Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4734/18.5T8MAI-A.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
OBRIGAÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
CRÉDITO À HABITAÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
MORA
CONTRATO DE MÚTUO
CESSÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, constitui um mecanismo de protecção aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos;

II - O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação;

III – Num contrato de crédito à habitação, em que se convencionou o reembolso do empréstimo em prestações mensais, ao longo de vários anos, perante a falha no cumprimento de duas prestações, a instituição bancária tinha a obrigação de integrar o mutuário em PERSI, não podendo invocar para o não fazer ter desencadeado um PERSI numa situação de incumprimento ocorrida três anos antes, que se extinguiu por falta de colaboração do mutuário;

IV - Sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




AA e BB, deduziram embargos à execução contra si instaurada por "HEFESTO STC, S.A."


Alegaram, em síntese, que o embargante foi acometido de doença grave em Junho de 2016, o que deu causa ao atraso no pagamento de prestações do contrato de mútuo, na sequência do que procuraram negociar com a mutuante uma solução; num momento existiu abertura para essa negociação, desde que a embargante mantivesse o pagamento de 450,00 EUR mensais, o que esta fez em Julho e Agosto de 2017, comprometendo-se verbalmente a pagar os valores em atraso até ao final do ano de 2017; após a venda do crédito à exequente as negociações cessaram e foi exigido o valor total do crédito, o que coloca em causa o direito constitucional à habitação, pois que a fracção autónoma para cuja compra foi contraído o mútuo, constitui a casa de morada de família dos executados.


A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, tendo alegado no essencial que após a cessão do crédito encetou contactos com os executados/embargantes no sentido de ser encontrada uma solução para o incumprimento do contrato mas sem sucesso, aduzindo ainda que o direito constitucional à habitação não tem cariz absoluto, não podendo ser oposto ao direito da exequente.


Realizou-se audiência de julgamento e após foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.


Inconformados com o assim decidido, os Executados interpuseram recurso de apelação e com sucesso, vindo o Tribunal da Relação, por acórdão de 08.06.2021, a revogar a sentença, julgando procedentes os embargos.


///



Do acórdão vem interposto revista pela Exequente/embargada, concluindo como segue as suas alegações:

a) A ora Recorrente não se conforma com a decisão do douto Tribunal.

b) Considera, a Recorrente, incorretamente julgada a matéria em crise pelas razões que abaixo se enunciarão, devendo ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação do ..., e devendo julgar-se procedente o recurso interposto.

Os Executados AA e BB interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação da ... do Tribunal de 1ª Instância, que veio julgá-lo procedente julgando-se “a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo os embargantes/executados da instância executiva.”

d) Em síntese, o Tribunal a quo entendeu que “instaurada a execução sem prévia integração dos devedores/executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, estamos perante uma excepção dilatória inominada, que conduz à absolvição dos executados da instância executiva (…)“.

e) Foi entendimento do Tribunal de 1ª instância:

“A junção pela embargada do documento comprovativo de integração e expiração do PERSI em data muito anterior àquela que é reportada como base da resolução do contrato de mútuo teve a particular relevância de demonstrar que a situação de incumprimento não é mera decorrência da situação de doença do executado, ocorrida em 2016, mas se teria verificado em períodos anteriores, conforme confirmou a embargante nas suas declarações, ainda que com a ressalva de que essa situação em 2010, por ocasião do desemprego do marido - terá ficado resolvida, com cumprimento pontual até 2016.

(…)

Se é certo que não ocorreu integração em PERSI na sequência do incumprimento do pagamento das prestações identificadas no requerimento executivo, tal duplicação apenas se imporia se tivesse ocorrido reestruturação do contrato original que, tanto quanto resulta documentado, não ocorreu, que o PERSI se extinguiu por expiração, sem renegociação do contrato.

A sustentabilidade jurídica da posição apenas cabia na possibilidade de violação por parte da exequente das regras impostas pelo Decreto-Lei nº227/2012, de 25.10 integração em PERSI -, ou na prova de factos que pudessem conduzir à conclusão de que a mutuante ou a exequente actuaram com abuso de direito ao reclamarem o pagamento da totalidade da dívida, não obstante existir acordo em contrário. Porém, em nenhum momento provaram os embargantes, como lhes competia, qualquer dos pressupostos do invocado direito.

Não o crédito cedido se encontrava em incumprimento, como esse incumprimento ocorreu em momento anterior, como o evidencia a existência de um PERSI iniciado em Fevereiro de 2013, que se extinguiu por decurso do prazo de expiração. Se os embargantes incumpriram as suas obrigações numa fase anterior e o PERSI em que foram integrados não deu causa à renegociação ou reestruturação formal dos contratos, não existe qualquer imposição de nova integração em PERSI, quando não existe sequer prova de que o incumprimento inicial haja sido sanado.

