceu qualquer informação a tal respeito.

81. – Pela Deliberação n.º 1015/2015, de 23.06.2015, a CNPD deliberou:

“a) Proibir temporariamente o tratamento de dados de geolocalização da responsabilidade dos BB - Indústria Farmacêutica S.A., até à pronúncia final da CNPD no processo n.º 17851/2011;

b) Proibir temporariamente a utilização dos dados pessoais até agora recolhidos no âmbito do referido tratamento de dados;

c) Notificar os BB – Indústria Farmacêutica S.A., na pessoa do seu legal representante, para interromper do tratamento, como foi ordenado a abster-se de utilizar a informação nos termos acima referidos”.

82. - No âmbito do processo n.º 17851/2011 foi proferida a Deliberação final n.º 1565/2015, de 06.10.2015, nos seguintes termos:

“(…).

Como é patente pelo exposto, nada resultando de novo na resposta da BB – Indústria Farmacêutica S.A., a CNPD manteria o teor do projeto de decisão notificado. Contudo, a CNPD não está em condições de autorizar o tratamento de dados pessoais em causa, na medida em que o responsável pelo tratamento falhou no cumprimento da obrigação prevista na alínea e) do artigo 29.º da LPDP, mesmo depois de expressamente instado pela CNPD a fazê-lo.

Por conseguinte, sendo inequívoca a existência de processamento externo da informação e por não ter a BB – Indústria Farmacêutica, S.A., identificado a entidade com quem contratualizou a prestação do serviço de geolocalização, delibera a CNPD não autorizar o tratamento de dados pessoais aqui em análise por falta de elementos essenciais à pronúncia.”.

83. – Apôs o encerramento do processo n.º 17851/2011, a ré notificou a CNPD, em 18 de novembro de 2015, de um novo tratamento de dados, mas agora limitado às finalidades de gestão de frota em serviço externo para transporte de mercadorias e de participação criminal em caso de furto.

84. - A CNPD, através da Autorização n.º 11891/2015, de 03.12.2015, autorizou, à BB – Indústria Farmacêutica, S.A., a utilização do sistema de GPS para (i) a gestão da frota em serviço externo para transporte de mercadorias, excluindo os veículos utilizados pelos delegados de informação médica, e (ii) a participação criminal em caso de furto.

85. – Mas recusou-lhe o uso dos dados obtidos através da utilização do sistema GPS para controlo do desempenho do trabalhador ou para qualquer outra finalidade.

86. – O procedimento cautelar, contra a deliberação n.º 1015/2015, da CNPD, apresentado por BB – Indústria Farmacêutica, S.A., no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 3, sob o n.º 2738/15.9BESNT, foi declarado extinto por inutilidade superveniente, por força da Deliberação n.º 1565/2015, de 06.10.2015, a qual não foi objeto de impugnação.

87. - No “Relatório Final” do procedimento disciplinar instaurado ao trabalhador FF consta nas alíneas:

“PP. A arguente solicitou à empresa DD uma inspeção ao GPS instalado na viatura atribuída ao trabalhador arguido.

QQ. A inspeção foi realizada no dia 3 de Abril de 2014.

RR. A inspeção foi realizada pelo técnico LL, na presença de MM.

ZZ. Os restantes GPS estão a funcionar sem avarias noutros veículos da arguente.

BBB. Em inúmeras situações o veículo é ligado e aparentemente desligado em 1 ou 2 minutos sem sair do local (quase sempre ao fim de semana).”.

Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos:

1- Que o chefe regional de vendas despendeu quatro horas no dia 26.9.2014 para ir recolher os instrumentos de trabalho da A. à residência da A. e que o valor hora do seu vencimento base é de € 8,92.

2- Que numa reunião de trabalho tivesse sido comentada a vida amorosa de alguns DIM com base na divulgação de dados recolhidos pelo GPS.

3- Que o GPS deixou de funcionar corretamente e de emitir sinal devido a fenómenos meteorológicos e atmosféricos, nomeadamente, explosões solares.

4- Que foi a trepidação constante e a fraca sustentabilidade da placa que suporta o equipamento ou a pressão exercia pelas caixas e outro material colocado na mala do carro que causou o mau funcionamento e a deslocação do aparelho GPS.

5- Que a atribuição da viatura à R. foi limitada às necessidades de serviço.

6- Que tenha sido enviado um e-mail a todos os DIM, referindo os dados do GPS de cada um dos veículos.

7- Que a R. só entregou viaturas com equipamentos de GPS a PP e QQ em virtude das questões suscitadas pela A. na resposta à nota de culpa e por outros trabalhadores nos respetivos processos disciplinares.

8- Que a R. impôs a instalação dos dispositivos de GPS aos DIM, sob pena de ficarem impedidos de trabalhar.

9- Que a A. deixou intencionalmente a viatura no Hotel contra as ordens que havia recebido de levar viatura para as instalações da R. para ser sujeita a inspeção.

10- Que a A. tivesse utilizado quaisquer técnicas de “jamming” e impedido o bom funcionamento do GPS a partir do dia 4.4.2014.

11- Que a A. nos dias indicados no art.º 139º do articulado de motivação apenas trabalhou nos períodos transmitidos pelo GPS e só efetuou o tempo de trabalho indicado nesse artigo e no art.º 142.º, no qual são somados 50 minutos para preenchimento do CRM, bem como as conclusões extraídas pela R. no art.º 138.º do mesmo articulado.

12- Que a A. faltou ao trabalho 149 horas e 76 minutos nos dias em que o GPS registou deslocações.

13- Que os chefes regionais acompanham os DIM no campo com bastante regularidade e contactem com as clínicas e os médicos para verificar as visitas realizadas por aqueles.

14- Que é perfeitamente possível verificar os quilómetros que os DIM percorrem em serviço através da comparação dos quilómetros indicados no conta quilómetros e a distância necessária para fazer os percursos diários correspondentes às visitas que os mesmos declaram no sistema CRM.

15- Que a A. sempre inseriu no referido sistema, com exatidão e rigor, todos os dados respeitantes ao exercício da sua profissão e à utilização do veículo fornecido pela R., não tendo inserido qualquer informação falsificada, nomeadamente, no período de 1.11.2013 a 27.5.2014.

16- Que os diversos tickets e talões de pagamento de portagens apresentados pela A. à R. para efeitos de reembolso provam todos os percursos, horas e locais onde o veículo esteve.

17- Que a R. moveu o presente processo disciplinar à A. com o intuito de afastar da empresa em virtude de a mesma auferir um salário elevado e se insurgir contra as instruções da R. que contrariavam as normas e limites legais impostos à atividade de informação médica.

18- Que a R. despediu a A. e o FF por serem trabalhadores “proactivos e caros”.

19- Que a R. referiu em reuniões com colaboradores, que a A. e o FF deviam ser tomados como exemplo do que acontece aos trabalhadores que não obedecem cegamente às instruções da R.

20- Que a A. devido ao despedimento não tem vontade de conviver com os amigos, filhos e outros familiares.

21- Que na entrevista inserta a fls. 333 e 334, o Diretor Geral da R. afirma expressamente que para assegurar o sucesso da empresa teria de cortar com os custos do trabalho, nomeadamente através da redução de trabalhadores.”.

2. Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada em 17710/2014.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho, na versão atual, introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3. Para uma melhor compreensão das questões suscitadas pela R./ recorrente, nas conclusões do recurso de revista que interpôs do acórdão do tribunal da relação, importa rever as posições tomadas pelas instâncias.

a) A primeira instância entendeu ser lícita a instalação pela R. de um dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS)[3] na viatura atribuída à A, que desempenhava as funções de  delegada de informação médica, afirmando que o respetivo modo de funcionamento não pode ser considerado como um meio de vigilância à distância, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 20.º do Código do Trabalho, pois fornece apenas a localização aproximada do veículo e transmite as seguintes informações: hora de ignição e paragem do veículo, locais de partida e de chegada, com indicação apenas dos nomes das ruas e localidades, e calcula a distância percorrida, a velocidade média, o tempo de marcha e o tempo parado, não captando som nem imagens.

Em defesa desta posição foi invocada a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, nos acórdãos de 22/05/2007 e de 13/11/2013, disponíveis em www.dgsi.pt.

Nesta linha, concluiu, em tese, que poderiam ser considerados como meio de prova os dados juntos aos autos transmitidos pelo referido aparelho.

Apesar desta tomada de posição, a 1ª instância, após analisar os dados transmitidos pelo dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS), nos dias em que houve registos, verificou que esses dados estavam incompletos e, por essa razão, sustentou não poder extrair deles conclusões seguras quanto à atividade da A. e às declarações por si registadas no relatório que efetuou (CRM). 

Assim, entendeu a 1ª instância, que embora tais registos sejam um meio de prova válido, como o equipamento instalado na viatura da Autora, no referido período, não esteve a funcionar corretamente, não podem os mesmos ser tidos como um meio de prova idóneo para demonstrar os factos que a R. com base neles pretendeu pr..., tendo assim ficado por compr... as infrações disciplinares imputadas à A. com fundamento em tais registos.