(…)

Assim, encerrado o PERSI e inexistindo qualquer acordo formalizado pelas partes, os valores pagos pelos embargantes mais não representam do que quantias a abater à dívida até acumulada, sem qualquer efeito modificativo em relação aos termos do contrato e às obrigações nele estipuladas, não existindo causa para um segundo PERSI quando não existe prova de que o incumprimento que esteve na origem do primeiro foi regularizado.”

f)  No âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.

g) Desta forma, o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada.

Ora,

h) Relembremos os traços gerais da factualidade apurada:

i)   Em 17 de Fevereiro de 2013 foi remetida aos embargantes pela CEMG a carta com o teor constante de fls. 38/39, na qual esta informa que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato que identificam aquele havia sido integrado em PERSI, solicitando-se a entrega de documentação no balcão com vista a encontrarem uma solução adequada para o incumprimento registado.

j)   Por carta datada de 20.05.2013 foram os embargantes notificados pela mutuante da extinção do PERSI.

k) Os Recorrentes voltaram a faltar ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em 27.03.2016 e 27.08.2017.

Assim,

l)   O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (art.ºs 14º, 15º e 16º do DL227/2012, de 25.10).

m) No caso em concreto, mal andou o Tribunal da Relação do ..., em não afastar a obrigatoriedade de implementação dos específicos procedimentos previstos no DL n.º 227/2012, uma vez que a instituição bancária e os Embargantes/Executados já tinham desenvolvido negociações anteriores.

n) Daí, não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI novamente, perfazendo renegociações atrás de renegociações, com clientes com perfil de devedor reincidente, tendo inclusive os Embargantes/Executados assumido nos seus embargos de executados e nas suas alegações de recurso tal situação. Isto é, não se pode exigir ao Exequente que ao longo de anos tenha entabulado negociações com os Embargantes/Exequentes com vista à regularização dos incumprimentos, seja obrigado a integrar o devedor no regime legal prevenido no DL 227/2012, de 25 de Outubro novamente.

o) Os Recorrentes foram integrados no PERSI, conforme factualidade provada, mas não responderam a qualquer missiva, tendo o mesmo expirado. Assim, salvo melhor entendimento, a finalidade do PERSI ficou cumprida através da falta de manifestação dos Recorrentes quanto ao mesmo.

Deste modo,

p) Os Recorrentes incumpriram as suas obrigações numa fase anterior e o PERSI em que foram integrados não deu causa à renegociação ou reestruturação formal dos contratos.

Pelo que,

q) Encerrado o PERSI e inexistindo qualquer acordo formalizado pelas partes, os valores pagos pelos embargantes mais não representam do que quantias a abater à dívida até aí acumulada, sem qualquer efeito modificativo em relação aos termos do contrato e às obrigações nele estipuladas, não existindo causa para um segundo PERSI quando não existe prova de que o incumprimento que esteve na origem do primeiro foi regularizado.


 Contra alegaram os Recorridos pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do acórdão recorrido.


///


Fundamentação.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. Por contrato de venda de créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL vendeu os créditos identificados como: 3182 1... e 3182 7..., que detinha sobre os requeridos e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à HEFESTO STÇ S.A., que incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos (documento n°l anexo ao requerimento executivo e verba n°884 ipcluída no documento complementar, cujo teor se tem por reproduzido e artigos 5o e 17° do requerimento inicial).


2. No âmbito do mencionado contrato incluíram-se os créditos sobre os Executados, identificados na relação de créditos cedidos constante do referido contrato e do respectivo documento complementar, parte integrante do mesmo.


3. No exercício da sua actividade creditícia a Caixa Económica Montepio Geral celebrou com os Executados, em 27.03.2007, dois contratos de mútuo, formalizados por escritura pública que servem de título à execução, no montante de 90.000,00 EUR e de 25.000,00 EUR (cfr. escrituras públicas e documentos complementares juntos como documentos anexos ao requerimento executivo, cujo integral teor se tem por reproduzido).


4. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao ..., com entrada pelo n°...  do prédio urbano sito na Travessa..., freguesia de ... concelho da ..., descrito na ... CRP da ... sob o n°......27, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ......47.


5. As hipotecas aludidas em 4) foram registadas na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. ... de 2007.03.... e da AP. ... de 2007.03...., tendo sido averbada na descrição predial a transmissão do crédito para a exequente pela Ap. ... de 2017.12.....


6. No documento complementar anexo às escrituras públicas aludidas em 4), ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes de capital e juros.


7. Os executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em 27.03.2016 e 27.08.2017.


8. No requerimento executivo a exequente líquida as quantias em dívida, por efeito do vencimento integral das prestações, nos seguintes termos: Contrato 31821 ... - Capital em dívida: --- 79941.50 € Juros: — 3224.69 € Despesas: --- 317.85 € Total: — 83484.04; Contrato 31827... -Capital em dívida: ™ 20836.74 € Juros: — 791.71 € Despesas: — 7.13 € Total: — 21635.58; reclama um valor global de 105.119,62 €.