Posto isto, a 1ª instância refere que, analisando a matéria de facto provada, as condutas imputadas pela R. à Autora, suscetíveis de constituírem ilícitos disciplinares, que se provaram, são as que constam nos pontos 39.º, 40.º e 48.º a 53.º dos factos provados.

Analisando as mesmas concluiu nos seguintes termos:

- A alegada desobediência à ordem de levar a viatura para as instalações da R., em ..., na reunião que teve lugar nos dias 2 a 4 de abril de 2014, também ficou por demonstrar, como resulta dos factos provados sob os números 44 a 47, pois não tendo sido dado conhecimento à A. de que ia ser feita uma inspeção à viatura, a mesma procedeu como habitualmente, no segundo dia, deixou a sua viatura no parque do hotel e deslocou-‑se para as instalações da R. na viatura de um colega;

- Quanto à falta de declaração de 110 quilómetros particulares no mapa de despesas relativo ao período de 10/1/2014 a 9/2/2014, detetada pela R. em março de 2014, tal omissão infringia o procedimento interno da R. definido em 2002 e alterado por comunicado de junho de 2011, segundo a qual, a partir desse mês, os trabalhadores passaram a custear os quilómetros particulares efetuados com a viatura de serviço – n.º 39 dos factos provados. Esta conduta implicaria, de facto, um prejuízo para a R., que deixava de receber o custo dos quilómetros não declarados, pelo menos, € 16,50 (110 km x € 0,15), mas quando foi detetada pela R. a A. reconheceu-a de imediato, pelo que, ignorando-se se se tratou de um comportamento negligente ou doloso, apesar de envolver o incumprimento de uma ordem legítima da R., não lhe foi atribuída particular gravidade;

- Já quanto aos danos causados no dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS) instalado na viatura que lhe estava atribuída à A. pela R. a primeira instância imputou os mesmos à A. ou a alguém a mando desta, tendo considerado que se verificou uma violação da obrigação de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe foram confiados pelo empregador, nos termos do art.º 128.º, n.º 1, alínea g), do Código do Trabalho, tendo assim jugado verificada justa causa de despedimento.

A primeira instância considerou a violação deste dever de particular gravidade, não pelos danos em si, mas porque revela a intenção de a A. obstar ao regular funcionamento do dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS), bem sabendo que desse modo impedia a R. de usar as informações deste para verificar com rigor as suas declarações no relatório a efetuar pela trabalhadora (CRM) relativamente às visitas efetuadas e aos quilómetros percorridos.

Assim, o único fundamento sufragado pela 1.ª instância para julgar verificada a justa causa de despedimento da A. foi o facto de esta ter danificado o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS) com o objetivo de impedir a R. de usar as informações transmitidas por aquele dispositivo para verificar com rigor as suas declarações no relatório que elaborava (CRM), relativamente às visitas efetuadas e aos quilómetros percorridos.

Na perspetiva da 1.ª instância a gravidade da infração praticada pela A., ao danificar o dispositivo do Sistema de Posicionamento Global (GPS), deriva de, assim, pretender obstar à transmissão de informação através de um meio lícito.

b) A A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação tendo suscitado as seguintes questões:

- A (i)legalidade da utilização dos dados transmitidos pelo dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS) como meio de prova;

- A reapreciação da matéria de facto;

- A (in)existência de justa causa de despedimento.

c) A R. contra-alegou tendo-se cingido, exclusivamente, ao objeto do recurso delimitado pelas conclusões da A., como se pode observar pelos pontos 1 e 2 das suas alegações.

d) O Tribunal da Relação, apreciando as referidas questões, decidiu:

- Que o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS) está abrangido pelo âmbito dos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho, e que a R. não deu cumprimento aos requisitos de utilização previstos nesses mesmos normativos, daí que os dados pessoais referentes à A. não foram recolhidos de forma lícita e em obediência aos imperativos legais, pelo que não poderão ser utilizados pela R. como meio de prova, em sede de procedimento disciplinar e na respetiva ação de impugnação de despedimento, sendo eles os descritos nos pontos 41, 52, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 dos factos provados;

 - Alterar a matéria de facto, eliminando os pontos 24 e 53 dos factos provados e alterando a redação do ponto 23;

- Ampliar a matéria de facto atentas as informações prestadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, a solicitação do tribunal da relação, acrescentando assim os pontos 78 a 87 dos factos provados;

- Julgar o despedimento ilícito, uma vez que na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, foi eliminado o ponto 53, pelo que ficou sem qualquer suporte fático a alegada violação do dever previsto na alínea g), do n.º 1, do art.º 128.º do Código do Trabalho.

e) Depois deste enquadramento vamos apreciar agora as questões, já equacionadas, suscitadas pela R., em sede de recurso de revista.

A recorrente começa por alegar a violação do disposto no art.º 662.º, do Código de Processo Civil, pelo tribunal da relação, quando este alterou a decisão proferida pela 1.ª instância, eliminado o ponto 53 dos factos provados, por considerar, atentos os factos provados, não se poder presumir, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, ter sido a Autora, ou alguém a seu mando, a danificar o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS).

Recorde-se que este ponto 53 dos factos provados foi crucial para que o tribunal da 1.ª instância tivesse julgado o despedimento da A. lícito, e a sua eliminação, na sequência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, foi determinante para que o tribunal da relação tivesse julgado o despedimento ilícito.

Vejamos qual era o seu conteúdo:

Em data não concretamente apurada, a A., ou alguém a seu mando, mexeu intencionalmente no aparelho de GPS instalado na sua viatura e abrindo a gaveta onde se encontrava o cartão GSM, danificou-‑o, provocando o mau funcionamento do GPS no período de 1.11.2013 a 2.4.2014, que na maioria dos dias não transmitiu dados e noutros transmitiu dados incompletos.

O tribunal da 1.ª instância para dar este facto como provado socorreu-se de uma presunção judicial, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil.

Vejamos o raciocínio que foi efetuado e que consta da decisão proferida sobre a matéria de facto, que nessa parte vamos transcrever:

Mas a principal questão de facto que constitui o cerne do litígio nos presentes autos é saber se esse mau funcionamento do GPS é imputável a uma falha técnica do equipamento, como sustenta a A., ou é imputável a uma intervenção intencional da A., como defende a R.

Apreciando a prova produzida a esse propósito, nomeadamente, os relatórios das inspeções realizadas ao equipamento do GPS instalado na viatura da A., juntos a fls 136 e 148 dos autos, conjugados com o depoimento das testemunhas, designadamente LL, que realizou a inspeção do dia 3.4.2014, e MM, que o acompanhou, concluímos que, os danos que o dispositivo de GPS apresentava no dia 3.4.2014, que constam no respetivo relatório e foram confirmados pelo referido técnico, «gaveta do cartão mal colocada e cartão GSM, danificado, queimado», são consequência de uma intervenção humana intencional e não decorrentes de quaisquer fenómenos atmosféricos ou devidos à trepidação do veículo ou à pressão da bagagem colocada na mala do carro, pois o técnico referiu que todos os equipamentos da frota se encontram instalados da mesma forma, na parte de trás do banco traseiro, rodeados por uma chapa metálica que os protege, e nunca viu nenhum naquele estado, tendo afirmado que para danificar o cartão GSM foi necessário abrir o aparelho, retirar o cartão, danificá-lo e voltar a introduzi-lo. Mais referiu, que nesse dia substituiu o cartão GSM e o equipamento ficou a funcionar, tendo colocado selos de segurança, o que foi corroborado pela testemunha MM que esteva presente.

Como assim, tendo-se como certo que o aparelho de GPS foi danificado por intervenção humana atribuímos essa intervenção à A. ou a alguém a seu mando, pois era ela a responsável pelo veículo e só ela tinha habitualmente acesso ao mesmo, já que trabalhava sozinha na região de Aveiro e, além disso, mais ninguém tinha interesse em que o GPS não funcionasse bem. Apurou-se que a R. tinha uma chave do veículo na sede, mas esta não tinha qualquer interesse em danificar o GPS e nem no dia da inspeção a usou, tendo ido pedir a chave à A.

Neste contexto, cremos ser legítimo presumir, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Civil, ser a A. a responsável pelos danos verificados pelo GPS no dia 3/4/2014 e pelo mau funcionamento do mesmo no período anterior de 1/11/2013 a 2/4/2014, como demos como assente no art.º 53.º dos factos provados.

Vejamos agora o raciocínio que foi desenvolvido pelo tribunal da relação para considerar que, atentos os factos provados, a 1ª instância não podia presumir, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, ter sido a A., ou alguém a seu mando, a danificar o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS):

No caso dos autos, a Mma Juiz, partindo do facto que a viatura ..., matrícula -NM-, tinha sido atribuída à autora, para uso exclusivo no exercício das suas funções - base da presunção -, concluiu que o dano causado no cartão GSM foi obra da autora, ou de alguém por ela, - facto presumido -.