9. No ano de 2016, por razões de saúde, o embargante deixou de trabalhar, o que deu causa a dificuldades financeiras dos executados, que procuraram, junto da então mutuária CEGM, obter um acordo com vista ao cumprimento das obrigações.


10. O imóvel hipotecado em garantia das obrigações decorrentes do contrato de mútuo corresponde à casa de habitação dos executados.


11. Com data de 17 de Fevereiro de 2013 foi remetida aos embargantes pela CEMG a carta com o teor constante de fls. 38/39, na qual esta informa que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato que identificam aquele havia sido integrado em PERSI, solicitando-se a entrega de documentação no balcão com vista a encontrarem uma solução adequada para o incumprimento registado.


12. Por carta datada de 20.05.2013 foram os embargantes notificados pela mutuante da extinção do PERSI por expiração.


///


E julgou-se não provado:

a) Em junho de 2016 o executado foi internado por padecer de uma doença grave, permanecendo em coma 39 dias;

b) Preocupados com o pagamento das prestações a que se havia comprometido em virtude do contrato de mútuo celebrado com a Caixa Económica Montepio Geral, a segunda executada dirigiu-se àqueles serviços para solicitar algumas informações sobre os pagamentos em atraso, nomeadamente, no que respeitava à possibilidade de beneficiar de um período de carência relativamente ao seu crédito habitação;

c) Num primeiro momento, a executada foi informada para "não se preocupar", que tal benefício ser-lhe-ia concedido, tendo, contudo, a mesma que pagar a quantia mínima de 450,00 EUR, montante por si suportado no período compreendido entre julho e agosto de 2017;

d) No mês de setembro do pretérito ano, os Executados foram contactados telefonicamente pelo responsável da recuperação de crédito do Montepio, e, durante a conversação, a segunda Executada, apesar de reforçar a sua situação de carência económica e atento ao facto da sua filha se encontrar a trabalhar, acordou verbalmente pagar as prestações em atraso até ao final do ano de 2017;

e) No mês de outubro e novembro procederam ao depósito do montante relativo à prestação do crédito;

f) Após a receção da comunicação da cessão do crédito exequenda, a segunda executada dirigiu-se à Caixa Económica Montepio Geral para solicitar alguns esclarecimentos sobre aquela.

7) Seguidamente, contactou com os serviços da Exequente a fim de tentar entender como resolver aquela questão.

8) Os Executados, ainda nos dias de hoje, demonstram alguma dificuldade em compreender português, tendo compreendido tardiamente que o crédito vendido era o crédito total e não apenas as prestações em atraso.


 O direito.

 Constitui objecto da revista o acórdão da Relação do ... que, dando provimento à apelação, julgou procedentes os embargos deduzidos pelos executados à execução contra eles instaurada por Hefesto STC, SA, com base num crédito que lhe foi cedido pelo primitivo credor, a Caixa Económica Montepio Geral.


 No essencial, considerou o acórdão recorrido:

“(…) Com a falta de pagamento das prestações devidas em 27.03.2016 e 27.08.2017 devia ter sido implementado o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). A integração dos ora embargantes naquele procedimento era obrigatória (art. 12° e 14°, n° 1) e a execução apenas podia ser instaurada após a extinção daquele procedimento (art. 18o, n° 1, al. b), como tem sido assinalado pela jurisprudência, de modo que se nos afigura pacífico (por todos, acórdão desta Relação, de 23-02-2021, proc. 8821/19.4T8PRT-A.P1, relatado pelo ora Io adjunto, com vasta referência jurisprudencial).

Instaurada a execução sem prévia integração dos devedores/executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, estamos perante uma excepção dilatória inominada, que conduz à absolvição dos executados da instância executiva (acórdão citado e arestos no mesmo referidos).


Dissentindo do assim decidido, sustenta a Recorrente que a instituição bancária credora – a CEMG – não tinha que integrar os Executados em PERSI uma vez que já havia entabulado negociações com aqueles por incumprimentos anteriores no âmbito de um PERSI, que foi encerrado sem que tenha havido renegociação ou reestruturação dos créditos, não existindo, assim, fundamento para um segundo PERSI.

Que dizer?

O PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, surge no contexto da crise económica e financeira que afectou maioria dos países europeus a partir de 2008, é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

Consta do respectivo preâmbulo que “no âmbito do PERSI as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”

Como se observou no Acórdão do STJ de 09.02.2017, P. 194/13.5TBMN-A.G1.S1., disponível em www.dgsi.pt., foi propósito do legislador com o DL nº 227/2012, “obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na acepção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31.07, alterada pelo DL nº 67/2003 de 08.04), salvaguardando, através dos mecanismos nele criados, a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira”.