Sucede, porém, que nesse silogismo falta uma premissa essencial: não está provado que mais ninguém teve acesso ao interior da referida viatura, para além da autora.

Vejamos.

A testemunha LL, técnico de eletrónica, declarou, na audiência de julgamento, que efetuou a intervenção ao dispositivo GPS, instalado na viatura atribuída à autora, “acompanhado por MM”, quando a mesma se encontrava estacionada “no parque do Hotel ..., em ..., onde ficaram alojados vários DIM”. Declarou ainda que “o cartão GSM estava danificado, queimado”, que “não viu ninguém a queimar o cartão” e que “não foi feita peritagem ao cartão queimado”. Disse ainda que concluiu que o cartão estava queimado, porque apresentava “uma parte negra, que não saiu quando a passou com álcool”.

Por sua vez, a testemunha MM, trabalhador da ré, declarou que a inspeção ao dispositivo do GPS, instalado na viatura usada pela autora, “decorreu no parque de estacionamento do Hotel”, onde pernoitavam os trabalhadores da ré, incluindo a autora, reunidos para uma ação de formação; que “a autora não assistiu a essa inspeção”; que “pediu à secretária da empresa para pedir à autora (na ação de formação) a chave da viatura, com a qual a abriram”; que “não assistiu à inspeção do dispositivo do GPS, limitando-se a abrir a porta da viatura”; que “a viatura tem duas chaves, estando a segunda chave à guarda da gestora de frota, sediada na sede da empresa, em ...” e que “é possível o uso da segunda chave por outrem, que não a autora”.

A testemunha NN também afirmou que “a segunda chave da viatura está na empresa”.

Aliás, a autora não só não assistiu à inspeção do dispositivo GPS, como não lhe foi dado conhecimento que ia ser realizada essa inspeção durante a reunião dos DIMs – cf. ponto 45. da matéria de facto provada.

Ora, não tendo nenhuma das testemunhas, ouvidas em audiência de julgamento, afirmado ter visto a autora a danificar o dispositivo do GPS, fica a dúvida de saber como terá ocorrido tal danificação. 

Dos depoimentos das testemunhas LL e MM, essencialmente desta, tanto se pode concluir, como concluiu a 1.ª instância, como se pode concluir o seu contrário, isto é, que poderá não ter sido a autora a danificar o tal dispositivo, precisamente, porque era “possível o uso da segunda chave por outrem, que não a autora”, para aceder ao interior da referida viatura.

Para além disso, está ainda provado que:

“57. Verificando que o GPS instalado no veículo da A. continuava a não transmitir dados completos e existindo discrepâncias com os dados comunicados pela A., a R. mandou instalar um segundo GPS no veículo da A., o que ocorreu em 8.5.2014, tendo nessa data, por precaução, sido igualmente trocada a antena e a extensão de GPS do equipamento e instalado o equipamento ….

58. No dia 13.5. 2014, a DD elaborou o relatório de análise, cuja cópia se mostra junto a fls 148 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respetivo teor, no qual, além do mais, se refere que os selos void anteriormente colocados estão intactos, não tendo sido encontrado qualquer sinal de violação da integridade do equipamento, e apontam para a existência de uma intervenção externa relacionada com técnicas de “jamming” destinadas a “baralhar” os equipamentos, com o objetivo de bloquear a sua funcionalidade sem deixar rasto, recomendando que fosse tentada a deteção de tais técnicas.”.

Ou seja, o dispositivo de GPS instalado no veículo atribuído à autora, continuou a ser “atacado”, agora do exterior, mas sem que fosse atribuído à autora esse “ataque”, como é reconhecido na sentença final.

Mas mais curiosa é a circunstância de a ré, no “Relatório Final” do procedimento disciplinar, instaurado ao trabalhador FF, datado de 02 de Setembro de 2014 (a mesma data do “Relatório Final” reportado à autora), ter dado como provado na alínea ZZ.: “Os restantes GPS estão a funcionar sem avarias noutros veículos da arguente.”.

Tal facto, para além de contraditório em relação ao comportamento que é atribuído à autora, amplia a dúvida de saber a quem deve ser imputado o não funcionamento do GPS instalado no veículo conduzido pela autora.

Daí que, a prova de que mais ninguém, para além da autora, poderia ter tido acesso ao interior da referida viatura era essencial para a presunção judicial funcionar a favor da parte onerada com o ónus da prova, neste caso, a ré empregadora.

Uma vez que a ré empregadora não provou tal facto, perde, em absoluto, consistência o processo volitivo da 1.ª instância, precisamente, por falta dessa premissa essencial: a prova do acesso exclusivo, da autora, ao interior da viatura em causa.

Deste modo, outra solução não resta do que considerar como não provada a factualidade inserida no ponto 53. da matéria de facto, por falta absoluta de prova.

Vejamos então esta questão que, como já referimos é determinante, podendo até prejudicar todas as outras suscitadas pela recorrente.

O art.º 682.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, dispõe:

Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

 A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3, do art.º674.º.

 Por seu turno, o art.º 674.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, estatui:

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Resulta destas disposições legais que os tribunais da relação têm a última palavra na fixação da matéria de facto com interesse para a composição do litígio, exercendo os poderes conferidos pelo art.º 662.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, sendo certo que quanto a essa matéria não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como determina o n.º 4 da mesma disposição legal.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, define e aplica o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados, podendo ter, quanto à fixação da matéria de facto, uma intervenção residual quando considere que ocorreu alguma violação dos preceitos legais que exijam determinada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Pode ainda o Supremo Tribunal de Justiça determinar que o processo volte ao tribunal recorrido, caso entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, nos termos do n.º 3, do art.º 682.º, do Código de Processo Civil.

Como observa o Juiz Conselheiro António Abrantes Geraldes[4] “Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competência do Supremo”, acrescentando “Em concretização de cada uma destas exceções, o Supremo Tribunal de Justiça pode cassar uma decisão sustentada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de depoimento testemunhal, de documento de valor inferior, de confissão ineficaz ou de presunção judicial”.

No caso concreto dos autos o tribunal da relação considerou que, atentos os factos provados, a 1ª instância não podia presumir, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, ter sido a A., ou alguém a seu mando, a danificar o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS).

Na definição legal as presunções são ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Código Civil), sendo certo que as presunções judiciais só são admitidas nos casos  e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º  351.º do mesmo diploma legal).

O Professor Manuel A. Domingues de Andrade[5] conceitualiza a figura da presunção como sendo a “prova por indução ou inferência (prova conjetural) a partir dum facto provado por outra forma – e não destinado a representar nem mesmo a indicar (como o sinal ou contramarca) o facto que constitui a matéria a provar. Chama-se presunção a própria inferência; ou ainda (menos propriamente) o facto que lhe serve de base- facto que, mais rigorosamente, se designará por base da presunção.

O Professor Antunes Varela[6] dá-nos uma noção clara da figura ao afirmar que “ diz-se prova por presunção a que, partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um outro facto”, clarificando ainda mais “A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo provado, ou conhecido, e se chega a um facto desconhecido.”

A possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça poder controlar as presunções judiciais utilizadas pelas instâncias tem-se revestido de alguma controvérsia, como se faz eco na doutrina e é demonstrado pela jurisprudência.

O Professor Miguel Teixeira de Sousa[7] refere que “o erro sobre a fixação dos factos materiais da causa também pode incidir sobre as presunções judiciais baseadas nos factos apurados nas instâncias, isto é, sobre as ilações extraídas desses factos com fundamento em regras de experiência”, acrescentando que “a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à matéria de facto implica, com as restrições constantes no art.º 722.º, n.º 2, 2.ª parte, (atual art.º 674.º, n.º 3), que esse órgão não pode controlar a escolha e a decisão sobre essa matéria realizadas nas instâncias. Mas daí nada resulta quanto ao controlo pelo Supremo das presunções judiciais utilizadas pelas instâncias com base nos factos considerados adquiridos, porque a inadmissibilidade de alterar a matéria de facto nada pode significar quanto ao controlo sobre essas presunções. Quer dizer: quaisquer que sejam as limitações quanto à alteração pelo Supremo da matéria de facto, essas restrições nada valem para o controlo das presunções judiciais, porque este toma como base a matéria apurada nas instâncias e não envolve qualquer modificação desta matéria.”

Esta tomada de posição do referido Professor leva-o a rejeitar a corrente jurisprudencial que recusa ao Supremo Tribunal de Justiça qualquer possibilidade de controlo sobre as presunções judiciais utilizadas pelas instâncias, citando, entre outros, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 17/11/1994, com anotação discordante do Professor Vaz Serra, BMJ 441, 284.