O PERSI constitui, pois, uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação.


Para o que aqui releva, importa recordar o que dispõem os arts. 13º a 15º:

Art. 13.º

No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.

Art. 14.º

Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado em PERSI entre o 31º e 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa.

Art. 15.º

(…).

4. No prazo máximo de 30 dias após integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:

a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, de renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou

b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objectivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capita ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

5. (…).

(…).


A fase da negociação tem por objectivo obter o acordo entre o cliente para a proposta ou propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento – art. 16º.


Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está a instituição de crédito impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, e de intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito – art. 18º, nº 1, alíneas a) e b) (o já citado acórdão deste STJ de 09.02.2017).


Em suma, a integração do cliente bancário em PERSI, estando em causa contrato de crédito compreendido na previsão do art. 2º do DL 227/2012, e verificando-se uma situação de mora do mutuário, é obrigatória, uma vez reunidos os respectivos pressupostos, de tal modo que a acção executiva só pode ser intentada após a extinção deste procedimento.


Sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, como pacificamente se vem decidindo. (Acórdãos das Relações do Porto de 23.02.2021, P. 8821/19, de Coimbra de 15.12.2020, CJ, 2020, 5º, pag. 283, e da Relação de Lisboa de 21.10.2021, P. 12205/18).


É altura de reverter ao caso dos autos.

Tendo celebrado em 27.03.2007 dois contratos de mútuo com a Caixa Económica Montepio Geral, nos valores de €90.000,00 e €25.000,00, que se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, os Executados falharam o pagamento das prestações vencidas em 27.03.2016 e 27.08.2017;

Em 02.11.2017, o Montepio cedeu os créditos que tinha sobre aqueles à Hefesto STC, SA, ora exequente.


Á luz dos princípios expostos, verificando-se em 27.03.2016 o não pagamento da prestação do contrato de mútuo nessa data vencida, o Montepio, credor mutuante, o mais tardar até ao dia 11.04.2016, deveria ter desenvolvido “diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado” (art.13º), e “mantendo-se o incumprimento das obrigações”, obrigatoriamente integrado os mutuários, ora recorridos em PERSI, como previsto no art. 14º, nº 1.


Nada disto ocorreu, não procedendo, com o devido respeito, as razões aduzidas pela Recorrente no sentido de que não faria sentido integrar os mutuários em PERSI por a instituição bancária já ter desenvolvido negociações anteriores com aqueles, num procedimento que expirou por falta de colaboração dos executados.


E não procede porque o PERSI anterior foi extinto em Maio de 2013, a matéria de facto não revela incumprimentos posteriores àquela data até 27.03.2016, quando os Executados falharam o pagamento de uma prestação, incumprimento que repetiram em 27.08.2017.


Não tem qualquer apoio, seja na letra seja no espírito que preside ao DL nº 272/2012, a interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação.


É que, como bem observou a Relação, “as circunstâncias subjacentes a cada umas daquelas faltas de pagamento podem ser diferentes, como diferentes podem ser as medidas que no âmbito do PERSI possam contribuir para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos embargantes. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos.”

A tutela dos interesses dos consumidores pode ocorrer em diversas situações. A limitar-se a intervenção do PERSI a uma única situação de mora, podem ficar sem tutela situações que ocorram alguns anos após a extinção daquele PERSI e que em princípio justificariam a implementação de um PERSI.

A falta de pagamento das prestações devidas em 27.03.2016 e 27.08.2017 devia ter levado o credor Montepio a implementar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Não tendo tal ocorrido, estamos perante uma excepção dilatória inominada, conducente à absolvição dos Executados da instância executiva.

Isto não deixa de ser assim por o exequente não ser o CEMG, mas sim o cessionário do crédito, Hefesto STC, SA. É que se a cessão de créditos é livre, “independentemente consentimento do devedor” (art. 577º do CCivil), o art. 585º consagra o direito do devedor de “opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.”

Com o que improcedem na totalidade as conclusões da Recorrente, não merecendo censura o acórdão recorrido.

Sumário:

I - O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, constitui um mecanismo de protecção aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos;

II - O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação;

III – Num contrato de crédito à habitação, em que se convencionou o reembolso do empréstimo em prestações mensais, ao longo de vários anos, perante a falha no cumprimento de duas prestações, a instituição bancária tinha a obrigação de integrar o mutuário em PERSI, não podendo invocar para o não fazer ter desencadeado um PERSI numa situação de incumprimento ocorrida três anos antes, que se extinguiu por falta de colaboração do mutuário;

IV - Sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista, e condena-se a Recorrente nas custas.


Lisboa, 09 de Dezembro de 2021


Ferreira Lopes (relator)


Manuel Capelo


Tibério Silva