Ainda na linha crítica ao radicalismo de tal posição, sustenta o Professor Miguel Teixeira de Sousa que no mínimo “ainda que se considerasse que as presunções judiciais deveriam ser tratadas, quanto à possibilidade do seu controlo pelo Supremo, como a generalidade da matéria de facto, haveria que concluir que, pelo menos, lhes seriam aplicáveis os poderes gerais de controlo do Supremo sobre a matéria de facto”, sublinhando que é neste sentido que vai a corrente maioritária da jurisprudência que admite que o Supremo Tribunal de Justiça possa verificar se o Tribunal da Relação usou adequadamente ou deixou indevidamente de usar esses poderes de controlo sobre a coerência da presunção judicial com os factos apurados (neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1994, CJ/S-94/3, pág. 277).

São consideradas situações que exigem intervenção do Supremo Tribunal de Justiça quando a fixação de um facto através de uma presunção judicial viola a exigência de um certo meio de prova (por exemplo quando a lei exige que determinado facto só possa ser provado por documento), ou quando ocorra uma ofensa da força probatória de um desses meios (quando a presunção contraria um facto que se encontra plenamente provado).

Ainda seria de admitir o controlo sobre presunções judiciais baseadas em regras da experiência conhecidas da generalidade da opinião pública, que podem ser consideradas factos notórios, podendo o Supremo Tribunal de Justiça usar da faculdade prevista no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

A jurisprudência mais recente alinha no sentido desta orientação que admite um controle pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a construção ou desconstrução das presunções judiciais, podendo verificar se a utilização das mesmas pelo Tribunal da Relação violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja se o facto conhecido não está provado.

Vejamos alguma dessa jurisprudência, mais emblemática, da secção social, do Supremo Tribunal de Justiça:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-04-2013 - Recurso n.º 241/08.2TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Gonçalves Rocha:

 - As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349.º do Código Civil.

 - Tratando-se dum meio probatório que é admitido para prova de factos suscetíveis de serem provados por prova testemunhal, conforme determina o artigo 351.º do Código Civil, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

 - No entanto, já poderá o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349.º e 351.º do Código Civil, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-01-2008 - Recurso n.º 2902/07 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Grandão:

- A Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica e pode sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância no que respeita a saber se elas alteram ou não a factualidade apurada e, bem assim, se elas constituem, ou não, decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada, atividade esta que não é, por norma, sindicável pelo STJ.

 - Ao STJ cabe apenas indagar se é, ou não, admissível a utilização das referidas presunções, face ao estatuído no art.º 351.º do Código Civil, ou seja, apenas lhe cabe determinar se certo facto pode ser tido como provado com base em mera ilação, ou se, na espécie, se exige um grau superior de segurança na prova (art.º 722.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

 - Também se a ilação extraída contraria ou entra em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal houve como não provado, o STJ pode intervir corretivamente nos termos do art.º 729.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, bastando-se a correção com a simples eliminação da ilação extraída.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2006 - Recurso n.º 3228/05 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Peixoto:

- É lícito às instâncias, lançando mão do mecanismo das presunções judiciais, extrair ilações da factualidade que foi dada como provada.

- Tal mecanismo inspira-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica e nos próprios dados da intuição humana e traduz-se num juízo de valor formulado sobre os factos provados que se integra na matéria de facto.

- Relativamente às ilações assim extraídas, o Supremo só pode verificar se elas exorbitam o âmbito dos factos provados ou se deturpam o sentido normal dos factos de que foram retiradas, isto é, averiguar se foram extraídas dentro dos limites contidos nos artigos 349.º e 351.º do CC.

- Se aqueles limites não tiverem sido respeitados, estaremos perante um caso de violação da lei e, então, porque se trata já de uma questão de direito, caberá ao Supremo intervir, controlando e decidindo em ordem a fazer respeitar a conteúdo fáctico que foi dado como provado.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2010 - Recurso n.º 3411/06.4TTLSB.S1- 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Grandão:

- Porque as presunções judiciais se inserem no julgamento da matéria de facto e constituem um meio probatório da livre apreciação do julgador, está vedado ao Supremo proceder à sua avocação, visto que a sua competência funcional, afora as situações de controlo da prova tabelada, se restringe à apreciação definitiva do regime jurídico, que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelas instâncias e, pela mesma razão, não pode o Supremo sindicar o uso, ou não uso, pela Relação, desse meio probatório.

- Por ser uma questão de direito, o Supremo já pode intervir para averiguar se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349.º e 351.º do Código Civil, ou seja, se foram inferidas de factos desconhecidos – designadamente por não terem sido provados – ou irrelevantes para o efeito – designadamente porque o facto presumido exige um grau superior de segurança na prova – e, bem assim, se a ilação extraída conflitua com factualidade provada ou contraria outra que, submetida expressamente ao crivo probatório, tenha sido dada como não provada.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2016 - Proc. n.º 487/14.4TTPRT.P1.S1 (Revista – 4.ª Secção), relatado pela Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes:

- Ao Supremo Tribunal de Justiça, em regra, apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682.º, n.º 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria.

- A sua intervenção na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 3, do CPC, o que exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais.

- Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

Também na jurisdição cível a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem seguido esta, mais recente, orientação.

Vejamos, a título de exemplo, o acórdão de 10/01/2017, Revista 841/12.6.TBMGR.C1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro António Joaquim Piçarra:

- Na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

- É residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes. 

- O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).

- A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).

- Face à competência alargada da Relação em sede da impugnação da decisão de facto (art.º 662º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), é lícito à 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.

- Todavia, em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se, ainda que com alguma controvérsia, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

            Depois desta incursão pela doutrina e pela jurisprudência, voltemos ao caso concreto dos autos, relembrando que a 1ª instância partindo do facto de que a viatura onde tinha sido instalado o dispositivo de Sistema de Posicionamento Global (GPS), que tinha sido atribuída à A., para uso exclusivo no exercício das suas funções, base da presunção, concluiu que o dano causado no cartão do dispositivo do Sistema de Posicionamento Global (GPS), que estava instalado na viatura, foi obra da A,, ou de alguém a mando dela, facto presumido.     

           O Tribunal da Relação exercendo o poder de controlo sobre a construção da presunção concluiu que no silogismo efetuado pela 1.ª instância falta uma premissa essencial: não está provado que mais ninguém teve acesso ao interior da referida viatura, para além da Autora.

           A desconstrução da presunção pelo Tribunal da Relação baseou-se na análise da prova testemunhal produzida, depoimentos das testemunhas LL, MM e NN, bem como nos factos constantes nos pontos 57.º e 58.º dos factos provados, e na alínea ZZ) dos factos provados constantes do relatório final do procedimento disciplinar instaurado ao trabalhador FF, que tem a mesma data do relatório referente à Autora.

            O Tribunal da Relação concluiu que a prova de que mais ninguém, para além da A., poderia ter tido acesso ao interior da referida viatura era essencial para a presunção judicial funcionar a favor da parte onerada com o ónus da prova, neste caso, a R. empregadora, e como esta não provou tal facto perde consistência a ilação tirada pela 1.ª instância, de que o dano foi causado pela A., ou por alguém a seu mando.

           O raciocínio efetuado no acórdão recorrido apresenta-se coerente e lógico estribado numa análise crítica das provas produzidas que não suscita reparos.

           No caso, não se constata que tenha ocorrido algum erro que justifique a sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça nem se alcança que se tenha verificado qualquer violação das regras de direito probatório.

            Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões da recorrente sendo de manter a decisão que considerou não provada a factualidade inserida no ponto 53.º, da matéria de facto, por falta de prova.

           Não se tendo provado que foi a Autora, ou alguém a seu mando, que causou o dano no dispositivo do Sistema de Posicionamento Global (GPS), não se verifica a violação pela trabalhadora, no caso a Autora, do dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe foram confiados pelo empregador, previsto no art.º 128.º, n.º 1, alínea g) do Código do Trabalho.

            Sendo assim não subsiste o único fundamento sufragado pela 1.ª instância para julgar verificada a justa causa de despedimento da Autora, pelo que as restantes questões suscitadas no recurso ficam prejudicadas.

            Na verdade, a matéria de facto constante da ampliação efetuada pelo Tribunal da Relação e a questão de saber se a prova recolhida pelo dispositivo do Sistema de Posicionamento Global (GPS) era ou não lícita só tinha interesse se subsistisse o referido fundamento, com vista a apreciar a gravidade da conduta da Autora, que ao praticar o aludido dano teria pretendido obstar ao regular funcionamento do dispositivo para impedir que o mesmo transmitisse informações que seriam utilizadas pelo empregador.

III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista e confirmar, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 18 de maio de 2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

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[1] Na factualidade provada já constam devidamente assinaladas as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação.
[2] Embora no texto conste 2011, parece-nos que se trata de um lapso devendo referir-se a 2014, dia seguinte àquele em que se realizou a inspeção a que se alude no ponto 48.
[3] Sigla pela qual é designado o Sistema de Posicionamento Global, que corresponde às iniciais da designação em língua inglesa Global Positioning System.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016 -3.ª Edição, Almedina, pág. 367.
[5] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, pág. 215.
[6] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, em coautoria com J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, pág. 484.
[7] Estudos sobre o novo processo civil, Lex, pág.442.